Dia Nacional da Consciência Indígena

O Dia Nacional da Consciência Indígena no Brasil é uma data comemorativa que visa promover a reflexão sobre a importância da cultura e da história dos povos indígenas. A data é celebrada no dia 20 de janeiro, em homenagem à morte do cacique Aimberê, líder da Confederação dos Tamoios, que lutou contra a colonização portuguesa no século XVI.

O Dia da Consciência Indígena é uma oportunidade para celebrar a diversidade cultural dos povos indígenas brasileiros. É também uma oportunidade para refletir sobre os desafios que esses povos enfrentam, como a violência, a discriminação e a perda de terras.

No Brasil, existem cerca de 900 mil indígenas, que representam mais de 0,4% da população total. Esses povos vivem em diferentes regiões do país, falando mais de 270 línguas diferentes.

Os povos indígenas têm uma rica cultura e história. Eles são os guardiões de uma grande diversidade cultural e natural. O Dia da Consciência Indígena é uma oportunidade para aprendermos mais sobre a Indigenitude   e para valorizarmos sua contribuição para a formação do Brasil.

Aqui estão algumas atividades que podem ser realizadas no Dia da Consciência Indígena:

  • Visitar uma aldeia indígena.
  • Assistir a um filme ou documentário sobre os povos indígenas.
  • Ler um livro ou artigo sobre a cultura indígena.
  • Participar de um evento cultural indígena.
  • Celebrar a Indigenitude.

O Dia da Consciência Indígena é uma data importante para todos os brasileiros e brasileiras. É uma oportunidade para aprendermos mais sobre nossa história e nossa cultura e para valorizarmos a diversidade que nos torna únicos.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut

A indigenitude do Samba

O samba é uma expressão cultural que celebra a diversidade e a riqueza da cultura brasileira. Ele é uma manifestação de alegria, resistência e construção de identidades, e é uma parte importante da cultura brasileira. O samba tem suas raízes na cultura africana, indígena, e europeia. A Indigenitude do Samba é uma parte importante desse processo de mistura e hibridização cultural. 

A prática do samba por parte dos povos indígenas é uma forma de reafirmar sua identidade e sua cultura. A música e a dança são formas importantes de expressão cultural para os povos indígenas.

Os Pataxós desempenharam um papel importante na formação do samba, mas eles não foram os únicos responsáveis por sua criação. Os Pataxós, assim como outros povos indígenas, africanos e europeus, contribuíram para a criação do samba.

Os povos indígenas Pataxós contribuíram com elementos musicais, rítmicos e culturais que ajudaram a moldar o samba. Os Pataxós têm uma longa tradição musical e de dança. Eles praticam uma dança chamada “cacuriá“, que é acompanhada de cantos e instrumentos musicais. Essa dança é similar ao samba em alguns aspectos, como o uso de palmas, cantos e passos ritmados. Além disso, os Pataxós têm uma tradição oral rica em histórias, lendas e mitos. Essas histórias e lendas são frequentemente contadas ao som de cantos e instrumentos musicais. Essa tradição oral também contribuiu para a formação do samba, que é uma forma de expressão cultural que também é baseada em histórias, lendas e mitos.

Hoje, o samba Pataxó é uma forma de expressão cultural importante para a comunidade Pataxó. Ele ajuda a manter viva a cultura e a identidade do povo Pataxó. Um exemplo são os Marujos Pataxos, um grupo de indígenas Pataxó da Aldeia Mãe Barra Velha localizada no litoral sul da Bahia, sambadores e sambadoras. Eles representam a contribuição dos povos indígenas para a formação dessa importante forma de expressão cultural. Os Marujos Pataxos que são um exemplo da diversidade cultural do samba brasileiro. Eles praticam uma forma de samba que é uma mistura de elementos indígenas, africanos e europeus. Os Marujos Pataxos se vestem com roupas coloridas e usam instrumentos musicais como o pandeiro, o tambor, o violão, o triângulo e o maracá. Eles cantam músicas que contam histórias sobre sua cultura e sua história.

Além dos Marujos Pataxos, existem outros grupos e referências indígenas que também têm tradição no samba. Aqui estão alguns exemplos:

Os Guarani da Aldeia Ytu, em São Paulo, praticam um estilo de samba chamado “samba guarani“. Esse samba é uma mistura de elementos indígenas, africanos e europeus. Os instrumentos musicais usados incluem o maracá, o ganzá, o pandeiro, o tambor e o violão. As letras das músicas falam sobre a cultura e a história do povo Guarani.

Os Yanomami do Amazonas também praticam o samba. Eles adaptaram o samba para incorporar elementos de sua própria cultura, como a dança e os cantos tradicionais Yanomami.

O grupo “Urucum Samba” é composto por indígenas de diversas etnias, como os Pataxós, os Guaranis e os Yanomami. O grupo toca um samba que é uma mistura de elementos das diferentes culturas indígenas.

O cantor e compositor indígena Janduí da Mata Vermelha também é um importante divulgador do samba indígena. Ele já lançou CDs com suas músicas, que falam sobre a cultura e a história dos povos indígenas.

A Indigenitude do Samba foi tão importante que um grupo de sambistas negros que se originaram no Rio de Janeiro, no início do século XX, se denominaram “Sambistas Pataxos“. Eles eram um grupo de trabalhadores, principalmente de origem africana, que se reuniam para tocar samba nas ruas da cidade. Os Sambistas Pataxos foram um dos grupos mais importantes na formação do samba carioca. Eles foram pioneiros na mistura de elementos africanos e indígenas com elementos europeus, criando um novo estilo de samba que era mais vibrante e dançante. Os Pataxos também foram um dos primeiros grupos a levar o samba para fora das favelas e para os clubes e teatros da elite carioca. Eles ajudaram a popularizar o samba e a torná-lo um símbolo da cultura brasileira.
Alguns dos sambistas Pataxos mais famosos incluem:

Donga, Pixinguinha, João da Baiana, Ismael Silva, Cartola, e Nelson Cavaquinho.

Os Sambistas Pataxos deixaram um legado importante na história do samba. Eles foram um grupo inovador que ajudou a moldar o estilo e o significado do samba carioca.

Aqui estão alguns exemplos de músicas de samba compostas por sambistas Pataxos:

Pelo Telefone” (Donga)

Apanhei no Tapete” (Pixinguinha)

O Que é Que a Baiana Tem?” (João da Baiana)

O Meu Segredo” (Ismael Silva)

As Rosas Não Falam” (Cartola)

O Sol Nascerá” (Nelson Cavaquinho)

Essas músicas são consideradas clássicos do samba e são tocadas até hoje. Elas são um testemunho da importância dos sambistas Pataxos para a cultura brasileira.

O nome “Pataxó” é uma referência ao povo indígena Pataxó, que habita a região Nordeste do Brasil. Os sambistas Pataxos se autodenominavam assim como uma forma de homenagear seus ancestrais indígenas.

De acordo com a tradição oral Pataxó, o nome do povo vem do som que o mar faz ao bater nas pedras: “Patá…”, ao que o mar responde: ““. Esse som é considerado sagrado pelos Pataxós e representa a força da natureza.
Os sambistas Pataxos adotaram esse nome como uma forma de se identificarem com a sua herança indígena. Eles acreditavam que os Pataxós eram um povo forte e resiliente, e que essas qualidades eram importantes para a sobrevivência do samba.

O nome “Pataxó” também é uma forma de resistência cultural. Os sambistas Pataxos estavam lutando para preservar sua cultura e sua identidade em um contexto de racismo e discriminação. O nome “Pataxó” era uma forma de afirmar sua identidade e sua ancestralidade indígena.
O nome “Pataxó” é um símbolo importante na história do samba. Ele representa a mistura de elementos africanos, europeus e indígenas que deram origem ao samba carioca e Brasileiro.

Como vimos, os povos indígenas têm uma longa tradição de música e dança, que é semelhante ao samba em alguns aspectos.  A  tradição do samba nas comunidades indígenas pode ter se desenvolvido de forma independente, sem influência externa.
Com essas informações podemos afirmar que existe uma forte indigenitude do samba.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut 

Os pardos são a maioria dos brasileiros, o que isso muda na Parditude e na Negritude?

De acordo com o Censo Demográfico de 2022, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 45,3% da população brasileira se autodeclarou parda, o que equivale a 92,1 milhões de pessoas. Essa é a primeira vez na história do Brasil que os pardos são a maioria da população.

Segundo o IBGE os pretos representam 10,6% da população, os brancos 42,8% e os indígenas e amarelos somam 1,3%. Ainda de acordo com o Censo Demográfico de 2022, a região com a maior proporção de pessoas que se declararam pardas é a Norte, com 72,3%. Em seguida vem a região Nordeste, com 64,7%, e a região Centro-Oeste, com 55,3%. As regiões com a menor proporção de pessoas que se declararam pardas são a Sul, com 20,9%, e a Sudeste, com 37,3%.

As diferenças regionais na distribuição da população parda podem ser explicadas por fatores históricos e sociais. A região Norte foi o principal destino da imigração africana forçada para o Brasil, e a miscigenação entre brancos, pretos e indígenas foi mais intensa nessa região. A região Nordeste também tem uma longa história de miscigenação, devido à colonização portuguesa e à escravidão. A região Centro-Oeste foi ocupada mais recentemente, e a população parda é predominantemente descendente de indígenas e de migrantes de outras regiões do país. As regiões Sul e Sudeste têm uma população parda mais baixa, devido à imigração europeia, que ocorreu em maior escala nessas regiões.

 

O resultado do Censo Demográfico de 2022 é um passo importante para movimento da Parditude que busca dar visibilidade e reconhecimento aos pardos no Brasil.  O fato de os pardos serem a maioria da população brasileira torna o movimento da Parditude mais forte e legítimo. A Parditude  defende a ideia de que os pardos são um grupo étnico-racial com uma história e uma cultura próprias. Como o movimento da Parditude ainda está em desenvolvimento, o Censo demonstra que os pardos são um grupo importante e que merecem ser representados na sociedade brasileira. Além disso, o crescimento da população parda também pode ter implicações políticas. Os pardos são um grupo heterogêneo, mas eles tendem a se identificar com os movimentos sociais que lutam por direitos das minorias. Isso pode levar a uma maior participação dos pardos na vida política do país.

O movimento da Parditude pode se beneficiar desse resultado de várias maneiras. A Parditude pode:

  • Aumentar a conscientização sobre a identidade e a cultura parda;
  • Fortalecer a luta por direitos dos pardos;
  • Influenciar as políticas públicas para atender às necessidades dos pardos;
  • Promover a inclusão dos pardos na sociedade brasileira.

Assim o  movimento da Parditude se fortalece com os pardos sendo a maioria dos brasileiros, pois isso demonstra que os pardos são um grupo importante e que merecem ser representados na sociedade brasileira. O movimento da Parditude busca dar visibilidade e reconhecimento aos pardos, e o fato de eles serem a maioria da população brasileira torna esse objetivo mais alcançável.

O movimento da Negritude também se beneficia do crescimento da população parda, pois isso aumenta a visibilidade e o reconhecimento dos negros no Brasil. O movimento da Negritude busca valorizar a cultura e a história dos negros, e o crescimento da população parda pode ajudar a promover essa causa.

No entanto, é importante ressaltar que os movimentos da Parditude e da Negritude são diferentes. E que chegou a hora da Negritude deixar a Parditude se aprofundar nas suas especificidade. Pois a Parditude busca representar os pardos como um grupo étnico-racial com uma história e uma cultura próprias, enquanto o movimento da Negritude busca representar os negros como um grupo étnico-racial que sofreu com o racismo e a discriminação.
É possível que os dois movimentos coexistam e se complementem, somando com a Indigenitude e a Branquitude,  para o objetivo final, que é a Unificação do Ser através da Afro-humanitude.

Aqui estão algumas maneiras específicas pelas quais os movimentos da Parditude e da Negritude podem se beneficiar um do outro:

  • A Parditude pode usar a visibilidade  da Negritude para promover sua própria causa;
  • A Negritude pode usar o apoio da Parditude para fortalecer sua luta contra o racismo e a discriminação;
  • Os dois movimentos podem trabalhar juntos para promover políticas públicas que beneficiem os pardos e os pretos;
  • O crescimento da população parda é uma oportunidade para os movimentos da Parditude, Negritude, Branquitude, e Indigenitude   fortalecerem suas lutas e promoverem uma sociedade mais justa e inclusiva e um mundo melhor.

 Enfim, Negritude, Branquitude, Indigenitude, e Parditude entrelaçados, cria um Campo Mórfico,  formando a Afro-humanitude, que nos conecta, mostrando que somos todos Um.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut

No Mapa de Estrabão o Oriente Médio fazia parte da África

A divisão do mundo em continentes, na atualidade, divide o mundo em seis continentes: África, América, Ásia, Europa, Oceania e Antártida. De acordo com essa divisão, o Oriente Médio faz parte da Ásia. Portanto, antigamente, a região era conhecida como “Crescente Fértil” devido ao seu solo rico e abundância de agricultura. O termo “Oriente Médio” foi cunhado pela primeira vez pelos britânicos no início do século XX para se referir à área entre o Mediterrâneo oriental e o subcontinente indiano. Geograficamente e antropologicamente o Oriente Médio está à parte da África, geopoliticamente é a Ásia. Além disso, antropologicamente, a maioria, senão todas as populações, nem sequer são populações indígenas.

O mapa, que foi escrito no primeiro século dC, divide o mundo em três continentes: Europa, Ásia e África. O Oriente Médio está localizado na parte sul da Ásia, mas Estrabão o incluiu na ÁfricaEstrabão era um geógrafo grego que viajou extensivamente pelo mundo antigo. Ele era fascinado pela geografia e pela cultura de diferentes lugares. Estrabão é considerado um dos fundadores da geografia moderna. Ele foi o primeiro a tentar descrever o mundo de forma sistemática e abrangente. Sua obra teve uma grande influência nos geógrafos posteriores, incluindo Ptolomeu e Mercator. A Geografia é a obra mais importante de Estrabão. Ela é dividida em 17 livros, cada um dos quais trata de uma região específica do mundo. A obra é uma fonte valiosa de informações sobre a geografia, a história e a cultura do mundo antigo.

Seu mapa é um dos mais importantes documentos da geografia antiga:

A inclusão do Oriente Médio na África por Estrabão pode ser explicada por vários fatores. Em primeiro lugar, o Oriente Médio está localizado na mesma massa continental da África. Em segundo lugar, as culturas do Oriente Médio e da África têm muitas semelhanças. Em terceiro lugar, Estrabão pode ter visto o Oriente Médio como uma extensão da civilização egípcia, que ele considerava parte da África.

Entretanto, não deve-se olvidar de uma reflexão sobre o contexto bíblico do primeiro século: na região de Israel e o Mapa de Estrabão. Na perspectiva do Mapa de Estrabão, Oriente Médio, incluindo Israel, estava localizado na África. Como vimos, o mapa divide o mundo em três continentes: Europa, Ásia e África. Portanto, se Jesus nasceu em Belém de Judá, como diz a bíblia, que era parte de Israel, então Jesus nasceu na África. Sabemos que a visão de Estrabão sobre o Oriente Médio como parte da África foi contestado por alguns estudiosos modernos. No entanto, seu mapa ainda é uma fonte importante de informações sobre a geografia e a cultura do mundo antigo.

Estrabão nasceu na cidade de Amasia, antiga capital do reino do Ponto, por volta do ano 60 a.C., e morreu aproximadamente no ano 24 da nossa Era. Ele estudou filosofia e geografia em Atenas, e viajou extensivamente pelo mundo antigo. Suas viagens o levaram a Roma, onde ele conheceu o imperador Augusto.

Alguns dos principais pontos de vista de Estrabão:

  • Ele acreditava que a geografia era uma ciência importante, pois poderia ajudar as pessoas a entender o mundo ao seu redor.
  • Ele argumentou que a geografia deveria ser baseada em observações e evidências empíricas, em vez de especulações.
  • Ele acreditava que a geografia deveria ser uma ciência holística, que levasse em consideração a história, a cultura e a economia dos lugares que ela descreve.

A Geografia de Estrabão é uma obra seminal que continua a ser importante até hoje. É uma fonte valiosa de informações sobre o mundo antigo e sobre a evolução da geografia como ciência.

Por Hernani Francisco da Silva  – Do Afrokut

5 Santos Negros e Negras da Igreja Católica

Os Santos Negros e Santas Negras são figuras importantes na história do catolicismo. A Igreja Católica tem alguns santos e santas negros reconhecidos ao longo de sua história, mas que são uma ínfima minoria se comparados às figuras retratadas como brancas.

Para conquistar os povos colonizados, os europeus canonizaram figuras negras que pudessem ser uma forma de representação para eles. Porém a expansão foi limitada: com a escravidão no século 19, o culto às entidades negras ficou restrito e a reforma da Igreja Católica na mesma época enfatizou as celebrações de santos brancos.

Alguns exemplos de santos negros incluem:

1 – Santa Josefina Bakhita

É uma das poucas santas negras católicas. O nome “Bakhita”, que significa “afortunada”, “sortuda” ou “bem-aventurada”, não lhe foi dado ao nascer mas lhe foi atribuído pelos raptores. Foi capturada e vendida por mercadores de escravos negros no mercado de El Obeid e de Cartum  ao cônsul da Itália no Sudão, D. Calixto Legnani, que logo lhe deu uma carta de liberdade. No período de escravidão, Bakhita sofreu as humilhações, sofrimento físico, psicológico e moral dos escravizados.

Na casa do cônsul Legnani, Bakhita trabalhava como mulher livre e isto lhe deu momentos de serenidade. Quando Legnani teve de regressar ao país, Bakhita decidiu acompanhá-lo, e chegando a Gênova  é transferida para a localidade de Zianigo, ao serviço da família Michieli como “ama-seca”, e posteriormente, passou à Congregação das Filhas da Caridade de Santa Madalena de Canossa (Canossianas) de Veneza, onde recebeu os primeiros sacramentos do catecumenato, em 9 de janeiro  de 1890, foi batizada com o nome de Josefina e em 8 de dezembro de 1896 tomou o habito e ingressou na ordem das Irmãs Canossianas, com o nome religioso de Irmã Josefina.

Josefina Bakhita se destacou pela piedade e amor a Cristo e à Eucaristia, também pelo serviço social pelos demais pobres e desamparados, o que fez com que ficasse conhecida como o apelido em vêneto de “Madre Morèta” (Mãe Moreninha).

Faleceu no convento canosiano de Schio, em 1947, com a idade de 78 anos; foi enterrada no começo na capela de uma família de Schio, os Gasparella, provavelmente na espera de um sepultamento definitvo no Templo da Sagrada família. E assim foi em 1969, quando o corpo encontrado incorrupto de Bakhita foi sepultados sob o altar da Igreja do mesmo convento.

Foi beatificada em 1992 e canonizada em Roma, pelo Papa João Paulo II, em outubro de 2000.

2 – Santo Antônio de Categeró

É uma figura importante para a comunidade negra. Nasceu na cidade de Barca, Cirenaica, na África e, no início de sua vida religiosa, professava a fé em Maomé.

Por ocasião de um aprisionamento foi  escravizado,  e  levado à Sicília, para trabalhar em galeras. Vendido como trabalhador escravo a João Landavula (camponês dos arredores de Noto), transformou-se em pastor. Detentor de alma sincera, grande retidão de caráter e agudeza de espírito, aproximou-se da fé em Cristo. Muito disciplinado, sabia controlar seu corpo a ponto de vencer as fraquezas. O que se pode perceber da descrição do caráter do bem-aventurado Santo Antônio de Categeró é que o seu ascetismo foi responsável pela superação das condições sociais adversas. Quando conquistou liberdade, dedicou-se totalmente ao trabalho em hospitais (cuidar dos doentes) e à vida religiosa (homem de orações) o que o levou a ingressar para a Ordem Terceira de São Francisco e, por fim, optou por uma vida contemplativa como grande eremita no deserto. Sua morte deu-se no dia 14  de março de 1549.

O estudo do padre italiano Salvatore Guastella sobre a vida do santo – Santo Antônio de Categeró: sinal profético do empenho pelos pobres – repisa as qualidades aqui expostas, além de traçar uma possível rota do estabelecimento da fé no bem-aventurado Santo no Novo Mundo e pontuar os principais locais de sua veneração no Brasil.

3 – Nossa Senhora Aparecida

Nossa Senhora da Conceição Aparecida, popularmente chamada de Nossa Senhora Aparecida, é uma das invocações de Maria, mãe de Jesus. É a padroeira do Brasil.

O título, sempre evocado na Ladainha Lauretana, faz relação com o dogma da Imaculada Conceição. Com efeito, no dia 08 de dezembro a Igreja Católica celebra a solenidade de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, esta data lembra o dia 08/12/1854 na qual o Papa Pio IX proclama o dogma da Imaculada Conceição, porém a festa já tinha longa tradição. Esta devoção tem profunda relação com Portugal e consequentemente com o Brasil, pois desde 08 de dezembro de 1147, Portugal consagrou seu país à Imaculada Conceição.

Venerada na Igreja Católica, Nossa Senhora Aparecida é representada de pele negra por uma pequena imagem de terracota de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, atualmente alojada na Catedral Basílica de Nossa Senhora Aparecida, localizada na cidade de Aparecida, em São Paulo.

Sua festa litúrgica é celebrada em 12 de outubro, um feriado nacional no Brasil desde 1980, quando o Papa João Paulo II consagrou a basílica, que é o quarto santuário mariano mais visitado do mundo, capaz de abrigar até 30 mil fiéis.

4 – Santo Elesbão

Elesbão de Axum, também conhecido como Santo ElesbãoEla Asbá (Ella Asbeha/Atsbeha) ou Elasboas (em grego: Ελεσβόας; m. 555)  foi um rei do Império de Axum que reinou entre  os anos 493 a 531dc. É um santo da Igreja Católica, venerado no dia 27 de outubro. Representado como um rei negro da Etiópia, a veneração de Elesbão teve muita difusão no Brasil colonial entre os escravizados africanos e seus descendentes.  Seu título real era bisi lazen.

5 – São Benedito

São Benedito, o Negro, conhecido também como São Benedito, o Mouro (cor escura da pele); Benedito, o AfricanoBenedito de Palermo, é um santo católico, que possui duas versões históricas: na primeira delas, teria sido um italiano descendente de africanos escravizados na Etiópia; em outra, teria sido um mouro islâmico escravizado ao norte da África, acontecimento comum no sul da Itália na época.

Aos 18 anos de idade, decidiu consagrar-se ao serviço religioso, e aos 21, um monge dos irmãos eremitas de São Francisco de Assis chamou-o para viver entre eles. Benedito aceitou, fazendo votos de pobreza, obediência e castidade. Assim caminhava descalço pelas ruas e dormia no chão sem cobertas. Sendo muito procurado pelo povo, que desejava ouvir conselhos e pedir-lhe orações.

Cumprindo seu voto de obediência, depois de 17 anos entre os eremitas, foi designado para ser cozinheiro no Convento dos Capuchinhos.

Sua piedade, sabedoria e santidade levaram seus irmãos de comunidade a elegê-lo Superior do Mosteiro, apesar de analfabeto e leigo (sem ordenação de sacerdote). Seus irmãos o consideravam iluminado pelo Espírito Santo, pois fazia muitas profecias. Ao terminar o tempo determinado como Superior, reassumiu as atividades na cozinha do convento.

São Benedito morreu aos 65 anos, no dia 4 de abril de 1589, em Palermo (Itália). Na porta de sua cela, no Convento de Santa Maria de Jesus de Palermo, encontra-se uma placa com a inscrição em italiano indicando que era a Cela de São Benedito e, embaixo, as datas 1524-1589, indicando o nascimento e falecimento. Alguns autores indicam 1526 como o ano de seu nascimento, mas os Frades do Convento de Santa Maria de Jesus consideram que a data certa é 1524.

Em Portugal, é venerado desde o sé­culo XVI como parte das Devoções Negras.

A Igreja Católica  tem outros santos e santas considerados negros e negras, abordamos apenas esses cincos.  A celebração deles, muitas vezes é restrita a grupos específicos de devotos. Também tiveram  grande influência para trazer os povos conquistados ao catolicismo.

Do Afrokut

Branquitude e Branquidade Por Edith Piza

Embora até então os termos branquitude e branquidade tenham sido utilizados para falar da situação de privilégio que o branco detém nas sociedades estruturadas pelas hierarquias raciais, em 2005 a autora Edith Piza propõe uma nova forma de pensar as nomenclaturas. No texto publicado no Simpósio Internacional do Adolescente a autora utiliza o termo branquidade, como foi utilizada na publicação da coletânea de Vron Ware, e estabelece a seguinte definição:

Ainda que necessite amadurecer em muito esta proposta, sugere-se aqui que branquitude seja pensada como uma identidade branca negativa, ou seja, um movimento de negação da supremacia branca enquanto expressão de humanidade. Em oposição à branquidade (termo que está ligado também a negridade, no que se refere aos negros), branquitude é um movimento de reflexão a partir e para fora de nossa própria experiência enquanto brancos. É o questionamento consciente do preconceito e da discriminação que pode levar a uma ação política antirracista (PIZA, 2005, p. 07).

A autora sugere que, diferente da forma como vem sendo trabalhada até então, a branquitude seja trabalhada como uma fase de superação da branquidade. Ou seja, a branquitude não representaria uma situação em que os brancos julguem todos iguais independente da cor da pele, muito pelo contrário. Significa que este indivíduo branco reconhece a situação de vantagem estrutural baseado na brancura e nega estes privilégios através de práticas antirracistas, também, no interior do “universo” branco.

É primeiramente o esforço de compreender os processos de constituição da branquidade para estabelecer uma ação consciente para fora do comportamento hegemônico e para o interior de uma postura política anti-racista e, a partir daí, uma ação que se expressa em discursos sobre as desigualdades e sobre os privilégios de ser branco, em espaços brancos e para brancos; e em ações de apoio à plena igualdade (PIZA, 2005, 07-08).

Edith Piza chama ainda atenção para o esforço que o branco precisa realizar no sentido de negar a posição de superioridade para alcançar uma branquitude e compara esta situação com o período da adolescência em questionamentos como “o que sou e o que não sou” são frequentes. “Este movimento exige que nos questionemos em termos não apenas de relação, mas de interação, pois só na interação, não mediada pelos mecanismos institucionais e pela racionalização em torno dos nossos processos conscientes e inconscientes” (PIZA, 2005, p. 08).

A autora Ruth Frankenberg (2004) em Branquidade já chamava atenção para o esforço contínuo e diário que o branco precisa ter para se tornar vigilante e contrário a atitudes que vão de encontro a manutenção da superioridade.

O trabalho do pesquisador Lourenço Cardoso (2010) estabelece uma diferenciação que se aproxima do conceito sugerido por Edith Piza. Cardoso desenvolve duas categorias para situar a branquitude no quadro social: branquitude crítica e branquitude acrítica. Segundo ele, “a branquitude crítica refere-se ao indivíduo que desaprova publicamente o racismo”.

branquitude acrítica refere-se ao indivíduo ou coletividade que luta pela manutenção do status de superioridade racial branca. “Apesar do apoio as práticas racistas ou da inação diante delas, a branquitude acrítica pode não se considerar racista porque, segundo sua concepção, a superioridade racial branca seria uma realidade inquestionável” (CARDOSO, 2010, p. 63).

Segundo Cardoso, uma das razões para distinguir a branquitude em crítica e acrítica, se sustenta pelo fato de que os principais estudiosos estabelecem uma diferenciação ao tratar as diversas formas de racismos, mas ao definir a branquitude o fazem de maneira genérica o que não é suficiente para compreender como se configura o conflito racial que tem se perpetuado.

“Ao observar o grupo branco de longe, de repente, pode surgir a impressão de que a branquitude é homogênea, porém, com a aproximação percebe-se o quanto os brancos são diversos” (IBIDEM). Dito isto, o autor atesta a necessidade de se pensar a branquitude nos seus aspectos mais específicos e mutáveis.

Texto do artigo de Camila Moreira de Jesus:

BRANQUITUDE X BRANQUIDADE: UMA ANÁLISE CONCEITUAL DO SER BRANCO

7 valores defendidos pela filosofia Ubuntu

A filosofia Ubuntu defende uma série de valores que são fundamentais para a vida em comunidade e para a interação harmoniosa entre as pessoas.

Aqui estão 7 dos principais valores defendidos pela filosofia Ubuntu:

1. Humanidade para com os outros:

A essência de Ubuntu é “ser humano” e valorizar a importância do “eu” na busca de sentido através do encontro com o outro, numa relação de interdependência construtiva.

2. Respeito:

Este fundamento tradicional africano articula um respeito básico pelos outros. Ele pode ser interpretado tanto como uma regra de conduta ou ética social.

3. Compartilhamento e Cooperação:

Os princípios de partilha, preocupação e cuidado mútuos, além de solidariedade, são elementos constitutivos da filosofia Ubuntu.

4. Empatia:

A natureza humana implica compaixão, partilha, respeito, empatia.

5. Interdependência:

Ubuntu está intimamente ligado à relação entre as pessoas e à sua interdependência.

6. Comunidade:

Ubuntu enfatiza a importância do acordo ou consenso na cultura tradicional africana.

7. Ética do Cuidado:

Cuidar de mim, cuidar do outro e cuidar do planeta leva ao sentido e ao propósito.

Portanto, a filosofia Ubuntu é uma filosofia de vida que se baseia nos princípios da lealdade, humildade, empatia e o respeito.

Do Afrokut

A diferença entre Parditude e Negritude

A Parditude surgiu na inspiração do conceito de Negritude, de Senghor e de Césaire. A Negritude foi um movimento literário e político que teve origem nas décadas de 1930 e 1940, no contexto do colonialismo e da escravidão, que deixaram marcas profundas na história e na identidade dos povos africanos e afrodescendentes. A palavra “Negritude” é uma junção dos termos “negro” e “atitude”, e representa a valorização da cultura, história e identidade negra. A Negritude busca combater estereótipos e preconceitos raciais, promovendo o orgulho e a valorização da herança africana.

A Parditude, por sua vez, é um termo mais recente, que busca dar visibilidade e reconhecimento aos pardos ou mestiços no Brasil, que são aqueles que possuem origens indígenas, africanas, europeias e asiáticas. A Parditude é uma afirmação da identidade e cidadania dos pardos e mestiços, reivindicando seus direitos e sua participação na sociedade brasileira.

A diferença entre Parditude e Negritude é que a Parditude se refere à identidade e à cultura dos pardos ou mestiços no Brasil, enquanto a Negritude se refere à identidade e à cultura dos negros ou afrodescendentes no mundo. Ambos os conceitos buscam valorizar a diversidade e a riqueza cultural que esses grupos representam, reconhecendo suas origens e contribuições para a humanidade. No entanto, a Parditude e a Negritude também possuem suas especificidades e desafios, de acordo com os contextos históricos e sociais em que surgiram e se desenvolveram.

A Parditude não é separada da Negritude, Indigenitude e da Branquitude, pois compõe a essência da Afro-humanitude que mostra que a humanidade é uma só, mas com múltiplas expressões.  Assim, a Parditude e a Negritude são conceitos que se complementam e se fortalecem na luta contra o racismo e pela valorização da diversidade cultural.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut

O que é Parditude?

Parditude é um termo que se refere à identidade e à cultura dos pardos ou mestiços no Brasil. Uma forma de valorizar a diversidade e a riqueza cultural que os pardos e mestiços representam, reconhecendo suas origens indígenas, africanas, europeias e asiáticas. Parditude é uma afirmação da identidade e cidadania dos pardos e mestiços, reivindicando seus direitos e sua participação na sociedade brasileira.

Segundo a definição de Beatriz Bueno, uma pesquisadora e ativista do movimento racial brasileiro, Parditude é “a consciência de que somos um povo mestiço, que temos uma história própria, que não somos nem brancos nem negros, mas sim uma mistura de ambos, e que temos orgulho disso”. Parditude também é o nome de um canal no YouTube, onde Beatriz Bueno compartilha seus conhecimentos e experiências sobre o tema.

Parditude é uma forma de resistir ao racismo e ao apagamento histórico que os pardos e mestiços sofrem no Brasil, onde muitas vezes são invisibilizados ou forçados a se enquadrar em categorias raciais binárias. Os pardos no Brasil são as pessoas que se identificam como tendo uma mistura de origens étnicas, principalmente de brancos, negros e indígenas.

De acordo com o IBGE, pardo é um termo que se refere às pessoas que se identificam como tendo uma mistura de origens étnicas, principalmente de brancos, negros e indígenas. Preto é um termo que se refere às pessoas que se identificam como tendo uma ascendência oriunda de nativos da África, independentemente de seu território ou construção social, pelo fenótipo manifestado por sua pele de cor escura. Negro é um termo que se refere ao conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pelo IBGE, ou que adotam autodefinição análoga.

Os pardos são o maior grupo racial do Brasil, representando 46,8% da população, de acordo com a PNAD de 2019. Os pardos estão presentes em todas as regiões do país, mas são predominantes nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Os pardos têm uma história e uma cultura própria, que refletem a riqueza da diversidade brasileira.

A origem da palavra pardo vem do latim pardus, que significa leopardo, Panthera pardus, também chamado de pantera, faz parte da família dos felinos. Essa palavra teria passado para o grego como párdos, e depois para o português como pardo, designando uma cor entre o escuro e o menos escuro, por comparação com a cor do felino. No Brasil, a palavra pardo foi usada desde o século XVI para se referir às pessoas mestiças, especialmente de origem indígena e africana, que não se encaixavam nas categorias raciais impostas pelos colonizadores. A palavra pardo, portanto, tem uma origem complexa e uma história marcada pela diversidade e pela resistência.

O termo Parditude surge na inspiração do conceito de Negritude, de Senghor e de Césaire. Assim, a Parditude não é separada da Negritude, Indigenitude e da Branquitude, pois compõe a essência da Afro-humanitude que mostra que a humanidade é uma só, mas com múltiplas expressões. A Afro-humanitude é um conceito que propõe a África como o berço da humanidade e o centro da história universal do mundo. A Afro-humanitude é a conexão entre a África e a Humanitude (Sumak Kawsay, Teko Porã, e Ubuntu), que é o vínculo universal que liga toda a humanidade. A Afro-humanitude contempla a Negritude, a Indigenitude, a Branquitude, a Parditude, e continua aberta e disponível para outras humanitudes, reconhecendo a diversidade e a riqueza cultural que elas representam.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut

Humanitude ou como saciar a sede por humanidade

Frente ao fracasso do modelo ocidental de desenvolvimento, que coloca a cultura do ter acima da cultura do ser, cada vez é mais urgente desenvolver um projeto diferente de sociedade – algo que seja fundamentado na humanitude, um conceito que explora a abertura ao Outro, a única saída possível para um mundo desencantado.

Tornou-se lugar-comum dizer que o nosso mundo, que está nas garras de uma crise multidimensional e aparentemente eterna, encontra-se em um estado muito ruim. Essa crise, na realidade, revela uma perda de sentido, reforçada por uma tendência à homogeneização das culturas mundiais, provocada pela globalização acelerada dos mercados. Isso está levando a uma verdadeira desumanização das relações entre indivíduos, povos e Estados. Os atuais desafios ambientais, energéticos, demográficos e digitais – aos quais se somam a pobreza e as desigualdades vigentes – acentuam o sentimento geral de angústia existencial e uma falta de confiança no futuro.

O “modelo de desenvolvimento” que prevalece hoje em dia tem como base o que eu chamo de uma cultura do “ter”, do lucro. Ele já revelou suas limitações, e a crise atual confirma que já está falido. Esse “modelo ocidental” é responsável pelo eurocentrismo e pelo centralismo ocidental visto nas relações internacionais, tanto em termos de bens quanto de produção intelectual. Consequentemente, uma mudança de paradigma em direção à promoção de valores mais alinhados com uma cultura do “ser” se tornou um imperativo.

Foi com essas considerações em mente que, vários anos atrás, eu sugeri que explorássemos um novo conceito – humanitude – em referência à negritude, um conceito que herdei de meu mentor, o poeta Aimé Césaire, da Martinica.

Utilizo este conceito de humanitude para traduzir o que, na África, nós chamamos de maaya (em bamanankan, a língua bambara), neddaaku (em fulfulde, a língua fula), boroterey (em songai, a língua songai), nite (em wolof) e ubuntu (nas línguas bantu), entre outros. Existem muitos termos que significam, literalmente, “a qualidade de ser humano”.

Conectando humano a humano

As sociedades africanas sempre colocaram o “ser”, em vez de o “ter”, no centro do seu desenvolvimento. Em termos mais globais, certas sociedades não europeias têm uma cosmovisão que coloca o “ser” no centro de todas as relações com o mundo. Essa visão é caracterizada por uma busca permanente por relações não conflituosas, pacíficas, orientadas em direção ao consenso com os outros e à harmonia com o meio ambiente, no sentido mais amplo. Por muito tempo, essa concepção de mundo também era compartilhada pelo Ocidente, antes de ser dominada por uma forma de modernidade com base no mercado, no fundamentalismo material e na acumulação individualista.

A humanitude é a nossa abertura permanente ao Outro, nossas relações de ser humano para ser humano. Ela determina uma relação permanente de solidariedade, livre de manipulação – um impulso espontâneo de acolher o Outro. Essa humanitude torna possível “conectar humano com humano” – para usar a bela expressão de Césaire – e é a base para uma cultura do “ser”, o oposto de uma cultura totalitária do “ter”, que leva a relações permanentemente conflituosas de aquisição, ou mesmo dominação.

Em uma apresentação notável no simpósio Ubuntu, que ocorreu em Genebra, na Suíça, em abril de 2003, meu amigo e mentor de Burkina Faso, Joseph Ki-Zerbo (historiador, político e escritor, 1922-2006), enfatizou que:

“O principal, portanto […] é levar para o topo da agenda e das lutas sociais do planeta o conceito, a questão, a causa, o paradigma de ubuntu como um antídoto axiomático e específico ao mercantilismo dos seres humanos e da humanidade ocasionado pelo neoliberalismo sectário da economia de mercado”.

Em sua palestra Ubuntu ou “o homem como remédio para o homem”, que posteriormente foi publicada no livro Repères pour l’Afrique (Dacar: Panafrika; Silex; Nouvelles du Sud, 2007), Ki-Zerbo continua sua análise especificando que:

“[…] ubuntu pode ser a ferramenta mais poderosa para essa tarefa suprema. Porém, acima de tudo, deve se tornar seu objetivo e o significado da paz. Isso não quer dizer ir na direção de uma forma de culturalismo antropológico, mas, quando confrontado com o rolo compressor do pensamento único, ele se tornou urgente para desarmar conflitos em que o peso da responsabilidade recai na violência estrutural do status quo […]”.

Agora, eu estou convencido de que, considerando o fracasso dos atuais modelos de desenvolvimento, nós devemos pensar em como elaborar um novo projeto para a sociedade, fundamentado precisamente no conceito de humanitude.

O grande encontro internacional das ciências humanas, a primeira Conferência Mundial de Humanidades (World Humanities Conference – WHC), que será realizada em Liège, na Bélgica, de 6 a 12 de agosto de 2017, oferece uma oportunidade de se aprofundar nesse conceito.

Um evento sem precedentes

Liège, chamada de “Cidade Ardente”, tanto em espírito quanto em engenhosidade, é uma cidade multicultural no coração da Europa, e abrigará um evento sem precedentes apoiado pelo rei da Bélgica.

Então, por que uma Conferência Mundial de Humanidades?

