Vanguarda do Movimento Negro Evangélico

Finalmente, John Burdick afirma que, além da música, há outros locais no protestantismo evangélico que promovem a identidade étnico-racial negra e o antirracismo.

Uma sugestão final: como indicado ao longo deste livro, há sites no protestantismo evangélico brasileiro que nutrem um pensamento complexo que apoia a identidade étnico-racial negra, orgulho da ancestralidade africana, entusiasmo por saber mais sobre a história africana e antirracismo. Os sites que examinei aqui são de produção musical, mas há outros também. O MNE está crescendo e é significativo. Negros evangélicos estão na vanguarda dos estudantes que ingressam na faculdade apoiados por ações afirmativas. Os evangélicos estão crescendo em número, não estão prestes a desaparecer e superam em muito os candomblecistas. A posição de algumas igrejas, como a Igreja Universal do Reino de Deus, de que é aceitável agredir fisicamente os templos de candomblé é uma visão minoritária; a maioria dos evangélicos rejeita o candomblé teologicamente, mas não está interessada em atacar os templos, pois consideram que o destino final dos praticantes não cristãos está nas mãos de Deus. (John Burdick, 2013)

Dado tudo isso, faz sentido que os ativistas seculares do movimento negro se esforcem para encontrar um ponto em comum com o MNE e com outros evangélicos que simpatizam com os objetivos do movimento, como músicos do black gospel. Há evidências de que os evangélicos que se encontraram em painéis com mães de santo do candomblé começaram a vê-los sob uma luz diferente e mais tolerante.Encorajar mais painéis como esse, unidos sob as bandeiras da identidade negra e do antirracismo, poderia ajudar muito a aliviar algumas das tensões que existem atualmente. Mas é claro que nós, etnógrafos, devemos ter cuidado ao fazer recomendações a qualquer pessoa. Nossa força é nossa capacidade de iluminar lugares escuros, de levantar sombras, de ajudar o socialmente invisível, não ouvido ou incompreendido a ser visto, ouvido e melhor compreendido. Se este trabalho fez alguma dessas coisas, ele atingiu seu propósito. (John Burdick, 2013)

Concluindo, John Burdick afirma que, além da música, há outros locais no protestantismo evangélico que promovem a identidade étnico-racial negra e o antirracismo. Ele reforça a importância de encontrar um ponto em comum com os evangélicos que simpatizam com os objetivos do movimento negro e incentiva a realização de painéis unidos pela identidade negra e antirracismo para aliviar tensões.

Burdick conclui destacando o papel dos etnógrafos em iluminar lugares escuros e ajudar os socialmente invisíveis a serem vistos e compreendidos. Se seu trabalho atingiu esse objetivo, ele se sente realizado.

Parte do texto: A Intersecção entre Raça, Religião e Música no Movimento Negro Evangélico no Brasil na perspectiva de John Burdick

Como fonte o livro “The Color of Sound: Race, Religion, and Music in Brazil” (2013), escrito pelo antropólogo John Burdick, oferece uma análise profunda sobre as inter-relações entre raça, religião e música no Brasil. A obra, com foco no Movimento Negro Evangélico (MNE).

Do Afrokut

Etnografia ativista e o Movimento Negro Evangélico

John Burdick discute as limitações e potencialidades da etnografia ativista, sugerindo que a etnografia pode revelar dimensões ocultas e fragmentadas da consciência que podem atrair novos públicos. Contudo, ele questiona a energia que deve ser investida pelos ativistas do MNE em conectar-se com músicos de black gospel.

O autor argumenta que, embora o MNE tenha enfrentado dificuldades para expandir sua base e enriquecer seu pensamento estratégico, os músicos de gospel negro representam uma reserva rica de líderes evangélicos engajados com a questão racial. Ele sugere que os líderes do MNE deveriam se comunicar mais com os diretores e líderes de corais gospel.

No entanto, eu argumentaria o caso de outra forma. O MNE começou na década de 1980 e agora está meio que preso, tendo adicionado apenas um pequeno punhado de organizações à sua lista desde 2005. O movimento é importante, mas tem enfrentado o mesmo gargalo que o movimento negro secular enfrenta há muito tempo, o de identificar e se conectar com uma base mais ampla de não ativistas. Embora a Internet tenha ajudado nesse sentido (o site principal do movimento, Afrokut, agora tem mais de cinco mil membros), o movimento não conseguiu transformar esses números em reuniões presenciais consistentes nas quais projetos estratégicos de longo prazo e tomada de decisões podem ser realizados.

