O Movimento Negro Evangélico: história, desafios e perspectivas

Hernani Francisco da Silva, no livro “O Movimento Negro Evangélico: um mover do Espírito Santo” relata que o panorama histórico do Movimento Negro Evangélico surgiu no Brasil em 1841, por iniciativa do recifense Agostinho José Pereira, defensor da liberdade física e espiritual do povo negro escravizado, considerado fundador da primeira igreja negra.

Segundo o autor, a partir 1970, inspirado na Teologia Negra, o Movimento Negro Evangélico contemporâneo começa a se formar, com a finalidade de trabalhar a questão racial nas igrejas evangélicas, buscando o resgate da identidade e consciência do negro sob uma visão cristã, enquanto indivíduo, em oposição à equivocada interpretação teológica das escrituras.

Silva (2011) revela que a partir de 2000, o movimento começa a criar forma através do surgimento de novas organizações em diversos estados brasileiros, voltadas para a temática de combate às discriminações raciais dentro das igrejas evangélicas, tais como:

Cenacora (Comissão Ecumênica Nacional de Combate ao
Racismo), Grupo de Reflexão Teológica, Teólogos Negros, AGAR (Sociedade Teológica de Mulheres Negras), Coral de Resistência de Negros Evangélicos, Ministério de Combate ao Racismo da Igreja Metodista, o Grupo de Combate ao Racismo da Igreja Batista (Centenário, Duque de Caxias, Rio de Janeiro). Fórum das Mulheres Cristãs Negras de São Paulo, Projeto Palmares da Igreja Batista – SPE, Sociedade Cultural Missões Quilombo, Negros Evangélicos do Rio de Janeiro, Ministério Azusa, GEVANAB – Grupo Evangélico Afro Brasileiro, Negros Evangélicos de Londrina e Movimento Negro Evangélico – RS.

De acordo com o Movimento Negro Evangélico, o “racismo teológico” disseminado pelos movimentos pentecostais e neopentecostais tem como objetivo principal justificar a ideia de que o branco é superior ao negro. Esse tipo de “teologia” nasceu no sul dos Estados Unidos, em meados do século XVIII, através das pregações e práticas desenvolvidas por missionários norte-americanos. Seu ideal era justificar a escravidão e as punições aplicadas àqueles que fugissem às normas de conduta da época. As sugestões variavam de açoites para os negros que erguessem a mão contra os brancos cristãos, à proibição de alfabetização e pregação do evangelho.

No mesmo sentido, Branchini (2013) afirma que mesmo após um século de abolição no Brasil, a inserção do negro no meio evangélico tem base na desigualdade sócio cultural. O negro evangélico enfrenta preconceitos que o impedem de desfrutar da mesma igualdade e liberdade dos fiéis brancos, assimilando um preconceito disfarçado. Apesar disso, a palavra racismo ainda é tabu que provoca reações diversas dentro das igrejas.

Segundo o autor o negro evangélico silencia o racismo sofrido por vergonha ou constrangimento. A religião como aspecto histórico é uma questão contraditória na formação individual e coletiva do negro, atuando como libertadora, ou como pode ocorrer no seguimento evangélico, uma força opressora no desapego de sua identidade africana, visto que a teologia neopentecostal desqualifica o viés espiritual da cultura negra.

Para Pacheco (2010) o racismo pentecostal tem bases nas ideias fundamentalistas. Entende-se por fundamentalismo qualquer movimento de doutrina conservadora, que exija obediência rigorosa e integral a um conjunto de princípios e essa norma única a ser seguida pode tornar-se ferramenta geradora de discriminações.

Segundo a autora, o fundamentalismo neopentecostal é radical, fazendo o crente colocar-se em sacrifício da causa e adotando uma postura servil, obediente e resignada, muito parecida com o comportamento dos negros durante o período de escravidão.

Contra os fundamentos e práticas adotadas pelas igrejas neopentecostais, o Movimento Negro Evangélico interpreta de forma diversa os fundamentos referentes à Maldição Hereditária, Teoria da Prosperidade e Batalha Espiritual (exorcismo e possessões demoníacas).

Em relação à Maldição Hereditária, o MNE combate a historicidade de que a escravidão defendida pelos missionários era plenamente justificada em nome de Deus, decorrente da maldição imposta aos filhos de Cam. Pelo Gênesis 9.18-27, Cam, filho de Noé, foi amaldiçoado a ser o mais baixo dos servos. Cam, palavra de origem hebraica significa queimado, preto; daí o porquê do filho de Noé ser considerado, por desventura, o precursor da raça negra, justificando a escravidão de seus descendentes, ou seja, africanos e negros em geral.

Essa interpretação das Escrituras, tendenciosa na visão do MNE, era tida como forma de conduzir os negros à redenção, através da subserviência incondicional e, principalmente, através do total rompimento com seu passado histórico (costumes, hábitos, cultura e tradições), como forma de livrar-se da maldição hereditária. No mesmo sentido, Oliveira (2004) relata que vários teólogos
pentecostais defendem o pensamento que estigma Caim após matar Abel, era a maldição caracterizada pela cor negra.

De acordo com Silva (2011) as igrejas neopentecostais estão alicerçadas numa teologia fortemente racista, citando como exemplo a Teologia da Prosperidade, na qual a ideia de que crentes abençoados são ricos e os crentes pobres são amaldiçoados. Através da Teoria da Prosperidade, abençoado é aquele que acumula e ostenta bens materiais aqui na Terra. Em opinião divergente, o MNE cita que em decorrência da escravidão e proibição de acesso à educação, os negros viram-se excluídos das possibilidades de ascensão social, em razão da desigualdade e preconceito racial, difundido e assimilado no senso comum da sociedade.

Para o Movimento Negro Evangélico, o maior perigo de perseguição ao negro está centrado na Batalha Espiritual preconizada pelos movimentos neopentecostais, na medida em que a cor preta é tida como negativa e os enviados de Deus, retratados por anjos brancos que devem combater o mal representado pelos anjos decaídos, negros, conforme citado em “Este Mundo Tenebroso”, de Frank E. Peretti.

Hernani Silva (2011) acrescenta que o Movimento Negro Evangélico tem empreendido esforços na construção de uma agenda comum de estratégias para os diversos grupos espalhados pelo país, mas encontra obstáculos entre seus militantes devido aos diferentes fundamentos das denominações que integram. O autor cita como exemplo o 1º Encontro Nacional de Negras e Negros Cristãos, realizado em 2007. Nesse evento ocorreu uma divisão entre seus participantes porque um grupo defendia o pan-africanismo e o afrocentrismo, outro defendia a negritude cristã e a brasilidade.

O autor destaca que o MNE mostra-se extremamente preocupado com as perseguições sofridas por práticas racistas e intolerância religiosa contra as religiões de matriz africana, inclusive com agressões físicas, depredação de imagens do panteão africano e locais de culto.

Para dar corpo à prática da Batalha Espiritual, segundo denúncias do Movimento Negro Evangélico, a Igreja Universal do Reino de Deus criou o grupo de Gladiadores do Altar, formado por jovens preparados ao sistema militar, inclusive marcham, batem continência e gritam que estão “prontos para a batalha”, durante um culto realizado em Fortaleza, no início de 2015. Em sua defesa, a Igreja Universal do Reino de Deus afirma que esses grupos, vinculados à Força Jovem Universal, têm como objetivo a formação de novos pastores para a pregação da palavra de Deus e do Evangelho a toda criatura, conforme matéria publicada na revista eletrônica Carta Capital, em 6/4/2015, sob o título “Exército” da Universal preocupa religiões afro-brasileiras.

O Movimento Negro Evangélico, ao contrário da Igreja Universal do Reino de Deus, vê nesses grupos, verdadeiras milícias em defesa de um fundamentalismo religioso que ameaça não só as liberdades individuais, como também opção sexual e manifestações religiosas de matriz africana.

Uma das vitórias obtidas pelo Movimento Negro, de acordo com Silva (2011) está no Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, comemorado dia 21 de janeiro, instituído em 2007 pela Lei Federal 11.635, em homenagem a Gildásia dos Santos e Santos, a Mãe Gilda, do terreiro Axé Abassá de Ogum, de Salvador. A religiosa do Candomblé enfartou após ver seu rosto estampado na primeira página da Folha Universal, jornal evangélico, com a manchete “Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes”.

Humberto Ribeiro DuarteOs negros do “Saravá, meu Pai” para o “Amém, Jesus”: abordagem sobre questões de fé e identidade.

Artigo extraído da dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia do Instituto de Filosofia, Sociologia e Política da Universidade Federal de Pelotas, como requisito parcial à obtenção do Título de Mestre em Sociologia.

Religião e educação: o posicionamento das igrejas cristãs protestantes em relação às questões dos negros no brasil

As igrejas cristãs protestantes, popularmente denominadas de igrejas evangélicas, desde que foram introduzidas na sociedade brasileira, têm se mostrado incessíveis, omissas e silenciosas no que se refere às questões das relações étnico-raciais no país, isto é, no que diz respeito ao lugar marginal em que a população negra se encontra na sociedade brasileira desde o período escravista. Segundo argumenta Alcântara (2011, p.87), essas igrejas, “tanto históricas quanto pentecostais, contribuíram para que a situação de discriminação e marginalização dos negros no Brasil fosse por tanto tempo perpetuadas”.

Nessa perspectiva, o presente artigo tem como objetivo tecer uma análise teórico-crítica acerca do posicionamento das Igrejas Cristãs Protestantes em relação às questões do negro no país e como a escola pode contribuir com a desconstrução de uma sociedade racista. O texto toma como base, para tal análise, os estudos teóricos de autores como: Branchini (2008), Alcântara (2011), Frizotti (1998), Silva (2011) e CICM (1998), os quais discorrem sobre como as igrejas cristãs protestantes têm se posicionado, ao longo da história, aceca das questões étnico-raciais; Santos (2012a, 2012b) e Martins (2008) que abordam a questão educacional neste contexto, entre outros autores que corroboram com a discussão em questão.

Parte-se da compreensão que se trata de uma discussão que, devido à problemática em torno das culturas de matrizes africanas, tecidas e resistidas nos terreiros de candomblé, reflete a dificuldade e resistência dos cristãos em lidar com as questões étnico-raciais nos espaços de educação, não apenas nas escolas confessionais, mas também nas escolas não confessionais e em todos os espaços que estes se façam presentes. Também da premissa de que lidar com a história e cultura africana e afro-brasileira no currículo e cotidiano escolar tem sido cada vez mais difícil devido à problemática questão religiosa presente no espaço educacional. Dificuldade e resistência que tem se constituído em um empecilho para a inclusão, valorização e respeito à História e Cultura Africana, Afro-Brasileira e Indígenas no currículo e no cotidiano das salas de aulas das escolas brasileiras, como orienta a Lei 10.639/033 e a Lei 11.645/084.

Cabe destacar, no entanto, que não é a nossa intenção aqui apontar culpados pelos estigmas e as situações desiguais em que se encontra a população negra no país desde o período escravista. A nossa pretensão é trazer novas reflexões críticas que ampliem o debate sobre como as igrejas evangélicas têm se posicionado diante a situação marginal do negro no Brasil ao longo da história. Como sinalizado no primeiro parágrafo e veremos no decorrer deste estudo, tais igrejas, desde a sua implantação na sociedade brasileira, têm contribuído para a discriminação e marginalização da população negra no país. É nossa pretensão também discutir criticamente acerca da resistência dos cristãos evangélicos em lidar com a história e cultura africana e afro-brasileira dentro dos espaços educacionais, sejam eles confessionais ou não confessionais.

Contudo, antes de adentrarmos a discussão central deste estudo, é importante ressaltar que, desde a década de 1970, militantes negros/as evangélicos/as têm se movimentado em grupos organizados para discutir sobre as desigualdades étnico-raciais no Brasil. Preocupados com o lugar marginal que a população negra se encontra na sociedade brasileira, em particular com o silenciamento e omissão das igrejas cristãs para com as questões dos negros no país, têm cobrado que estas se posicionem a respeito de questões como racismo, escravidão, segregação, preconceito, discriminação racial, entre outras.

No seu movimentar, os/as militantes negros/as evangélicos/as também reivindicam que as igrejas cristãs protestantes adotem medidas de ações afirmativas dentro dos seus templos, escolas e faculdades, a exemplo de bolsas de estudos para estudantes negros/as. Promovendo, dessa forma, a igualdade de direitos e de oportunidades, pois só assim a igualdade cristã efetivar-se-á de fato dentro das igrejas cristãs protestantes e nas suas instituições de ensino. Movimentar esse que se constitui, hoje, num Movimento Negro Evangélico consolidado no país. E, assim como o Movimento Negro tradicional, busca a desconstrução do Mito da Democracia Racial na sociedade brasileira e, em particular, dentro das igrejas evangélicas.

Autores: Jurandir de Almeida AraújoDeyse Luciano de Jesus Santos

Imagem: The Atlantic


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https://periodicos.ufsc.br/index.php/interthesis/article/view/1807-1384.2017v14n3p50

Morre o antropólogo e professor John Burdick

John Burdick nasceu em Massachusetts, era professor de antropologia da Syracuse University, EUA. John viveu na Baixada Fluminense na década de 80, era conhecido entre nós no Brasil pelas suas pesquisas engajadas e tom militante. Burdick veio ao Brasil pela primeira vez em 84 influenciado pela Teologia da Libertação. Segundo a família, o professor morreu sábado (04/06), nos Estados Unidos, após uma batalha de 8 meses com um cancro extremamente agressivo. John Burdick era casado com  Judy Malkin, e deixa dois filhos:  Ben Burdick e Molly Burdick.

John Burdick foi inovador na sua pesquisa, discutindo relações entre pentecostalismo e identidade negra no Brasil. Burdick também pesquisou sobre o Movimento Negro Evangélico, levando a luta dos negros cristãos para o campo acadêmico. Atualmente John Burdick estava liderando um projeto que busca contribuir para discussões de políticas internacionais sobre moradias populares em todo  mundo. Reunindo antropólogos, um geógrafo, um arquiteto / urbanista e um defensor da habitação, no centro do Rio de Janeiro.

John Burdick deixa um grande legado na forma de muitos livros e artigos publicados, alguns inclusive já traduzidos no Brasil. Como o seu primeiro livro, “Procurando Deus no Brasil“, publicado pela editora Mauad. O público brasileiro precisa conhecer o seu pensamento,  assim, ao assimilar alguns de seus mais importantes conceitos, possa também aplicá-los na análise da nossa realidade e caminhada.

“Ele queria tanto marchar com o movimento Black Lives Matter. Ele nem conseguia andar, mas queria marchar. Eu sempre vou me orgulhar dele.” Molly Burdick, filha de John Burdick.

Por se tratar de uma pessoa dessa grandeza e com um tão importante legado, segue  uma lista de alguns dos seus livros e artigos:

Livros de autoria de John Burdick

  • A Cor do Som: Raça, Religião e Música no Brasil. Nova York: New York University Press.

  • Legados da libertação: a Igreja Católica Progressiva no Brasil no início de um novo milênio. Londres: Ashgate International

  • Abençoada Anastácia: Mulheres, Raça e Cristianismo Popular no Brasil. Nova York: Routledge.

  • Procurando Deus no Brasil: A Igreja Católica Progressiva na Arena Religiosa do Urbano Brasil. Berkeley: University of California Press. Traduzido para o português como A Procura de Deus no Brasil: Uma Igreja Católica Progressista na Arena Religiosa do Brasil Urbano. Rio de Janeiro: Editora Mauad, 1998.

Artigos de John Burdick em revistas especializadas:

  • Os cantores negros do evangelho são intelectuais orgânicos? Música, Religião e Identidade Racial em São Paulo, Brasil ”. Revista Afro-Hispânica 28.2: 211-222

  • Uma conversa entre estudiosos da resolução de conflitos e do movimento social”. Em co-autoria com Beth Roy e Louis Kriesberg, Conflict Resolution Quarterly 27/4: 347-368

  • A voz do cantor e a política racial no cenário da música evangélica brasileira“. Revista Latino-Americana de Música 30: 1: 25-55,

  • Identidade coletiva e pensamento racial na cena negra da música gospel de São Paulo”. Música e artes em ação 1: 2: 16-29

  • Classe, lugar e negrume no cenário da música gospel de São Paulo”, Estudos Étnicos e Raciais da América Latina e Caribe Volume 3, Edição 2 julho: 149 – 169

  • Por que o movimento evangélico negro está crescendo no Brasil? ” Revista de Estudos Latino-Americanos 37/2 (maio): 311-332.

  • Negra e Mestiça: significados emergentes na pastoral negra do Brasil“, Luso-Brazilian Review 39/1 (março): 95-101.

  • Tortura e Redenção “. Religião e Sociedade 20/1: 55-65.

  • A Igreja Católica Liberacionista no Brasil.” Antropólogo americano. 101 (2): 420-423.

  • Qual é a cor do Espírito Santo? Pentecostalismo e identidade negra no Brasil“. Latin American Research Review 34/2: 109-131.

  • O círculo eleitoral perdido dos movimentos de consciência negra do Brasil”, Perspectivas Latino-Americanas 98/2 (janeiro): 136-155.

  • A cura e a hegemonia: interpretação da política de uma comunidade brasileira”, Nova Antropologia: Revista de Ciências Sociais. Vol. 15, n. 50 (outubro): 91-112.

  • O espírito dos escravos rebeldes e dóceis: a versão negra da umbanda brasileira.” Journal of Latin American Lore.18: 163-187.

  • Unindo teoria e prática no estudo dos movimentos sociais: notas em direção a um realismo esperançoso“. Anthropology Dialectical 20 (1995): 361-385.

  • A Igreja Católica Progressista na América Latina: dando voz ou ouvindo vozes?” Latin American Research Review 29/1 (Primavera): 184-196.

  • Observações sobre a Campanha da Fraternidade de 1988 na Baixada Fluminense.” Comunicações do ISER 40: 42-47.

  • Fofocas e sigilo: a articulação de conflitos domésticos em três religiões do Brasil urbano”, Análise Sociológica 51/2 (verão). 153-170.

  • A Queda do Profeta Negro: O Significado Ambivalente de Raça no Pentecostalismo”. Comunicações do ISER 33: 43-63.

  • Da virtude à boa forma: a acomodação de um plantador na Virgínia pós-guerra“. Revista de História e Biografia da Virgínia 93/1 (janeiro): 14-35.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut

Ser negro evangélico não é ser capitão do mato

Ser negra, negro e evangélico tem sido uma conjugação muito difícil! Somos a maioria dos evangélicos, e a maioria de nós é evangélica, numa Igreja liderada, ainda, por brancos.

Aí há quem ache que somos os negros errados, que negro certo é de matriz afro.

Por 4 séculos os brancos impuseram o lugar dos negros! Com todo respeito e solidariedade aos de confissão afro, nosso lugar é nossa escolha: somos evangélicos!

Aí aparecem negros evangélicos apoiando fascistas e racistas, passando a idéia de que ser negro evangélico é ser capitão do mato. Mentira!

Irmão irmã, negra e negro como eu, fiquemos firmes  na fé e na luta contra o racismo e fascismo; e na luta para ocupar nosso lugar na liderança evangélica; sempre houve capitães do mato, nós, em nome de Jesus, os venceremos, como já o fizemos na história.


Por Ariovaldo 

Ariovaldo Ramos é pastor e professor. Foi membro do Conselho de Segurança Alimentar da Presidência da República, que representou na 32ª Conferência da FAO, realizada em Roma, Itália, em 2006. É um conhecido defensor da teologia da Missão Integral, como alternativa para a igreja evangélica brasileira. Em seus ensinos estão sempre presentes valores como justiça, igualdade e equidade, valorização e oportunidades para os pobres.

Manifesto 2020 – Rede de Mulheres Negras Evangélicas do Brasil

Nós, mulheres negras cristãs, jovens e adultas oriundas de distintas tradições do protestantismo brasileiro (metodistas, assembleianas, batistas, anglicanas, pentecostais), de diferentes regiões brasileiras, levantamos nossas vozes em favor da vida de todas as mulheres negras e da população negra do Brasil.

É sob o amor, a esperança e o doce sussurro de Ruah (1) que nos movemos e somos unidade.

Somos nós, mulheres negras que mais sofremos com as reverberações de uma política pública racista e misógina. A pandemia do novo coronavírus escancarou nosso sofrimento histórico, psíquico e social e revelou a profundidade do cinismo dos que trabalham a serviço da morte e se mantém afastados do Evangelho. Como disse o Bom Mestre, “pelos frutos reconhecereis a árvore” (Mateus 7.16).

Nesse momento de medos e perdas, testemunhamos nossas irmãs, irmãos, nossas crianças e nossos velhos terem suas vidas negligenciadas pela vaidade de governantes incompetentes e perversos. Sofremos com a falta de renda e alimento. Sofremos com a violência institucional armada e assassina que adentra nossas comunidades e invade nossas casas ceifando vidas inocentes. Sofremos com ausência de saneamento, de água potável e materiais de proteção no combate às doenças endêmicas. Sofremos com a violência doméstica. Violências físicas e psíquicas que nos atingem de modo interseccional, cujas opressões raciais, de gênero, de classe, dentre outras formas de discriminações, nos atingem a nível individual e coletivo, consolidando ainda mais os processos de subalternização que são direcionados aos nossos corpos.

Desta maneira, nos agregamos em oração e denúncia e unimos nossas vozes ao movimento de luta em prol das nossas vidas e das dos nossos. Reivindicamos:

  • A ordenação aos mesmos cargos que os homens;
  • A inclusão de mulheres da Bíblia como tema das ministrações, realçando o antigo e novo testamentos;
  • A escalação de mulheres para ministrarem em cultos públicos, seminários, congressos, assembleias, reuniões etc., possibilitando também a inclusão daquelas que não têm cargos na igreja ou parentescos específicos com os líderes, dando vez e lugar para as diversas vozes presentes na congregação.
  • O enfrentamento ao machismo, misoginia e sexismo, discriminação, preconceito e racismo serem temáticas a serem incluídas nas ministrações dos cultos.
  • A intensificação e popularização da educação política.
  • Adoção pelas igrejas evangélicas de educação antirracista e antimisógina nos cultos e também nas escolas bíblicas dominicais;
  • Adoção da cultura de paz, do respeito à diversidade religiosa e do combate às práticas de intolerância.

Repudiamos as ações políticas e policiais que põem em risco de morte e/ou mortificam nossa população e aqueles que coadunam com tais práticas anticristãs.

Posicionamo-nos em defesa da vida de todas as mulheres, com atenção particular para as mulheres negras e indígenas, grupos profundamente vulnerabilizados. Colocamo-nos a disposição das igrejas protestantes para um diálogo baseado na verdade e na reconciliação mediante a realidade do racismo estrutural que nos afeta.

_________________

(1) No relato da Criação, “a Ruah de Deus (em hebraico, Ruah é feminino) pairava sobre as águas”: trata-se de uma bela imagem da matriz ou útero originário fecundo de tudo quanto existe; tudo é amorosamente acolhido, fecundado, gestado, carregado neste grande ventre cósmico que podemos chamar divino: “Deus”. Alento, sopro, vento, respiração, força, fogo… Com nome feminino que fala de maternidade e de ternura, de vitalidade e carícia. Seu calor gera harmonia no caos, realça a beleza e originalidade de cada criatura, dando a cada uma seu lugar, o espaço que necessita para potencializar seu ser. Nessa relação adequada, cada erva, cada montanha, cada ser que vive, tem seu lugar e seu sentido.- Fonte: https://catequesehoje.org.br/raizes/espiritualidade/723-ruah-santo-o-sopro-que-nos-une

Via Novos Diálogos.


Manifesto de negras e negros evangélicos

Manifesto de negras e negros evangélicos

Precisamos de uma igreja antirracista, que construa e promova a justiça

“Ai dos que promulgam leis iníquas, os que elaboram escritos de opressão, para suprimir os direitos dos fracos, e privar de justiça os pobres do meu povo.” Isaías 10:1-2.

Nós, negras e negros evangélicos brasileiros, nos manifestamos para clamar a urgência de a igreja se posicionar a denunciar o racismo como pecado, e pecado estrutural.

Quantas irmãs de nossas igrejas já perderam os filhos assassinados? Quantos jovens de nossas igrejas já foram mortos? Quantas irmãs oram por seus filhos presos? Queremos vida, mas as oportunidades são negadas, as portas de empregos cada vez mais são fechadas, o acesso à educação e ao sonho da universidade ainda não é para todos. Na maioria das vezes, nos falta o básico, nos faltam casa, alimento e água.

Quantos irmãos e irmãs estão morrendo nas filas dos hospitais e tantos outros nem conseguiram ter atendimento quando foram buscar a cura? É hora de reconhecer que muitas destas tragédias não são respondidas e explicadas pela “desigualdade” pura e simplesmente. Elas revelam o racismo da sociedade e o legado do descaso com vidas negras desde a era colonial do Brasil.

João Pedro e George Floyd eram negros e evangélicos. Aqui e nos Estados Unidos, estes irmãos foram vítimas de um sistema racista legislado por um Estado impregnado pelo racismo estrutural que sufoca, fuzila, desumaniza e silencia negros e negras. O caso de Miguel Otávio, menino negro de cinco anos —de família evangélica— que caiu do nono andar de um prédio em Recife, também denuncia as condições de trabalho do povo negro nesse sistema que violenta diretamente as famílias negras brasileiras. Em especial as mulheres negras, que desde a escravidão são submetidas a posições de servidão, negação de direitos e da própria humanidade.

Diante de estruturas de morte como estas, é necessária uma igreja que se levante e denuncie. Precisamos de uma igreja antirracista, que persegue, constrói e promove a justiça para todas e todos, e que olha em especial para os órfãos e viúvas de nossa época.

Infelizmente, parte dos líderes evangélicos de grandes igrejas —que possuem todo tipo de mídia nas mãos— estão comprometidos com o interesse dos poderosos e só pensam em armas e em tramar nossas mortes. Eles colocam o dinheiro e o poder acima da vida. Uma outra parte das lideranças decidiu ficar em silêncio, e isso também é escolher o lado do opressor.

Precisamos de uma igreja antirracista, que persegue, que constrói e que promove a justiça. Sabemos que todos os que odeiam e se levantam contra as obras de justiça que trazem vida ao povo negro amam a morte, amam o sistema racista e tudo que nele existe. No entanto, acreditamos no que o nosso irmão Martin Luther King Jr. afirma:

“A injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todo lugar”.

Na crença e no clamor, convocamos irmãs e irmãos em oração para agir. O racismo é um projeto do inimigo, um projeto de morte, assim como a política de Herodes, que exterminava crianças, que colonizava territórios e que usava da religião para controlar os povos. Por isso, cabe a nós lutar pela libertação do nosso povo enquanto não houver igualdade, levantar nossa voz profética e denunciar o racismo. Pois sem justiça e sem vida plena e abundante para a favela, não é possível falar de paz.

Jackson Augusto é um jovem batista que integra a Coordenação Nacional do Movimento Negro Evangélico do Brasil. É membro do Colegiado Nacional do Miqueias Brasil, articulador social no Usina de Valores, produtor de conteúdo no projeto Afrocrente e ativista da teologia negra no Brasil.

Luciana Petersen é uma jovem batista estudante de jornalismo, feminista negra, editora e podcaster no Projeto Redomas.

Wesley Teixeira é um jovem negro membro da Igreja Evangélica Projeto Além do Nosso Olhar, militante da Frente de Evangélicos Pelo Estado Democrático de Direitos e do Coletivo Esperançar. Filiado ao MNU (Movimento Negro Unificado), que compõe a Coalizão Negra por Direitos.

Ronilso Pacheco é teólogo pela PUC-Rio, negro e nascido em São Gonçalo, no Rio de Janeiro. É ativista, escritor e mestrando em teologia no Union Theological Seminary (Columbia University), em Nova York.

PerifaConnection

PerifaConnection é uma plataforma de disputa de narrativa das periferias, feito por Raull Santiago, Wesley Teixeira, Nina da Hora, Salvino Oliveira e Jefferson Barbosa.

Fonte: Folha de São Paulo


Manifesto 2020 – Rede de Mulheres Negras Evangélicas do Brasil

Os vestígios Históricos do Lutero Negro e a Gênesis do Protestantismo Brasileiro

A chegada da corte portuguesa, os processos de independências do Brasil e as primeiras leis abolicionistas marcaram significativamente a primeira metade do século XIX e deram o tom para as transformações políticas, econômicas, sociais e religiosas em solo brasileiro. E é sobre esse contexto que surge, em 1841 na cidade de Recife, Agostinho Jose Pereira pregador negro e precursor do protestantismo no Brasil, fundador da Igreja do Divino Mestre, que segundo Hernani Francisco da Silva foi a primeira igreja protestante no país.

Os vestígios históricos sobre Agostinho ainda são poucos, mas o que se pode afirmar, diante das fontes jornalísticas é que, ele sabia ler e escrever e fez de seu ministério uma possibilidade para falar sobre liberdade e o fim da escravidão e por isso ensinava os seus adeptos a ler e escrever. Ainda segundo Hernani Francisco da Silva, “As ideias de Agostinho eram avançadas e perigosas para a época onde a igreja católica era a religião oficial do Estado.” Entretanto, não foram as ideias e convicções religiosas do Pastor Negro que despertaram o descontentamento das autoridades do poder espiritual (Igreja) e as autoridades do poder temporal (Estado), mas sim suas ideias abolicionistas e seus inúmeros discursos que apontavam o Haiti como um exemplo de luta contra as formas de escravização do corpo negro.

Não podemos nos esquecer que a Revolução Haitiana, também conhecida por Revolta de São Domingos, que levou à eliminação da escravidão e à independência do Haiti, foi um dos maiores marcos históricos para a população afro-diaspórica no continente americano. As repercussões da Revolução geraram um medo eminente de revolta dos “escravizados” contra os seus “senhores”. Em sua tese de doutoramento, em Antropologia Social do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, Rosenilton Silva de Oliveira aponta Agostinho como um ícone para o Movimento Negro Evangélico (MNE), pois enquanto a história oficial considera o início do protestantismo no país, no ano de 1858, com a fundação da Igreja Fluminense pelo reverendo Roberto Kalley; o MNE em uma tentativa de reescrever a presença evangélica no Brasil contextualiza o ano de 1841, quando Agostinho José Pereira funda a Igreja Divino Mestre, como a gênesis está do protestantismo brasileiro.

Segundo os vestígios históricos, apontados por Silva, “o que sabemos é que ele era um negro letrado, e que fundou a primeira igreja protestante brasileira, essa igreja era negra. Sabemos também que na sua trajetória política conheceu Sabino o líder da revolta baiana conhecida como a sabinada, também participou da confederação do Equador“. Perseguido e preso, por conta de suas ideias em prol das liberdades, sua trajetória foi se esvaindo no tempo e solapada pela história oficial. Por isso, ao pontuar Agostinho Jose Pereira na História, como líder, pregador abolicionista, não corremos o risco de uma história única que tente a invisibilizar a participação de homens e mulheres negros e negras nas narrativas oficiais.

Autor:

Babalawo Ivanir Dos Santos

O Prof°. Babalawô Ivanir dos Santos, é Doutor em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHC/UFRJ); membro da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), Pesquisador do Laboratório de História das Experiências Religiosas (LHER-UFRJ) e Laboratório de Estudos de História Atlântica das sociedades coloniais pós coloniais (LEHA-UFRJ); Coordenador da Coordenadoria de Religiões Tradicionais Africanas, Afro-brasileira, Racismo e Intolerância Religiosa (ERARIR/LHER/UFRJ); Conselheiro Estratégico do Centro de Articulações de População Marginalizada (CEAP); Interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR); Conselheiro Consultivo do Cais do Valongo; Vice-presidente da América Latina no Conselho Internacional das Sociedades de Antigas Religiões de Descendentes de Africanos (ARSADIC), Nigéria. Tem experiência nas seguintes áreas ; Educação Étnico-racial e questões africanas, Direitos Humanos e Cidadania; Relações Internacionais; Religiões tradicionais da África Ocidental e Afro-brasileiras.


Referências:
http://www.espiritualidades.com.br/…/SILVA_Hernani_Francisc…

OVILEIRA, Rosenulton Silva de. A cor da fé: “identidade negra” e religião. Tese de Doutorado em Antropologia Social do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2017.

Fonte da foto: https://afrokut.com.br/blog/reforma-protestante-negra/

O Movimento Negro Evangélico e o futuro

Parte das demandas lançadas sobre as costas de militantes e ativistas negros/negras têm a ver com o passado. As questões relacionadas à escravidão, ao colonialismo, às desigualdades e a um passado que nós nem conhecemos e sequer entendemos são parte das várias questões que além do racismo que se projeta claramente no nosso presente, vivem a assombrar e perseguir os membros dos movimentos negros. Como disse Mano Brown em entrevista ao Le Monde Diplomatique Brasil“hoje o negro está mais ligado ao futuro do que ao passado”(1).

Os debates sobre afro futurismo, mundos possíveis e a superação do racismo são por demais sedutores. Afinal, quem não adoraria que Wakanda fosse real? O que todo negro/negra quer é justamente não precisar mais falar de racismo, falar de dor e de violência. Essa necessidade é um possível explicador para a quantidade gigantesca de pessoas pretas nas igrejas evangélicas, sobretudo nas denominações que falam sobre salvação com certa ênfase. Para o povo negro, é importante pensar a vida em uma outra perspectiva que não seja a deste mundo em que vivemos.

Estamos vivendo uma crise mundial. Até para o espectador mais ingênuo, é nítido que o mundo está vivendo um período cataclísmico e de crises múltiplas. As crises políticas, econômicas e até de identidades representam todo um processo de adoecimento do que Ailton Krenak chamou de Antropoceno:

Como é que ao longo dos últimos 2 mil ou 3 mil anos, nós construímos a ideia de humanidade? Será que ela não está na base de muita das escolhas erradas que fizemos, justificando o uso da violência? (KRENAK, 2019, p. 11).

Mais do que nunca precisamos falar de futuro. O passado deve ser apenas o ponto de partida para nossas críticas; mas no momento, o foco deve ser o futuro. A comunidade negra precisa criar dentro de si a possibilidade de pensar um outro mundo, uma realidade libertária. Quando falamos de decolonialidade, é sobre essa possibilidade de pensarmos mundos possíveis, outras experiências. Se essas experiências serão sem a presença do racismo, eu não sei, o que sei é que o mundo está fumegando e este é o momento para que haja uma real transformação.

Em ideias para adiar o fim do mundo (2019), o líder indígena Ailton Krenak reflete justamente sobre essas questões. Pensar o futuro e o tempo em uma perspectiva decolonial é transcender as fronteiras de um mundo fragmentado. Ou como Frantz Fanon escreveu em Os condenados da terra, “um mundo cindido em dois” (1961). Esse mundo, chamado de Ocidente, foi construído para que os seus dois lados se autoanulem e nunca se encontrem de forma harmônica. Assim, uma guerra que foi declarada por um dos lados impede que o outro lado, o lado dos colonizados, se recuse a guerrear. Por isso, desde a colonização, a violência passou a ser um tipo de linguagem universal que expressa o fim de todo conflito, diálogo, debate ou embate.

A igreja evangélica no Brasil como parte desse mundo em colapso, têm mantido relações estreitas com o poder dos colonizadores, tendo no seu núcleo uma massa de membros formada majoritariamente pelos povos colonizados e que está sendo largamente influenciada pelas estruturas de poder colonial por motivos mais complexos que o binarismo alienados alienadores comumente utilizado pelos devotos do materialismo histórico.

Nada é tão simples.

E é por não ser tão simples que existem grupos de evangélicos como o Movimento Negro Evangélico.

No início da década o censo do IBGE apontou o avanço gigantesco da população evangélica (2) e o provável é que, havendo um novo censo, esse número tenha em muito aumentado. A problemática é que, como já foi apontado em pesquisas, o Brasil é um dos países com maior número de evangélicos, mas também um dos países que mais mata jovens negros (3) e é nesse ponto que emerge a urgência de movimentos que dialoguem com a fé desse grupo que está em crescimento e as demandas de um país ainda preso às amarras coloniais.

O Movimento Negro Evangélico (MNE) é uma ideia para adiar o fim do mundo. Precisamos, negros e negras, entender as perguntas que estão sendo feitas pelas pessoas nas igrejas, na periferia e nas favelas para que nossas respostas sejam audíveis e efetivas. Precisamos entender o que os movimentos de esquerda não entenderam ou não quiseram entender. Precisamos nos apropriar das narrativas e dos discursos que podem potencializar um novo horizonte para um mundo que vive em constante queda rumo à morte para talvez “não eliminar a queda, mas inventar e fabricar milhares de paraquedas coloridos, divertidos, inclusive prazerosos” (KRENAK, 2019).

Que o MNE entenda a sua possibilidade de reconstruir um novo céu e uma nova terra. Que o MNE entenda que isso não se trata e nunca se tratará de converter todo o mundo ao cristianismo, mas salvar todo o mundo, inclusive, o próprio cristianismo.

Bem-aventurados, nós, os pacificadores, com fome e sede de justiça.

Por João Marcos Bigon, mestrando em Relações Étnico-Raciais pelo PPRER/CEFET-RJ e Licenciado em História pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Duque de Caxias. Membro da Nossa Igreja Brasileira.

Via: Novos Diálogos


Notas

(1) Mano Brown, um sobrevivente do inferno | Entrevista completa. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=U_OsF4y4zuY&t=720s. Acesso em: 05 de Jan, 2020.

(2) Censo 2010: número de católicos cai e aumenta o de evangélicos, espíritas e sem religião. Disponível em: https://censo2010.ibge.gov.br/noticias-censo?id=3&idnoticia=2170&view=noticia. Acesso em 8 de Jan, 2020.

(3) 75% das vítimas de homicídio no país são negras, aponta Atlas da violência. Disponível em: https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,75-das-vitimas-de-homicidio-no-pais-sao-negras-aponta-atlas-da-violencia,70002856665. Acesso em: 8 de Jan, 2020.

A consciência negra e a profecia

“O povo que caminhava em trevas viu uma grande luz; sobre os que viviam na terra da sombra da morte raiou uma luz[…]Tu arrebentaste as suas correntes de escravos, quebraste o bastão com que eram castigados; acabaste com o opressor que os dominava, assim como no passado acabaste com os midianitas.”(Is 9:2; 9:4)
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Isaías 9 é conhecido como o texto da profecia do caminho para a libertação, que aponta para o salvador de um povo, para o nascimento da esperança que vai libertar o povo de Deus. E é uma das profecias mais esperadas e importantes relatadas na Bíblia. Ele começa falando que existe um povo que caminhava nas trevas,um povo que vivia na terra da sombra da morte, essa profecia se direcionava a esse povo, a um povo que o medo e a morte dominava seu território, dominava sua história. Porém, esse povo viu uma grande uma Luz,essa luz era tão concreta que a visão da luz começa com o arrebentamento das correntes de escravos, a profecia dizia que esse povo viu sua libertação, ou a destruição do julgo que os oprimia. Era a grande primeira mensagem de Isaías sobre a luz que pairava sobre o povo que era escravizado e oprimido. A profecia continua dizendo que a destruição ela não é somente sobre a escravização mas também sobre a vara de castigo do opressor. Veja, a profecia de Isaías aponta para as quedas de todas as construções humanas que matavam o povo que vivia na terra da sombra da morte. Deus tira o açoite das mãos do opressor, Deus lança luz sobre o povo que estava em condição de escravização, Deus destrói todo o sistema que sustenta a opressão desse povo.

Isaías conclui dizendo que tudo isso vai se tornar realidade “porque um menino nos nasceu, um filho nos foi dado”, a profecia ela se cumpre porque é a manifestação da encarnação de Deus, onde Jesus nasce a vara do castigo do opressor é destruída,quando Jesus nasce o povo que vive no vale da sombra da morte, é escutado, o sangue dos que morrem nos morros, nas favelas chega até os olhos do Eterno. A consciência negra ela é instrumento do cumprimento da profecia, ela é um apontamento para a integralidade da missão do evangelho. A consciência negra, é a prova de que parte da humanidade não deixou a profecia cair. Que sejamos profetas e que destruamos todas as ferramentas de opressão que o homem construiu.

Por Jackson Augusto –  Coordenador do Movimento Negro Evangélico do Estado de Pernambuco. Estuda Ciência da computação em Universidade Federal Rural de Pernambuco (Ufrpe Oficial).

Foto: @saulonicolai

Projeto: @favelagrafia

Texto: @afrocrente

Manifesto de apoio à Yalorixá e ativista pelos direitos humanos Mãe Beth de O’xum

O Movimento Negro Evangélico em Pernambuco, manifesta apoio à Yalorixá e ativista pelos direitos humanos Mãe Beth de O’xum, mulher íntegra, comprometida com a promoção da justiça social para a população negra.

No último dia 17 de Novembro, após expressar sua indignação (que para nós não é apenas individual, mas coletiva), diante das sistemáticas práticas racistas perpetradas contra o povo de terreiro, e protagonizada por alguns pastores evangélicos, Mãe Beth de O’xum está sendo processada por membro (ou membros) da banca evangélica estadual que alega se sentir ofendido com as palavras da sacerdotisa.

Reconhecemos na manifestação da Mãe Beth de O’xum uma expressão da condição de injustiça social em perseguição e intolerância religiosa sofrida pelos povos de religiões matrizes afro-brasileiras. Pois sabemos que, segundo dados do Dique 100 (2018), as religiões de matrizes africanas, umbanda e candomblé são as principais vítimas do racismo religioso habitualmente cometido por pessoas ou grupos ditos cristãos no Brasil. Diante disso, e até o presente momento, desconhecemos projetos e ações propostas ou criadas pelos acusadores de Mãe Beth, e das bancadas evangélicas de modo geral, para eliminar esse tipo prática criminosa que é recorrente no segmento de seus adeptos religiosos.

Sublinhamos ainda, que defendemos o princípio de laicidade do Estado Democrático, a liberdade de expressão, o respeito à diversidade religiosa em todas as suas manifestações e expressões, e o combate veemente a qualquer prática racista e sexista, seja ela originada de um único líder religioso ou de um grupo deles. Nós do Movimento Negro Evangélico em Pernambuco somos população negra, respeitamos a trajetória da religiosidade e fé de matriz afro-brasileira para a resistência e sobrevivência do povo negro até os dias atuais e na construção de sociedade brasileira.

Recife, 23 de Novembro de 2019.
Colegiado do Movimento Negro Evangélico em Pernambuco.