Corpos negros e a morte de Cristo

Estamos no tempo da quaresma, período que antecedem a festa ápice do cristianismo, onde os cristãos concentram a sua atenção sobre a morte e ressurreição de Jesus Cristo. Uma morte na cruz, Cristo poderia ter morrido de inúmeras maneiras, mas a cruz era uma humilhante exposição pública: escarnecido, espancado e morto desumanamente. Sim, a morte é a parte mais importante da Cruz, mas na morte encontramos a finalidade da cruz – os negros e negras tem experimentado o mesmo destino que o Cristo crucificado.

Para entender o que a cruz significa para nós negros cristãos, precisamos dar uma boa olhada na historia dos negros e negras desta nação, do sofrimento e da humilhação da população negra durante a escravidão, que prossegui vivo nas estruturas contemporâneas da nossa sociedade.

Hoje os cristãos não conseguem ver o evangelho da cruz de Jesus revelado através de corpos negros vítimas de um processo genocida instalado pela política de segurança pública. Onde a Paixão de Cristo se revela hoje? Quem são os corpos negros crucificado hoje?

Os corpos de negros assassinados, baleados, esquartejados todos os dias, a juventude negra é uma das principais vítimas, mas não são as únicas. O genocídio não está só relacionado à morte por bala, tem outras questões que dizem respeito a esse processo. Pode-se matar uma pessoa sem uma arma. Mas sempre que a sociedade trata o povo como se eles não têm direitos ou dignidade ou valor. Sempre que são negados empregos, saúde, habitação e as necessidades básicas da vida, essas pessoas estão sendo mortas. Há muitas maneiras de se matar um povo. Sempre que um povo clama a ser reconhecido como seres humanos e são ignorados pela sociedade, eles estão sendo mortos.

O teólogo negro James H. Cone, no seu ultimo livro “he Cross and the Lynching Tree” ( A Cruz e a Árvore do linchamento) apresenta muito bem essa questão. A traçar a relação da cruz cristã e linchamento dos negros na sociedade americana. Cone faz um paralelo com a história de linchamento dos negros nos Estados Unidos com a crucificação de Cristo:

“A cruz e a árvore do linchamento: ambos eram espetáculos públicos, normalmente reservada para criminosos perigosos, escravos rebeldes, que se rebelava contra o Estado romano e falsamente acusado de militantes negros que eram muitas vezes chamados de bestas negras” e “Monstros em forma humana” pela a sua audácia de desafiar a supremacia branca nos Estados Unidos. Qualquer teologia genuína e qualquer pregação autêntica deve ser medido em relação ao teste do escândalo da cruz e a árvore do linchamento”.

Para Cone a crucificação era um linchamento do primeiro século:

“A cruz pode resgatar a árvore de linchamento e, assim, conceder-corpos negros linchados um sentido escatológico para a sua existência final”.

“A cruz também pode resgatar linchadores brancos e seus descendentes, também, mas não sem custo profundo, não sem a revelação da ira e a justiça de Deus, que executa o julgamento divino, com a demanda para o arrependimento e reparação, como pressuposto da divina misericórdia e perdão. A maioria dos brancos quer misericórdia e perdão, mas não justiça e reparação, pois eles querem a reconciliação sem a libertação, a ressurreição sem a cruz”.

Cone diz que quando nos deparamos com o Cristo crucificado hoje, ele é um negro humilhado, um corpo negro linchado:

“Cristo é negro não porque a Teologia Negra diz. Cristo torna-se negro através da solidariedade amorosa de Deus com corpos negros linchados e julgamento divino contra as forças demoníacas da supremacia branca. Como um corpo negro nu balançando em uma árvore de linchamento, a cruz de Cristo foi “um caso absolutamente ofensivo”, “obscena, no sentido original da palavra”, “submeter a vítima à indignidade máxima”.

Neste sentido, os negros são as figuras de Cristo, não porque queremos ser, mas porque nós não tivemos nenhuma escolha sobre ser trazido como escravo para a América, assim como Jesus não tinha escolha em seu caminho para o Calvário. Jesus não queria morrer na cruz, e os negros não queriam passar pelo holocausto da escravidão. Mas as forças malignas do Estado romano e o colonizador e o evangelizador quiseram.

Hernani Francisco da Silva – Afrokut

James Cone: o pai da Teologia Negra

“O racismo é a negação do evangelho”. James Cone

Rev. James H. Cone, conhecido como o “pai da teologia da libertação negra“, morreu no sábado (28 de abril de 2018). James Hal Cone nasceu em 5 de agosto de 1938, em Fordyce, Arkansas. Formou-se no Seminário Teológico Garrett, em Evanston, Illinois, como bacharel em divindade; fez mestrado e um Ph.D. na Northwestern University, em Evanston.

A lente hermenêutica da Teologia Negra de James Cone começa com a experiência dos afro-americanos e as questões teológicas que ele traz de sua própria vida. Ele incorpora o poderoso papel da Igreja Negra em sua vida, bem como o racismo experimentado pelos afro-americanos. Para Cone, os teólogos que ele estudou na pós-graduação não forneceram respostas significativas para suas perguntas. Essa disparidade tornou-se mais aparente quando ele estava ensinando teologia no Philander Smith College, em Little Rock, Arkansas. Cone escreve:

“O que Karl Barth poderia significar para os estudantes negros que vieram dos campos de algodão de Arkansas, Louisiana e Mississippi?

Cone achava que os cristãos negros na América do Norte não deveriam seguir a “igreja branca“, alegando que era uma parte interessada do sistema que oprimia os negros. Assim, sua teologia foi fortemente influenciada por Malcolm X e pelo movimento Black Power. Também Martin Luther King Jr. foi uma influência importante; Cone descreve King como um teólogo da libertação antes da expressão existir.

“O cristianismo era visto como a religião do homem branco”, disse Cone.

“Eu queria dizer: Não! O Evangelho Cristão não é a religião do homem branco. É uma religião de libertação, uma religião que diz que Deus criou todas as pessoas para serem livres. Mas percebi que, para os negros serem livres, eles devem primeiro amar sua negritude”.

Cone foi autor de livros como “Black Theology and Black Power” (Teologia Negra e Poder Negro) e de “God of the oppressed” (Deus dos oprimidos). Este ano, o Dr. Cone ganhou o Prêmio Grawemeyer em Religião por seu livro mais recente, “he Cross and the Lynching Tree” ( A Cruz e a Árvore do linchamento), que traça paralelos entre a crucificação de Jesus e o linchamento dos negros nos Estados Unidos.

Por Hernani Francisco da Silva – Afrokut