A ideia me ocorreu em 2009, durante meu primeiro mandato como presidente do Conselho Internacional de Filosofia e Ciências Humanas (International Council for Philosophy and Human Sciences – CIPSH), uma organização não governamental criada sob os auspícios da UNESCO em 1949.

A Conferência foi resultado de três observações. Após episódios recorrentes de instabilidade relacionados à globalização financeira, a crise de 2008-2009, mais do que apenas financeira ou econômica, tornou-se, de fato, “total”. Era uma crise da sociedade, o que, de certa forma, confirmou a falência do modelo de desenvolvimento dominante, neoliberal e ocidental, levando a uma verdadeira perda de significado.

Minha segunda observação foi a progressiva marginalização das ciências humanas no mundo. Como se pode aceitar que, testemunhando uma situação como essa, que deveria provocar alguma reação, os que têm a responsabilidade de nos explicar a complexidade das transformações sociais permanecem paralisados, impossibilitados de se mover?

Terceiro, eu observei a falta de envolvimento, senão a total ausência, ou repúdio, por parte de estudiosos das ciências humanas de fora da Europa e do “Ocidente” na produção intelectual e na cooperação mundial. A situação se agravou com os riscos de desaparecimento de conhecimentos tradicionais e da metade das línguas do mundo – o que agora se chama de epistemicídio e linguicídio.

É por isso que, em 2009, pareceu-me não somente óbvio, mas também imprescindível, propor que a UNESCO organizasse uma Conferência Mundial de Humanidades. Como primeira tentativa nesse sentido, seu objetivo seria iniciar o processo de reabilitação das ciências humanas no mundo.

Uma ansiedade insuportável

A questão central a ser discutida na Conferência é o papel das ciências humanas em um século XXI caracterizado pela diversidade cultural, pelo fracasso de várias formas de pensamento único, e pela necessidade de se reintroduzir considerações de médio e longo prazo nos pensamentos do dia a dia. Este é um século marcado por mudanças mundiais, migração crescente e tensões sociais e econômicas – cuja resolução depende, em grande medida, de habilidades interculturais, da compreensão da unidade humana em toda a sua diversidade. Ela também se apoia na necessidade de reforçar as relações das ciências entre as disciplinas e com as artes e tecnologias.

Este é um século que começou com o desenvolvimento de um terrorismo global que não poupa nenhuma região do mundo, nem país algum, atacando, de forma tão cega quanto desumana, cidadãos inocentes que são vítimas de uma violência gratuita, bárbara e indescritível. Uma ansiedade insuportável atravessa o planeta, mais ainda porque esses atos de violência – conhecidos durante as conquistas coloniais e guerras de independência – permaneceram relativamente desconhecidos ao Ocidente enclausurado desde a Segunda Guerra Mundial, com algumas exceções.

Portanto, o objetivo principal da Conferência consiste em estudar formas pelas quais as humanidades estão auxiliando ou podem auxiliar, nacional, regional e internacionalmente, a mensurar e entender as transformações culturais vinculadas à globalização gradual de intercâmbios, de forma a administrá-los melhor – em todas as suas dimensões econômicas, sociais e ambientais.

Diante da crise social e humana que estamos vivenciando, e um mundo corrompido no qual o processo de desumanização aumenta e ganha força, a ambição da Conferência consiste em construir um diálogo fértil entre as mentes atuais sobre os desafios, os riscos e os novos conhecimentos, por meio dos quais as humanidades podem tornar nosso mundo mais compreensível, menos opaco, menos belicoso, menos assassino e, ao mesmo tempo – é a esperança que compartilhamos – mais humano.

As humanidades são uma celebração da genialidade das línguas da espécie humana e do conhecimento que surge da proliferação de nossas práticas sociais, políticas, econômicas e artísticas.

Reabilitar e reconstruir as ciências humanas

O título da Conferência, Desafios e Responsabilidades para um Planeta em Transição (Challenges and Responsibilities for a Planet in Transition), situa claramente as questões subjacentes a esta conferência. De acordo com a UNESCO, são os seguintes os maiores desafios do nosso planeta em transição: crescimento populacional; a recomposição de territórios; fluxos migratórios; energia e limites ambientais; a homogeneização de culturas no contexto da globalização e, inversamente, a construção de novas identidades; e a chegada da sociedade digital, que, muitas vezes, cria uma sociedade dividida.

Há um sentimento de que os modelos de desenvolvimento dominantes fracassaram, especialmente o modelo neoliberal, que parece estar se impondo aos povos do mundo. Nesse contexto, torna-se imperativo reconsiderar o papel das ciências humanas em nossas sociedades contemporâneas. É preciso levar em conta tanto as especificidades e os recursos inerentes a cada cultura, valorizando cada um de forma sábia, quanto as possibilidades de intercâmbio, em prol do diálogo e do enriquecimento mútuo.

Com isso, a Conferência é uma oportunidade de se recuar para reabilitar e reconstruir as ciências humanas, para produzir uma mudança de paradigma, permitindo a reinvenção de um mundo fundado no respeito por sua rica diversidade cultural e linguística. Esse novo paradigma nos permitirá substituir as relações conflituosas de competição por uma solidariedade genuína e universal, que é a única forma de ajudar a enfrentar os desafios do nosso planeta em transição!

Em suma, temos de saciar a sede de humanidade do nosso planeta, vivendo e consagrando nossa humanitude!

Adama Samassékou

Adama Samassékou (Mali) é presidente da Conferência Mundial de Humanidades (WHC). Ex-ministro da Educação Nacional do Mali, foi membro do comitê preparatório para a Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação (Genebra 2002-2003). Samassékou foi também o primeiro secretário-executivo da Academia Africana de Línguas da União Africana (Acalan), com sede em Bamako. Após dois mandatos como presidente do Conselho Internacional de Filosofia e Ciências Humanas (CIPSH), de novembro de 2008 a outubro de 2014, ele agora é seu presidente honorário.

Fonte:  UNESCO