Quando olhamos para a lista de organizações do MNE, elas são bastante pesadas; ou seja, há mais “alianças” regionais e nacionais do que organizações locais de base. (As organizações locais do MNE que descrevi anteriormente são mais a exceção do que a regra.) Nesse contexto, no nível local, um rico reservatório de líderes evangélicos que parecem estar pensando muito sobre raça, negritude, história e futuros estratégicos alternativos são músicos gospel negros. Essa, pelo menos, é a reivindicação do presente trabalho. Minha etnografia revelou, eu afirmo, não apenas um mundo que é sobre “orgulho”, mas um que gera e sustenta trabalho cognitivo complexo e reflexão. À medida que o MNE entra em sua terceira década, lutando para ampliar sua base e enriquecer seu pensamento estratégico, eu exorto seus líderes a tomarem medidas para visitar, ligar, enviar e-mails e se comunicar com os diretores e líderes dos corais gospel de sua cidade. Nessa articulação, eu afirmo ainda, reside um futuro potencial significativo do movimento.

Continua: Vanguarda do Movimento Negro Evangélico

Parte do texto: A Intersecção entre Raça, Religião e Música no Movimento Negro Evangélico no Brasil na perspectiva de John Burdick 

Como fonte o livro “The Color of Sound: Race, Religion, and Music in Brazil” (2013), escrito pelo antropólogo John Burdick, oferece uma análise profunda sobre as inter-relações entre raça, religião e música no Brasil. A obra, com foco no Movimento Negro Evangélico (MNE).

Do Afrokut

O Movimento Negro Evangélico e o movimento Black Gospel

O estudo de Burdick revela que, apesar das barreiras teológicas, o Movimento Negro Evangélico no Brasil conseguiu articular uma identidade negra orgulhosa e antirracista, utilizando a música como uma ferramenta poderosa de mobilização e expressão. A diversidade musical dentro do MNE não apenas reflete a complexidade do movimento, mas também destaca a capacidade dos evangélicos de integrar fé e identidade racial de maneiras significativas e transformadoras. O livro destaca como a música pode influenciar a identidade negra entre os evangélicos e como diferentes tipos de música desempenham um papel crucial na formação dessa identidade. Burdick reconhece a riqueza da arena musical negra evangélica em São Paulo, com diversos artistas cristãos tocando soul, funk, gospel, R&B, blues, rap e samba com temas religiosos. Ele destaca que compreender essa diversidade musical é essencial para entender as variadas expressões da negritude no contexto evangélico

Ao longo da última década, estive em estreita comunicação com líderes do movimento negro evangélico, e conforme descrito na introdução, minhas escolhas de tópico e perguntas foram influenciadas pelo preocupações e a agenda desses líderes. Hernani da Silva, Luiz de Jesus e Rolf da Souza todos me incentivaram a prosseguir neste projeto, investindo como estão na compreensão do potencial político da construção de alianças com músicos da cena gospel negra. Nos relatórios que fiz para eles sobre minhas descobertas, sugeri o valor de uma estratégia de divulgação para artistas que cantam e dirigem música gospel negra, e não para aqueles imersos em os mundos do rap gospel ou do samba gospel. Esta sugestão, depois de ser atendida com algum cepticismo, está a começar a ganhar força entre esses líderes. Hernani da Silva, um dos principais organizadores do MNE, publicou em resposta ao meu trabalho, um artigo de ampla circulação que sugere que o movimento Black Gospel e o MNE atualmente fazem parte do movimento negro mas estão “seguindo caminhos separados” (Silva 2004). Ele também recentemente apareceu na televisão nacional brasileira divulgando a visão de que há potenciais intersecções entre os dois movimentos. Na sua opinião, a música gospel negra funciona principalmente para atrair negros para a igreja, apelando aos seus senso de “atitude” e “orgulho”. A cena musical, no entanto, em sua visão, não gera muito em termos de reflexão ou estratégia. Para isso, deve-se recorrer ao MNE. Eventualmente, diz ele, “os dois movimentos irão convergir, e trilharemos o caminho e lutaremos juntos. (John Burdick, 2013)

A posição de Hernani revela tanto a potencialidade quanto as limitações da atuação da etnografia ativista. Por um lado, sugere que uma etnografia cuidadosa, partilhada com as partes interessadas, defensores e líderes, pode ter um efeito no seu pensamento sobre aliados ocultos e possíveis novos círculos de apoiadores. Por outro lado, sugere algo sobre a discrepância entre as linhas temporais da etnografia e do ativismo social. A etnografia pode revelar aspectos ocultos, fragmentários, dimensões lentas da consciência que podem servir como ganchos para alcançar novos públicos. No entanto, mesmo esses ganchos esbarram nos limites do tempo, recursos e energia. Quanta energia os ativistas do MNE devem gastar em lutando para se conectar e recrutar músicos de black gospel? Quanto mais energia eles deveriam dedicar ao trabalho com rappers gospel para persuadi-los a incorporar o anti-racismo em suas letras? Os ativistas do MNE querem ver resultados, mais cedo ou mais tarde, em fazer com que suas igrejas adotem as iniciativas políticas governamentais sobre ação afirmativa e começar usar os espaços da igreja para educar uma geração de jovens cristãos sobre a importância da África na Bíblia e o combate ao racismo aqui e agora. Deste ponto de vista, uma etnografia de músicos pode parecer um luxo que o movimento não pode permitir-se. (John Burdick, 2013)

Neste trecho, John Burdick relata suas experiências e comunicações com os líderes do Movimento Negro Evangélico (MNE), incluindo Luiz de JesusRolf de Souza, e Hernani Francisco da Silva, desde a década de 1990. Burdick descreve como suas investigações e interações foram influenciadas pelos interesses desses líderes, focando no potencial político de alianças com músicos de gospel negro.

O autor destaca a sugestão de Hernani de que os movimentos Black Gospel e MNE, apesar de seguirem caminhos diferentes, eventualmente convergirão e trabalharão juntos. Hernani acredita que a música gospel negra é eficaz em atrair negros para a igreja e fomentar a negritude, mas ressalta que a reflexão e a estratégia devem vir do MNE.

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Parte do texto: A Intersecção entre Raça, Religião e Música no Movimento Negro Evangélico no Brasil na perspectiva de John Burdick

Como fonte o livro “The Color of Sound: Race, Religion, and Music in Brazil” (2013), escrito pelo antropólogo John Burdick, oferece uma análise profunda sobre as inter-relações entre raça, religião e música no Brasil. A obra, com foco no Movimento Negro Evangélico (MNE).

Do Afrokut

Diversidade Musical e Identidade Negra e o Movimento Negro Evangélico

Ao investigar mais profundamente, Burdick descobriu a rica diversidade da música negra evangélica em São Paulo. A cidade abrigava uma vasta gama de artistas cristãos que tocavam soul, funk, gospel, R&B, blues, rap e samba com temas religiosos. Ele observou que essas diferentes expressões musicais desempenhavam um papel crucial na formação das identidades negras entre os evangélicos.

Uma noite, tivemos um avanço.  Hernani estava me contando sobre um recente encontro que ele organizou de teólogos e ativistas cristãos negros em São Paulo e mencionou casualmente que, como parte do evento, ele tinha convidado vários grupos musicais para se apresentar. Apenas um apareceu, e era um dos suspeitos de sempre, o Coral da Resistência Negra, composto por fiéis de várias igrejas históricas. Hernani me disse que os grupos baseados em igrejas pentecostais e neopentecostais eram muito difíceis de quebrar. “Eles simplesmente não querem participar de nada assim”, disse ele. (John Burdick, 2013)

Minhas visitas a igrejas brasileiras por quase vinte anos me ensinaram que a música era totalmente central para a vida ritual e emocional dos evangélicos. Eu tinha ouvido por duas décadas histórias de conversão religiosa nas quais o momento-chave da mudança era motivado por um hino. Eu sabia que em qualquer culto de três horas na igreja, todas as três horas eram preenchidas com algum tipo de música. Eu tinha ouvido fiéis cantarolando musicais religiosas na rua, no ônibus, no trabalho, em suas cozinhas.  Eu tinha falado com ministros cheios de orgulho sobre seus músicos, bandas e corais (cf. Corbitt 1998; Harris 1992; Chitando 2002). Ao estudar música, eu sabia que estaria abrindo uma janela importante para a visão de mundo dos evangélicos. (John Burdick, 2013)

Que outros grupos ele havia convidado? Eu perguntei. Todos rappers”, Hernani respondeu. “Rappers gospel. Se algum grupo vai simpatizar com a nossa mensagem, serão eles. Eles são confrontacionais, eles têm essa conexão com a cultura negra. Mas eu continuo convidando, convidando, e eles não vêm. Eu não entendo.” “Rappers gospel? “Há muitos deles?” “Centenas, talvez milhares. Há muitos e muitos rappers gospel. É muito grande entre os jovens da periferia.” “Perfeito!” Hernani riu. “John, você não está ouvindo.  Não é perfeito. Eu os convidei, e eles não querem vir.” “Sim, sim”, eu disse, “eu entendo. Mas deve ser apenas a natureza do alcance. Temos que descobrir como convidá-los para que venham. Uma vez que eles estejam aqui, esse é um público natural.” Hernani não estava convencido. (John Burdick, 2013)

Mas, enquanto eu ponderava a comparação tripla, meu pensamento evoluiu. Por que limitar o projeto apenas a encontrar aliados? Igualmente útil seria entender as resistências ideológicas à negritude também. Eu não deveria tentar retratar da forma mais simpática possível diferentes significados de negritude, mesmo que alguns não fossem sobre orgulho? Não poderia haver uma convergência entre as agendas ativista e acadêmica ao enquadrar o projeto como uma busca para pintar um retrato o mais realista possível do papel que diferentes tipos de música desempenharam na formação de diferentes tipos de negritude? (cf. Jackson 2005). (John Burdick, 2013)

Continua: O Movimento Negro Evangélico e o movimento Black Gospel

Parte do texto: A Intersecção entre Raça, Religião e Música no Movimento Negro Evangélico no Brasil na perspectiva de John Burdick

Como fonte o livro “The Color of Sound: Race, Religion, and Music in Brazil” (2013), escrito pelo antropólogo John Burdick, oferece uma análise profunda sobre as inter-relações entre raça, religião e música no Brasil. A obra, com foco no Movimento Negro Evangélico (MNE).

Do Afrokut

A Importância da Música no Movimento Negro Evangélico

A música se mostrou uma peça central na estratégia de atração e mobilização do MNE. Hernani mencionou a dificuldade em atrair grupos musicais pentecostais e neopentecostais para eventos do Movimento Negro Evangélico, mas destacou a relevância dos rappers gospel, que possuem uma forte conexão com a cultura negra. Burdick viu na música uma oportunidade de abrir uma janela para entender a visão de mundo dos evangélicos e suas expressões de negritude.

Eu refleti sobre essas questões em maio de 2002, durante uma série de conversas com Hernani da Silva, um líder do movimento negro evangélico iniciante e membro de longa data da igreja pentecostal Brasil Para Cristo. Hernani havia iniciado um site cristão negro em 1999 e havia acumulado várias dezenas de aliados virtuais e reais, mas ele precisava de mais. Onde encontrá-los? (John Burdick, 2013)

Como transformar essa pequena rede em um movimento mais amplo? Eu estava comprometido a desenvolver um projeto que pudesse ajudá-lo a fazer isso. Eu havia conceituado por algum tempo meu papel como antropólogo como co-designer de  investigações que pudessem ajudar a revelar aliados e eleitores ocultos, grupos de pessoas que compartilhavam as atitudes dos ativistas políticos sem articulá-las claramente, seja entre si ou em público.  Eu me ofereci para vir naquela primavera e começar a conceber um projeto etnográfico com Hernani que eu empreenderia ao longo dos próximos anos para ajudá-lo a expandir seu movimento (Hale 2006; Burdick 1995; Speed ​​2006).” (John Burdick, 2013)

Conversamos até tarde várias noites seguidas, lutando com questões de estratégia: onde estavam as audiências de evangélicos que poderiam simpatizar com a mensagem do movimento? Onde estavam as pessoas que poderiam ter afinidade com a noção de que o amor a Jesus e o amor à identidade negra se reforçavam mutuamente? “Precisamos de algo mais focado também, algo direcionado”, ele  me disse. Mas quem deveriam ser os alvos? (Snow e Benford 1988; Snow et  al. 1986).” (John Burdick, 2013)

Continua: Diversidade Musical e Identidade Negra

Parte do texto: A Intersecção entre Raça, Religião e Música no Movimento Negro Evangélico no Brasil na perspectiva de John Burdick 

Como fonte o livro The Color of Sound: Race, Religion, and Music in Brazil” (2013), escrito pelo antropólogo John Burdick, oferece uma análise profunda sobre as inter-relações entre raça, religião e música no Brasil. A obra, com foco no Movimento Negro Evangélico (MNE).

Do Afrokut

Estratégias para Expandir o Movimento Negro Evangélico

Em 2002, Burdick e Hernani Francisco da Silva, na época líder do MNE, iniciaram um projeto colaborativo para expandir o movimento. Hernani, que havia criado um site cristão negro em 1999, buscava formas de transformar sua rede inicial em um movimento mais amplo. Juntos, eles discutem estratégias para alcançar evangélicos simpáticos à causa. Uma das ideias centrais foi a utilização da música como uma ferramenta estratégica, visto que ela é fundamental para a vida ritual e emocional dos evangélicos brasileiros. Burdick, com sua experiência em igrejas brasileiras, sabia da importância da música na vida ritual e emocional dos evangélicos.

Então, em 2002, decidi embarcar em um esforço para descobrir o que fazia o MNE funcionar ideologicamente, Naturalmente, alguns leitores vão querer saber por que eu, um norte-americano branco, estou interessado na política da negritude, muito menos na política negra no Brasil. Até onde posso saber meus preconceitos e motivações a esse respeito, aqui estão eles. Cresci como judeu no Centro-Oeste dos EUA na década de 1960, cercado por evidências das consequências do racismo. Em 1967, vi tanques rolando pela Woodward Avenue em Detroit depois que a cidade explodiu em tumultos raciais, e em 1971 vi ônibus sendo incendiados na minha cidade natal, Pontiac, porque seriam usados ​​para acabar com a segregação nas escolas públicas. Meu pai concorreu (e perdeu) para o conselho escolar naquele ano em uma plataforma de dessegregação escolar, e toda primavera por muitos anos, nossa família celebrava a Páscoa convidando membros de capítulos locais da NAACP e CORE para falar sobre as semelhanças entre as lutas de Moses e Martin Luther King Jr. Eu também li Cleaver e Baldwin e Wright e Malcolm X e Haley e Hansberry e Morrison. Tudo isso estabeleceu em meu cérebro o que alguns críticos podem chamar de uma maneira “americana” de olhar para a raça. Mas também incutiu em mim algo mais importante: uma compreensão de que a devastação causada pelo racismo está frequentemente escondida no fundo do coração humano, e que os privilégios que se acumulam para a branquitude são comumente envoltos em camadas de auto ilusão e negação. (John Burdick, 2013)

Essas são as coisas que tenho visto nos últimos vinte e cinco anos, não apenas nos Estados Unidos, mas também no Brasil. Já me disseram mais vezes do que posso contar que “raça é diferente no Brasil do que nos Estados Unidos” e que não devo impor o paradigma racial da minha própria cultura (incluindo a regra da hipodescendência) onde ele não pertence. Garanto ao leitor que concordo plenamente. De fato, passei a maior parte do último quarto de século me esforçando para entender as complexidades distintivas da cor brasileira e do sistema fenotípico. Escrevi sobre a subjetividade de morenas e mulatas, que não tem correlação clara nos Estados Unidos. O sistema brasileiro pode, portanto, ser muito diferente do dos Estados Unidos, mas também é profundamente semelhante. (John Burdick, 2013)

Continua: A Importância da Música no Movimento Negro Evangélico

Parte do texto: A Intersecção entre Raça, Religião e Música no Movimento Negro Evangélico no Brasil na perspectiva de John Burdick 

Como fonte o livro “The Color of Sound: Race, Religion, and Music in Brazil” (2013), escrito pelo antropólogo John Burdick, oferece uma análise profunda sobre as inter-relações entre raça, religião e música no Brasil. A obra, com foco no Movimento Negro Evangélico (MNE).

Do Afrokut

A Intersecção entre Raça, Religião e Música no Movimento Negro Evangélico no Brasil na perspectiva de John Burdick 

O livro “The Color of Sound: Race, Religion, and Music in Brazil” (2013), escrito pelo antropólogo John Burdick, oferece uma análise profunda sobre as inter-relações entre raça, religião e música no Brasil. A obra, com foco no Movimento Negro Evangélico (MNE), explora como a teologia evangélica pode inspirar a luta contra a injustiça racial e a construção de uma identidade negra orgulhosa.

John Burdick iniciou sua pesquisa no Brasil em 1996, interessado nas inter-relações delicadas entre crença religiosa e identidade racial. Durante seu estudo, ele descobriu um pequeno, porém promissor, movimento de protestantes evangélicos em São Paulo que, inspirados por sua teologia, começaram a se identificar como o Movimento Negro Evangélico (MNE).

Em 1996, passei um ano no Brasil pesquisando as delicadas inter-relações entre crença religiosa e identidade racial entre pessoas que se identificavam como cristãs. Enquanto estava envolvido nesse projeto, me deparei com um pequeno e promissor movimento de protestantes evangélicos sediados em São Paulo que foram inspirados por sua teologia para lutar contra a injustiça racial e construir uma orgulhosa identidade negra. O que achei intrigante sobre esse movimento — seus participantes estavam na época apenas começando a se identificar como o movimento negro evangélico, ou MNE — foi que ele estava inserido em um contexto religioso que a maioria das organizações do movimento negro havia descartado como profundamente hostil à sua causa. (John Burdick, 2013)

O MNE estava inserido em um contexto religioso que, tradicionalmente, rejeitava as religiões afro-brasileiras como o candomblé e a umbanda, consideradas hostis à causa negra. Apesar disso, Burdick percebeu que o MNE desenvolveu visões antirracistas e pró-negras, desafiando o ceticismo de muitos colegas que acreditavam se tratar de uma estratégia dos líderes evangélicos para angariar fiéis.

O principal ponto de discórdia, do ponto de vista do movimento negro, era a atitude dos evangélicos em relação às religiões afro-brasileiras do candomblé e da umbanda. Eu estava profundamente ciente de que os evangélicos pregavam contra essas religiões e que algumas denominações, como a Igreja Universal do Reino de Deus, estavam implicadas em ataques iconoclastas diretos a templos afro-brasileiros. Embora eu achasse tais ataques repugnantes, o exemplo do MNE me convenceu de que a rejeição dos evangélicos, por motivos teológicos, da religião mediúnica afro-brasileira não era em si uma barreira intransponível ao desenvolvimento de fortes visões antirracistas e pró-negros. No entanto, durante anos, sempre que eu falava em público sobre o MNE, eu me encontrava diante de um forte ceticismo. (John Burdick, 2013)

Alguns colegas insinuaram que eu tinha sido enganado, levado por líderes evangélicos que pouco se importavam com a luta contra o racismo e jogavam a carta da raça apenas para angariar almas e ofertas para suas igrejas. Embora minha própria experiência sugerisse que o MNE era bem mais complexo do que isso — a profundidade e a durabilidade dos compromissos antirracistas de pessoas como Hernani da Silva ou Rolf da Souza mostravam que o MNE não podia ser explicado como simplesmente mais um estratagema missionário — ninguém estava tentando documentar essa complexidade. (John Burdick, 2013)

Continua: Estratégias para Expandir o Movimento Negro Evangélico

Como fonte o livro The Color of Sound: Race, Religion, and Music in Brazil” (2013), escrito pelo antropólogo John Burdick, oferece uma análise profunda sobre as inter-relações entre raça, religião e música no Brasil. A obra, com foco no Movimento Negro Evangélico (MNE).

Do Afrokut

Morre o antropólogo e professor John Burdick

John Burdick nasceu em Massachusetts, era professor de antropologia da Syracuse University, EUA. John viveu na Baixada Fluminense na década de 80, era conhecido entre nós no Brasil pelas suas pesquisas engajadas e tom militante. Burdick veio ao Brasil pela primeira vez em 84 influenciado pela Teologia da Libertação. Segundo a família, o professor morreu sábado (04/06), nos Estados Unidos, após uma batalha de 8 meses com um cancro extremamente agressivo. John Burdick era casado com  Judy Malkin, e deixa dois filhos:  Ben Burdick e Molly Burdick.

John Burdick foi inovador na sua pesquisa, discutindo relações entre pentecostalismo e identidade negra no Brasil. Burdick também pesquisou sobre o Movimento Negro Evangélico, levando a luta dos negros cristãos para o campo acadêmico. Atualmente John Burdick estava liderando um projeto que busca contribuir para discussões de políticas internacionais sobre moradias populares em todo  mundo. Reunindo antropólogos, um geógrafo, um arquiteto / urbanista e um defensor da habitação, no centro do Rio de Janeiro.

John Burdick deixa um grande legado na forma de muitos livros e artigos publicados, alguns inclusive já traduzidos no Brasil. Como o seu primeiro livro, “Procurando Deus no Brasil“, publicado pela editora Mauad. O público brasileiro precisa conhecer o seu pensamento,  assim, ao assimilar alguns de seus mais importantes conceitos, possa também aplicá-los na análise da nossa realidade e caminhada.

“Ele queria tanto marchar com o movimento Black Lives Matter. Ele nem conseguia andar, mas queria marchar. Eu sempre vou me orgulhar dele.” Molly Burdick, filha de John Burdick.

Por se tratar de uma pessoa dessa grandeza e com um tão importante legado, segue  uma lista de alguns dos seus livros e artigos:

Livros de autoria de John Burdick

  • A Cor do Som: Raça, Religião e Música no Brasil. Nova York: New York University Press.

  • Legados da libertação: a Igreja Católica Progressiva no Brasil no início de um novo milênio. Londres: Ashgate International

  • Abençoada Anastácia: Mulheres, Raça e Cristianismo Popular no Brasil. Nova York: Routledge.

  • Procurando Deus no Brasil: A Igreja Católica Progressiva na Arena Religiosa do Urbano Brasil. Berkeley: University of California Press. Traduzido para o português como A Procura de Deus no Brasil: Uma Igreja Católica Progressista na Arena Religiosa do Brasil Urbano. Rio de Janeiro: Editora Mauad, 1998.

Artigos de John Burdick em revistas especializadas:

  • Os cantores negros do evangelho são intelectuais orgânicos? Música, Religião e Identidade Racial em São Paulo, Brasil ”. Revista Afro-Hispânica 28.2: 211-222

  • Uma conversa entre estudiosos da resolução de conflitos e do movimento social”. Em co-autoria com Beth Roy e Louis Kriesberg, Conflict Resolution Quarterly 27/4: 347-368

  • A voz do cantor e a política racial no cenário da música evangélica brasileira“. Revista Latino-Americana de Música 30: 1: 25-55,

  • Identidade coletiva e pensamento racial na cena negra da música gospel de São Paulo”. Música e artes em ação 1: 2: 16-29

  • Classe, lugar e negrume no cenário da música gospel de São Paulo”, Estudos Étnicos e Raciais da América Latina e Caribe Volume 3, Edição 2 julho: 149 – 169

  • Por que o movimento evangélico negro está crescendo no Brasil? ” Revista de Estudos Latino-Americanos 37/2 (maio): 311-332.

  • Negra e Mestiça: significados emergentes na pastoral negra do Brasil“, Luso-Brazilian Review 39/1 (março): 95-101.

  • Tortura e Redenção “. Religião e Sociedade 20/1: 55-65.

  • A Igreja Católica Liberacionista no Brasil.” Antropólogo americano. 101 (2): 420-423.

  • Qual é a cor do Espírito Santo? Pentecostalismo e identidade negra no Brasil“. Latin American Research Review 34/2: 109-131.

  • O círculo eleitoral perdido dos movimentos de consciência negra do Brasil”, Perspectivas Latino-Americanas 98/2 (janeiro): 136-155.

  • A cura e a hegemonia: interpretação da política de uma comunidade brasileira”, Nova Antropologia: Revista de Ciências Sociais. Vol. 15, n. 50 (outubro): 91-112.

  • O espírito dos escravos rebeldes e dóceis: a versão negra da umbanda brasileira.” Journal of Latin American Lore.18: 163-187.

  • Unindo teoria e prática no estudo dos movimentos sociais: notas em direção a um realismo esperançoso“. Anthropology Dialectical 20 (1995): 361-385.

  • A Igreja Católica Progressista na América Latina: dando voz ou ouvindo vozes?” Latin American Research Review 29/1 (Primavera): 184-196.

  • Observações sobre a Campanha da Fraternidade de 1988 na Baixada Fluminense.” Comunicações do ISER 40: 42-47.

  • Fofocas e sigilo: a articulação de conflitos domésticos em três religiões do Brasil urbano”, Análise Sociológica 51/2 (verão). 153-170.

  • A Queda do Profeta Negro: O Significado Ambivalente de Raça no Pentecostalismo”. Comunicações do ISER 33: 43-63.

  • Da virtude à boa forma: a acomodação de um plantador na Virgínia pós-guerra“. Revista de História e Biografia da Virgínia 93/1 (janeiro): 14-35.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut