Em 1517, Carlos V, Rei da Espanha, a pedido de Las Casas um padre dominicano, autorizou a exportação de quinze mil escravos para São Domingos. Assim em 1517, o padre e o Rei iniciaram, no mundo, o comércio americano de negros e a escravidão. Também em 1517 o Padre Martinho Lutero publica as suas 95 teses, que deram início à Reforma Protestante. Infelizmente as 95 teses de Lutero só foram Contra o Comércio das indulgências e não contra o comércio de seres humanos, que era também um grande mal impregnado na Igreja Católica.
A escravidão negra começou com o tráfico africano no século XV, na mesma época do inicio da Reforma Protestante, por iniciativa dos portugueses, com a exploração da costa da África e a colonização das Américas. Os demais impérios coloniais rapidamente aderiram à prática da compra e venda de seres humanos, no célebre “comércio triangular” entre a África, a América, e a Europa.
No entanto, o tipo de escravidão que se deu nas Américas, logo após seu descobrimento por Cristóvão Colombo, em 1492, era praticamente inédita, baseada no subjugamento de uma raça, em razão da cor da pele.
O “despovoamento” das Américas e, conseqüentemente, a escassez de escravos, fez surgir o primeiro carregamento de negros africanos para suprir a falta de escravos nativos, que viria a ser conhecido como o comércio transatlântico de escravos, foi iniciado a pedido do bispo Las Casas e autorizado por Carlos Vem 1517. Las Casas teria depois rejeitado todas as formas de escravidão e tornou-se um grande protetor dos direitos indígenas. Nenhuma condenação papal ou protestante, sobre o tráfico de escravos transatlântico foi feito na época.
Os missionários católicos, como os jesuítas, que também possuíam escravos, trabalharam para aliviar o sofrimento dos escravos americanos nativos do Novo Mundo. Debate sobre a moralidade da escravidão continuou por todo este período.
Apesar de uma forte condenação da escravidão pelo Papa Gregório XVI, em sua bula emitida em 1839, condenando e proibindo a escravidão de negros. Alguns bispos norte-americanos continuaram a apoiar os interesses escravistas até a abolição da escravatura.
A questão do cristianismo e escravidão tem vivido um intenso conflito. No protestantismo enquanto os abolicionistas cristãos eram uma força principal na abolição da escravatura. Escravistas cristãos usavam passagens da Bíblia para justificá-la e manter o sistema escravocrata. A Bíblia era utilizada por ambos os defensores pró-escravidão e abolicionistas para apoiar as respectivas posições.
A cristandade na Idade Média viu a escravidão tradicional desaparecer na Europa e sendo substituídos pelo feudalismo. Mas este consenso foi quebrado nos estados escravistas dos Estados Unidos, onde as justificativas mudaram de religião (os escravos são pagãos) a raça (os africanos são os descendentes de Cam ), em 1667, a assembléia da Virgínia aprovou uma lei que declarava que o batismo não concedia a liberdade aos escravos.
Depois que os Estados Unidos haviam vencido sua batalha pela independência, os europeus continuaram a chegar de vários países, cada grupo trazendo sua própria inclinação teológica e patrimônio cultural. Enquanto os europeus estavam imigrando para o novo país, os africanos estavam sendo sequestrados de suas aldeias, transportados em condições terríveis para as Américas, vendidos como mercadorias e usados como escravos no plantio e propriedades.
Durante o mesmo período, os povos nativos da América do Norte encontraram-se forçados a deixar suas terras tribais. A maioria das nações indígenas foi dizimada. Milhões de pessoas morreram de doenças e guerras. Os sobreviventes foram confinados em “reservas” sobre as piores terras.
Os cristãos protestantes usaram a Bíblia para defender e justificar estas realidades. A escravidão foi racionalizada, porque os africanos não eram cristãos, portanto, rotulados como “pagãos” e considerado sub-humano. A Terra Prometida do livro de Josué com o seu modelo de conquista militar foi usado para justificar as guerras contra os povos indígenas, os “cananeus” do Novo Mundo. Os Protestantes que vieram para o Novo Mundo se viam como eleitos de Deus, chamados a estabelecer o Novo Israel. Uma interpretação bíblica que estimulou uma atitude de superioridade moral e econômica dos cristãos brancos sobre todas as outras culturas.
Para justificar a escravidão negra os clérigos do Sul dos Estados Unidos baseavam seus argumentos nas Escrituras. Eles apontaram que a escravidão era instituída por Deus e fundamentada na Bíblia:
“E disse: Maldito seja Canaã; servo dos servos seja aos seus irmãos”. (Gn 9:25).
“E quanto aos escravos ou às escravas que chegares a possuir, das nações que estiverem ao redor de vós, delas é que os comprareis.
Também os comprareis dentre os filhos dos estrangeiros que peregrinarem entre vós, tanto dentre esses como dentre as suas famílias que estiverem convosco, que tiverem eles gerado na vossa terra; e vos serão por possessão.E deixá-los-eis por herança aos vossos filhos depois de vós, para os herdarem como possessão; desses tomareis os vossos escravos para sempre; mas sobre vossos irmãos, os filhos de Israel, não dominareis com rigor, uns sobre os outros. (Levítico 25:44-46).
Assim, eles argumentaram que a Bíblia confirmava a compra, venda e posse de escravos, desde que eles não fossem cristãos e de uma raça diferente. Em vão o argumento dos cristãos do Norte: afirmando que a passagem bíblica só se aplicava ao povo judeu em sua condição particular. Os sulistas responderam “que Jesus não condenou a escravidão, nem nunca falou uma palavra contra ela. Paulo chegou a enviar um escravo para o seu mestre. Se a escravidão era um mal ou pecado, não teria Jesus ou Paulo que condená-la?”
Outros cristãos alegaram que a base de toda a vida cristã era amar a Deus com todo seu coração, mente e alma, e amar o próximo como a ti mesmo. Como alguém poderia amar o próximo como a si mesmo e mantê-lo como escravo?
Isso não impediu os sulistas argumentarem que o amor total ao próximo como a si mesmo não foi possível nesta vida. Por causa do pecado havia escravidão, que era apenas uma das formas necessárias de desigualdades. Que a escravidão não era uma injustiça, mas benéfica para os negros, a fim de “civilizá-los” e “cristianizá-los”.
Além disso, os cristãos eram instruídos a batizar os negros, a fim de torná-los cristãos. Era dever dos senhores que seus escravos se tornassem e permanecesse cristão. “O negro foi criado para servir nas fileiras da escravidão. Esse tipo de vida foi aprovado pela Bíblia”, argumentavam os eclesiásticos do sul.
Então os pastores e educadores do sul acreditavam na inferioridade do negro: “Ele não tem a capacidade ou o talento possível do homem branco. Ele não era capaz de pensar por meio de qualquer problema complexo, ou de serem treinados para executar tarefas difíceis. Não foi por acaso que o Negro estava nessa condição – ele era assim por natureza, pela criação. Ele era uma criatura inferior feito para servir seus superiores”. Qualquer tentativa de desacreditar esses pensamento estava fora da revelação bíblica e da ciência.
Pena que Martinho Lutero não incluiu nas suas 95 teses o pecado da escravidão. Talvez, se tivesse colocado, os protestantes no mundo não teria a mancha da escravidão negra nos seus 500 anos de história.
Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut