A consciência de “ser africano no mundo”

Racismo e modernidade a partir da ideia de realidade simulada: física quântica e psicologia negra Sakhu Sheti

Um ensaio sobre a compreensão do racismo a partir da ideia de realidade simulada – Por José Evaristo S. Netto

O escravizamento histórico e a exploração contemporânea do povo africano só poderiam ter sucesso se os significados africanos de ser humano fossem apagados e/ou redefinidos. Apenas quando o centro de sua consciência for afastado dos significados africanos do que é ser humano, ou esses significados forem removidos da sua consciência, o africano pode ser permanentemente escravizado — eis um preceito central da afrocentricidade. Esse processo de descentramento e desafricanização constitui a problemática psicológica chave na compreensão da experiência dos africanos em toda a diáspora.

Afrofuturismo— Fabio Kabral

Retornando a uma parte da perspectiva ioruba de “ser no mundo” que Wade W. Nobles nos traz, e que foi descrita acima:

Como pessoa, o individuo também possui a cabeça interior, ou ori inu. Oludumaré (o ser supremo) dá essa cabeça diretamente. Ela constitui o “espírito” particular da pessoa. Ori inu é o guardião do eu; carrega o nosso destino e influencia a personalidade. Além de emi (essência divina) e ori inu (essência pessoal), a pessoa tem okan. Essa palavra significa coração, mas, como aspecto constituinte da pessoa, representa o elemento imaterial (essência) que é a sede da inteligência, do pensamento e da ação. Assim, por vezes é chamado de “alma-coração” da pessoa. Acredita-se que a okan exista antes mesmo de a pessoa nascer. É a okan dos ancestrais que reencarna no recém-nascido.

A violência da escravização, a colonialidade e o racismo, resumem o maafa que foi a nossa tragédia enquanto povo, o descarrilhamento do nosso caminho de desenvolvimento a partir da nossa centralidade, do significado original de “ser e existir no mundo” sendo uma pessoa negra, africana, não ocidentalizada. Precarizou o nosso espírito particular, nosso Ori inu, enfraqueceu a nossa essência divina, nossa Emi e o contato com as memórias e arquétipos imateriais, os corpos sutis dos nossos ancestrais e antepassados, nosso Okan. Uma vez que não conseguimos mais localizar a nossa essência divina, perdendo também as nossas referências sobre o nosso próprio espírito particular, sobre aquilo que nos é particular, que nos torna únicos, somados ao enfraquecimento dos nossos laços com a nossa história e ancestralidade, fica mais fácil entender como somos dominados por uma realidade simulada que manipula os nossos sentidos e diz o que significa existir no mundo. Hoje, consumimos para existir, talvez porque perdemos estas estruturas e recursos de ser no mundo que eram os trilhos do percurso de desenvolvimento dos nossos povos.

Acredito que somente quando pudermos refletir profundamente sobre a realidade, reelaborando-a baseando na circunscrição da nossa experiência no mundo — e dos nossos ancestrais, conseguiremos produzir um desenvolvimento que fortaleça nossa humanidade, ao invés de nos precarizar.

Podemos construir a própria realidade a partir de uma mudança radical da consciência do que é “ser e existir no mundo”?

Para não perder o foco:

  1. é importante o resgate de que este texto trata de simulação da realidade e do racismo, e em como uma perspectiva ou leitura de realidade considerando as contribuições da física teórica podem auxiliar à um existir no mundo que supere a experiência da colonialidade e do racismo.
  2. retorno a África como forma de reaprendizagem das habilidades ancestrais para acessar arquétipos supre mentais que possibilitassem a nós, nos reconstruirmos sem os viesses da colonialidade e do racismo. Sankofa — se você esquecer, não é proibido voltar atrás e reconstituir.
  3. a história como uma mentira, uma simulação, realidade falseada que cria infraestrutura para a construção da modernidade, onde os povos africanos são inferiores. Este é um exemplo de realidade simulada, que se faz presente hoje de forma hologramática em nossos mecanismos de dialogicidade e construção (reforço) da realidade.

 

Este é um ensaio. Pretendo fazer uma discussão destes assuntos com mais profundidade, articulando-os com as Teorias de Autodeterminação que explicam a motivação humana, e com as Teorias Sócio Cognitivas que explicam conceitos como Agência Pessoal. O próximo texto será a continuação desta discussão, e pretendo trabalhar com alguns conceitos chave da Afrocentricidade. Estou aberto a discussões e ponderações criticas.

 

Por José Evaristo S. Netto – Educador, dedicado aos estudos sobre corporeidade, cultura, identidades, sociocognição, racismo e colonialidade. Mestre em Educação Física.

A Consciência é a base de todo o ser

Wade W. Nobles. Professor emérito do Departamento de Estudos da Africana da Universidade Estadual de São Francisco.

Racismo e modernidade a partir da ideia de realidade simulada: física quântica e psicologia negra Sakhu Sheti

Um ensaio sobre a compreensão do racismo a partir da ideia de realidade simulada – Por José Evaristo S. Netto

A Consciência é a base de todo o ser, afirma Amit Goswami!

No mundo que conhecemos hoje, realidade em que fazemos parte, é muito difícil imaginar uma rotina diária que favorecesse um “existir no mundo” onde possamos praticar o acesso aos nossos ancestrais, aos nossos antepassados, a partir da consciência não-local (da água da piscina). No paradigma ocidental da colonialidade e do racismo, estas formas de existir no mundo são tidas como inferiores, são exotizadas, rotuladas por serem práticas de matrizes africanas, e por isso tidas como não racionais, inferiores, primárias, tribais. O racismo e a colonialidade reelaboraram estas formas de existir no mundo criando o rótulo da cultura negra, da cultura africana, a cultura do Outro. E o Outro não é universal, nem sequer é civilizado e desenvolvido à altura da cultura europeia/ocidental. Aqui, acredito que a física quântica de Amit Goswami trás de volta a possibilidade de um existir no mundo diferente do que é imposto pelo racismo e pela modernidade ocidental.

Parece possível construir pontes entre o conhecimento sobre a consciência não-local da física quântica, com a construção da realidade a partir dos seus colapsos em eventos reais, e as formas de existir no mundo dos nossos antepassados do continente africano. O campo de estudos afrocentrados de psicologia negra Sakhu Sheti do dr. Wade W. Nobles contribui fundamentalmente para este percurso.

Em seu artigo Sakhu Sheti: Retomando e Reapropriando Um Foco Psicológico AfrocentradoWade W. Nobles afirma que o problema fundamental que todos nós sofremos, africanos em diáspora, em decorrência do racismo e da colonialidade que teve início da escravidão negra produzida pela Europa, é que nos foi alterado o senso de consciência de ser africano, e do que é ser africano. É preciso portanto voltar ao passado para compreender como os nossos antepassados lidam/lidaram com a sua humanidade, e o que resultou destes traumas, e das resistências e lutas contra a desumanização. Assim, é possível criar experiências que elaborem formas de existir afrocentradas, ou seja, fortalecedoras do nosso senso de consciência de ser africano.

Voltar ao passado para reaprender a lidar com a nossa humanidade, a partir dos conhecimentos e práticas dos nossos antepassados, dos nossos ancestrais. Como? Como fazer isso? Parece fantasioso, mas não é! Aqui esta um dos meus insights para a escrita deste singelo texto:

Acredito que a incorporação de práticas cotidianas suficientemente potentes para ressignificar a nossa percepção de existir no mundo, fortalecendo a nossa centralidade africana, seja o caminho para superarmos o controle da “colonialidade do saber” que domina as nossas mentes e produz esta realidade simulada pela lógica do consumo, na qual todos interagimos. Vivemos numa realidade simulada pelo racismo, pela colonialidade, pela lógica do consumo onde consumir significa existir no mundo. Na verdade, como no filme Matrix, estamos em coma induzido, consumindo, sustentando industrias, governos, sem darmos conta de quem somos, sem elaborarmos minimamente a nossa própria agência pessoal.

Vou me arriscar bastante com um exemplo:
Acredito que a fé em orixá seja um caminho, e uma experiência muito forte de ressignificação da nossa percepção de existir no mundo, capaz de nos fortalecer a ponto de superarmos o controle da colonialidade do saber que constrói esta a realidade simulada que domina as nossas mentes. A fé em orixá nos coloca num lugar onde desenvolvemos ferramentas e movimentamos recursos não para consumir almejando mostrar que existe para si mesmo e para outras pessoas, mas sim para acessar as memórias imateriais, os corpos sutis, que são, eles próprios, os nossos antepassados, energia que se configura naquilo que Amit Goswami chama de consciência não-local. Aqui cabe um adendo importante, isso não é uma explicação técnica de fenômenos espirituais do Candomblé, longe disso, mas apenas uma perspectiva que pode, e deve, motivar e estimular as pessoas a uma reflexão, ajudando na compreensão de um existir no mundo que fortaleça a sua humanidade. Compreendendo a perspectiva de existir no mundo da lógica ioruba como trouxe o psicólogo Wade W. Nobles, onde somos formados pela divindade Orisa-nla, pela força espiritual emi, a essência ou espírito individual Ori inu, e pelo alma-coração dos nossos ancestrais okan, e comparando-a com a compreensão de existir no mundo oferecida pela colonialidade através do paradigma do “consumo, logo existo”, não há como não percebermos que o racismo e a colonialidade provoca uma profunda precarização do sentido de existência. Talvez por isso, consciente ou inconscientemente muitas pessoas têm procurado as religiões de matrizes africanas e as “ciências tradicionais/ancestrais africanas”, para o auxílio das suas demandas pessoais nestas últimas décadas.

Aníbal Quijano é um sociólogo e pensador humanista peruano que se debruçou sobre a ideia central de que o racismo foi, e é, elemento fundamental da racionalidade moderna, eurocêntrica. Na obra Colonialidade do poder, eurocentrismo e America Latina (capitulo do livro A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas), ele trabalha com esta tese:

“A globalização em curso é, em primeiro lugar, a culminação de um processo que começou com a constituição da América e do capitalismo colonial/moderno e eurocentrado, como um novo padrão de poder mundial. Um dos eixos fundamentais desse padrão de poder é a classificação social da população mundial de acordo com a ideia de raça, uma construção mental que expressa a experiência básica da dominação colonial e que desde então permeia as dimensões mais importantes do poder mundial, incluindo a sua racionalidade específica, o eurocentrismo.”

Anibal Quijano é conhecido por ter desenvolvido o conceito de “colonialidade do poder”, trabalhando com a ideia de que a colonialidade é, antes de qualquer coisa uma construção mental, uma racionalidade que parte da classificação social da população a partir da ideia de raça. Desta forma, o racismo se torna o eixo paradigmático desta nova racionalidade que vai estruturar as sociedades modernas, desde o século XV e XVI. De lá para cá o racismo foi se complexificando, assumindo os contornos culturais das épocas subsequentes, até imbricar-se com a lógica do consumo, paradigma vigente nos dias atuais. Acredito que Wade W. Nobles avança neste entendimento, contribuindo com a explicação sobre o impacto desta construção mental racista (colonialidade) na precarização do senso de consciência do que é ser africano no mundo, fazendo com que percamos a nossa centralidade, referencial e perspectiva para prática da nossa própria agência pessoal.

Viver experiências significativas e positivas é fundamental para todo e qualquer processo de conscientização e reforço da humanidade. Considerando que vivemos uma realidade simulada onde o racismo e a colonialidade são os algoritmos deste sistema operacional, desta Matrix, a produção de espaços de convivência que possibilitem vivências a partir de referenciais que possibilitem em “um retorno à África” como traz o Dr. Wade Nobles, ou uma prospecção quântica que nos possibilite contato com a memória imaterial dos nossas ancestrais e antepassados como traz Amit Goswami, pode auxiliar na construção de “subjetividades hackeadoras” da lógica racista e automatizadora da colonialidade.

O racismo, desde a escravização dos povos africanos até agora, se complexificou a ponto de se imbricar nas estruturas computantes do “Ser Humano”. Desta maneira, o racismo estaria no bojo da produção cultural, ou, de outra forma, influenciando dentro da produção de conhecimento e, ao mesmo tempo, se alimentando dela. Cheikh Anta Diop, argumenta que nos mais de 500 anos deste mundo ocidental, o papel da África na história humana têm sido sumariamente negada e, mais ainda, todas as formas de viver e se relacionar com o mundo foram ajustadas socioculturalmente para contemplar, legitimar e naturalizar a escravidão, o racismo e a dominação racial. Marimba Ani, antropóloga, ao se debruçar sobre o evento da escravidão negra, cunhou o conceito maafa, definido como o grande desastre contra as sociedades africanas, morte, sofrimento e destruição desmedidos, além da compreensão humana. Wade W. Nobles acrescenta:

“… a característica básica do maafa é a negação da humanidade dos africanos, acompanhada do desprezo e do desrespeito, coletivos e contínuos, ao seu direito de existir. O maafa autoriza a perpetuação de um processo sistemático de destruição física e espiritual dos africanos, individual e coletivamente.”

Quando reconhecemos o maafa, a partir do percurso histórico, passamos a considerar o fato de que os nossos antepassados tiveram que diversificar e reelaborar muito profundamente o significado de “ser e existir no mundo”, a ponto de, num dado momento, ocorrer cisalhamentos na própria percepção de realidade a partir do desligamento de arquétipos basilares à organização natural de “ser quem você é”, tamanha foi a violência voltada a nossa desumanização. A violência imediata, física, sem precedentes, dos europeus contra os africanos na escravidão foi acompanhada da construção pelas instituições europeias, de um sistema sociocultural, filosófico e científico, que tinha (e ainda tem) como agenda forjar um “modo de ser no mundo” circunscrito à experiência do europeu, e da pessoa branca. Mais do que isso, objetivamente, esta agenda geopolítica e econômica construiu uma nova realidade às pessoas no planeta, a que chamamos modernidade, ou a era moderna, onde novas regras sociais, valores, éticas, jurisprudências, governos, diplomacias, foram impostas, sob o argumento do desenvolvimento civilizatório das nações do mundo pela Europa. O racismo foi, e é, o elemento estruturador desta nova realidade geopolítica, sociocultural, e econômica no mundo. A Matrix estava completa e produzindo esta realidade simulada.

Considerando esta nova ordem social, Nobles contribui enormemente no entendimento do impacto que o processo de dominação colonial causou à consciência de “ser africano no mundo” da população africana e seus descendentes, até os dias atuais. A partir do conceito de descarrilhamento, ele elabora o entendimento chave de que o povo africano, escravizado e submetido a todo tipo de desumanidade, desviou-se do seu caminho natural de desenvolvimento.

CONTINUA…:

 

Por José Evaristo S. Netto – Educador, dedicado aos estudos sobre corporeidade, cultura, identidades, sociocognição, racismo e colonialidade. Mestre em Educação Física.

Consumir significa existir no mundo!

Amit Goswami. Professor aposentado de Física Teórica da Universidade de Oregon, bem como estudioso da Parapsicologia e defensor de uma linha de pensamento pseudocientífico conhecida como misticismo quântico.

Racismo e modernidade a partir da ideia de realidade simulada: física quântica e psicologia negra Sakhu Sheti

Um ensaio sobre a compreensão do racismo a partir da ideia de realidade simulada – Por José Evaristo S. Netto

Nós consumimos realidades construídas por outros, ao invés de construímos as nossas próprias realidades!

De fato, a realidade é cada vez mais discutida por teóricos e pensadores de diferentes áreas do conhecimento, que buscam compreensões para suas diferentes facetas observadas, sejam estas psicológicas, socioafetivas, físicas, biológicas, espirituais, ou facetas da realidade observadas a partir da perspectiva de qualquer outro campo do saber. No campo da física teórica, importantes pesquisadores têm oferecido perspectivas epistemológicas e até cosmovisões não ocidentais super relevantes para a compreensão do mundo, do universo, e consequentemente da realidade, do tempo e do espaço.

O físico quântico indiano Amit Goswami, em seu livro O Universo Autoconsciente, trabalha com a ideia de que a unidade formadora de tudo, inclusive da realidade, não é a matéria como a física clássica (newtoniana) argumenta, mas antes a consciência. Goswami demonstra que o universo é matematicamente inconsistente sem a presença de uma “consciência reguladora do cosmos”, e que a Consciência é a base de todo o ser. Parece complicado, e de fato é (((hahaha))) mas vamos tentar destrinchar um pouco essa perspectiva. Para superar os paradoxos teóricos intransponíveis quando utilizado somente os pressupostos da física newtoniana, as teorias científicas de Goswami respeitam e incorporam os conhecimentos das culturais tradicionais africanas, orientais e ameríndias, não ocidentalizadas e/ou colonizadas. Ou seja, Goswami produz uma ciência decolonial, que traz a possibilidade de compreensão do mundo e da realidade a partir de outros referenciais culturais que não são apenas ocidentais, e que não são regulados pelo racismo e a colonialidade.

Como exemplo, quando perguntado o que é a morte (programa Roda Viva, 2007, link abaixo) ele responde (entrevista: 2min53seg até 4min28seg):

“Há morte quando a consciência pára de causar o colapso das possibilidades quânticas em eventos reais da experiência. Esta é a definição técnica da morte. Então, isto é interessante pois na física quântica todos os objetos são possibilidades. Na verdade, momento após momento, incluindo nosso corpo e nosso cérebro, momento após momento nós causamos o colapso dessas possibilidades em eventos reais que experimentamos, com o nosso corpo e o nosso cérebro. Quando perdemos esta capacidade de convertem as possibilidades em eventos reais, nós morremos. Mas perceba o que está acontecendo. As possibilidades permanecem. É claro que algumas dessas possibilidades são possibilidades materiais. Essas possibilidades vão se desintegrar, no sentido do desaparecimento gradativo da estrutura, do desaparecimento gradativo da memória. Os corpos se desintegram. Mas, além do material, temos também os componentes sutis, como a nossa mente, como o vital, como os nossos arquétipos supra mentais, que vão além da mente e do vital, que também definem o nosso ser. Estes corpos são sutis. Eles não têm estrutura nenhuma. Eles podem continuar para além da nossa morte. Este é o conceito de sobrevivência após a morte.”

O entendimento de vida e morte a partir da física quântica de Amit Goswami traz muitas semelhanças com a compreensão de “ser no mundo” a partir da lógica ioruba, segundo o entendimento de que as pessoas possuem um corpo e um espírito, como o psicólogo Wade W. Nobles descreve:

O corpo, ou ara, é formado pela divindade Orisa-nla. É por meio do ara que a pessoa interage com o meio ambiente; é essa a parte da pessoa que se pode tocar e sentir. O arapode sofrer danos e se desintegra após a morte. Entretanto, o componente “essencial” da pessoa é o espírito, a “força espiritual” ou a espiritualidade (emi). O emidá vida a pessoa. É seu elemento divino e a vincula diretamente a Deus. Depois que a pessoa morre, o emiretorna ao Elemi(o dono do espirito, Deus) e continua a viver. Como pessoa, o individuo também possui a cabeça interior, ou ori inu. Oludumaré (o ser supremo) dá essa cabeça diretamente. Ela constitui o “espírito” particular da pessoa. Ori inu é o guardião do eu; carrega o nosso destino e influencia a personalidade. Além de emi (essência divina) e ori inu (essência pessoal), a pessoa tem okan. Essa palavra significa coração, mas, como aspecto constituinte da pessoa, representa o elemento imaterial (essência) que é a sede da inteligência, do pensamento e da ação. Assim, por vezes é chamado de “alma-coração” da pessoa. Acredita-se que a okanexista antes mesmo de a pessoa nascer. É a okandos ancestrais que reencarna no recém-nascido. Para ser uma pessoa, os iorubas também acreditam que se deve ter um ori e um ejeOri governa, controla e orienta a vida da pessoa e de fato a ativa. Ori é o portador do destino e ajuda a pessoa a realizar aquilo que veio fazer na Terra. Ori é ao mesmo tempo e “essência da pessoa” e seu guardião e protetor. Está intimamente ligado a emiEje é o sangue, expressão física da energia eletroquimicomagnética que constitui a força (essência) que guarnece e anima a vida. Os iorubas também acreditam que o iye é um componente da pessoa. O Iye é o elemento imaterial às vezes referido como a mente. (Nobles, 2009. Sakhu Sheti: retomando e reapropriando um foco psicológico afrocentrado. No livro: Afrocentricidade: Uma Abordagem Epistemológica Inovadora)

Voltando a Goswami,ele se baseia em uma análise da realidade a partir do paradigma Monista Idealista, porém não descarta o Realismo Materialismo e a mecânica newtoniana do entendimento das leis universais na natureza. Ele nos convida objetivamente a ampliarmos a nossa visão para a além do que imediatamente ouvimos, tocamos, sentimos e enxergamos, apontando que em dimensões mais sutis da existência, porém não menos importantes, a realidade se faz em eventos reais de colapsos — impactos, produzidos por uma consciência não-local que escolhe o que vai acontecer dentre as possibilidades quânticas que se apresentam. Isso significa que os fenômenos observados nos experimentos da física quântica não são produzidos pelo ego manifesto das pessoas, e sim por uma consciência maior, que não esta em mim, nem em você, mas que atravessa a todos nós, portanto uma consciência não-local. Goswami trabalha com a ideia de uma consciência do cosmos, como se estivéssemos mergulhados nela, como uma piscina onde a água representasse esta consciência não-local. A aguá esta em todo lugar, a água é o próprio meio que nos circunda. Toscamente falando, esta é a consciência enquanto unidade formadora de todo ser, na mecânica de não-localidade quântica do físico Amit Goswami.

Esta consciência não-local é que define (escolhe) os eventos reais — a realidade quântica. Ela é a que organiza as possibilidades dos eventos acontecerem ou não, de qual forma, e por quais caminhos. Voltando a metáfora da piscina sendo a água a consciência não-local, compreendemos que não somos a água, mas estamos em contato com ela. Se houver uma descarga elétrica dentro da piscina, todos nós seremos eletrocutados, porque a água conduzirá a corrente elétrica para todas as pessoas. A consciência não-local, considerando a mecânica quântica de Goswami, têm um comportamento parecido. Ela não conduz eletricidade, mas arquétipos supra mentais, memórias imateriais, corpos sutis, produzidos por nós, pelos nossos antepassados, pelos nossos ancestrais, que são dados, informações, sentimentos que podem ser acessados, processados, e viabilizados por qualquer um de nós, desde que tenhamos as ferramentas necessárias para esta espécie de “prospecção quântica” da consciência não-local.

CONTINUA…:

 

Por José Evaristo S. Netto – Educador, dedicado aos estudos sobre corporeidade, cultura, identidades, sociocognição, racismo e colonialidade. Mestre em Educação Física.

Física quântica e psicologia negra Sakhu Sheti

Racismo e modernidade a partir da ideia de realidade simulada: física quântica e psicologia negra Sakhu Sheti

Um ensaio sobre a compreensão do racismo a partir da ideia de realidade simulada

O que me motivou a escrever este singelo ensaio foi a ideia de iniciar a organização de um pensamento afrocentrado, decolonial, que me facilitasse avançar na compreensão e no exercício de uma corporeidade e um “existir no mundo” sadios. Este texto também é fruto da minha preocupação com as identidades precarizadas, relacionadas em grande parte com o afastamento e abandono dos arquétipos e das memórias tradicionais africanas e afrodiaspóricas, ancestrais, tão importantes para a nossa centralidade e a percepção de “ser africano no mundo”. Percebo a incorporação de “identidades precárias de consumo” e “proto arquétipos sintéticos”, “temperadas” pelos sistemas culturais de consumo ligadas aos valores da colonialidade, da modernidade, e entendo que a noção de realidade vai sendo forjada sem agência pessoal (das pessoas pretas). Daí, entendo os porquês dos irmãos e irmãs (e toda sociedade) estarem cada vez mais ansiosos, deprimidos, inseguros, dependentes das redes sociais digitais (construindo experiências efêmeras na maioria das vezes) para a construção das suas identidades e corporeidades (subjetividades precarizadas). Daí, entendo o consumo compulsivo do “lacre” enquanto um recurso do que se entende por “empoderamento”, para um certo “existir no mundo”, a partir de um tipo de lógica de consumo disfarçado de atitude progressista. Este texto é um primeiro ensaio, na tentativa de iniciar a organização dos meus pensamentos. Um convite, portanto, ao começo desta vadiagem de significados e sentidos. Neste ano de 2020, pretendo ensaiar e girar bastante, participar de muitas rodas de trocas de saberes com os nossos, e escrever um sem número destes singelos textos para, quem sabe, chegar a um lugar de proposição de construção de subjetividades afrocentradas, construtoras de agencias pessoais enegrecidas. Convido as irmãs e irmãos para esta gira, junto! Tremendo Asè!

A ideia de que vivemos uma espécie de vida simulada, como se estivéssemos em uma realidade virtual, portanto não real da forma como acreditamos ser, ficou bastante popular com o filme Matrix, lançado em 1999. Este filme constrói um contexto pós-apocalíptico onde a realidade que conhecemos é um ambiente virtual criado por um sistema robotizado autônomo, dotado de uma inteligência artificial hiper avançada. Os seres humanos estariam em uma condição forçada de hibernação induzida, em coma, com suas mentes manipuladas a ponto de suas consciências se localizarem em um mundo virtual, em uma realidade simulada, enquanto seus corpos, conectados a cabos e em cúpulas mergulhados em uma espécie de solução que os nutre e conserva, são utilizados como baterias fornecendo energia a todo este sistema.

No filme Matrix, o personagem Morfeu é simbolicamente muito significativo, é a liderança dos seres humanos que despertaram da realidade simulada pelo sistema de inteligência artificial. Morfeu é a liderança daqueles humanos que vivem os seus próprios corpos e sentem o mundo sem a mediação de um sistema operacional dizendo o que é olfato, o que é tato, o que é palato, o que é visão, e o que é audição. Mais do que ser apenas uma liderança, ele possui ferramentas e conhecimentos capazes de libertar as pessoas da Matrix, e é o que ele faz. Morfeu é uma espécie de griot, um mais velho, um sábio que orienta, mas também um líder político, um cientista, um filósofo e psicanalista, sempre focado no despertar dos seres humanos presos a realidade virtual simulada.

É genial o recorte do filme acima, quando Morfeu provoca Neo no exercício do seu processo de conscientização sobre as realidades virtual e real. “O que é real? Como define real? Se você se refere ao que pode sentir, cheirar, provar e ver, então real são apenas sinais elétricos interpretados pelo o seu cérebro.

Minhas preocupações e motivações para a escrita deste ensaio traduzem, em síntese, uma análise preocupante da forma como se aprende a realidade em que vivemos, da realidade específica em que nós, pretas e pretos, existimos. Estou partindo do pressuposto que a realidade é essencialmente o paradigma pelo qual construímos toda a nossa experiência de sujeitos históricos, políticos, sociais, espirituais, e que a cultura é o sistema operacional que fornece as ferramentas e os recursos para a construção da nossa apreensão do mundo, para a nossa interpretação do que é a realidade, de quem somos, e do que significa para nós existir no mundo. Desta forma, a cultura — que nos forma e nos informa desde o nosso nascimento, também é a limitadora das possibilidades de compreensão do real, da realidade a nossa volta. Se a nossa realidade é construída pela cultura ocidental, que têm como paradigmas o racismo e a colonialidade, então estes são dispositivos que simulam a realidade na qual todos estamos imersos.

A nossa rotina diária, somada aos nossos hábitos e ao nosso consumo, sobretudo considerando o consumo a informação (internet – redes sociais) criam condições cada vez mais difíceis para uma tomada de consciência crítica sobre a nossa própria realidade. Quero provocá-la(o) a pensar sobre quantas vezes no dia, na semana, no mês, e no ano, você “parou” tudo o que estava fazendo e fez uma reflexão profunda sobre quem você é, sobre como você constrói a sua própria realidade. Quais os critérios, motivações, intenções, que dirigem as suas ações no dia a dia automatizado, no percurso da sua casa para o trabalho, durante os afazeres do seu emprego, nos seus estudos? O que te move? O que te motiva? Qual é o sentido que faz construir as nossas intenções e ações diárias?

Provavelmente, a grande maioria das pessoas que se permitirem a esta reflexão chegarão a conclusão de que os nossos hábitos e comportamentos rotineiros, automatizados, não permitem que reflitamos sobre ela própria. A nossa rotina é massacrante, via de regra não temos tempo para parar e refletir exercitando tomadas de consciência. Fazemos o que fazemos, porque é necessário fazê-lo. Estudar, trabalhar, produzir, performar, em qualquer área, esta é a lógica. Aprendemos, melhoramos, e produzimos, mas não para nós mesmos. Produzimos para uma empresa, para uma instituição, para uma agenda que não é a nossa. Porém, trabalhar faz parte da nossa agenda pessoal, porque o trabalho nos permite ganhar dinheiro, e dinheiro é recurso. Até ai, tudo bem! Mas avançando um pouco mais no raciocínio, quando ganhamos nosso salário, ou no nosso dinheiro, o que ocorre? Pagamos dívidas, gastamos uma boa parte consumindo coisas que não necessariamente precisamos, investimos outra parte para consumir mais depois, e etc. E o ciclo do trabalho continua, até o próximo recebimento, e a vida segue. Qual é o significado da sua vida, da nossa vida? Trabalhar para consumir, consumir para se sentir vivo, principalmente para mostrar para as pessoas que existe, que esta vivo, e novamente trabalhar para continuar consumindo, e existindo para si e para as outras pessoas, num ciclo de vida onde consumir significa “existir no mundo”.

Se isso fizer algum sentido para você, sugiro resgatarmos a ideia de Matrix. Se o “existir no mundo” só faz sentido a partir da experiência do consumo, então poderíamos dizer que aquela condição forçada de hibernação induzida do filme é uma metáfora fiel da nossa existência. A cultura do consumo cria a realidade onde existimos. Se precisamos consumir para existir no mundo — redes sociais virtuais, fitness, shopping centers, restaurantes, aplicativos de relacionamento, aplicativos para todo fim, identidades sociais, comportamentos e tendências — então a nossa existência é artificial, e nossa percepção da realidade é uma percepção criada pelas industrias que medeiam a nossa relação com o mundo e nos faz consumidores de produtos e serviços. Nós consumimos realidades, não construímos as nossas realidades. Me parece que este é o significado de existir neste mundo Matrix que vivemos.

CONTINUA…:

 

Por José Evaristo S. Netto – Educador, dedicado aos estudos sobre corporeidade, cultura, identidades, sociocognição, racismo e colonialidade. Mestre em Educação Física.

O que é Afrofuturismo

Na perspectiva do Afrokut, o Afrofuturismo é uma nova tecnologia de cura, memória e justiça, que desestabiliza noções de tempo linear ocidental. O tempo, no mundo do afrofuturismo, é cíclico, pode se mover em todas as direções e trata do passado, presente e futuro como uma experiência ditada pelo ponto de consciência. O Afrofuturismo proposto aqui vai muito além das limitações da ficção científica. Mas como uma lente para entender melhor nossas vidas e suas possibilidades além das circunstâncias atuais. Também reimaginar a ciência e o futuro a partir de uma perspectiva negra.

A Ciclo Sankofa é a nossa nave Afrofuturista onde podemos viajar no tempo e espaço, e coletar percepções no momento dos acontecimentos, disponíveis pela não-localidade quântica, quebrando os conceitos clássicos de tempo e espaço.

A nossa visão é apenas uma face do Afrofuturismo, segundo a Wikipedia o Afrofuturismo é amplo e abrangente, e engloba música, quadrinhos, cinema, moda, artes plásticas e literatura.  É uma estética cultural, filosofia da ciência e filosofia da história que combina elementos de ficção científica, ficção histórica, fantasia,  afrocentrismo e realismo mágico com cosmologias não-ocidentais para criticar não só os dilemas atuais dos negros, mas também para revisar, interrogar e reexaminar os eventos históricos do passado. Cunhado por por Mark Dery em 1993 e explorado no final da década de 1990 através de conversas lideradas pela estudiosa Alondra Nelson. O afrofuturismo aborda temas e preocupações da diáspora africana através de uma lente de tecnocultura e ficção científica, abrangendo uma variedade de meios de comunicação e artistas com um interesse compartilhado em imaginar futuros negros que decorrem de experiências afrodiasporicas. Os trabalhos semi-afrofuturísticos incluem as romances de Samuel Delany e Octavia Butler; as telas de Jean-Michel Basquiat e Angelbert Metoyer, e a fotografia de Renée Cox; os mitos explicitamente extraterrestre dos músicos do coletivo Parliament-FunkadelicJonzun CrewWarp 9Deltron 3030 e Sun Ra; e os quadrinhos do super-herói Pantera Negra da Marvel Comics.

afrofuturismo pode ser identificado nas práticas artísticas, científicas e espirituais em toda a diáspora africana. Apesar de o Afrofuturismo ter sido cunhado em 1993, os estudiosos tendem a concordar que a música, a arte e o texto afrofuturísticos tornaram-se mais comuns e difundidos no final da década de 1950. Lisa Yazsek, professora da Escola de Literatura, Mídia e Comunicação da Georgia Institute of Technology, argumenta que o romance Invisible Man de Ralph Ellison, publicado em 1952, deve ser pensado como um antecessor da literatura afrofuturistaYaszek ilustra que Ellison se baseia em ideias afrofuturistas que ainda não haviam prevalecido na literatura afro-americana. Ellison critica as previsões tradicionais para o futuro dos negros nos Estados Unidos, mas também não oferece aos leitores um futuro diferente para se imaginar. Invisible Man pode não ser afrofuturista, no sentido de que não oferece um futuro melhor – ou mesmo nenhum – para os negros nos Estados Unidos, mas pode ser pensado como um chamado para que as pessoas comecem a pensar e a criar arte com uma mentalidade afrofuturista. Nesse sentido, Yaszek conclui que o romance de Ellison é um cânone na literatura afrofuturista, servindo de “esse tipo de futuro – arte histórica” ​​para aqueles que o sucedem.

A prática contemporânea identifica e documenta retroativamente instâncias históricas da prática afrofuturista e as integra no cânone. Exemplos são as antologias Dark Matter, que apresentam ficção científica negra contemporânea, mas também incluem obras mais antigas de W. E. B. Du BoisCharles W. Chesnutt e George S. Schuyler. Desde que o termo foi introduzido em 1994, a prática afrofuturista auto-identificada tornou-se cada vez mais onipresente.

A abordagem afrofuturista na música foi proposta por Sun Ra. Nascido no Alabama, a música de Sun Ra surgiu em Chicago em meados da década de 1950, quando, junto com The Arkestra, começou a gravar canções baseadas no hard bop e fontes e modais, mas criou uma nova síntese, que também usava títulos afrocêntricos e temáticos, refletindo o vínculo de Ra com a cultura africana antiga, especificamente o Egito, e a vanguarda da era espacial. Durante muitos anos, Ra e seus companheiros de banda viveram, trabalharam e se apresentaram na Filadélfia enquanto faziam turnês em festivais de jazz e música progressiva em todo o mundo. A partir de 2016, a banda ainda está compondo e atuando, sob a liderança de Marshall Allen. O filme de Ra, Space Is the Place mostra The Arkestra em Oakland, em meados da década de 1970, em regalia de espaço completo, repleta de imagens de ficção científica, bem como outros materiais cômicos e musicais.

As ideias do afrofuturista foram retomadas em 1975 por George Clinton e suas bandas Parliament e Funkadelic com o álbum Mothership Connection como sua obra-prima e os subsequentes The Clones of Dr. FunkensteinP-Funk Earth TourFunkentelechy Vsthe Placebo Syndrome, e Motor Booty Affair. Nos fundamentos temáticos da mitologia P-Funk (“puro funk clonado”), Clinton em seu alter ego Starchild falou sobre “Afronauats certificados, capazes de funkitizar galáxias“.

