Fala do pastor Cosme Felippsen durante a lavagem da Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro.

O discurso do pastor Cosme Felippsen  é um apelo sincero por inclusividade e compaixão, refletindo o espírito do Carnaval como uma celebração da vida e da comunidade. Cosme Felippsen, integrante do Movimento Negro Evangélico, denunciou o racismo religioso e a ganância de líderes evangélicos, defendendo o respeito às religiões de matriz africana e a inclusão de grupos marginalizados. 

Segue o texto com a fala do Pastor Cosme Felippsen, durante a lavagem da Marquês de Sapucaí:

Boa noite a todos e todas, a paz do senhor Jesus e feliz carnaval.

Sou Cosme Felippsen, nascido na primeira Favella do Brasil, o morro da Providência, pastor da assembleia de deus, participante do MNE, movimento negro evangélico, da frente de evangélicos pelo estado de direito e do coletivo Esperancar. Também sou colaborador da vereadora e secretária de meio ambiente, Tainá de paula.

Lamento profundamente por muitos dos meus irmãos em Cristo abandonar a cidade em época de carnaval e fazer retiros, dizendo que a cidade está na mão de satanás. Digo a vocês que a cidade e o carnaval não é do demônio e sim dos cariocas e de todos que amam a vida! Demônio não é sambar. Demônio é a fome que muitas famílias ainda passam em nossa cidade enquanto grandes igrejas continuam enriquecendo seus pastores que também podem ser chamados de falsos profetas e usurpadores da fé.

Vale a pena lembrar que mais da metade dos brasileiros são descendentes da mãe África e originalmente os povos iorubás e bantu não tinham essa imagem do diabo e de pecado! Mas já que muitos querem falar de pecado eu denuncio um pecado aqui e agora. Abandonem seus pecados da ganância e do racismo religioso. Respeitem os terreiros de umbanda, candomblé, quimbanda, encantaria, tambor de mina, Jurema e qualquer crença afro-brasileira. Abandonem seus pecados o raça de víboras! Abandonem suas notícias mentirosas e falta de amor. Abrace seu filho gay. Abrace sua filha travesti. abrace seu filho Trans e viva o amor!

Oremos,
Senhor Deus que é pai e mãe. Pedimos a ti paz, segurança e muita alegria nesses dias vindouros de carnaval. Te peço pela criança na rua pedinte e catadora de latinhas. Te peço pelo artista no barracão que faz as fantasias, as vezes, virando a noite com cheiro de cola e se queimando com a cola quente.

Te peço Deus pai e mãe, segurança nos desfiles das escolas da Sapucaí, mas também da intendente Magalhães na zona norte. Lugar de gente feliz e trabalhadora. Te peço paz nos blocos de carnaval que ocupam as ruas obedecendo a ordem da alegria.”

A fala do pastor Cosme Felippsen e a atuação do MNE são sinais de esperança, indicando que é possível resgatar o evangelho como uma mensagem de libertação e amor. Sua postura corajosa ilustra o potencial transformador de uma fé engajada com a justiça racial e social. Sabemos que a escalada fascista, fundamentalista e conservadora no protestantismo brasileiro é um fenômeno complexo, que reflete as tensões e contradições de uma sociedade marcada por desigualdades e exclusões. Leia o artigo: Cristofascismo nas Igrejas Evangélicas Brasileiras e a luta do Movimento Negro EvangélicoDiante desse cenário, a luta do Movimento Negro Evangélico nos lembra que a fé pode ser um instrumento de transformação e resistência. 

Do Afrokut

 

Cosme Felippsen comentou a repercussão que seu discurso na Marquês de Sapucaí teve nas redes sociais. Em entrevista ao Terra Agora

Cristofascismo nas Igrejas Evangélicas Brasileiras e a luta do Movimento Negro Evangélico

A Escalada Fascista, Fundamentalista e Conservadora no Protestantismo Histórico Brasileiro e nos Evangélicos em Geral e a luta do Movimento Negro Evangélico.

O cenário religioso brasileiro, marcado pela diversidade e pluralidade, tem sido palco de uma transformação preocupante: a ascensão de ideologias fascistas, fundamentalistas e conservadoras no seio do protestantismo histórico e do evangelicalismo em geral. Esse fenômeno, que ganhou força nas últimas décadas, reflete não apenas uma mudança teológica, mas também uma guinada política e social que impacta diretamente a sociedade brasileira. Este artigo busca analisar essa escalada, destacando a relação entre fascismo e religião, o fundamentalismo no protestantismo histórico, o surgimento do cristofascismo, a questão racial nas igrejas protestantes e a luta do Movimento Negro Evangélico.

O Fascismo Acha Morada nas Igrejas Protestantes

O fascismo, enquanto ideologia autoritária e excludente, encontrou terreno fértil nas igrejas protestantes brasileiras. Sob o slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, observa-se uma aliança perigosa entre líderes religiosos e projetos políticos que defendem a manutenção de privilégios e a perseguição a grupos marginalizados. O fascismo entra nas igrejas por meio do medo, do discurso de “inimigos comuns” (como o comunismo) e da defesa de uma suposta “ordem moral”.

Essa dinâmica se intensificou nos últimos anos, com a instrumentalização da fé para justificar violências e perseguições. O anticomunismo, por exemplo, tornou-se uma bandeira unificadora, usada para legitimar ataques a movimentos sociais, minorias e até mesmo a outros cristãos que não se alinham a essa visão. A religião, nesse contexto, serve como ferramenta de legitimação moral para práticas fascistas, transformando líderes políticos em “messias” e projetos de poder em “missões divinas”.

Fundamentalismo e Conservadorismo no Protestantismo Histórico Brasileiro

O protestantismo histórico brasileiro, composto por denominações como batistas, presbiterianos, metodistas, congregacionais, luterana, anglicana, entre outras, tem sido influenciado por uma onda neoconservadora. Essa influência, em grande parte, é importada dos Estados Unidos, onde o fundamentalismo religioso e o conservadorismo político andam de mãos dadas.

No Brasil, essa tendência se manifesta na defesa de uma “agenda da família tradicional”, na oposição a direitos LGBTQIA+, na questão do aborto e na promoção de uma teologia que prioriza a manutenção da ordem social vigente. Apesar de suas raízes na Reforma Protestante, muitas igrejas históricas têm se afastado de uma postura crítica e engajada com as questões sociais, optando por um discurso que reforça hierarquias e desigualdades.

O Nascimento do Cristofascismo nas Igrejas Evangélicas Brasileiras

O termo “cristofascismo”, cunhado pela teóloga alemã Dorothee Sölle, descreve a fusão entre o fascismo e o cristianismo. No Brasil, essa fusão se materializa na defesa de líderes políticos autoritários, na perseguição a minorias e na justificativa religiosa para práticas violentas e excludentes.

Exemplos dessa dinâmica não faltam. Camila Mantovani, fundadora da Frente Evangélica pela Legalização do Aborto, foi forçada a deixar o país após receber ameaças de morte. A pastora Odja Barros, que oficializou a união de duas mulheres na Igreja Batista do Pinheiro, em Maceió, Alagoas, sofreu ameaça de morte por causa da realização do matrimônio. O Pastor Lucinho Barreto, que recentemente viralizou nas redes sociais com uma fala, contando que levou um grupo de adolescentes de sua congregação para atrapalhar uma festa de religião de matriz africana: “Outro dia, em Belo Horizonte, falaram comigo ‘Lucinho, vai ter a festa do preto velho’. Eu falei ‘ninguém me pediu, não aceito. Não vai ter festa de preto velho, nem preto branco, nem preto roxo, não vai ter’. Fui lá no meu grupo de jovens, chamei 20 jovens, falei ‘vamos dar um B.O. na festa do capeta ali?. No Rio de Janeiro, traficantes “evangélicos” têm invadido terreiros de religiões de matriz africana, em um claro ato de intolerância religiosa.

Esses casos ilustram como o fundamentalismo religioso, aliado ao fascismo, busca eliminar a diversidade e impor uma visão única de mundo.

A Igreja Protestante Brasileira e a Questão Racial

A relação das igrejas protestantes com a questão racial no Brasil é marcada por omissões e cumplicidades. Durante o período da escravidão, muitas denominações protestantes se mantiveram neutras ou até mesmo coniventes com a escravidão, priorizando a “regeneração moral” dos escravizados em detrimento de sua libertação. Essa postura deixou um legado de silêncio e indiferença em relação ao racismo estrutural.

Hoje, embora 59% dos evangélicos brasileiros sejam negros, segundo dados do DataFolha (2020), a liderança das principais igrejas evangélicas continua majoritariamente branca. Essa dissonância entre a base e a liderança reflete a dificuldade das igrejas em abordar questões raciais de forma crítica e engajada.

O Movimento Negro Evangélico e a Luta Antirracista

Diante desse cenário, o Movimento Negro Evangélico (MNE) surge como uma voz profética, denunciando o racismo dentro e fora das igrejas. Fundado em 2003, o MNE busca resgatar a história negra no protestantismo e promover uma teologia que dialogue com as realidades da população negra.

Um exemplo emblemático dessa luta é a fala do pastor Cosme Felippsen durante a lavagem da Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro. Felippsen, integrante do MNE, denunciou o racismo religioso e a ganância de líderes evangélicos, defendendo o respeito às religiões de matriz africana e a inclusão de grupos marginalizados. Sua postura corajosa ilustra o potencial transformador de uma fé engajada com a justiça social.

Sai Dela, Povo Meu! Um Chamado ao Rompimento

Diante da escalada fascista e fundamentalista no evangelicalismo brasileiro, o chamado de Apocalipse 18:4-5“Sai dela, povo meu, para que não sejas participante dos seus pecados” — ressoa como um imperativo ético e teológico. Para muitos, chegou o momento de romper com igrejas que legitimam práticas excludentes e violentas, buscando construir comunidades de fé que abracem a diversidade e promovam a justiça.

O Movimento Negro Evangélico, com sua luta antirracista e sua defesa de uma teologia contextualizada, aponta caminhos para essa reconstrução. A fala do pastor Cosme Felippsen e a atuação do MNE são sinais de esperança, indicando que é possível resgatar o evangelho como uma mensagem de libertação e amor.

Em suma, a escalada fascista, fundamentalista e conservadora no protestantismo brasileiro é um fenômeno complexo, que reflete as tensões e contradições de uma sociedade marcada por desigualdades e exclusões. Diante desse cenário, a luta do Movimento Negro Evangélico nos lembra que a fé pode ser um instrumento de transformação e resistência. O chamado “Sai dela, povo meu!” não é apenas um convite ao rompimento com igrejas fascistas, mas também um convite à construção de uma igreja que seja, de fato, Sal e Luz no mundo.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut

—————————————————

A Pele Escura como Raiz da Humanidade: Uma Reflexão a Partir da Afrohumanitude

Retrato artístico de um caçador-coletor do sudeste europeu da cultura gravetiana, que data de 33.000 a 26.000 anos atrás, foi inspirado em evidências genéticas recentemente analisadas e em achados arqueológicos anteriores. Credito: Tom Bjoerklund

Estudos recentes sobre o DNA antigo de 348 indivíduos que viveram na Europa entre 3.000 e 8.000 anos atrás revelaram uma descoberta fascinante: a pele clara, hoje associada aos europeus modernos, pode ter se tornado predominante há menos de 3.000 anos. O estudo foi liderado por Guido Barbujani, da Universidade de Ferrara, na Itália, e revela informações surpreendentes e revolucionárias sobre as raízes genéticas dos antigos europeus. Analisando o DNA de indivíduos que viveram na Europa entre 45.000 e 1.700 anos atrás, os resultados sugerem que a maioria dos europeus tinha pele escura até cerca de 3.000 anos atrás. Essa descoberta é um chamado importante para repensar e revalorizar a presença africana na construção da história europeia.

Essa descoberta desafia a versão  tradicional que situa a pele clara como uma característica ancestral e imutável dos povos europeus, apontando que, por milênios, a maioria dos habitantes da Europa teve pele escuraOutro aspecto interessante do estudo é que ele desmentiu a ideia de que os humanos modernos herdaram a pele clara dos neandertais, que ocuparam a Europa por milhares de anos antes da chegada dos humanos modernos. Embora haja evidências de que os dois grupos se cruzaram, a pesquisa genética indica que a pele clara se desenvolveu de forma independente nos humanos modernos.

Essa revelação nos convida a refletir sobre a centralidade da África e das populações de pele escura na história da humanidade, sob a luz da Afrohumanitude que nos lembra que a humanidade nasceu na África, berço da diversidade genética, cultural e fenotípica. A pele escura, característica marcante dos primeiros seres humanos, foi uma adaptação evolutiva crucial para a sobrevivência sob o intenso sol africano. Quando os primeiros humanos migraram para outras regiões do planeta, incluindo a Europa, levaram consigo essa herança biológica e cultural. A pesquisa genética recente reforça essa ideia, mostrando que a pele clara não é uma característica “original” dos europeus, mas sim uma adaptação posterior, possivelmente ligada à necessidade de síntese de vitamina D em ambientes com menor incidência solar.

Essa descoberta também nos convida a questionar as versões históricas e científicas que, durante séculos, privilegiaram a pele clara como padrão de beleza, normalidade e até superioridade. A Afrohumanitude nos desafia a desconstruir essas hierarquias, lembrando que a diversidade humana é um reflexo de nossa capacidade de adaptação e resiliência. A pele escura, longe de ser uma “exceção” ou uma “marca de diferença”, é uma das expressões mais antigas e fundamentais da humanidade.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut 

Imagem: Science News

Referências

REICH, David; MATHIESON, Iain et al.   The genetic history of Europeans over the last 10,000 years”* (Estudos genéticos sobre a história da população europeia).  Disponível em: https://www.nature.com

ORIGENS AFRICANAS DA HUMANIDADE  – STRINGER, Chris. “Lone Survivors: How We Came to Be the Only Humans on Earth”. Livro que aborda as origens africanas da humanidade e as migrações que levaram à ocupação do planeta. – DIAMOND, Jared. “Guns, Germs, and Steel”. Discute a evolução humana e a adaptação a diferentes ambientes.

PELE ESCURA E ADAPTAÇÃO EVOLUTIVA  – JABLONSKI, Nina G. “Living Color: The Biological and Social Meaning of Skin Color”.  Explora a evolução da pele humana e a importância da melanina na adaptação ao sol.  Artigo: “The Evolution of Human Skin Color” (publicado na Scientific American).

CRÍTICAS ÀS NARRATIVAS EUROCÊNTRICAS

 – MBEMBE, Achille. “Crítica da Razão Negra”.  Analisa as estruturas de poder que marginalizam as narrativas africanas.  

– FANON, Frantz. “Pele Negra, Máscaras Brancas”.  Explora a construção racial e a descolonização do pensamento.

AFROHUMANITUDE –    Conceito desenvolvido por Hernani Francisco da Silva, que valoriza a centralidade da África na construção da humanidade. África onde a humanidade surgiu e Humanitude o vínculo universal que liga toda a humanidade. Disponível em: https://afrokut.com.br/afro-humanitude/