A Reforma Protestante Negra brasileira do Divino Mestre

O pastor negro Agostinho José Pereira foi o primeiro pregador brasileiro, também pode ser considerado o Pai da Reforma Protestante Negra no Brasil. Agostinho também formou a  primeira igreja protestante, provavelmente em 1841 ou mesmo antes desta data. Só depois em 1858 o reverendo Roberto Kalley fundou a Igreja Fluminense, episodio considerado pela historia oficial data de fundação da primeira igreja protestante do Brasil.

O movimento religioso liderado por Agostinho José Pereira foi diferente de todos os movimentos ligados ao protestantismo europeu e norte americano. O pastor negro Agostinho não tinha nenhum vinculo com  missionários ou grupos protestantes. As pregações do mesmo tinham muitas diferenças com relação as pregações oficiais das denominações estrangeiras no Brasil.

Reforma Protestante Negra

Provavelmente Agostinho ouviu ou teve contato com a literatura protestante,  percebe-se em sua pregação aproximações com linhas protestantes, mesmo assim esse contato não faz com que o mesmo aderisse as doutrinas professas por qualquer uma das denominações em atividade no país. Com a chegada da família real abriu-se uma brecha no monopólio católico, permitindo a presença de outra religião que não fosse a Igreja Católica Romana a religião oficial do Brasil: os protestantes estrangeiros não podiam pregar nem abrir uma igreja com formato de templo, mais podia se reunir  em suas casas, também podia comercializar a bíblia e até distribui-la. Fatos documentais apontam uma representação de Agostinho José Pereira enquanto reformador religioso:

“Diante de um quadro de possível adesão ao protestantismo as autoridades passam a questionar por quem Agostinho e seus seguidores e seguidoras haviam sido doutrinados. Agostinho responde que foi doutrinado “por uma inspiração divina”. As autoridades riem diante desse argumento. O Agostinho, entretanto, permanece firme na defesa de suas crenças.” (DIÁRIO NOVO, 30/10/1846, p.1-2).

O naturalista britânico Charles Mansfield de passagem por Pernambuco, em 1852, ouvira os populares falarem ainda do acontecimento, passando, então a referir-se ao Agostinho Pereira como um “Lutero negro”. (CARVALHO, 2004, p.329).

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut

Continua:

O Lutero Negro


Citações e Referências:

Léonard, Émile-G. O protestantismo brasileiro: estudo de eclesiologia e história social. 2ª ed. Rio de Janeiro: JUERP e ASTE, 1981.

Marcus JM de Carvalho – Rumores e rebeliões: estratégias de resistência escrava no Recife, 1817-1848 – 49 – Tempo – Revista do Departamento de Historia da UFF – Nº 6 Vol. 3 – Dez. 1998.

Marcus JM de Carvalho “FÁCIL É SEREM SUJEITOS, DE QUEM JÁ FORAM SENHORES”: O ABC DO DIVINO MESTRE Afro-Ásia, número 031 Universidade Federal da Bahia, Brasil pp. 327-334, 2004.

O DIVINO MESTRE OU NOTAS SOBRE UMA DEVOÇÃO DE FRONTEIRA – Alexandro Silva de Jesus – Doutorando em Sociologia pela uFpE.


Racismo na Igreja Batista brasileira

O RACISMO À BRASILEIRA DA CONVENÇÃO BATISTA BRASILEIRA DE 1871 à 2019

(Nota de repúdio do Movimento negro evangélico do Brasil)

A primeira igreja Batista do Brasil, surgiu em 1871, na cidade de Santa Bárbara do Oeste. Ela foi fundada por pastores do Sul dos EUA, que eram escravagistas, não só trouxeram escravizados como tem relatos oficiais de cartas de pastores Batistas recomendando seus colegas a plantarem igrejas no Brasil. Por ser um país em que tinha um sistema escravagista, muito próximo com o Sul dos EUA.

Nunca houve carta da CBB pedindo perdão as irmãs e irmãos negros brasileiros, A CBB deve perdão pela sua omissão durante o processo da escravidão no país. A CBB nega o racismo institucional vigente na estrutura da organização atualmente. A mais poderosa instituição batista do país tem como seu principal evento para a juventude, o congresso Despertar, ele ocorre bienalmente. Pela primeira vez na história da denominação uma edição do evento trataria do tema “decolonizando o olhar: O racismo atinge a igreja?”. Com a presença de Marco Davi e Fabíola Oliveira. Até que um pastor branco que reside na Flórida começou a perseguir os convidados. Então a CBB, entrou em contato com a coordenação da juventude Batista brasileira, ordenando desconvidar o Marco e a Fabíola.

O evento contava com 35 mesas de debate e a ÚNICA em que os preletores foram desconvidados foi a que tratava sobre racismo. Na tentativa de amenizar a situação, transformaram a mesa de debate, em uma roda de diálogo. Agora, analisem seriamente a situação. Houve uma roda de diálogo sobre racismo, dentro de um ato/processo de racismo institucional. Após toda a exposição dos convidados, ainda assim, houve uma conversa sobre o tema.

O Movimento Negro Evangélico do Brasil entende o ato, como uma violação principalmente aos convidados que foram expostos e humilhados institucionalmente. Convidados estes, que são referência como ativistas dentro do movimento negro, de fé evangélica. Entendemos que as pessoas negras que participaram do processo de construção também foram violadas ao ter que obedecer uma atitude racista da instituição. Se querem nos colocar uns contra os outros, estaremos em posição de repreensão e exortação em amor. Porém, também com muita indignação, pois onde o ódio está sendo servido devemos nos levantar da mesa e ir comer com os que foram odiados.

O movimento negro evangélico entende que o racismo institucional se configura explicitamente como uma violação dos direitos humanos e um pecado estrutural, além de que, em nossa constituição Racismo se configura crime. A reconciliação só é possível através do arrependimento. Rogamos ao Eterno que o espírito de justiça caia sobre toda injustiça praticada. Entendemos que todos que têm sede e fome de justiça, se levantam profeticamente para denunciar e combater o Racismo nesse país.

Movimento Negro Evangélico do Brasil

O racismo atinge a Igreja quando a instituição religiosa opera o racismo

CANCELAMENTO DA JORNADA DE CONTEÚDO “DECOLONIZANDO O OLHAR: O RACISMO ATINGE A IGREJA?”

Hoje recebi uma ligação me comunicando sobre o cancelamento da mesa onde eu e o pastor Marco Davi Oliveira falaríamos sobre o pecado do racismo.
Não foi uma ligação diretamente da coordenação da Juventude Batista Brasileira, mas foi uma ligação autorizada pela instituição, em consonância com decisão tomada pela Convenção Batista Brasileira.

Depois de uma semana de difamações e maledicências envolvendo meu nome e minha caminhada na direção do debate interreligioso pela promoção do respeito com adeptos das religiões de cosmovisão africana e da dignidade de mulheres e homens pretos que são alvo do racismo religioso praticado pela instituição evangélica brasileira, foi deliberado o silenciamento de nossa fala.

Foi uma cruzada covarde: isso precisa ficar marcado!
Um ataque orquestrado por membros de um setor extremamente conservador que usou de de falas minhas isoladas e retiradas de seu contexto original para desqualificar a minha pessoa e minha jornada enquanto mulher preta cristã.
Temos tudo documentado. Textos em diversos grupos de Whatsapp, no brasil inteiro, com único e exclusivo objetivo do meu silenciamento.

Mas a jornada segue, minhas irmãs e irmãos!
Um debate que era pra durar uma hora e meia em um congresso, está durando mais de 100 horas.
Um debate que se dá, ainda tímido, nas igrejas locais, toma o brasil todo.
O Pecado do Racismo, que tem sido algoz, silencioso e violento algoz, de servos e servas de Deus dentro das denominações, hoje é desmascarado.

A pergunta foi respondida.
O racismo atinge a Igreja quando a instituição religiosa opera o racismo.

Mas… que tempo bom vivemos hoje!
Tempo em que Jesus torna nítido e público que o interesse de retomar o dom profético da Sua Igreja é Dele.
Então, toda e qualquer perseguição passa a fazer sentido para nós que acreditamos no Cristo da Cruz.

Aos que tem me sustentado em oração, gratidão profunda.
Seguimos em fé e em Amor sendo Igreja de Jesus, para além da violência e omissão da instituição.

Seguimos em Amor.
Não no que é vrívolo e dependente dos nossos arroubos sentimentais.
Mas no Amor que é decisão diária na direção do nosso próximo.
NO AMOR QUE LANÇA FORA TODO O MEDO

Por Fabíola Oliveira

Só Jesus Expulsa o Racismo da Igreja Evangélica brasileira

CARTA ABERTA AO BRASIL BATISTA

Em decorrência da minha participação no Despertar 2019 (evento promovido pela Juventude Batista Brasileira, onde teremos, eu e o querido pastor Marco Davi Oliveira, a rica oportunidade de falar com jovens de todo o país sobre a prática do racismo na ambiência eclesiástica), venho sofrendo ataques difamatórios via redes sociais de pessoas que eu nem sequer conheço e que, consequentemente, também não me conhecem, não conhecem minha caminhada, não vivenciam a jornada da vida ao meu lado, não comeram nem uma colher de sal comigo.

Por essa razão, eu, Fabíola Oliveira, filha de Dona Maria da Penha, nossa ancestral, serva de Jesus Cristo, o Favelado de Nazaré, venho por meio desta carta dizer que Só Jesus Expulsa o Racismo da Igreja Evangélica brasileira.

Mas, antes de expulsá-lo, Jesus o revela.
Ele faz com que o seu nome seja conhecido: racismo.

Ele faz a comunidade perceber que há uma perseguição específica aos corpos pretos que denunciam o pecado do racismo dentro das instituições.

Ele, o Cristo da Cruz, faz saltar aos olhos dos que ainda não vêem, que há um incômodo direcionado àquilo que vozes pretas podem dizer. E dirão!

Basta de silêncio.
Porque nossas vozes anunciam o Reino de Deus. E onde o Reino de Deus é anunciado, há profecia. E onde há profecia, há quebra do jugo do silenciamento. E onde o jugo do silenciamento é desmantelado, há libertação.

Quem fala aqui é uma serva de Deus, liberta da opressão do racismo. Em franco processo de cura dos anos de perversidade contra a minha existência e contra a existência dos meus ancestres.

Quem fala aqui é uma mulher livre, que conheceu verdadeiramente a Jesus na vida adulta, e ao ser convidada para trilhar o caminho que é o próprio Cristo, foi também convidada à liberdade.

Não me incomodo com as ofensas.
Já me chamaram de vagabunda, de prostituta. (Peço perdão pelos termos fortes, mas é para que os irmãos e irmãs vejam como o fanático religioso evangélico pode ser raivoso.) Já me disseram que eu era motivo de vergonha pra comunidade evangélica brasileira.
Motivo de vergonha porque falo do Cristo que Ama e não odeia; do Cristo que não é proselitista, mas é respeitador e incentivador da agência e da autonomia humana; do Cristo que não demoniza a experiência de fé dos nossos irmãos e irmãs do candomblé.

Ainda assim, não me incomodei.
Segui, compreendendo que o que dizem a meu respeito é de responsabilidade de quem diz. E o que sou não pode ser forjado pelo outro.

Mas me incomodo enormemente com calúnias e inverdades em relação à caminhada que tenho feito unicamente inspirada pelo autor da minha fé.

            Ser chamada de “cristã do ecumenismo entre o evangelho e a macumba” pelo pastor Eduardo Baldaci denuncia duas coisas, nitidamente:

1) o desconhecimento do conceito de ecumenismo, que é a ideia de unidade entre as expressões de fé cristã. Por isso, por si só, o ecumenismo entre evangelho e candomblé é impossível!!!! E pensá-lo possível já demonstra a fragilidade do conhecimento do autor da ofensa mentirosa e maldosa acerca do tema;

2) o racismo religioso.
Tema extremamente caro para mim!
Porque diz respeito à práticas que atravessam séculos: prática de animalização e coisificação do corpo de pessoas pretas. Prática de desqualificação do modo de se relacionar com o Sagrado de pessoas pretas. Prática de demonização de tudo aquilo que vem ou se refere à África. Prática de generalização despudorada em relação a todos os elementos da cultura africana e afrobrasileira, fazendo com que se chame pelo nome de um instrumento musical toda uma prática religiosa com seus dogmas, performances e elementos cúlticos específicos.

Eu, enquanto mulher preta cristã na resistência e na re-existência me utilizo das propostas do debate interreligioso para promover dignidade e direitos entre o meu povo. Povo que crê em Jesus Cristo. Povo que crê nos Orixás. Povo que, para além das conexões espirituais, têm uma conexão ancestral com África.

Uso da interreligiosidade para promover o respeito, para denunciar o racismo, para estabelecer pontes de diálogo que construirão entre nós elos de justiça e unidade.

Uso da interreligiosidade para a reconciliação.
Porque o meu povo que está nos terreiros e o meu povo que está nas igrejas evangélicas se vêem como inimigos!
Familiares do candomblé estão há anos sem falar com parentes que estão na igreja.
Amigos que se conheceram na umbanda rompem o vínculo afetivo e fraternal quando um deles vai pra Jesus.
Amores são destruídos porque o pastor afirma que o ogã é do diabo e que esse casamento não pode dar certo.

Em Cristo eu reconheço a Justiça e a Reconciliação.
Em Cristo eu reconheço o conceito revolucionário do respeito.
Vejam que eu não disse tolerância – eu disse respeito! Porque eu não quero tolerar meus irmãos e irmãs do candomblé: eu quero amá-los, em toda a potência do Amor.

Não aceito o desmerecimento, o desprestígio e a demonização.

São dois caminhos que se lançam diante de mim.

Um é estar em consonância com o cenário de omissão que se abateu sobre a instituição evangélica brasileira e ser omissa, e me calar diante da opressão.

O outro é crer no dom profético da Igreja de Jesus, denunciando o pecado do racismo pra glória de Deus.

Em nome de Jesus eu escolho escandalizar o brasil batista e anunciar o reino de paz, alegria e Justiça que me resgatou da morte e me deu vida, vida em abundância.

Sigo em oração permanente e diária pelas instituições, para que haja arrependimento e perdão.

Que o Amor de Deus, esse que lança fora todo o medo, preencha o coração de todos e todas que foram enrijecidos pelo sistema e pela omissão.

Por Fabíola Oliveira

II Encontro de Mulheres Negras Cristãs

A Rede de Mulheres Negras Evangélicas realiza o II Encontro de Mulheres Negras Cristãs.

Queremos articular ações e fomentar a mobilização das mulheres negras evangélicas em todo Brasil para o engajamento antirracista, antissexista e a promoção da justiça social para as mulheres negras.

Desde 2016 o Brasil tem sofrido com significativos retrocessos de direitos sociais que afetam agudamente a vida das mulheres negras em todo país, base de nossa pirâmide social e econômica. A ampliação de práticas sociais baseadas no discurso de ódio, da intolerância e hostilidade às diferenças fragiliza ainda mais nossas relações democráticas. Como mulheres negras evangélicas comprometidas com a luta antirracista e antissexista em contexto religioso, nos preocupamos com os efeitos do protagonismo negativo e omisso, de expressiva parcela do segmento evangélico diante das restrições e perdas de direitos sociais que afetam de modo estrutural a população negra, e de modo mais perverso as mulheres negras. Por isso, através de nosso compromisso de fé com a justiça social, propomos o encontro para o fortalecimento da nossa recém-criada Rede de Mulheres Negras Evangélicas para sua consolidação e fortalecimento com fins de articular ações territoriais relevantes de defesa e fortalecimento da democracia.

Data: 9 a 11 de Agosto de 2019

Objetivos do II Encontro:

Promover a leitura popular e feminista e da bíblia desde uma perspectiva antirracista e antissexista;

Fortalecer a incidência pública através da organização coletiva das mulheres negras evangélicas, privilegiando a importância do trabalho em rede;

Inscrições: https://www.sympla.com.br/encontro-nacional-de-negras-cristas__543503

Local:
Salvador – BA (prédio a confirmar)

Qual a cor da sua fé?

Diálogo entre os pastores Ariovaldo RamosMônica Francisco Marco Davi Oliveira sobre evangélicos, negritude e racismo

O auditório do Sindicato dos Bancários no centro do Rio de Janeiro foi o ponto de encontro para mais de cem pessoas na noite da última sexta (15), apesar da chuva que insistia em cair na cidade. A maior parte do público: evangélicos negros das mais diversas igrejas e denominações, e de diversas regiões do Rio. O evento promovido pela Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito com apoio do Movimento Negro Evangélico, dentro dos 21 Dias de Combate ao Racismo foi uma referência para ampliar as diversas iniciativas que acontecem entre os evangélicos para debater a presença dos negros dentro das igrejas protestantes e o combate ao racismo – até mesmo dentro das próprias instituições religiosas.

O encontro reuniu os pastores Ariovaldo Ramos, um dos coordenadores da Frente de Evangélicos, a pastora Mônica Francisco, deputada estadual pelo PSOL no Rio de Janeiro e o pastor Marco Davi de Oliveira, um dos fundadores do Movimento Negro Evangélico e pastor da Nossa Igreja Brasileira – uma igreja batista que existe há um ano no Rio tendo como proposta construir uma liturgia a partir dos elementos culturais do Brasil.

Além do ministério pastoral, os três tem em comum o viver na pele a realidade racial. Três negros, com trajetórias que possuem similaridades e divergências. Ariovaldo se converte quase adolescente. Mônica quase adulta. Marco Davi nasceu em família evangélica, com pais que se converteram na juventude.

Para nenhum dos três a vida foi fácil. Como – ainda – não é fácil para nenhum negro brasileiro. Mônica Francisco, que está no primeiro mandato na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, começou seu ativismo político quando as chuvas destruíram parte da Morro do Borel, e ela se envolveu na luta por moradia. A conversão veio depois, na Igreja Universal do Reino de Deus. Chegou a estudar na Escola de Obreiros, de onde saiu para a igreja batista. De batista, foi para uma igreja pentecostal, onde é pastora há três anos. Nesse caminho, a militância a levou para a Faculdade de Ciências Sociais.

Filho de pai operário e mãe costureira, Ariovaldo Ramos viveu a infância e a adolescência na periferia, em São Paulo e em Guarulhos. É de sua história pessoal, como ter morado em cortiço, que carrega o compromisso com os pobres. A conversão foi na Igreja Metodista Livre. Pastor de formação e estudioso de filosofia, está envolvido com o ministério religioso desde 1974.

Quando as chuvas causaram um estrago sem tamanho no estado do Rio em 1966, deixando 250 mortos e mais de 50 mil desabrigados, os pais de Marco Davi – que perderam a casa na tragédia – foram residir num espaço da Primeira Igreja Batista em Teresópolis. Quando conseguiram ter um lugar para morar, as dificuldades eram extremas, incluindo fome. Aos 15 anos decidiu que seria pastor. Aos 20 anos foi para o Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil. É no exercício do ministério pastoral que surge o incomodo com a questão racial e os posicionamentos das igrejas sobre a identidade negra e o racismo.

Identidade negra – Durante o encontro da Frente, Ariovaldo destacou a importância de demarcar a identidade negra e cristã, enfatizando que o racismo no Brasil é produto de uma falha na compreensão do sentido da vida cristã: “As igrejas protestantes produziram e mantiveram o racismo no país”.

Mônica fez uma caminhada pela história recente das igrejas evangélicas pentecostais e suas omissões diante do racismo. A deputada apontou os problemas da igreja, a opressão sobre as mulheres e a juventude: “Cresce o número de desigrejados por causa da postura da igreja. É preciso pedir perdão”.

Marco Davi propôs o equilíbrio entre os pontos negativos e positivos da igreja, e o quanto a igreja foi fundamental para a promoção da população negra: “Há sentimento de pertencimento, a sociedade brasileira vê o corpo negro com suspeição, e a igreja – que é um espaço sagrado – acolhe esses corpos, onde nos se tornam sujeitos”.

As abordagens diferentes na forma, idênticas na denúncia do racismo, deram o tom do debate, suscitando a participação do público. As perguntas revelaram o quanto esse assunto precisa ser abordado nos estudos bíblicos, em congressos, seminários, simpósios e nos púlpitos das igrejas. Os evangélicos brasileiros, segundo dados do Instituto Brasileiro de Estatística e Geografia (IBGE) mapeados no Censo 2010, são em maioria negros e pobres, que vivem com renda per capita inferior a um salário mínimo por mês.

Por Nilza Valeria Zacarias Nascimento, jornalista. Coordenadora da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito

Assista o vídeo com o diálogo Qual a cor da sua fé?

James Cone: o pai da Teologia Negra

“O racismo é a negação do evangelho”. James Cone

Rev. James H. Cone, conhecido como o “pai da teologia da libertação negra“, morreu no sábado (28 de abril de 2018). James Hal Cone nasceu em 5 de agosto de 1938, em Fordyce, Arkansas. Formou-se no Seminário Teológico Garrett, em Evanston, Illinois, como bacharel em divindade; fez mestrado e um Ph.D. na Northwestern University, em Evanston.

A lente hermenêutica da Teologia Negra de James Cone começa com a experiência dos afro-americanos e as questões teológicas que ele traz de sua própria vida. Ele incorpora o poderoso papel da Igreja Negra em sua vida, bem como o racismo experimentado pelos afro-americanos. Para Cone, os teólogos que ele estudou na pós-graduação não forneceram respostas significativas para suas perguntas. Essa disparidade tornou-se mais aparente quando ele estava ensinando teologia no Philander Smith College, em Little Rock, Arkansas. Cone escreve:

“O que Karl Barth poderia significar para os estudantes negros que vieram dos campos de algodão de Arkansas, Louisiana e Mississippi?

Cone achava que os cristãos negros na América do Norte não deveriam seguir a “igreja branca“, alegando que era uma parte interessada do sistema que oprimia os negros. Assim, sua teologia foi fortemente influenciada por Malcolm X e pelo movimento Black Power. Também Martin Luther King Jr. foi uma influência importante; Cone descreve King como um teólogo da libertação antes da expressão existir.

“O cristianismo era visto como a religião do homem branco”, disse Cone.

“Eu queria dizer: Não! O Evangelho Cristão não é a religião do homem branco. É uma religião de libertação, uma religião que diz que Deus criou todas as pessoas para serem livres. Mas percebi que, para os negros serem livres, eles devem primeiro amar sua negritude”.

Cone foi autor de livros como “Black Theology and Black Power” (Teologia Negra e Poder Negro) e de “God of the oppressed” (Deus dos oprimidos). Este ano, o Dr. Cone ganhou o Prêmio Grawemeyer em Religião por seu livro mais recente, “he Cross and the Lynching Tree” ( A Cruz e a Árvore do linchamento), que traça paralelos entre a crucificação de Jesus e o linchamento dos negros nos Estados Unidos.

Por Hernani Francisco da Silva – Afrokut

Sojourner Truth – Pregadora, abolicionista e feminista

Sojourner Truth

Pregadora, abolicionista e feminista (1797-1883)

“O que nós damos aos pobres, nós emprestamos a Deus”

Autor: Robert Ellsberg

Tradução: Flávio José Rocha da Silva[2]

        Sojourner Truth nasceu como escravizada em Hurley, Nova York, por volta do ano 1797 (seu proprietário não registrou a data exata do seu nascimento). Seus pais a chamaram de Isabella, um nome que ela abandonou aos quarenta e seis anos quando sentiu o chamado para ser uma profetiza e pregadora.

        O seu primeiro idioma foi o holandês, o mesmo falado pelo seu proprietário. Este fato marcaria o seu inglês com um forte sotaque, da mesma forma como as suas costas foram marcadas pelas surras que recebeu no cativeiro quando ainda era uma criança. Quando jovem, ela foi comprada e vendida várias vezes. Alguns dos seus proprietários eram relativamente bondosos, enquanto outros eram severos e cruéis. Ela foi a nona criança dos seus pais, mas nunca chegou a conhecer os seus irmãos ou as suas irmãs porque todos foram vendidos para donos diferentes.

        Apesar dos sofrimentos de Isabella, a sua mãe a educou com a crença em “um Deus que escuta e vê todas as coisas que você pensa e faz.” Ela também lhe dizia, “Quando você apanhar, for tratada com crueldade ou estiver em apuros, você deve pedir ajuda a Deus. Ele sempre escutará você e lhe ajudará.” Assim, por toda a sua vida Isabella manteve um diálogo contínuo com Deus. Anos mais tarde ela começava as suas pregações coma a frase, “Crianças, eu falo com Deus e Deus fala comigo.” Ela contava os seus sofrimentos para Deus e Deus lhe disse que ela seria livre.

        Ainda jovem, Isabella foi dada em casamento para um escravo mais velho com quem ela teve cinco filhos. Numa manhã de 1926, ela fugiu da fazenda do seu dono e escapou da escravidão. Levou com ela apenas a filha bebê e deixou as outras quatro crianças para trás.

        Isabella trabalhou como empregada doméstica em Nova York por vários anos. Em 1843 ela se convenceu de que Deus a estava chamando para uma grande missão. Então ela saiu de Nova York caminhando com poucas possessões dentro de uma fronha de travesseiro e sem destino certo, mas determinada a ser uma pregadora. Com sua nova condição de liberdade, ela sentiu que era chegada a hora de mudar o seu nome de escravizada. Depois de apelar por inspiração a Deus, ela escolheu o nome de Sojourner Truth, o que refletiu o seu chamado para viajar “para cima e para baixo por aquela terra, mostrando às pessoas os seus pecados e sendo um sinal para elas.”

        Com o novo nome, ela começou um ministério da palavra itinerante, pregando as escrituras que ela tinha aprendido praticamente de coração e pronunciando o julgamento de Deus contra os males da escravidão. A sua autobiografia, A narrativa de Sojourner Truth, a qual ela ditou e publicou em 1847, tornou-se uma poderosa arma para a causa abolicionista.  Porém, tão eloquente e efetiva como uma pregadora como ela era no movimento anti escravidão, Truth dividiu as suas energias com o crescente movimento pelos direitos das mulheres. Muitos abolicionistas eram desconfiados com o movimento feminista e ficaram preocupados que a luta contra a escravidão fosse comprometida se estivesse ligada a uma causa não muito popular como o feminismo. Sojouner insistia que não eram assuntos separados. “Se os homens de cor tem os seus direitos e as mulheres de cor não, os homens de cor serão os proprietários das mulheres e isso será tão ruim quanto a situação anterior,” ela dizia.

        Em um tempo em que aquele país estava cada vez mais dividido sobre o assunto da escravidão, as pregações de Truth eram repelidas com violência. Porém, ela nunca deixou que o medo ou os conflitos a silenciassem. Muitas vezes ela conseguiu  acalmar um público hostil com o seu senso de humor. Quando alguém da multidão certa vez a importunou gritando, “Sua velha, eu não me incomodo com a sua pregação mais do que eu me incomodaria com a mordida de uma pulga.” Então ela respondeu, “Com a vontade de Deus, eu continuarei incomodando você.”

        Sojouner nunca duvidou que a escravidão um dia chegaria a fim. Quando o famoso abolicionista Frederick Douglas um dia findou a sua fala com uma frase desencorajadora, Truth interveio de forma direta e segura dizendo, “Frederick, Deus está morto?” Quando o conflito sobre a escravidão levou os Estados Unidos para uma sangrenta guerra civil, ela colocou as suas energias para apoiar os esforços da guerra, especialmente em visitas às tropas formadas por negros que estavam no Union Army. Em 1864 ela viajou até a capital Washington para encontrar com Abraham Lincoln e encorajá-lo na luta contra a escravidão. Tocada pelo sofrimento de muitos ex-escravos que se amontoavam em campos de refugiados sujos em Washington, ela decidiu ficar na capital e trabalhar para melhorar aquelas condições. Sojouner estava lá quando a guerra acabou em 12 dezembro de 1865 e o Congresso ratificou a Décima Terceira Emenda Constitucional abolindo a escravidão nos Estados Unidos.

        Truth continuou a sua luta por liberdade e igualdade até o dia que morreu em 26 de novembro de 1883, com a idade de 86 anos. Ela era aclamada como uma das mais influentes mulheres do seu tempo, mesmo sendo uma mulher negra analfabeta, uma ativista política sem uma sede ou escritório e uma pregadora sem as credenciais para a sua visão holística sobre o Deus da justiça.

        Em uma das suas mais famosas pregações em uma reunião sobre os direitos das mulheres e respondendo aos homens que tinham falado de forma condescendente sobre as fraquezas das mulheres e a consequente subordinação destas aos homens, ela disse,

Eu tenho arado, plantado e colhido e nenhum homem podia ganhar de mim. E não sou eu uma mulher?  Eu dei à luz a cinco filhos e vi quase todos eles serem vendidos como escravos e quando eu chorei com a dor de uma mãe ninguém me escutou a não ser Jesus. E não sou eu uma mulher? Então aquele pequeno homem de preto ali diz que as mulheres não podem ter tantos direitos quanto os homens porque Cristo não era uma mulher. De onde veio o seu Cristo? De onde veio o seu Cristo? Veio de Deus e de uma mulher! Os homens não tinham nada a ver com ele.

Poucos dias antes de morrer, Truth disse para uma amiga, “Eu não vou morrer, querida. Eu vou para casa como uma estrela cadente.” A sua estrela ainda brilha.

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[1]ELLSBERG, Robert. Sojourner Truth. In All saints: daily reflections on saints, prophets, and witnesses for our time. Cross Road: New York. 2000. pp. 514-516.

[2] Flávio José Rocha da Silva é Missionário Leigo de Maryknoll  e doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP.

Afrokut

508 anos do Protestantismo e escravidão no Brasil

Os principais agentes da imigração norte-americana para o Brasil foram pastores protestantes do Sul dos EUA. O aceno de encontrar terras em abundância com mão-de-obra escrava certamente foi decisivo para que famílias inteiras, acostumadas a um estilo de vida escravista, se deslocassem do sul dos EUA para o sudeste brasileiro. A exemplo do Rev. B. Dunn, que via no Brasil uma nova Canaã, a terra prometida onde os confederados derrotados na Guerra de Secessão poderiam reconstruir suas vidas, seus lares e suas propriedades incluindo a mão-de-obra escrava. Pelo menos cerca de 2000 a 3000 sulistas se deslocaram para São Paulo.

O fundamentalismo das denominações protestantes dos EUA se transformou em terreno fértil para justificativas da escravidão, que buscavam embasamento doutrinário para apaziguar a consciência dos escravocratas do sul. Citando a história de Noé, identificavam a maldição de Cam, por ter surpreendido o patriarca nu e embriagado, como a maldição dos negros.

De uma maneira geral os protestantes no Brasil só tomaram uma posição contra a escravidão quando à abolição já era unanimidade na sociedade brasileira. Mesmo os poucos protestantes que se posicionaram favoráveis à abolição o faziam como uma questão moral e religiosa. Eram incapazes de atitudes mais concretas, que de fato propiciassem soluções ao problema do escravismo, que até os nossos dias tem gerado grandes conseqüências, onde grande parte da população negra vive a margem da sociedade. Os negros se viram largados no interior de uma sociedade fundada em bases racistas. Libertos foram preteridos do mercado formal de trabalho em nome de um projeto elitista de branqueamento do país. Tiveram que disputar com o imigrante europeu até mesmo as mais modestas oportunidades de trabalho livre, como a de engraxate, jornaleiro ou vendedor de frutas e verduras, transportadores de peixe e carregadores de sacas de café, etc. As mulheres garantiram a sobrevivência da família trabalhando, tanto ontem como hoje, como domésticas, faxineiras, babás, doceiras, cozinheiras, lavadeiras e outras atividades similares. E a igreja ainda no seu silêncio.

Mas para compreendermos melhor a relação do protestantismo brasileiro com a escravidão negra devemos fazer algumas considerações históricas sobre quem são essas igrejas e qual era a suas posições perante a escravidão.

Luteranos:

As primeiras comunidades luteranas de imigrantes alemães se estabelecem no Brasil a partir de 1824. Das correntes luteranas, a maior e mais antiga no país é a Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil. Posteriormente surgem outras correntes luteranas, como a Igreja Evangélica Luterana do Brasil, vinda dos Estados Unidos (EUA) no início do século XX.

Dos luteranos sabemos que os primeiros escravos negros da Colônia Alemã Protestante de Três Forquilhas entraram por volta de 1846, por iniciativa do pastor Carlos Leopoldo Voges. Outros colonos protestantes copiaram seu exemplo (Mittmann, Hoffmann, König, Grassmann, Kellermann, Jacoby, Schmitt e outros).

Metodistas:

Primeiro grupo de missionários protestantes a chegar ao Brasil, os metodistas tentam fixar-se no Rio de Janeiro em 1835. A missão fracassa, mas é retomada por Junnius Newman em 1867, que começa a pregar no oeste do estado de São Paulo. A primeira igreja metodista brasileira é fundada em 1876, por John James Ranson, no Rio. Entre outros ramos, destacam-se a Igreja Metodista Livre, introduzida com a imigração japonesa, e a Igreja Metodista Wesleyana, de influência pentecostal, estabelecida no Brasil em 1967.

Os metodistas, defensores dos direitos humanos e da abolição do escravismo na Inglaterra e nos EUA, no Brasil acomodaram-se ao ambiente escravista e quase nada fizeram com repercussão pública, em favor dos escravos. Conforme um estudo sobre o metodismo brasileiro durante o período que antecedeu, ou mesmo depois da “libertação dos escravos,” a Igreja Metodista jamais chegou a defender oficialmente sua posição em relação à escravidão no Brasil.

Presbiterianos:

A Igreja Presbiteriana do Brasil é fundada em 1863, no Rio de Janeiro, pelo missionário norte-americano Ashbel Simonton. Em 1903 surge a Igreja Presbiteriana Independente. Há ainda outros grupos presbiterianos, como a Igreja Presbiteriana Conservadora (1940) e a Igreja Presbiteriana Unida do Brasil (1966).

Os primeiros Presbiterianos, também sulistas, conservaram-se por muito tempo fiéis à lembrança de sua causa nacional, um destes missionários presbiteriano sulista se havia conservado tão firme em suas convicções que, quando em 1886 o presbiteriano Eduardo Carlos Pereira publicou uma brochura em favor da abolição da escravatura, ele escreveu um verdadeiro tratado anti-abolicionista.

O pastor presbiteriano Eduardo Carlos Pereira em 1886 publicou um folheto de 46 páginas denominado “A Religião Cristã em sua Relação com a Escravidão”. Nas páginas finais do folheto ele pede aos crentes para libertarem os seus escravos. Hoje, mais de um século da publicação do folheto profético do pastor Pereira, as igrejas continuam no seu silêncio.

Batistas:

Os batistas chegam ao país após a Guerra Civil Americana e se estabelecem no interior de São Paulo. Um dos grupos instala-se em Santa Bárbara d’Oeste e funda, em 1871, a Igreja Batista de Santa Bárbara, de língua inglesa. Os primeiros missionários desembarcam no Brasil em 1881 e criam no ano seguinte, em Salvador, a primeira igreja batista brasileira. Em 1907 lançam a Convenção Batista Brasileira. Em meados do século, surgem os batistas nacionais, os batistas bíblicos e os batistas regulares.

Os primeiros colonos batistas eram favoráveis e foram proprietários de escravos. Em Santa Bárbara D’Oeste, primeiro núcleo batista, o trabalho escravo existiu como mão-de-obra usada na agricultura e em tarefas domésticas. Os colonos batistas eram senhores de escravos, a exemplo da Senhora Ellis, dona de um sítio e que providenciara hospedagem nos primeiros meses ao casal de missionários W. Bagby, fundador da Primeira Igreja Batista do Brasil.

Anglicanos:

A Igreja Anglicana, de origem inglesa, chega ao Rio de Janeiro em 1818. A vinda de missionários norte-americanos de denominação episcopal (nome da igreja nos Estados Unidos) impulsiona a fundação, em 1890, em Porto Alegre (RS), da Igreja Anglicana Episcopal do Brasil, que une as igrejas de origem inglesa e norte-americana. Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande tornam-se os centros do anglicanismo no país. Em São Paulo ganha espaço entre os imigrantes japoneses. Com pequena representação no Brasil, conta hoje com cerca de 10 mil fiéis e sete dioceses.

A Igreja Anglicana no Brasil foi conivente com o comércio de escravos em que a Inglaterra esteve envolvida desde o século XVI. Houve uma espécie de anuência ou acomodação diante do fato, isto é, por parte de comerciantes anglicanos, sua participação como membros, ao comercializar e possuir escravos. No seu relato sobre o Brasil, o Rev. Robert Walsh, capelão anglicano que acompanhou a missão inglesa do Lord Strangford, entre 1828 e 1829, descreve e opina a respeito da escravidão no Brasil, nada deixou mais chocado o clérigo do que constatar que seus concidadãos ingleses participavam e usufruíam do “nefando comércio”, lucrando com a escravização de mulheres e de seus próprios filhos, como presenciou na estrada da Tijuca, no Rio de Janeiro, relata: “ele passa a vender não só a mãe de seus filhos como os filhos propriamente ditos, e com tanta indiferença como se tratasse de uma porca com a sua ninhada”.

Os anglicanos da Christ Church, situada no Rio de Janeiro, não só eram donos de escravos, como fizeram batizar nos ritos da Igreja Anglicana os pequenos escravos nascidos em seu poder. Seguindo uma prática dos senhores de escravos brasileiros que batizavam suas peças aos montes, dando-lhes nomes cristãos, os anglicanos também buscaram cristianizar seus escravos. No livro de registros de batismo da Christ Church em 24 de janeiro de 1820, está assentado o batismo de “Thereza, filha de Louisa -escrava negra, nativa de Manjoula, África- propriedade de James Thonton”, um comerciante inglês. Em 11 de maio de 1820 foram batizados 11 escravos do fazendeiro Robert Parkere. Há registros de batismos de escravos domésticos de John Alexander em 1830 e do Coronel Skerit em 1833.

Em 1835, durante a revolta dos escravos malês, ocorrida em Salvador, dos 160 acusados, 45 eram escravos de ingleses anglicanos residentes no bairro da Vitória. Em testamentos e inventários de anglicanos que morreram na Bahia na segunda metade do século XIX, constatou-se também a presença de proprietários de escravos, tais como os senhores Eduardo Jones que tinha 6 escravos domésticos; o Sr. George Mumford que possuía 11 escravos que trabalhavam na sua roça no Acupe e Sr. George Blandy, que possuía 4 escravos.

Congregacionais:

A origem dos congregacionais no Brasil está no trabalho missionário realizado pelo casal Robert Reid Kalley e Sarah Poulton Kalley, que chegaram à cidade do Rio de Janeiro. O Dr. Robert Kalley, escocês veio para o Brasil como missionário, criando no dia 10 de maio de 1855 a primeira Igreja Evangélica de estilo congregacionalista e de fala portuguesa no Brasil: A Igreja Fluminense. Existe hoje no Brasil dois grupos de igrejas congregacionais: a União das Igrejas Evangélicas Congregacionais do Brasil e a Aliança das Igrejas Congregacionais do Brasil.

O congregacional Robert Kalley expulsou um membro da sua igreja por não ter libertado os seus escravos.

Desde sua chegada ao Brasil, em 10 de maio de 1855, Kalley não fazia distinção racial na proclamação do evangelho. O início da missão kalleyana demonstra fato pouco divulgado sobre sua estratégia da missão: uma semana após Sarah iniciar o projeto de escola dominical junto a crianças de Petrópolis, em 26 de agosto de 1855, Kalley começou a lecionar em classe bíblica de negros. A proposta de missão do casal era no mínimo atípica – evangelizar crianças e negros – atingir os que eram negligenciados pela igreja oficial e pela igreja de imigração.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut

500 anos da Reforma Protestante e outros 500 do primeiro carregamento de negros africanos na América.

Em 1517, Carlos V, Rei da Espanha, a pedido de Las Casas um padre dominicano,  autorizou a exportação de quinze mil escravos para São Domingos. Assim em 1517, o padre e o Rei iniciaram, no mundo, o comércio americano de negros e a escravidão. Também em 1517 o Padre Martinho Lutero publica as suas 95 teses, que deram início à Reforma Protestante. Infelizmente as 95 teses de Lutero só  foram Contra o Comércio das indulgências e não contra o comércio de seres humanos, que era também um grande mal impregnado na Igreja Católica.

escravidão negra começou com o tráfico africano no século XV, na mesma época do inicio da Reforma Protestante, por iniciativa dos portugueses, com a exploração da costa da África e a colonização das Américas. Os demais impérios coloniais rapidamente aderiram à prática da compra e venda de seres humanos, no célebre “comércio triangular” entre a África, a América, e a Europa.

No entanto, o tipo de escravidão que se deu nas Américas, logo após seu descobrimento por Cristóvão Colombo, em 1492, era praticamente inédita, baseada no subjugamento de uma raça, em razão da cor da pele.

O “despovoamento” das Américas e, conseqüentemente, a escassez de escravos, fez surgir o primeiro carregamento de negros africanos para suprir a falta de escravos nativos, que viria a ser conhecido como o comércio transatlântico de escravos, foi iniciado a pedido do bispo Las Casas e autorizado por Carlos Vem 1517. Las Casas teria depois rejeitado todas as formas de escravidão e tornou-se um grande protetor dos direitos indígenas. Nenhuma condenação papal ou protestante, sobre o tráfico de escravos transatlântico foi feito na época.

Os missionários católicos, como os jesuítas, que também possuíam escravos, trabalharam para aliviar o sofrimento dos escravos americanos nativos do Novo Mundo. Debate sobre a moralidade da escravidão continuou por todo este período.

Apesar de uma forte condenação da escravidão pelo Papa Gregório XVI, em sua bula emitida em 1839, condenando e proibindo a escravidão de negros. Alguns bispos norte-americanos continuaram a apoiar os interesses escravistas até a abolição da escravatura.

A questão do cristianismo e escravidão tem vivido um intenso conflito. No protestantismo enquanto os abolicionistas cristãos eram uma força principal na abolição da escravatura. Escravistas cristãos usavam passagens da Bíblia para justificá-la e manter o sistema escravocrata. A Bíblia era utilizada por ambos os defensores pró-escravidão e abolicionistas para apoiar as respectivas posições.

A cristandade na Idade Média viu a escravidão tradicional desaparecer na Europa e sendo substituídos pelo feudalismo. Mas este consenso foi quebrado nos estados escravistas dos Estados Unidos, onde as justificativas mudaram de religião (os escravos são pagãos) a raça (os africanos são os descendentes de Cam ), em 1667, a assembléia da Virgínia aprovou uma lei que declarava que o batismo não concedia a liberdade aos escravos.

Depois que os Estados Unidos haviam vencido sua batalha pela independência, os europeus continuaram a chegar de vários países, cada grupo trazendo sua própria inclinação teológica e patrimônio cultural. Enquanto os europeus estavam imigrando para o novo país, os africanos estavam sendo sequestrados de suas aldeias, transportados em condições terríveis para as Américas, vendidos como mercadorias e usados como escravos no plantio e propriedades.

Durante o mesmo período, os povos nativos da América do Norte encontraram-se forçados a deixar suas terras tribais. A maioria das nações indígenas foi dizimada. Milhões de pessoas morreram de doenças e guerras. Os sobreviventes foram confinados em “reservas” sobre as piores terras.

Os cristãos protestantes usaram a Bíblia para defender e justificar estas realidades. A escravidão foi racionalizada, porque os africanos não eram cristãos, portanto, rotulados como “pagãos” e considerado sub-humano. A Terra Prometida do livro de Josué com o seu modelo de conquista militar foi usado para justificar as guerras contra os povos indígenas, os “cananeus” do Novo Mundo. Os Protestantes que vieram para o Novo Mundo se viam como eleitos de Deus, chamados a estabelecer o Novo Israel. Uma interpretação bíblica que estimulou uma atitude de superioridade moral e econômica dos cristãos brancos sobre todas as outras culturas.

Para justificar a escravidão negra os clérigos do Sul dos Estados Unidos baseavam seus argumentos nas Escrituras. Eles apontaram que a escravidão era instituída por Deus e fundamentada na Bíblia:

“E disse: Maldito seja Canaã; servo dos servos seja aos seus irmãos”. (Gn 9:25).

“E quanto aos escravos ou às escravas que chegares a possuir, das nações que estiverem ao redor de vós, delas é que os comprareis.
Também os comprareis dentre os filhos dos estrangeiros que peregrinarem entre vós, tanto dentre esses como dentre as suas famílias que estiverem convosco, que tiverem eles gerado na vossa terra; e vos serão por possessão.E deixá-los-eis por herança aos vossos filhos depois de vós, para os herdarem como possessão; desses tomareis os vossos escravos para sempre; mas sobre vossos irmãos, os filhos de Israel, não dominareis com rigor, uns sobre os outros. (Levítico 25:44-46).

Assim, eles argumentaram que a Bíblia confirmava a compra, venda e posse de escravos, desde que eles não fossem cristãos e de uma raça diferente. Em vão o argumento dos cristãos do Norte: afirmando que a passagem bíblica só se aplicava ao povo judeu em sua condição particular. Os sulistas responderam “que Jesus não condenou a escravidão, nem nunca falou uma palavra contra ela. Paulo chegou a enviar um escravo para o seu mestre. Se a escravidão era um mal ou pecado, não teria Jesus ou Paulo que condená-la?”

Outros cristãos alegaram que a base de toda a vida cristã era amar a Deus com todo seu coração, mente e alma, e amar o próximo como a ti mesmo. Como alguém poderia amar o próximo como a si mesmo e mantê-lo como escravo?

Isso não impediu os sulistas argumentarem que o amor total ao próximo como a si mesmo não foi possível nesta vida. Por causa do pecado havia escravidão, que era apenas uma das formas necessárias de desigualdades. Que a escravidão não era uma injustiça, mas benéfica para os negros, a fim de “civilizá-los” e “cristianizá-los”.

Além disso, os cristãos eram instruídos a batizar os negros, a fim de torná-los cristãos. Era dever dos senhores que seus escravos se tornassem e permanecesse cristão. “O negro foi criado para servir nas fileiras da escravidão. Esse tipo de vida foi aprovado pela Bíblia”, argumentavam os eclesiásticos do sul.

Então os pastores e educadores do sul acreditavam na inferioridade do negro: “Ele não tem a capacidade ou o talento possível do homem branco. Ele não era capaz de pensar por meio de qualquer problema complexo, ou de serem treinados para executar tarefas difíceis. Não foi por acaso que o Negro estava nessa condição – ele era assim por natureza, pela criação. Ele era uma criatura inferior feito para servir seus superiores”. Qualquer tentativa de desacreditar esses pensamento estava fora da revelação bíblica e da ciência.

Pena que Martinho Lutero não incluiu nas suas 95 teses o pecado da escravidão. Talvez, se tivesse colocado, os protestantes no mundo não teria a mancha da escravidão negra nos seus 500 anos de história.

Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut