Em 31 de outubro de 2017, a reforma protestante completou 500 anos, foi uma data oportuna para a reflexão histórica do protestantismo e a escravidão negra no mundo. Neste artigo vamos pincelar alguns fatos da relação do protestantismo com a escravidão negra nas igrejas protestantes nos Estados Unidos. Primeiramente é importante frisar que as igrejas não saíram ilesas pela controvérsia da escravidão. Quase todas as Igrejas protestantes nos Estados Unidos sofreram consequências como a divisão e o cisma. As grandes denominações chegaram até a se racharem, resultando em Igrejas “do Norte” e “do Sul”.
Vejamos alguns fatos dessa divisão nas igrejas norte-americanas pelo pecado da escravidão.
Os Metodistas e a escravidão:
O movimento metodista na América era conhecido como a Igreja Metodista Episcopal. John Wesley, precursor do movimento Metodista, condenava a escravidão como uma “vilania execrável”. Ele não admitia, sob hipótese alguma, que um ser humano fosse dono de outro; daí escreveu contra a escravidão e encorajava Wilberforce na sua luta no parlamento inglês contra o mal. Mas nas colônias americanas, quem trabalhava nas fazendas de arroz eram os negros e, apesar da Declaração da Independência (1776) afirmando como uma “verdade auto-evidente” que todos foram dotados pelo Criador do Direito da Liberdade, no novo país (EUA) a escravidão não foi abolida na época!
Os membros da denominação poderiam ter escravos, o clero não podia. Em 1832 James Andrew Osgood da Geórgia foi consagrado bispo, ele não tinha escravos, porém, Andrew casou com uma mulher que possuía um escravo, tornando-se um proprietário de escravo. Em 1844, Andrew viajou a Nova Iorque para a Conferência Geral Anual da Igreja Episcopal Metodista. Alguns bispos do norte levantaram a questão de Andrew ser um proprietário de escravos. Essa questão foi o estopim para a divisão da Igreja Metodista. A questão foi decidida pelo voto: 136 votaram a favor da separação, quinze votaram contra. Os sulistas criaram a Igreja Metodista Episcopal do Sul e no Norte, os metodistas continuaram com o nome Igreja Metodista Episcopal.
As poucas vozes de protesto ao sistema não foram suficientes para levantar a consciência da Igreja de modo geral; e, com o tremendo aumento da produção do algodão, para a qual pensava-se indispensável o labor negro, criou-se um argumento tanto filosófico como bíblico que apresentava a escravidão não como um mal, senão como bem positivo! Foi só de 1830 em diante que o movimento de abolição começou a crescer; e nesta luta muitos metodistas participaram plenamente.
Os Batistas e a escravidão:
Os Batistas foram à segunda das grandes denominações protestantes divididas sobre a questão da escravidão. Nas igrejas batistas do Norte, vários pastores e um grande número de leigos Batistas tornaram-se convencidos da necessidade de arrependimento imediato do pecado da escravidão.
Em 1836, os Batistas do Norte declararam a escravidão como pecado e questionaram se deveriam manter relações com os donos de escravos. Os Batistas do Sul, por outro lado, defenderam a instituição da escravidão e atacaram os abolicionistas do Norte. Os oficiais das missões batistas queriam evitar qualquer controvérsia, evitando que os trabalhos missionários das igrejas batistas não fossem prejudicados.
Os batistas da Geórgia recomendaram que James E. Reeve, um proprietário de escravos, tornar-se um missionário. Os batistas do Norte rejeitaram a ideia de um missionário escravista e se recusou a nomeá-lo. Batistas do Sul se reuniram, na Geórgia, em 1845 e formaram a Convenção Batista do Sul. Foi mais um sinal das tensões graves transversal que se desenvolveu no país antes da eclosão da guerra civil.
Rev. Basil Manly, Sr., então presidente da Universidade do Alabama (1838-1855), elaborou uma resolução defendendo a escravidão. Manly dono de uma plantação e 40 escravos, defendia a “humanidade dos escravos”, acreditava que a instituição era parte do esquema adequado de estruturas sociais do homem, e que a religião batista poderia ajudar no tratamento humano aos escravos.
Os Presbiterianos e a escravidão:
Diferente dos metodistas e batistas, os presbiterianos a separação não foi centrada em um indivíduo, mas pela ideia da própria escravidão. Já em 1787, o Sínodo de Nova York e Filadélfia havia sugerido que os escravos fosse libertados. A questão da escravidão se alargou ainda mais a divisão entre os presbiterianos liberais (nova escola) e conservadores (velha escola). A nova escola (igrejas presbiterianas do Norte) aprovou várias resoluções condenando a escravidão. Nas igrejas presbiterianas do Sul, velha escola, se defendia a escravidão nas escrituras e considerava infiéis os abolicionistas.
O pastor presbiteriano da velha escola Robert Lewis Dabney reconhecia a escravidão permitida biblicamente e o comércio de escravos licito. Ele documentou que os nortistas, que atacava a escravidão, eram os que tinham iniciado o comércio de escravos e enriqueceram com isso. Ele também pediu a reforma da escravidão do Sul para eliminar os abusos que eram incompatíveis com a instituição da escravidão como biblicamente definido.
Os Anglicanos e a escravidão:
A relação da Igreja Anglicana no tráfico de escravos se deu através da Sociedade para a Propagação do Evangelho, em especial nas ilhas Barbados. A Igreja Anglicana, através de sua filial missionária, foi dona de uma plantação em Barbados. Os escravos do local eram marcados como gados no peito com a palavra “Sociedade”, referente à Sociedade para a Propagação do Evangelho no Estrangeiro. Os donos da plantação recebiam uma indenização por libertar os escravos, o bispo de Exeter recebeu centenas de libras por este motivo. Apesar dos esforços dos reformadores anglicanos como William Wilberforce, a Igreja era parte do problema, bem como parte da solução.
William Wilberforce, nasceu em 24 de Agosto de 1759 e morreu em 29 de Julho de 1833, foi um político britânico, filantrópico e líder do movimento abolicionista do tráfico negreiro. Nativo de Kingston upon Hull, Yorkshire, começou sua carreira política em 1780 como candidato independente, sendo deputado do condado de Yorkshire entre 1784 e 1812. Em 1785 converteu-se ao evangelicalismo, mudando completamente o seu estilo de vida e se preocupando ao longo de toda sua vida com a reforma evangélica. Em 1787, William Wilberforce conheceu Thomas Clarkson (abolicionista britânico) e um grupo abolicionista ao tráfico negreiro que incluía Granville Sharp, Hannah More e Charles Middleton, importantes nomes da época e que juntos persuadiram Wilberforce a entrar também na causa. Assim, Wilberforce logo se destacou tornando-se líder do grupo britânico abolicionista. E liderando uma campanha no parlamento inglês contra o tráfico negreiro até a então assinatura do Ato contra o Comércio de Escravos de 1807. William Wilberforce foi influente para a libertação dos negros.
Os Luteranos e a escravidão:
A Igreja Luterana foi amargamente dividida por assuntos teológicos e políticos, os mesmos problemas que dividiu a nação em uma guerra civil. A questão da escravidão foi debatida muito antes dos Estados Unidos se dividido pela Guerra Civil. “Na verdade, muito antes da criação da Confederação e o estabelecimento de uma igreja luterana do Sul, as instituições da escravidão e um crescente sentimento de distinção entre Norte e Sul tinham preparado o terreno para essa evolução.” Foi surpreendente, contudo, que a Igreja Luterana entrou no debate sobre a escravidão relativamente tardia, quando comparado a outras denominações. Os metodistas, presbiterianos, batistas ja vinha discutindo a questão da escravidão desde o final de 1700. Dentro da Igreja Luterana, um dos primeiros adversário da escravidão foi o Sínodo Franckean do Estado de Nova York.
Pregadores Luteranos do Norte denunciou o longo silêncio de suas próprias igrejas e outros sobre a questão da escravidão, e confessou que, ao tentar preservar uma falsa paz que tinham, provavelmente, contribuíram para a calamidade da guerra. (Paul A. Baglyos, Luterana Historical Society do-Newsletter Mid Atlantic, Inverno 1999)
Os luteranos do sul retiraram os seus homólogos do Norte, e em 1863 formaram uma nova organização, conhecida como o Sínodo Geral do sul. Embora muitas outras questões podem ter contribuído para a guerra, a disputa principal na Guerra Civil Americana foi a escravidão e, especialmente, a sua expansão para novos territórios ocidentais. Embora alguns luteranos no Norte eram abolicionistas radicais (o Sínodo Franckean sendo uma exceção). A maior parte dos luteranos do sul eventualmente, apoiavam o sistema de escravidão e a questão da escravidão havia complicado as suas relações com os seus homólogos do Norte.
Os Congregacionais e a escravidão:
O nome “congregacional” geralmente descreve o seu estilo organizacional, que promove a autonomia da igreja local e de propriedade, enquanto que promovem companheirismo e responsabilidade entre as Igrejas a nível Nacional.
A Igreja Congregacional foi a primeira igreja da América a se levantar contra o racismo e a escravidão. Também fundou a American Missionary Society(1849) para ajudar na liberdade dos escravos.
Em 1785, a Igreja Congregacional ordenou Lemuel Haynes, o primeiro Afro-americano a ministrar na América.
Entre as denominações protestantes, os congregacionais foram os mais abertamente contra a escravidão.
Nas igrejas congregacionais não aconteceu a divisão entre igrejas do norte e igrejas do sul, acreditamos que divido o seu sistema onde cada congregação local é autônoma e independente.
Em resumo, o protestantismo nos Estados Unidos sofreu grandes consequências, como a divisão e o cisma, com o pecado da escravidão. Nas denominações metodista, batista e presbiterianos, outras questões contribuíram para o racha, mas a escravidão foi a de maior gravidade, em cada caso. No caso dos anglicanos, luteranos e congregacionais a questão escravista tem suas particularidades, como: sua relação com a escravidão te acontecido fora dos Estados Unidos em outras colônias e até mesmo na Inglaterra que é o caso dos anglicanos; os luteranos apesar de também terem se dividido entre a questão da escravidão, entrou no debate sobre a escravidão já bem mais tarde; Entre as denominações protestantes os congregacionais foram os mais abertamente contra a escravidão, os primeiros da América a se levantar contra o racismo e a escravidão.
Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut