Os protestantes somente se firmaram no Brasil a partir da segunda metade do século XIX. Em sua maioria, os missionários enviados à América Latina eram norte-americanos. Principalmente os procedentes do Sul dos Estados Unidos chegaram ao Brasil defendendo a escravidão e utilizando negros para trabalhos domésticos. Vale lembrar que, de alguma forma, esses sempre foram a favor da escravidão negra, uma das bandeiras de lutas na Guerra Civil Americana entre Estados do sul e Estados do norte dos Estados Unidos.
É importante considerar que, entre os protestantes brasileiros, o Rev. Eduardo Carlos Pereira, como já mencionamos, que era pastor presbiteriano, notabilizou-se pelo seu veemente protesto contra o racismo e a escravidão. Em 1886, Pereira publicou um livreto sob o título A Religião Cristã em suas relações com a escravidão, tendo em vista que, na época, metodistas, batistas e presbiterianos eram donos de escravos.
Na religião protestante, a mensagem dos púlpitos ainda traz em sua retórica expressões como “o negro e rude pecado”; e nos cânticos também aparecem frases como “negros batalhões”, “meu coração era preto; mas Cristo aqui já entrou; com seu precioso sangue; tão alvo assim o tornou”. A Aliança pró Evangelização de Crianças (APEC),
por exemplo, adota em seu trabalho didático, o chamado “Livro sem Palavras”.1
Entre as cores referidas nesse material, está o uso do preto, que pode induzir a criança a rejeitar-se, quando negra. O preto aparece aqui como símbolo do pecado. Considerando as críticas em relação a essa posição, a APEC substituiu a palavra “preto” por “sujo”. Tal mudança faz-nos pensar que “preto” equivale a “sujo” ou “sujeira”! Em livros de ética cristã e teologia, a frase “homens de cor” continua aparecendo, até mesmo em textos escritos contra o racismo.2 Certamente, há autores e tradutores que acreditam que existem homens sem cor, os brancos!
Há, contudo, registros históricos signifi cativos sobre atuações de evangélicos no combate à escravidão e ao racismo. Embora parte dos missionários norte-americanos fosse indiferente a tal problema social ou até favoráveis à existência de escravos, vários documentos da época (século XIX) mostram que havia entre protestantes grande preocupação em relação à escravidão. Alguns fatos ilustram essa participação de protestantes.
O Prof. Duncan Reily, em sua “História Documental do Protestantismo no Brasil”, relata que Robert Kalley, da Igreja Evangélica Fluminense, em 3 de novembro de 1865, fez um sermão dirigido a um membro de sua igreja que se negava a libertar seus escravos. Por esse irmão não atender sua exortação, foi expulso da igreja. Tal rigor mostra o zelo do missionário na luta contra a escravidão. Em sua missão no Brasil, Kalley mostrou que aquele sermão contra a escravidão não era apenas um fato isolado. Dedicou-se a combater o problema em classes bíblicas de crianças e negros, evangelizando-os, ao mesmo tempo.
Vale ressaltar a contribuição de Ashbel Green Simonton, missionário presbiteriano que deu início ao trabalho de sua Igreja no Brasil, foi também fundador do jornal “Imprensa Evangélica”, periódico amplamente lido a partir de 1864, onde publicou vários artigos contra a escravidão. Referimo-nos também ao romancista Júlio Ribeiro, da Igreja Presbiteriana de São Paulo que, ao apresentar para o batismo um pequeno escravo, logo o libertou e, de igual modo, a sua mãe. Foi o primeiro menino escravo batizado, com registro nas atas da Igreja Presbiteriana em São Paulo e que recebeu, juntamente com a sua mãe, Carta de Alforria.
Lembramos também a participação da presbiteriana Amélia Dantas de Souza Melo Galvão (D. Sinhá Galvão), na luta contra a escravidão. Amélia foi mulher apaixonada pelo tema da libertação. Dotada de raros predicados, fez parte de várias comissões temáticas sobre a libertação dos escravos. Filha de José Damião de Souza Melo, um português radicado em Mossoró, no Rio Grande do Norte, foi protagonista dessa luta ao dar Carta de Alforria a várias mulheres escravas. Morreu em 1980 e deixou como legado sua contribuição para que Mossoró se tornasse a primeira cidade a libertar seus escravos, muito antes da Lei Áurea.
Apesar desses testemunhos que marcam a história de protestantes contra o racismo e do esforço e trabalho do Rev. Eduardo Carlos Pereira contra a escravidão, no fi nal do século XIX, essas atuações não têm inspirado nossas igrejas na luta contra o racismo, em especial a IPI do Brasil, para um projeto de luta contra o racismo na sociedade e na própria igreja. Os púlpitos permanecem em silêncio sobre esse pecado! O ministério pastoral em geral comporta-se como se o problema do racismo não existisse em suas comunidades. Pouco se escreve e pouco se fala contra o pecado do racismo.
1. Leontino Farias dos Santos, “Educação: Libertação ou Submissão”, p.118
2. Veja-se em E. C. Gardner, “Fé Bíblica e Ética Social”, São Paulo, ASTE, 1965, p. 402. Também no texto “Albert Schweitzer por ele
mesmo”, publicado pela Martin Claret Ltda., São Paulo, 1995, p. 29, entre outros.
A Igreja Presbiteriana Independente do Brasil tem no Rev. Eduardo Carlos Pereira, que foi um de seus fundadores, uma grande referência de luta contra o racismo. Em 1886, Eduardo Carlos Pereira publicou um livreto com 44 páginas, sob o título “A religião cristã em suas relações com a escravidão”. Nesse trabalho, tendo como fundamento bíblico textos do Antigo e do Novo Testamentos, Pereira denuncia a escravidão como pecado, critica o sistema escravista como injusto, como uma afronta a Deus e ao ser humano e, profeticamente, apela para os crentes no sentido de que libertem os seus escravos. Também desafi a os pastores de sua época no sentido de que não fi quem em silêncio diante desse pecado.
Textualmente ele observa:
“Por que o silêncio medroso ante um crime tão grave? O silêncio do púlpito não é prudência: é infi delidade. Pregue-se o Evangelho… e no dia que ele plantar-se no coração do senhor (de escravos) cairão por terra as cadeias de seus escravos…”.
O momento histórico no qual o livro de Eduardo Carlos Pereira foi lançado era de discussões e lutas contra a escravidão, sendo esta uma das fortes expressões do racismo contra os negros no Brasil.
Este texto é parte do artigo “A IPIB e o Racismo“, de Leontino Farias dos Santos, presente na REVISTA DE EDUCAÇÃO CRISTÃ PARA ADULTOS com a temática “POR UMA FÉ CONTRA O RACISMO“. A revista com o tema especial “racismo”, foi organizada pelo Rev. Robson de Oliveira, que conta com a contribuição de várias autoras e autores, um material didático para pastoral de combate ao racismo.
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Por uma fé contra o racismo