As fontes da Teologia Negra

Em relação às fontes para a elaboração de uma teologia negra, James Cone não nega as Escrituras e a tradição cristã (ocidental), mas não limita se a elas, além de contextualizá las. Para ele, as fontes da teologia negra devem incluir a história e a cultura dos oprimidos, que, no contexto norte americano, são os negros, indígenas, mestiços e asiáticos. Significativo notar que James Cone não faz menção às mulheres, cuja experiência e condição histórica particular, mais tarde, daria lugar a uma hermenêutica teológica própria, legitimada pelas mesmas premissas, mas desde o corpo e perspectiva da mulher negra.

Ao negar a universalidade da teologia tradicional euro norte americana, como vimos acima, James Cone defende a necessidade de buscar no evangelho respostas a perguntas da realidade concreta em um contexto/comunidade sociopolítico específico. Para isso, as fontes da teologia, necessariamente, deveriam privilegiar a experiência de vida, a história e a cultura dos negros, incluindo a apropriação criativa da tradição cristã nas comunidades negras. A “autoridade orgânica” destas fontes, em relação à realidade para a qual o evangelho era anunciado, as tornam indispensáveis para a TNdL.

Com isso, torna se necessário para o teólogo negro compreender como a comunidade negra relaciona a sua história e a sua cultura com a fé em Jesus Cristo. Para Cone, obviamente, essa relação se dá em uma perspectiva distinta da dos europeus e dos brancos norte americanos. Por isso, a tradição teológica clássica é insuficiente para compreender a religiosidade cristã negra. Cone defende que os métodos de análises devem ser originados a partir das próprias fontes para fazer jus ao pensamento negro. Já notamos aqui que as fontes, imbricadas na história e cultura negra, geram a necessidade de uma epistemologia na perspectiva do negro.

As fontes que James Cone destaca são: os sermões, as orações, cânticos, e elementos da experiência do negro para além da igreja como os contos, músic as seculares e os blues e os relatos pessoais.

1 –  Sermão

Ao tratar sobre o sermão, enquanto um evento litúrgico da Igreja Negra, James Cone alerta para uma distinção entre palavras do texto e a Palavra revelada no texto. “A Palavra é mais do que palavras sobre Deus. A Palavra de Deus é um acontecimento poético, evocação de uma realidade indescritível na vida do povo” (CONE, 1985, p. 27 28). A Palavra é mais sentida do que racionalizada em bases teóricas brancas e acadêmicas acerca do evangelho. O evangelho é correlacionado
com a busca da comunidade negra por liberdade. Portanto, “Se o evangelho significa liberdade, então a liberdade revelada nesse evangelho deve também ser revelada no evento da proclamação” (CONE, 1985, p. 28). Desse modo, a Palavra expressa se no ritmo e nas emoções da linguagem. Para Cone, quando o povo sente e confirma a veracidade da Palavra proclamada no sermão, é um sinal da presença do Espírito no meio do povo, que responde com ressonantes “améns”. O sermão está intimamente ligado com as condições de existência da comunidade negra, “O sermão negro resulta da totalidade da existência do povo sua dor e alegria, aflição e êxtase” (CONE, 1985, p. 28).

2 – Oração

Para James Cone, as orações dos negros não são iguais às dos brancos. Afirma que mesmo em situação de escravidão, sendo obrigado pelo senhor a cultuar o cristianismo, “o escravo transcendia as limitações da servidão e afirmava um sistema de valores religiosos que diferia do de seu senhor” (CONE, 1985, p. 29). Essa distinção evidenciava a afirmação da identidade negra na oração, o que leva James Cone a propor que o teólogo negro deve refletir sobre a Palavra da oração como revelada na afirmação da identidade dos negros. Em uma situação de opressão, a oração do negro revela a afirmação da identidade negra em busca da liberdade de ser o que se é: “Deus é o Espírito de Jesus que guia e move o povo negro em sua luta para ser aquilo que deve ser por criação” (CONE, 1985, p. 30).

3  – Cântico (spirituals e cânticos do evangelho)

Cone aponta que, assim como o sermão e a oração, os spirituals e cânticos do evangelho revelam que a verdade da religião dos negros não se limita à literalidade das palavras. A verdade se revela no modo como a linguagem é expressada, entusiasticamente, apaixonada, com gritos, gemidos, nas cantorias, na entonação e qualidade tonal corretas, onde ambiguamente expressam a dor e a alegria, a existência trágica dos negros e a sua resistência em não aceitar essa trágica condição.

Alguns dos exemplos sugerido s por James Cone aos teólogos negros para terem acesso a essas fontes são: livros que se dedicaram a estudar e compilar sermões, orações e cânticos; o cântico negro na própria igreja negra (o que seria um estudo empírico); gravações de artistas como Mahali a Jackson, James Cleveland, Clara Ward e Paul Robeson, e o álbum (na época recente) “ Amazing Grace ” de Aretha Franklin.

A música “ Amazing Grace ”, cantada por artistas como Aretha Franklin e Mahalia Jackson, é um exemplo de que o que importava para James Cone não era necessariamente a autoria dos cânticos, mas o modo como os negros se apropriavam deles. A citada canção foi originalmente composta por um ex comerciante de escravos. Porém, James Cone percebe a apropriação e ressignificação que os negros dão à canção quando cantada em um contexto de opressão social, política e cultural, fazendo referência à presença de Deus para a superação dessa situação:

(…) quando os filhos e filhas de escravos negros o cantavam, “Maravilhosa Graça” recebia a infusão da fo rça e do significado negros. Para os negros de Bearden, os “perigos, lutas e armadilhas” se referiam à sua luta diária pela sobrevivência, aos altos e baixos da existência negra, e à tentativa de tomar posse de uma melodia de liberdade numa situação extrem a de opressão. “Maravilhosa Graça” foi o milagre da sobrevivência, porque é difícil explicar como nós fizemos, através da escravidão, a reconstrução e a luta contra a opressão no século XX. Os negros de Bearden diziam: “Deve ter sido a graça de Deus!” (CON E, 1985, p. 13).

4 –  A experiência “secular”

Embora já tenhamos citado o sermão, a oração e o cântico como fontes da teologia negra propostas por James Cone, o referido autor não limita as fontes à experiência ligada à Igreja Negra. Cone propõe que as fontes da teologia negra também incluam a experiência negra dita secular. Porém, Cone faz questão de esclarecer que o que em sua teologia negra se entende por secular não significa a distinção ocidental entre o sagrado e o profano, pois, embora essa experiência negra não esteja ligada à Igreja, ao cristianismo e nem se refira a Deus, ela não é necessariamente antirreligiosa ou não religiosa.

Esse lado da experiência dos negros é secular, apenas enquanto é terreno e raramente usa Deus ou o cristianismo como os principais símbolos de suas esperanças e sonhos. É sagrado, porque é formado da mesma comunidade histórica como a experiência da igreja, e representa assim a tentativa do povo de formar a vida e vivê la de acordo com seus sonhos e aspirações (CONE, 1985, p.

Como exemplos dessa experiência “secular”, Cone cita os contos, músicas seculares e os blues e os relatos pessoais, identificando nessas expressões culturais o mesmo tema da sobrevivência e libertação que é encontrada no sermão, oração e cântico, expressando por um lado a libertação de Deus dos injustiçados e por outro lado a transcendência sobre as negações históricas. O autor ainda destaca a literatura negra, particularmente a poesia ligada à Renascença do Harlem (das décadas de 20 e 30) e seus sucessores, destacando poemas de Claude McKay McKay e Amiri Baraka Baraka.

Autores:  Joe Marçal Gonçalves dos Santos Charlisson Silva de Andrade.

Texto extraido do artigo (breve estudo): A TEOLOGIA NEGRA DA LIBERTAÇÃO EM JAMES CONE: ASPECTOS DE SUA HERMENÊUTICA CONTEXTUAL A PARTIR DE “O DEUS DOS OPRIMIDOS” (1975)

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