Outros músicos normalmente considerados como trabalhando ou influenciados pela tradição afrofuturista incluem os produtores de reggae Lee “Scratch” Perry e Scientist, os artistas de hip hop Afrika Bambaataa e Tricky, a banda brasileira de manguebeat Nação Zumbi,[ os músicos eletrônicos Larry Heard, A Guy Called GeraldJuan AtkinsJeff MillsNewcleus e Lotti Golden e Richard Scher, produtores de eletro hip hop Warp 9, compuseram de “Light Years Away“, um relato de ficção científica de visitação alienígena antiga, descrito como uma “pedra angular do beatbox afrofuturista dos anos 80″.

No início da década de 1990, uma série de críticos culturais, notadamente Mark Dery em seu ensaio de 1994 “Black to the Future“, começaram a escrever sobre as características que eles pareciam comuns na ficção científica, música e arte afro-americanas. Dery apelidou desse fenômeno “Afrofuturism“. Segundo o crítico cultural Kodwo Eshun, o jornalista britânico Mark Sinker teorizava uma forma de afrofuturismo nas páginas de The Wire, uma revista de música britânica, no início em 1992.

As ideias afrofuturistas foram expandidas por estudiosos como Alondra NelsonGreg Tate, Tricia Rose, Kodwo Eshun e outros. Em uma entrevista, Alondra Nelson explicou o afrofuturismo como uma forma de olhar para a posição da pessoa negra que abrange temas de alienação e aspirações para um futuro utópico. A ideia de “alien” ou “outro” é um tema que muitas vezes é explorado. Além disso, Nelson observa que as discussões em torno da raça, acesso e tecnologia muitas vezes reforçam afirmações acríticas sobre a chamada “divisão digital“. A divisão digital insiste demais na associação da desigualdade racial e econômica com o acesso limitado à tecnologia. Esta associação então começa a construir a escuridão “como sempre oposição às cronologias de progresso tecnicamente conduzidas”. Como uma crítica ao argumento neo crítico de que as identidades históricas do futuro acabarão com o estigma pesado, o afrofuturismo sustenta que a história deve continuar sendo uma parte da identidade, particularmente em termos de raça.

Uma nova geração de músicos abraçou o afrofuturismo em sua música e moda, incluindo Solange KnowlesRihanna e Beyoncé. Esta tradição continua em trabalhos de artistas como Erykah BaduMissy ElliottJanelle Monáe e Ellen Oléria que incorporaram temas ciborgísticos e metálicos em seu  estilo. Outros músicos do século XXI que tenham sido caracterizados como Afrofuturistasincluem a cantorFKA Twigs, duo musical Ibeyi, e DJ/produtor Ras G.

Janelle Monáe fez um esforço consciente para restaurar a cosmologia afrofuturista na vanguarda do urban contemporary. Seus trabalhos notáveis ​​incluem os videos musicais “Prime Time” e “Many Moons“, que exploram os domínios da escravidão e da liberdade através do mundo dos ciborgues e da indústria da moda. Ela é credenciada com o proliferante Afrofuturist funk em um novo Neo-Afrofuturism pelo uso de seu alter-ego inspirado em MetropolisCindi Mayweather, que incita uma rebelião contra a Grande Divisão, uma sociedade secreta, para libertar cidadãos que caíram sob sua opressão. Este papel ArchAndroid reflete as figuras afrofuturísticas anteriores, Sun Ra e George Clinton, que criaram seus próprios visuais como seres extraterrestres que resgatam afro-americanos das naturezas opressivas da Terra. Suas influências incluem MetropolisBlade Runner e Star Wars. A Sociedade Coletiva de Artes Negras de Wondaland, da qual Monáe é fundadora, declarou: “Nós acreditamos que as canções são naves espaciaisNós acreditamos que a música é a arma do futuroNós acreditamos que os livros são as estrelas“. Outros artistas musicais que emergiram desde a virada do milênio considerado afrofuturista incluem dBridgeSBTRKTShabazz PalacesHeavyweight DubChampion, e “pioneiros tecnológicos” Drexciya (com Gerald Donald).

Uma série de autores contemporâneos de ficção científica/ficção especulativa também foram caracterizados como afrofuturistas ou empregando temas afrofuturístas. Nnedi Okorafor tem sido rotulado desta forma, tanto para sua novela Bindi, vencedora de um Prêmio Hugo, e para o seu romance Who FearsDeathSteven Barnes foi chamado de autor de afrofuturista por seus romances de história alternativa Lion’s Blood e Zulu HeartNK JemisinNalo Hopkinson e Colson Whitehead também foram referidos como autores afrofuturistas.

Chicago é o lar de uma vibrante comunidade de artistas que exploram o afrofuturismoNick Cave, conhecida pelo seu projeto Soundsuits, ajudou a desenvolver talentos mais jovens como diretor do programa de moda graduada da Escola de Arte do Instituto de Chicago. Outros artistas incluem artistas visuais Hebru Brantley, bem como o artista contemporâneo Rashid Johnson, um nativo de Chicago atualmente com sede em Nova York. Em 2013, a residente de Chicago Ytasha L. Womack escreveu o estudo AfrofuturismThe World of Black Science Fiction and Fantasy e William Hayashi publicaram os três volumes de sua Trilogia de Darkside, que conta a história do que acontece na América, quando o país descobre que os afro-americanos vivem secretamente na parte de trás da lua desde antes da chegada de Neil Armstrong, uma visão extrema de segregação imposta pelos negros tecnologicamente avançados.

O movimento cresceu globalmente nas artes. A Sociedade Afrofuturista foi fundada pelo curador Gia Hamilton em Nova Orleans. Artistas como DemetriusOliver de Nova York, Cyrus Kabiru de Nairobi, Lina Iris Viktor da Libéria e Wanuri Kahiu, do Quênia, mergulharam seu trabalho no cosmos ou na ficção científica.

Com informações do Afrokut e Wikipedia


O que é Afropresentismo?

Wakanda: O maravilhoso reino afrofuturista do Pantera Negra

O filme Pantera Negra é um acontecimento muito especial e ousado da Marvel, o que torna Pantera Negra um filme especialmente fascinante é a introdução da terra natal do Pantera Negra: o reino de Wakanda, uma maravilhosa terra repleta de tecnologias e com uma forte cultura rica que prospera nos tempos modernos no coração da África, simulando uma versão da África que foi permitida prosperar sem a imposição de cultura e colonização.

No filme, o Pantera Negra, cuja identidade secreta é a de T’Challa, também príncipe de Wakanda, volta para sua terra natal depois que seu pai é assassinado, tornando-se assim, o rei. Wakanda é um reino africano que prosperou graças à extração de um mineral raro e com diversas propriedades chamado vibranium, o metal mais raro e precioso do universo. O vibranium foi usado nas roupas e garras do Pantera Negra (é o material fundamental no escudo do Capitão América). Principalmente pela abundância do mineral, Wakanda é considerado um dos países mais ricos e cientificamente avançados nesta ficção da Marvel.

Devido ao isolacionismo intencional do país, Wakanda está à frente dos países vizinhos em avanços tecnológicos, criando sistemas informáticos impermeáveis à ataques externos. Também é reconhecida por sua medicina avançada e cura, como um subproduto de uma forte ordem religiosa. As práticas religiosas de Wakanda estão interligadas com a monarquia da nação, mantendo os antigos valores religiosos e culturais. Por isso, brilha como um reino construído em tecnologia e magia, sem deixar vestígios de pobreza ou doença, sendo verdadeiramente um reflexo de um afrofuturismo que pode ser encontrado nas histórias do Pantera Negra desde sua criação.

O que torna o filme Pantera Negra tão inovador, foi estabelecer Wakanda longe dos estereótipos “primitivos” e “selvagens” habituais associados à África, como se vê em filmes como Tarzan e muitos outros. Diferente disso, mostra-se um poderoso poder em Wakanda que nunca sentiu os efeitos do colonialismo ou imperialismo branco. Os criadores do Pantera Negra parecem determinados a corrigir as coisas, recorrendo a viagens de pesquisa para a África, recursos históricos e referências culturais específicas. Além do elenco de atores africanos e afro-americanos e a língua nacional de Wakanda sendo o idioma africano, Xhosa.

Pantera Negra não é apenas um filme de super-heróis que agrada e busca audiência, é uma história sobre reis e reinos, também é uma história sobre pais, linhagens e conflitos geracionais. Mesmo parecendo uma história contada em muitos enredos de filmes, o Pantera Negra está dizendo isso de uma maneira nova (Isso sem mencionar a representatividade, o que significa a identidade desses heróis negros e todo o reino mostrados de forma tão poderosa para meninos e meninas negras, heróis negros sendo representados com maior profundidade no Universo Cinematográfico Marvel.) É um momento vital na história do cinema e uma exploração sincera e reflexiva das cicatrizes do colonialismo e da esperança de cura. No Pantera Negra existe empoderamento e orgulho. Um filme com a finura preternatural da “magia negra” no cinema, o que poderia ser uma visualização daquela utopia negra que os pan-africanistas já sonharam.

Por Hernani Francisco da Silva – Ativista Quântico Negro – Do Afrokut

O que é Futurismo Quântico Negro?

Futurismo Quântico Negro-FQN (Black Quantum Futurism-BQF) é um coletivo literário e artístico composto por Camae Ayewa e Rasheedah Phillips. É também um nome para o conjunto de estruturas teóricas e metodologias afro futuristas proposto pelo coletivo.

O coletivo publicou um livro intitulado “Black Quantum FuturismTeoria e Prática (Volume 1)“, que propõe “uma nova abordagem para viver e experimentar a realidade através da manipulação do espaço-tempo para ver possíveis futuros e / ou colapsar o espaço-tempo em um futuro desejado para produzir a realidade desse futuro”.

O livro argumenta que as interpretações mecânicas quânticas do tempo, do espaço-tempo, da causalidade e das interações estão mais de acordo com os entendimentos afrocêntricos desses mesmos fenômenos do que com os ocidentais e que as metodologias,  que fundem essas idéias serão capazes de contrariar os eurocêntricos, os colonialistas, e as estruturas e concepções da realidade. A música de Moor Mother (projeto musical solo de Ayewa) aplica metodologias do Futurismo Quântico Negro à composição musical e manipulação eletrônica de sons.

Na pratica o Futurismo Quântico Negro dá a você o controle sobre o seu futuro, permitindo que você altere a direção do seu destino. Quando um futuro possível é previsto ou escolhido por um praticante do FQN  esse futuro remodelará instantaneamente sua relação com o passado. Esta visão e prática deriva suas facetas, princípios e qualidades da física quântica, das tradições futuristas e das tradições culturais negra / africana de consciência, e tempo-espaço.

No ponto em que essas três tradições colidem, existe um plano criativo que permite que as pessoas africanas e afro-descendentes realmente vejam “dentro de si”, criem ou escolham o futuro iminente. A partir de uma multiplicidade de futuros possíveis, uma prática do FQN permite que um visionário veja o futuro com clareza, controle seu futuro, altere a direção do seu destino, e colapse-o em sua realidade existente. É a herança de um praticante do Futurismo Quântico Negro manipular o tempo, ver o futuro e trazer esse futuro.

Em junho de 2016, As fundadoras do Futurismo Quântico Negro abriram o Community Futures Lab, um “centro comunitário afrofuturista” no norte da Filadélfia, onde lideram oficinas e ensinamentos, onde proporcionam espaço para a prática artística e combatem a gentrificação*  na área.

*Gentrificação (do inglês gentrification) – fenômeno que afeta uma região ou bairro pela alteração das dinâmicas da composição do local, tal como novos pontos comerciais ou construção de novos edifícios, valorizando a região e afetando a população de baixa renda local.

Por Hernani Francisco da Silva – Ativista Quântico – Do Afrokut