Racismo e modernidade a partir da ideia de realidade simulada: física quântica e psicologia negra Sakhu Sheti
Um ensaio sobre a compreensão do racismo a partir da ideia de realidade simulada – Por José Evaristo S. Netto
O escravizamento histórico e a exploração contemporânea do povo africano só poderiam ter sucesso se os significados africanos de ser humano fossem apagados e/ou redefinidos. Apenas quando o centro de sua consciência for afastado dos significados africanos do que é ser humano, ou esses significados forem removidos da sua consciência, o africano pode ser permanentemente escravizado — eis um preceito central da afrocentricidade. Esse processo de descentramento e desafricanização constitui a problemática psicológica chave na compreensão da experiência dos africanos em toda a diáspora.
Afrofuturismo— Fabio Kabral
Retornando a uma parte da perspectiva ioruba de “ser no mundo” que Wade W. Nobles nos traz, e que foi descrita acima:
Como pessoa, o individuo também possui a cabeça interior, ou ori inu. Oludumaré (o ser supremo) dá essa cabeça diretamente. Ela constitui o “espírito” particular da pessoa. Ori inu é o guardião do eu; carrega o nosso destino e influencia a personalidade. Além de emi (essência divina) e ori inu (essência pessoal), a pessoa tem okan. Essa palavra significa coração, mas, como aspecto constituinte da pessoa, representa o elemento imaterial (essência) que é a sede da inteligência, do pensamento e da ação. Assim, por vezes é chamado de “alma-coração” da pessoa. Acredita-se que a okan exista antes mesmo de a pessoa nascer. É a okan dos ancestrais que reencarna no recém-nascido.
A violência da escravização, a colonialidade e o racismo, resumem o maafa que foi a nossa tragédia enquanto povo, o descarrilhamento do nosso caminho de desenvolvimento a partir da nossa centralidade, do significado original de “ser e existir no mundo” sendo uma pessoa negra, africana, não ocidentalizada. Precarizou o nosso espírito particular, nosso Ori inu, enfraqueceu a nossa essência divina, nossa Emi e o contato com as memórias e arquétipos imateriais, os corpos sutis dos nossos ancestrais e antepassados, nosso Okan. Uma vez que não conseguimos mais localizar a nossa essência divina, perdendo também as nossas referências sobre o nosso próprio espírito particular, sobre aquilo que nos é particular, que nos torna únicos, somados ao enfraquecimento dos nossos laços com a nossa história e ancestralidade, fica mais fácil entender como somos dominados por uma realidade simulada que manipula os nossos sentidos e diz o que significa existir no mundo. Hoje, consumimos para existir, talvez porque perdemos estas estruturas e recursos de ser no mundo que eram os trilhos do percurso de desenvolvimento dos nossos povos.
Acredito que somente quando pudermos refletir profundamente sobre a realidade, reelaborando-a baseando na circunscrição da nossa experiência no mundo — e dos nossos ancestrais, conseguiremos produzir um desenvolvimento que fortaleça nossa humanidade, ao invés de nos precarizar.
Podemos construir a própria realidade a partir de uma mudança radical da consciência do que é “ser e existir no mundo”?
Para não perder o foco:
- é importante o resgate de que este texto trata de simulação da realidade e do racismo, e em como uma perspectiva ou leitura de realidade considerando as contribuições da física teórica podem auxiliar à um existir no mundo que supere a experiência da colonialidade e do racismo.
- retorno a África como forma de reaprendizagem das habilidades ancestrais para acessar arquétipos supre mentais que possibilitassem a nós, nos reconstruirmos sem os viesses da colonialidade e do racismo. Sankofa — se você esquecer, não é proibido voltar atrás e reconstituir.
- a história como uma mentira, uma simulação, realidade falseada que cria infraestrutura para a construção da modernidade, onde os povos africanos são inferiores. Este é um exemplo de realidade simulada, que se faz presente hoje de forma hologramática em nossos mecanismos de dialogicidade e construção (reforço) da realidade.
Nota:
Este é um ensaio. Pretendo fazer uma discussão destes assuntos com mais profundidade, articulando-os com as Teorias de Autodeterminação que explicam a motivação humana, e com as Teorias Sócio Cognitivas que explicam conceitos como Agência Pessoal. O próximo texto será a continuação desta discussão, e pretendo trabalhar com alguns conceitos chave da Afrocentricidade. Estou aberto a discussões e ponderações criticas.
Por José Evaristo S. Netto – Educador, dedicado aos estudos sobre corporeidade, cultura, identidades, sociocognição, racismo e colonialidade. Mestre em Educação Física.