Conferência Enegrecer: Um encontro histórico em prol da Teologia Negra e da Justiça Racial

O Movimento Negro Evangélico do Brasil anuncia com grande entusiasmo a realização da Conferência Enegrecer, um evento internacional que promete marcar a história da teologia negra. Entre os dias 18 e 21 de junho de 2025, na Igreja Batista de Água Branca, em São Paulo, o Brasil será palco de um encontro que reunirá pensadores, teólogos e líderes religiosos negros provenientes do Brasil, das Américas e do continente africano.

Após décadas, o Brasil volta a sediar um evento internacional dedicado à teologia negra, consolidando-se como um espaço de diálogo e reflexão sobre questões fundamentais da resistência negra na tradição protestante. A conferência busca fortalecer a produção acadêmica e pastoral a partir de perspectivas negras e periféricas, ao mesmo tempo que propõe discussões sobre os desafios do cristianismo diante das desigualdades raciais.

Durante os quatro dias de programação, os participantes terão acesso a painéis, oficinas e mesas de debate, com a presença de especialistas que se destacam globalmente por suas contribuições à teologia e à luta por justiça racial. A troca de experiências proporcionada pelo evento é uma oportunidade singular para o fortalecimento de redes de colaboração entre as comunidades evangélicas negras.

O evento contará com a presença de influentes lideranças do protestantismo negro global, entre elas:

  • Bronson Eliott e Tiffany Roberts (Estados Unidos) – líderes da Igreja Batista Ebenezer, que foi marco na trajetória de Martin Luther King Jr.
  • René August (África do Sul) – reverenda anglicana que atuou ao lado do arcebispo Desmond Tutu na luta contra o Apartheid.
  • Maricel Mena Lopez (Colômbia) – pioneira como primeira mulher negra doutora em teologia na América Latina, referência na produção acadêmica afrodescendente.

Além dessas vozes de destaque, reunirá pensadores, teólogos e líderes religiosos negros do Brasil, promovendo um diálogo que ultrapassa fronteiras geográficas e culturais. Este encontro promete ser um divisor de águas na construção de uma teologia engajada com a justiça racial e social.

De acordo com o coordenador nacional do Movimento Negro Evangélico, “Este encontro é fundamental para que a comunidade negra evangélica compreenda que a negritude também é um direito nosso. Falar contra o racismo e defender a justiça racial deve ser um compromisso radical do evangelho de Jesus e da sua igreja.”

Para além de um evento, a Conferência Enegrecer é um espaço de construção coletiva e de aprofundamento na espiritualidade libertadora, crítica e engajada que embasa a luta por igualdade e dignidade.

Inscreva-se e participe deste marco histórico.

As inscrições já estão abertas e podem ser realizadas pelo site oficial do Movimento Negro Evangélico do Brasil: CONFERÊNCIA ENEGRECER: NEGRITUDES PARA A IGREJA DO AMANHÃ

As vagas são limitadas, e garantir sua participação é uma oportunidade única de fazer parte desse momento transformador.

Junte-se ao MNE nesta jornada por uma Teologia Negra que inspire ações concretas pela justiça racial e social. Divulgue, participe e fortaleça a construção de uma fé engajada e comprometida com a transformação das estruturas de opressão.

Do Afrokut

Marcos Costa, brilhante acadêmico e ativista, morre aos 50 anos

É com profunda tristeza que comunicamos o falecimento de Marcos Costa, ocorrido em 14 de março de 2025. Marcos não era apenas um amigo de mais de 20 anos, mas um companheiro dedicado na luta antirracista e pela justiça social. Sua perda deixa um vazio imensurável, mas também um legado poderoso que continuará a inspirar muitos.

Marcos Costa era um brilhante acadêmico e ativista. Doutorando em Economia Política Mundial pela Universidade Federal do ABC (UFABC), ele também era mestre na mesma área e pós-graduado em Educação em Direitos Humanos, além de bacharel em Serviço Social pela PUC-SP. Seu trabalho intelectual era um ponto de encontro entre cultura, ciência, tecnologia, inovação e os conhecimentos tradicionais afro-brasileiros.

Ao longo de sua vida, Marcos atuou em diversas instituições de impacto, incluindo o Instituto Paulo Freire, a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial de São Paulo e a Secretaria Estadual de Educação. Coordenou o Grupo de Estudos Africanidades, Circularidades e Literatura Infantil da UFABC e integrou projetos de extensão em Educação em Direitos Humanos na mesma universidade. Foi ainda orientador do Programa de Iniciação Científica PIBID e revisor da revista científica “Contemporâneas.”

Sempre engajado, liderou o Grupo de Pesquisa Observatório do Negro na Universidade Zumbi dos Palmares e cofundou o Fórum de Cultura de São Mateus. Marcos também era um fervoroso ativista pelos direitos das crianças, pela educação, e pelo Movimento Negro Evangélico.

Entre suas muitas contribuições, destaca-se o livro “Ciência e Cultura Afro-brasileira, um bicho de sete cabeças?” (Editora FiloCezar, 2023), uma obra que reflete sua dedicação ao conhecimento e à transformação social.

Marcos Costa deixa uma marca indelével em todos que tiveram o privilégio de conhecê-lo. Que seu exemplo e suas conquistas sigam iluminando o caminho na luta por igualdade e justiça.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut

Fala do pastor Cosme Felippsen durante a lavagem da Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro.

O discurso do pastor Cosme Felippsen  é um apelo sincero por inclusividade e compaixão, refletindo o espírito do Carnaval como uma celebração da vida e da comunidade. Cosme Felippsen, integrante do Movimento Negro Evangélico, denunciou o racismo religioso e a ganância de líderes evangélicos, defendendo o respeito às religiões de matriz africana e a inclusão de grupos marginalizados. 

Segue o texto com a fala do Pastor Cosme Felippsen, durante a lavagem da Marquês de Sapucaí:

Boa noite a todos e todas, a paz do senhor Jesus e feliz carnaval.

Sou Cosme Felippsen, nascido na primeira Favella do Brasil, o morro da Providência, pastor da assembleia de deus, participante do MNE, movimento negro evangélico, da frente de evangélicos pelo estado de direito e do coletivo Esperancar. Também sou colaborador da vereadora e secretária de meio ambiente, Tainá de paula.

Lamento profundamente por muitos dos meus irmãos em Cristo abandonar a cidade em época de carnaval e fazer retiros, dizendo que a cidade está na mão de satanás. Digo a vocês que a cidade e o carnaval não é do demônio e sim dos cariocas e de todos que amam a vida! Demônio não é sambar. Demônio é a fome que muitas famílias ainda passam em nossa cidade enquanto grandes igrejas continuam enriquecendo seus pastores que também podem ser chamados de falsos profetas e usurpadores da fé.

Vale a pena lembrar que mais da metade dos brasileiros são descendentes da mãe África e originalmente os povos iorubás e bantu não tinham essa imagem do diabo e de pecado! Mas já que muitos querem falar de pecado eu denuncio um pecado aqui e agora. Abandonem seus pecados da ganância e do racismo religioso. Respeitem os terreiros de umbanda, candomblé, quimbanda, encantaria, tambor de mina, Jurema e qualquer crença afro-brasileira. Abandonem seus pecados o raça de víboras! Abandonem suas notícias mentirosas e falta de amor. Abrace seu filho gay. Abrace sua filha travesti. abrace seu filho Trans e viva o amor!

Oremos,
Senhor Deus que é pai e mãe. Pedimos a ti paz, segurança e muita alegria nesses dias vindouros de carnaval. Te peço pela criança na rua pedinte e catadora de latinhas. Te peço pelo artista no barracão que faz as fantasias, as vezes, virando a noite com cheiro de cola e se queimando com a cola quente.

Te peço Deus pai e mãe, segurança nos desfiles das escolas da Sapucaí, mas também da intendente Magalhães na zona norte. Lugar de gente feliz e trabalhadora. Te peço paz nos blocos de carnaval que ocupam as ruas obedecendo a ordem da alegria.”

A fala do pastor Cosme Felippsen e a atuação do MNE são sinais de esperança, indicando que é possível resgatar o evangelho como uma mensagem de libertação e amor. Sua postura corajosa ilustra o potencial transformador de uma fé engajada com a justiça racial e social. Sabemos que a escalada fascista, fundamentalista e conservadora no protestantismo brasileiro é um fenômeno complexo, que reflete as tensões e contradições de uma sociedade marcada por desigualdades e exclusões. Leia o artigo: Cristofascismo nas Igrejas Evangélicas Brasileiras e a luta do Movimento Negro EvangélicoDiante desse cenário, a luta do Movimento Negro Evangélico nos lembra que a fé pode ser um instrumento de transformação e resistência. 

Do Afrokut

 

Cosme Felippsen comentou a repercussão que seu discurso na Marquês de Sapucaí teve nas redes sociais. Em entrevista ao Terra Agora

Cristofascismo nas Igrejas Evangélicas Brasileiras e a luta do Movimento Negro Evangélico

A Escalada Fascista, Fundamentalista e Conservadora no Protestantismo Histórico Brasileiro e nos Evangélicos em Geral e a luta do Movimento Negro Evangélico.

O cenário religioso brasileiro, marcado pela diversidade e pluralidade, tem sido palco de uma transformação preocupante: a ascensão de ideologias fascistas, fundamentalistas e conservadoras no seio do protestantismo histórico e do evangelicalismo em geral. Esse fenômeno, que ganhou força nas últimas décadas, reflete não apenas uma mudança teológica, mas também uma guinada política e social que impacta diretamente a sociedade brasileira. Este artigo busca analisar essa escalada, destacando a relação entre fascismo e religião, o fundamentalismo no protestantismo histórico, o surgimento do cristofascismo, a questão racial nas igrejas protestantes e a luta do Movimento Negro Evangélico.

O Fascismo Acha Morada nas Igrejas Protestantes

O fascismo, enquanto ideologia autoritária e excludente, encontrou terreno fértil nas igrejas protestantes brasileiras. Sob o slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, observa-se uma aliança perigosa entre líderes religiosos e projetos políticos que defendem a manutenção de privilégios e a perseguição a grupos marginalizados. O fascismo entra nas igrejas por meio do medo, do discurso de “inimigos comuns” (como o comunismo) e da defesa de uma suposta “ordem moral”.

Essa dinâmica se intensificou nos últimos anos, com a instrumentalização da fé para justificar violências e perseguições. O anticomunismo, por exemplo, tornou-se uma bandeira unificadora, usada para legitimar ataques a movimentos sociais, minorias e até mesmo a outros cristãos que não se alinham a essa visão. A religião, nesse contexto, serve como ferramenta de legitimação moral para práticas fascistas, transformando líderes políticos em “messias” e projetos de poder em “missões divinas”.

Fundamentalismo e Conservadorismo no Protestantismo Histórico Brasileiro

O protestantismo histórico brasileiro, composto por denominações como batistas, presbiterianos, metodistas, congregacionais, luterana, anglicana, entre outras, tem sido influenciado por uma onda neoconservadora. Essa influência, em grande parte, é importada dos Estados Unidos, onde o fundamentalismo religioso e o conservadorismo político andam de mãos dadas.

No Brasil, essa tendência se manifesta na defesa de uma “agenda da família tradicional”, na oposição a direitos LGBTQIA+, na questão do aborto e na promoção de uma teologia que prioriza a manutenção da ordem social vigente. Apesar de suas raízes na Reforma Protestante, muitas igrejas históricas têm se afastado de uma postura crítica e engajada com as questões sociais, optando por um discurso que reforça hierarquias e desigualdades.

O Nascimento do Cristofascismo nas Igrejas Evangélicas Brasileiras

O termo “cristofascismo”, cunhado pela teóloga alemã Dorothee Sölle, descreve a fusão entre o fascismo e o cristianismo. No Brasil, essa fusão se materializa na defesa de líderes políticos autoritários, na perseguição a minorias e na justificativa religiosa para práticas violentas e excludentes.

Exemplos dessa dinâmica não faltam. Camila Mantovani, fundadora da Frente Evangélica pela Legalização do Aborto, foi forçada a deixar o país após receber ameaças de morte. A pastora Odja Barros, que oficializou a união de duas mulheres na Igreja Batista do Pinheiro, em Maceió, Alagoas, sofreu ameaça de morte por causa da realização do matrimônio. O Pastor Lucinho Barreto, que recentemente viralizou nas redes sociais com uma fala, contando que levou um grupo de adolescentes de sua congregação para atrapalhar uma festa de religião de matriz africana: “Outro dia, em Belo Horizonte, falaram comigo ‘Lucinho, vai ter a festa do preto velho’. Eu falei ‘ninguém me pediu, não aceito. Não vai ter festa de preto velho, nem preto branco, nem preto roxo, não vai ter’. Fui lá no meu grupo de jovens, chamei 20 jovens, falei ‘vamos dar um B.O. na festa do capeta ali?. No Rio de Janeiro, traficantes “evangélicos” têm invadido terreiros de religiões de matriz africana, em um claro ato de intolerância religiosa.

Esses casos ilustram como o fundamentalismo religioso, aliado ao fascismo, busca eliminar a diversidade e impor uma visão única de mundo.

A Igreja Protestante Brasileira e a Questão Racial

A relação das igrejas protestantes com a questão racial no Brasil é marcada por omissões e cumplicidades. Durante o período da escravidão, muitas denominações protestantes se mantiveram neutras ou até mesmo coniventes com a escravidão, priorizando a “regeneração moral” dos escravizados em detrimento de sua libertação. Essa postura deixou um legado de silêncio e indiferença em relação ao racismo estrutural.

Hoje, embora 59% dos evangélicos brasileiros sejam negros, segundo dados do DataFolha (2020), a liderança das principais igrejas evangélicas continua majoritariamente branca. Essa dissonância entre a base e a liderança reflete a dificuldade das igrejas em abordar questões raciais de forma crítica e engajada.

O Movimento Negro Evangélico e a Luta Antirracista

Diante desse cenário, o Movimento Negro Evangélico (MNE) surge como uma voz profética, denunciando o racismo dentro e fora das igrejas. Fundado em 2003, o MNE busca resgatar a história negra no protestantismo e promover uma teologia que dialogue com as realidades da população negra.

Um exemplo emblemático dessa luta é a fala do pastor Cosme Felippsen durante a lavagem da Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro. Felippsen, integrante do MNE, denunciou o racismo religioso e a ganância de líderes evangélicos, defendendo o respeito às religiões de matriz africana e a inclusão de grupos marginalizados. Sua postura corajosa ilustra o potencial transformador de uma fé engajada com a justiça social.

Sai Dela, Povo Meu! Um Chamado ao Rompimento

Diante da escalada fascista e fundamentalista no evangelicalismo brasileiro, o chamado de Apocalipse 18:4-5“Sai dela, povo meu, para que não sejas participante dos seus pecados” — ressoa como um imperativo ético e teológico. Para muitos, chegou o momento de romper com igrejas que legitimam práticas excludentes e violentas, buscando construir comunidades de fé que abracem a diversidade e promovam a justiça.

O Movimento Negro Evangélico, com sua luta antirracista e sua defesa de uma teologia contextualizada, aponta caminhos para essa reconstrução. A fala do pastor Cosme Felippsen e a atuação do MNE são sinais de esperança, indicando que é possível resgatar o evangelho como uma mensagem de libertação e amor.

Em suma, a escalada fascista, fundamentalista e conservadora no protestantismo brasileiro é um fenômeno complexo, que reflete as tensões e contradições de uma sociedade marcada por desigualdades e exclusões. Diante desse cenário, a luta do Movimento Negro Evangélico nos lembra que a fé pode ser um instrumento de transformação e resistência. O chamado “Sai dela, povo meu!” não é apenas um convite ao rompimento com igrejas fascistas, mas também um convite à construção de uma igreja que seja, de fato, Sal e Luz no mundo.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut

—————————————————

A Pele Escura como Raiz da Humanidade: Uma Reflexão a Partir da Afrohumanitude

Retrato artístico de um caçador-coletor do sudeste europeu da cultura gravetiana, que data de 33.000 a 26.000 anos atrás, foi inspirado em evidências genéticas recentemente analisadas e em achados arqueológicos anteriores. Credito: Tom Bjoerklund

Estudos recentes sobre o DNA antigo de 348 indivíduos que viveram na Europa entre 3.000 e 8.000 anos atrás revelaram uma descoberta fascinante: a pele clara, hoje associada aos europeus modernos, pode ter se tornado predominante há menos de 3.000 anos. O estudo foi liderado por Guido Barbujani, da Universidade de Ferrara, na Itália, e revela informações surpreendentes e revolucionárias sobre as raízes genéticas dos antigos europeus. Analisando o DNA de indivíduos que viveram na Europa entre 45.000 e 1.700 anos atrás, os resultados sugerem que a maioria dos europeus tinha pele escura até cerca de 3.000 anos atrás. Essa descoberta é um chamado importante para repensar e revalorizar a presença africana na construção da história europeia.

Essa descoberta desafia a versão  tradicional que situa a pele clara como uma característica ancestral e imutável dos povos europeus, apontando que, por milênios, a maioria dos habitantes da Europa teve pele escuraOutro aspecto interessante do estudo é que ele desmentiu a ideia de que os humanos modernos herdaram a pele clara dos neandertais, que ocuparam a Europa por milhares de anos antes da chegada dos humanos modernos. Embora haja evidências de que os dois grupos se cruzaram, a pesquisa genética indica que a pele clara se desenvolveu de forma independente nos humanos modernos.

Essa revelação nos convida a refletir sobre a centralidade da África e das populações de pele escura na história da humanidade, sob a luz da Afrohumanitude que nos lembra que a humanidade nasceu na África, berço da diversidade genética, cultural e fenotípica. A pele escura, característica marcante dos primeiros seres humanos, foi uma adaptação evolutiva crucial para a sobrevivência sob o intenso sol africano. Quando os primeiros humanos migraram para outras regiões do planeta, incluindo a Europa, levaram consigo essa herança biológica e cultural. A pesquisa genética recente reforça essa ideia, mostrando que a pele clara não é uma característica “original” dos europeus, mas sim uma adaptação posterior, possivelmente ligada à necessidade de síntese de vitamina D em ambientes com menor incidência solar.

Essa descoberta também nos convida a questionar as versões históricas e científicas que, durante séculos, privilegiaram a pele clara como padrão de beleza, normalidade e até superioridade. A Afrohumanitude nos desafia a desconstruir essas hierarquias, lembrando que a diversidade humana é um reflexo de nossa capacidade de adaptação e resiliência. A pele escura, longe de ser uma “exceção” ou uma “marca de diferença”, é uma das expressões mais antigas e fundamentais da humanidade.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut 

Imagem: Science News

Referências

REICH, David; MATHIESON, Iain et al.   The genetic history of Europeans over the last 10,000 years”* (Estudos genéticos sobre a história da população europeia).  Disponível em: https://www.nature.com

ORIGENS AFRICANAS DA HUMANIDADE  – STRINGER, Chris. “Lone Survivors: How We Came to Be the Only Humans on Earth”. Livro que aborda as origens africanas da humanidade e as migrações que levaram à ocupação do planeta. – DIAMOND, Jared. “Guns, Germs, and Steel”. Discute a evolução humana e a adaptação a diferentes ambientes.

PELE ESCURA E ADAPTAÇÃO EVOLUTIVA  – JABLONSKI, Nina G. “Living Color: The Biological and Social Meaning of Skin Color”.  Explora a evolução da pele humana e a importância da melanina na adaptação ao sol.  Artigo: “The Evolution of Human Skin Color” (publicado na Scientific American).

CRÍTICAS ÀS NARRATIVAS EUROCÊNTRICAS

 – MBEMBE, Achille. “Crítica da Razão Negra”.  Analisa as estruturas de poder que marginalizam as narrativas africanas.  

– FANON, Frantz. “Pele Negra, Máscaras Brancas”.  Explora a construção racial e a descolonização do pensamento.

AFROHUMANITUDE –    Conceito desenvolvido por Hernani Francisco da Silva, que valoriza a centralidade da África na construção da humanidade. África onde a humanidade surgiu e Humanitude o vínculo universal que liga toda a humanidade. Disponível em: https://afrokut.com.br/afro-humanitude/

O Movimento da Parditude: Surgimento e Controvérsias

Nas últimas décadas, o Brasil tem observado uma mudança significativa em seu cenário racial. A população que se identifica como negra, composta por pessoas de cor parda e preta, agora constitui a maioria estatística do país. Leia o artigo: Os pardos são a maioria dos brasileiros, o que isso muda na Parditude e na Negritude? Este fenômeno tem gerado debates intensos, especialmente nas redes sociais, sobre identidade racial e as políticas públicas voltadas para essa população. No centro dessas discussões, emerge o movimento da Parditude. Este movimento visa reconhecer e celebrar a identidade das pessoas pardas como uma categoria distinta dentro da população negra. No entanto, esta iniciativa tem provocado reações mistas, especialmente entre os militantes do Movimento Negro. Alguns membros do Movimento Negro acusam a Parditude de tentar dividir o movimento e de ser uma ferramenta utilizada pela direita para enfraquecer a luta pelos direitos dos negros. Eles argumentam que a fragmentação da identidade negra pode diluir a força política e social conquistada ao longo de décadas de luta.

A discussão sobre a identidade dos mestiços é vista como necessária e há muito aguardada dentro do Movimento Negro. No entanto, o debate tem se mostrado divisivo, com trocas de acusações entre alguns membros da Parditude e militantes do Movimento Negro. Alguns argumentam que “ser negro está na moda” e que os pardos estão se apropriando das políticas voltadas para os negros, com uso de adjetivos pejorativos direcionados às pessoas pardas. Esta visão desconsidera o fato de que muitas dessas políticas foram formuladas com base no quantitativo da soma das populações parda e preta. Recentemente, o Mestre em Antropologia Social Mauro Baracho, da página @afroestima2 no Instagram, ofereceu uma análise crítica ao conceito de “parditude”. Em sua análise, Baracho expressa desconforto com a comparação dos movimentos negros aos eugenistas, uma comparação feita por alguns membros do movimento da Parditude. Ele reafirma a reivindicação do Movimento Negro de incluir os pardos na categoria negro, destacando a importância da união na luta contra o racismo.

Vale lembrar que o Movimento Negro, especialmente nas décadas de 70, 80 e 90, desempenhou um papel crucial na formulação da identidade negra como categoria política. A campanha do Censo de 1990, promovida por várias organizações civis com o slogan “Não deixe sua cor passar em branco – use o bom c/senso“, exemplifica esse esforço. Na época, houve discussões sobre a eliminação da categoria parda em favor da categoria negro, argumentando que se não havia diferentes categorias de cor para a raça branca, o mesmo deveria valer para a raça negra. Uma reportagem no site #Colabora, do jornalista Igor Soares, aborda uma fala do Frei David, diretor da Educafro, onde afirma que é preciso tratar da questão da Parditude com ‘seriedade”.

O Brasil sempre fugiu do debate racial”, afirma o diretor da ONG, que ressalta que o país precisa fazer reparações pelos danos da escravatura. Para ele, o termo usado pelo IBGE é, de fato, questionável, uma vez que é preciso saber que pardos são esses. “Nos anos 1970, a comunidade lutou para abandonar o uso do termo ‘pardo’. Entendemos que há o ‘pardo-preto’, que sofre racismo constantemente, o ‘pardo-pardo’, que pode sofrer racismo, e ‘pardo-branco’, que nunca sofre racismo”, afirma, ressaltando que é uma interpretação do atual ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, adotada pela EducAfro. (#Colabora 2025)

A fala de Frei Davi, diretor da Educafro, traz à tona questões fundamentais sobre a complexidade da identidade racial no Brasil. Ao identificar diferentes categorias de “pardos” — ‘pardo-preto‘, ‘pardo-pardo‘ e ‘pardo-branco‘ — ele destaca como a experiência do racismo varia significativamente entre essas categorias. Além disso, ele aponta preocupações sobre a possibilidade de fraudes em ações afirmativas, caso pessoas brancas se passem como pardas. A distinção feita por Frei Davi entre ‘pardo-preto’, ‘pardo-pardo’ e ‘pardo-branco’ ilustra a diversidade de experiências dentro da categoria “pardo”. Conforme ele menciona, ‘pardo-preto’ refere-se àqueles que sofrem racismo constantemente, enquanto ‘pardo-pardo’ pode ou não sofrer racismo, e ‘pardo-branco’ não sofre racismo. Essa diferenciação reconhece que a vivência do racismo não é homogênea e que a cor da pele influencia diretamente essas experiências.

O debate sobre a identidade racial no Brasil é complexo e multifacetado. Embora a discussão sobre a identidade parda seja válida e necessária, é crucial que essa conversa não leve à fragmentação do movimento negro. O objetivo deve ser a união e o fortalecimento da luta contra o racismo, reconhecendo a diversidade dentro da população negra e trabalhando juntos por um futuro mais justo e igualitário. A unificação da luta do Movimento Negro e da Parditude é essencial para enfrentar os desafios e injustiças que ainda persistem na sociedade brasileira. Por meio do diálogo respeitoso, reconhecimento da diversidade, educação, fortalecimento de políticas públicas, parcerias estratégicas e celebração das conquistas, é possível construir um movimento mais coeso e forte, capaz de promover mudanças significativas e duradouras. A crescente presença das redes sociais como palco para discussões sobre questões raciais evidencia a importância de abordagens inovadoras para promover a compreensão e a justiça. Nesse contexto, a AfroHumanitude surge como uma abordagem que pode enriquecer o debate e contribuir para a resolução de controvérsias relacionadas à Parditude e ao Movimento Negro. Baseada nos princípios de respeito, empatia e reconhecimento da humanidade compartilhada, a AfroHumanitude propõe um novo paradigma para tratar de questões raciais de maneira mais inclusiva e construtiva.

A AfroHumanitude é uma filosofia que valoriza a dignidade e a humanidade de todas as pessoas. Ao promover uma compreensão mais profunda das realidades vividas pelas pessoas negras, a AfroHumanitude busca construir pontes de empatia e solidariedade entre diferentes grupos raciais. Esse conceito se fundamenta na ideia de que o reconhecimento mútuo e o respeito pelas diferenças são essenciais para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Nas redes sociais, onde as discussões sobre questões raciais frequentemente se tornam acaloradas e polarizadas, a AfroHumanitude pode desempenhar um papel crucial. Ao incentivar o respeito e a empatia nas interações online, essa abordagem ajuda a criar um ambiente mais saudável para o diálogo. Em vez de perpetuar divisões e preconceitos, os princípios da AfroHumanitude promovem a compreensão mútua e a cooperação. Conforme destacado por Frei David, diretor da Educafro, a questão racial no Brasil é frequentemente evitada, e é necessário abordar esse tema com seriedade. A Parditude, como conceito discutido atualmente, traz à tona preocupações sobre a identificação racial e as implicações para ações afirmativas. A AfroHumanitude pode contribuir para esse debate ao fornecer uma estrutura que reconheça as nuances e complexidades da identidade racial, evitando generalizações e estereótipos prejudiciais.

Ao integrar a AfroHumanitude em iniciativas educacionais e políticas de justiça social, podemos criar uma base mais sólida para a promoção da equidade racial. Isso inclui o fortalecimento de programas que visem à reparação histórica e a implementação de ações afirmativas de maneira justa e eficaz. A AfroHumanitude oferece uma abordagem promissora para enfrentar as controvérsias raciais observadas nas redes sociais e além. Ao promover o respeito, a empatia e o reconhecimento da humanidade compartilhada, essa filosofia pode ajudar a transformar o debate racial em uma oportunidade para a construção de uma sociedade mais justa e harmoniosa. Adotar os princípios da AfroHumanitude é um passo importante na jornada rumo à verdadeira equidade racial e ao fortalecimento do Movimento Negro no Brasil.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut

A Importância da Música no Movimento Negro Evangélico

A música se mostrou uma peça central na estratégia de atração e mobilização do MNE. Hernani mencionou a dificuldade em atrair grupos musicais pentecostais e neopentecostais para eventos do Movimento Negro Evangélico, mas destacou a relevância dos rappers gospel, que possuem uma forte conexão com a cultura negra. Burdick viu na música uma oportunidade de abrir uma janela para entender a visão de mundo dos evangélicos e suas expressões de negritude.

Eu refleti sobre essas questões em maio de 2002, durante uma série de conversas com Hernani da Silva, um líder do movimento negro evangélico iniciante e membro de longa data da igreja pentecostal Brasil Para Cristo. Hernani havia iniciado um site cristão negro em 1999 e havia acumulado várias dezenas de aliados virtuais e reais, mas ele precisava de mais. Onde encontrá-los? (John Burdick, 2013)

Como transformar essa pequena rede em um movimento mais amplo? Eu estava comprometido a desenvolver um projeto que pudesse ajudá-lo a fazer isso. Eu havia conceituado por algum tempo meu papel como antropólogo como co-designer de  investigações que pudessem ajudar a revelar aliados e eleitores ocultos, grupos de pessoas que compartilhavam as atitudes dos ativistas políticos sem articulá-las claramente, seja entre si ou em público.  Eu me ofereci para vir naquela primavera e começar a conceber um projeto etnográfico com Hernani que eu empreenderia ao longo dos próximos anos para ajudá-lo a expandir seu movimento (Hale 2006; Burdick 1995; Speed ​​2006).” (John Burdick, 2013)

Conversamos até tarde várias noites seguidas, lutando com questões de estratégia: onde estavam as audiências de evangélicos que poderiam simpatizar com a mensagem do movimento? Onde estavam as pessoas que poderiam ter afinidade com a noção de que o amor a Jesus e o amor à identidade negra se reforçavam mutuamente? “Precisamos de algo mais focado também, algo direcionado”, ele  me disse. Mas quem deveriam ser os alvos? (Snow e Benford 1988; Snow et  al. 1986).” (John Burdick, 2013)

Continua: Diversidade Musical e Identidade Negra

Parte do texto: A Intersecção entre Raça, Religião e Música no Movimento Negro Evangélico no Brasil na perspectiva de John Burdick 

Como fonte o livro The Color of Sound: Race, Religion, and Music in Brazil” (2013), escrito pelo antropólogo John Burdick, oferece uma análise profunda sobre as inter-relações entre raça, religião e música no Brasil. A obra, com foco no Movimento Negro Evangélico (MNE).

Do Afrokut

Estratégias para Expandir o Movimento Negro Evangélico

Em 2002, Burdick e Hernani Francisco da Silva, na época líder do MNE, iniciaram um projeto colaborativo para expandir o movimento. Hernani, que havia criado um site cristão negro em 1999, buscava formas de transformar sua rede inicial em um movimento mais amplo. Juntos, eles discutem estratégias para alcançar evangélicos simpáticos à causa. Uma das ideias centrais foi a utilização da música como uma ferramenta estratégica, visto que ela é fundamental para a vida ritual e emocional dos evangélicos brasileiros. Burdick, com sua experiência em igrejas brasileiras, sabia da importância da música na vida ritual e emocional dos evangélicos.

Então, em 2002, decidi embarcar em um esforço para descobrir o que fazia o MNE funcionar ideologicamente, Naturalmente, alguns leitores vão querer saber por que eu, um norte-americano branco, estou interessado na política da negritude, muito menos na política negra no Brasil. Até onde posso saber meus preconceitos e motivações a esse respeito, aqui estão eles. Cresci como judeu no Centro-Oeste dos EUA na década de 1960, cercado por evidências das consequências do racismo. Em 1967, vi tanques rolando pela Woodward Avenue em Detroit depois que a cidade explodiu em tumultos raciais, e em 1971 vi ônibus sendo incendiados na minha cidade natal, Pontiac, porque seriam usados ​​para acabar com a segregação nas escolas públicas. Meu pai concorreu (e perdeu) para o conselho escolar naquele ano em uma plataforma de dessegregação escolar, e toda primavera por muitos anos, nossa família celebrava a Páscoa convidando membros de capítulos locais da NAACP e CORE para falar sobre as semelhanças entre as lutas de Moses e Martin Luther King Jr. Eu também li Cleaver e Baldwin e Wright e Malcolm X e Haley e Hansberry e Morrison. Tudo isso estabeleceu em meu cérebro o que alguns críticos podem chamar de uma maneira “americana” de olhar para a raça. Mas também incutiu em mim algo mais importante: uma compreensão de que a devastação causada pelo racismo está frequentemente escondida no fundo do coração humano, e que os privilégios que se acumulam para a branquitude são comumente envoltos em camadas de auto ilusão e negação. (John Burdick, 2013)

Essas são as coisas que tenho visto nos últimos vinte e cinco anos, não apenas nos Estados Unidos, mas também no Brasil. Já me disseram mais vezes do que posso contar que “raça é diferente no Brasil do que nos Estados Unidos” e que não devo impor o paradigma racial da minha própria cultura (incluindo a regra da hipodescendência) onde ele não pertence. Garanto ao leitor que concordo plenamente. De fato, passei a maior parte do último quarto de século me esforçando para entender as complexidades distintivas da cor brasileira e do sistema fenotípico. Escrevi sobre a subjetividade de morenas e mulatas, que não tem correlação clara nos Estados Unidos. O sistema brasileiro pode, portanto, ser muito diferente do dos Estados Unidos, mas também é profundamente semelhante. (John Burdick, 2013)

Continua: A Importância da Música no Movimento Negro Evangélico

Parte do texto: A Intersecção entre Raça, Religião e Música no Movimento Negro Evangélico no Brasil na perspectiva de John Burdick 

Como fonte o livro “The Color of Sound: Race, Religion, and Music in Brazil” (2013), escrito pelo antropólogo John Burdick, oferece uma análise profunda sobre as inter-relações entre raça, religião e música no Brasil. A obra, com foco no Movimento Negro Evangélico (MNE).

Do Afrokut

A Intersecção entre Raça, Religião e Música no Movimento Negro Evangélico no Brasil na perspectiva de John Burdick 

O livro “The Color of Sound: Race, Religion, and Music in Brazil” (2013), escrito pelo antropólogo John Burdick, oferece uma análise profunda sobre as inter-relações entre raça, religião e música no Brasil. A obra, com foco no Movimento Negro Evangélico (MNE), explora como a teologia evangélica pode inspirar a luta contra a injustiça racial e a construção de uma identidade negra orgulhosa.

John Burdick iniciou sua pesquisa no Brasil em 1996, interessado nas inter-relações delicadas entre crença religiosa e identidade racial. Durante seu estudo, ele descobriu um pequeno, porém promissor, movimento de protestantes evangélicos em São Paulo que, inspirados por sua teologia, começaram a se identificar como o Movimento Negro Evangélico (MNE).

Em 1996, passei um ano no Brasil pesquisando as delicadas inter-relações entre crença religiosa e identidade racial entre pessoas que se identificavam como cristãs. Enquanto estava envolvido nesse projeto, me deparei com um pequeno e promissor movimento de protestantes evangélicos sediados em São Paulo que foram inspirados por sua teologia para lutar contra a injustiça racial e construir uma orgulhosa identidade negra. O que achei intrigante sobre esse movimento — seus participantes estavam na época apenas começando a se identificar como o movimento negro evangélico, ou MNE — foi que ele estava inserido em um contexto religioso que a maioria das organizações do movimento negro havia descartado como profundamente hostil à sua causa. (John Burdick, 2013)

O MNE estava inserido em um contexto religioso que, tradicionalmente, rejeitava as religiões afro-brasileiras como o candomblé e a umbanda, consideradas hostis à causa negra. Apesar disso, Burdick percebeu que o MNE desenvolveu visões antirracistas e pró-negras, desafiando o ceticismo de muitos colegas que acreditavam se tratar de uma estratégia dos líderes evangélicos para angariar fiéis.

O principal ponto de discórdia, do ponto de vista do movimento negro, era a atitude dos evangélicos em relação às religiões afro-brasileiras do candomblé e da umbanda. Eu estava profundamente ciente de que os evangélicos pregavam contra essas religiões e que algumas denominações, como a Igreja Universal do Reino de Deus, estavam implicadas em ataques iconoclastas diretos a templos afro-brasileiros. Embora eu achasse tais ataques repugnantes, o exemplo do MNE me convenceu de que a rejeição dos evangélicos, por motivos teológicos, da religião mediúnica afro-brasileira não era em si uma barreira intransponível ao desenvolvimento de fortes visões antirracistas e pró-negros. No entanto, durante anos, sempre que eu falava em público sobre o MNE, eu me encontrava diante de um forte ceticismo. (John Burdick, 2013)

Alguns colegas insinuaram que eu tinha sido enganado, levado por líderes evangélicos que pouco se importavam com a luta contra o racismo e jogavam a carta da raça apenas para angariar almas e ofertas para suas igrejas. Embora minha própria experiência sugerisse que o MNE era bem mais complexo do que isso — a profundidade e a durabilidade dos compromissos antirracistas de pessoas como Hernani da Silva ou Rolf da Souza mostravam que o MNE não podia ser explicado como simplesmente mais um estratagema missionário — ninguém estava tentando documentar essa complexidade. (John Burdick, 2013)

Continua: Estratégias para Expandir o Movimento Negro Evangélico

Como fonte o livro The Color of Sound: Race, Religion, and Music in Brazil” (2013), escrito pelo antropólogo John Burdick, oferece uma análise profunda sobre as inter-relações entre raça, religião e música no Brasil. A obra, com foco no Movimento Negro Evangélico (MNE).

Do Afrokut

AfroHumanitude: Uma Ferramenta Poderosa na Promoção do Letramento Racial

A AfroHumanitude é uma proposta inovadora que busca ir além das dicotomias raciais tradicionais, promovendo uma visão unificada e inclusiva da humanidade. Ao reconhecer que todas as pessoas pertencem a uma única espécie, o Homo sapiens, e que nossas diferenças são superficiais, a AfroHumanitude se posiciona como uma ferramenta poderosa na promoção do letramento racial. Este conceito não apenas reconhece a diversidade humana, mas também celebra suas múltiplas expressões, como a Negritude, Indigenitude, Branquitude e Parditude.

O letramento racial é um conjunto de práticas e ensinamentos que visam conscientizar as pessoas sobre a estrutura e o funcionamento do racismo na sociedade. O objetivo é tornar os indivíduos capazes de reconhecer, criticar e combater atitudes racistas em seu cotidiano. Esse processo envolve a desconstrução de formas de pensar e agir que foram naturalizadas socialmente, promovendo uma perspectiva antirracista. Em outras palavras, é sobre aprender a identificar e desafiar os privilégios e desigualdades raciais que existem em nossa sociedade.

A AfroHumanitude, com sua visão inclusiva e holística da humanidade, tem um grande potencial para trabalhar o letramento racial de forma efetiva e significativa. Aqui estão algumas maneiras de como isso poderia ser implementado:

  • Promover espaços de diálogo onde diferentes humanitudes possam compartilhar suas experiências e visões é fundamental para o letramento racial. Esses espaços de conversação permitem a aprendizagem mútua e a empatia, essencial para a construção de relações sociais mais saudáveis e justas. A reflexão sobre as próprias atitudes e crenças em relação às diferentes “raças” (entre aspas, para denotar o seu caráter de construção social) é um passo crucial para a mudança pessoal e social.
  • A integração da AfroHumanitude nos currículos escolares e programas de formação continuada para educadores é essencial para promover o letramento racial. Ao abordar a história e as contribuições de todas as humanitudes de forma equitativa, as instituições de ensino podem criar um ambiente de aprendizagem mais inclusivo e respeitoso. Isso ajuda a desconstruir estereótipos e preconceitos, proporcionando uma compreensão mais profunda e ampla da diversidade humana.
  • Celebrar as diversas culturas e identidades nas comunidades escolares e nos espaços públicos é uma maneira eficaz de promover a AfroHumanitude. Reconhecer e valorizar as contribuições únicas de cada grupo ajuda a construir uma sociedade mais inclusiva, onde todos se sentem vistos, ouvidos e valorizados. Eventos culturais, feiras temáticas e semanas de conscientização são exemplos práticos de como isso pode ser implementado.
  • Desenvolver políticas e práticas pedagógicas que combatam o racismo e promovam a igualdade racial é fundamental. A formação de alianças entre diferentes comunidades para enfrentar conjuntamente o racismo e outras formas de discriminação promove uma solidariedade baseada no respeito e na equidade. A AfroHumanitude incentiva essas alianças, reforçando a ideia de que a luta contra o racismo é uma responsabilidade coletiva.
  • Utilizar materiais didáticos que representem a diversidade humana em todas as suas formas é crucial para o letramento racial. Evitar estereótipos e promover narrativas positivas e inclusivas ajuda a construir uma visão mais equilibrada e justa da sociedade. Essa abordagem não só enriquece o processo educativo, mas também prepara os alunos para serem cidadãos mais conscientes e empáticos.

A AfroHumanitude, com sua perspectiva interseccional, oferece uma abordagem poderosa para a promoção do letramento racial. Ao reconhecer a unidade da espécie humana e celebrar suas múltiplas expressões, a AfroHumanitude promove a desconstrução de hierarquias sociais e a valorização da diversidade. Implementar essa visão nas práticas educacionais e sociais pode gerar um impacto profundo e duradouro, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa, equitativa e unida. Inspirados pelo conceito de Ubuntu, podemos avançar juntos na luta contra o racismo e na promoção da dignidade humana para todas as pessoas.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut