Protestantismo negro de esquerda

 

No final do ano de 2022, o cantor e pastor evangélico Kleber Lucas, em entrevista ao podcast do cantor Caetano Veloso, do canal Mídia Ninja, afirmou que o racismo existente na sociedade brasileira também se expressa nas canções que compõem o hinário das igrejas evangélicas.

Tem um hino que diz: “alvo mais que a neve”, se você aceitar Jesus, você vai ficar branco como a neve. Isso é cantado por brancos e negros  com lágrimas, porque tem uma melodia lindíssima. No final da santa ceia– Você toma santa ceia, eucaristia e canta “alvo mais que a neve”,  porque tem uma melodia, porque o discurso, às vezes nefasto, um discurso de dominação, ele está embalado. Ele tem uma entrega muito boa, de uma melodia linda, de uma memória familiar, de uma memória comunitária, todo mundo cantando de olhinhos fechados, de mãos levantadas ou ajoelhados ou um coro cantando “alvo mais… branco como a neve, branco como a neve”. Porque o sangue de Jesus me torna branco. As ideias de embranquecimento estão lá no hino.” (Kleber Lucas)12

O refrão da referida canção afirma: “Alvo mais que a neve, Alvo mais que a neve, Sim, nesse sangue lavado, Mais alvo que a neve serei”1

Essa reflexão de Kleber Lucas provocou uma reação generalizada entre evangélicos mais conservadores. Influencers e lideranças eclesiásticas se engajaram em uma campanha para negar a existência do racismo nas
comunidades de fé evangélica. Nesse contexto, a fala de Kleber Lucas foi alvo de ridicularização por meio de “memes” e discursos em tom mais bélico e agressivo, descredibilizando suas reflexões teológicas e políticas acerca da dimensão do racismo.

A preocupação com a linguagem racista nas canções evangélicas não é nova, de acordo com Rosenilton Oliveira (2021) essa demanda já se apresentava na criação da Pastoral Nacional de Combate ao Racismo, da Igreja Metodista, na década de 1980. O caso que envolve Kleber Lucas é nosso ponto de partida para refletir sobre a atuação dos evangélicos negros de esquerda engajados na luta política e teológica contra o racismo, certa vez que o próprio Kleber Lucas participa ativamente desse movimento político e teológico/religioso.

O protestantismo negro de esquerda é uma experiência minoritária tanto no interior do evangelicalismo como no espectro da esquerda política. No entanto, os agentes individuais e coletivos são muito atuantes e produzem de maneira sistemática ações diversificadas relacionadas a luta antirracista, como a realização de debates, produção de conteúdo para as redes sociais, lançamento de cartilhas e livros, participação em manifestações de rua, formação de grupos de estudos, cultos, eventos culturais etc.

Entre os objetivos específicos dessas ações identificamos, por exemplo, a demanda em demonstrar que a origem do cristianismo está muito mais vinculada ao continente africano do que o europeu. E parte desses esforços se constitui em expor a presença da África e de personagens negros na bíblia e pela defesa de um Jesus negro (ou de um Jesus não branco). Também verificamos a valorização da ancestralidade pelo resgate de figuras do passado, denunciar a intolerância contra religiões de matriz africana (racismo religioso), apontar o silenciamento da questão racial nas igrejas, afirmar a prática do racismo como pecado, defender as cotas raciais nas universidades e concursos públicos, exaltar positivamente as expressões culturais afro-brasileiras, expor a violência perpetrada pelo Estado contra a comunidade negra (necropolítica), entre outras.

Verificou-se a existência de um campo semântico próprio do protestantismo negro de esquerda, com expressões do tipo “Jesus preto de Nazaré”, “contra o pecado do racismo”, “a bíblia é um livro negro”, “Jesus é preto” entre outras. Ideias, frases, jargões e terminologias que são expressas verbalmente, em estampas de camisetas, na produção teórica escrita, no conteúdo das redes sociais etc.

Os agentes sociais buscam afirmar a negritude e a africanidade de múltiplas formas, uma delas é no próprio corpo físico, por meio de uma estética corporal, conformando uma “estilística” ou “estética da existência” (FOUCAULT, 2004). O corpo é uma espécie de espaço político de afirmação positiva da negritude e da africanidade, isso acontece por meio do uso de dreadlocks (principalmente entre homens); cabelos crespos e cacheados volumosos (principalmente entre mulheres); vestimentas coloridas com estampas africanas; adereços como colares, anéis, brincos, pulseiras, gargantilhas, lenços, turbantes.

Há também as tatuagens com referências ao território continental africano e suas múltiplas expressões culturais, como o sankofa (símbolo adinkra das culturas akan na África ocidental). Em um dos encontros que participei na Nossa Igreja Brasileira, o pastor Marco Davi de Oliveira vestia uma camiseta de cor preta com
a frase estampada com fonte branca, “Sou seguidor do negro da periferia, Jesus de Nazaré”. Muitos dos agentes sociais observados possuem curso superior em diferentes áreas, como teologia, ciências sociais, jornalismo, história, arquitetura, medicina, pedagogia etc. Alguns articulam militância política com pesquisa acadêmica, Rosenilton Silva de Oliveira (2021) já havia percebido em suas pesquisas que parte da atuação política dos agentes sociais do movimento negro evangélico (MNE) é mediada pela pesquisa cientifica.

Percebeu-se que a maioria pertence ou já pertenceu a denominações históricas e missionárias, poucos são ou já foram de igrejas pentecostais. As três igrejas observadas nessa pesquisa que tem um engajamento político antirracista, são denominações de orientação batista, a saber, Nossa Igreja Brasileira, Comunidade Batista de São Gonçalo e Igreja Batista do Caminho. Percebe-se que muitos evangélicos não estão vinculados a nenhuma denominação, como é o caso de um dos entrevistados nessa pesquisa. Os evangélicos que se encontram nessa situação são denominados nesse campo religioso de “desigrejados”. De acordo com o Censo Demográfico do IBGE de 2010 existem mais de 9 milhões de evangélicos sem pertencer a uma denominação, o que corresponde à 4,8% da população brasileira. No Censo este seguimento está agrupado sob a categoria de “não determinados”.

Os evangélicos negros de esquerda produzem intensamente teologias antirracistas, que compõem a denominada teologia negra. As grandes influências teóricas são os autores da teologia negra estadunidense, da teologia da
libertação, da teologia da missão integral, os pensadores anticoloniais, pós-coloniais e decoloniais, da psicanálise, dos estudos culturais, do pensamento social brasileiro, entre outros. A maioria dos pensadores e pensadoras mobilizadas nessas reflexões políticas e teológicas são sobretudo negros, como James Cone, Martin Luther King Jr, Desmond Tutu, Neusa Santos Souza, Lélia Gonzalez, Frantz Fanon, Stuart Hall, Sueli Carneiro, Abdias do Nascimento etc.

De acordo com a pesquisa realizada pelo teólogo Hernani Francisco da Silva (2011), o movimento evangélico negro, tem longa história no Brasil. Teria se iniciado com Agostinho José Pereira, por volta de 1841 quando fundou a Igreja do Divino Mestre na cidade de Recife em Pernambuco. Esse pastor enfatizava em suas pregações passagens bíblicas que condenavam a escravidão e exaltava a liberdade, de acordo com o historiador Marcus Carvalho, “A própria Bíblia tornava-se um instrumento de resistência e não de conformismo” (1998, s,p). O líder também mencionava com certa frequência a revolução haitiana do final do século XVIII (Revolução de São Domingos), alfabetizava pessoas negras escravizadas e libertas. Sua igreja, de acordo com os poucos registros da época, aglutinava cerca e 300 pessoas, sendo majoritariamente negras.

O movimento religioso foi desarticulado por conta de uma série de perseguições, prisões, apreensão de material e interrogatórios de suas principais lideranças. As autoridades policiais enxergavam o Divino Mestre como um sujeito potencialmente perigoso por desconfiarem que havia participado da revolta da sabinada na Bahia, alguns anos anteriores. Não se sabe o que de fato ocorreu com o líder religioso após esse episódio.

A figura de Agostinho José Pereira é mencionada com certa frequência nos debates teológicos e políticos promovidos pelos agentes observados nesta pesquisa. A percepção que os agentes sociais têm desse líder religioso é que seu agenciamento teria afrontado os diversos tabus estabelecidos na época, como a religião, a questão de raça, de classe e educação. Aqui vale ressaltar que os atores sociais em sua atuação e produção de conhecimento reivindicam a existência de uma tradição evangélica que combate a opressão racial.

A publicação do livro Movimento Negro Evangélico: Um Mover do Espírito Santo é um esforço por parte do teólogo Francisco Hernani da Silva de resgatar a memória de personalidades e experiências coletivas que se encontram a margem da denominada “história oficial”. Esse é exatamente o caso do já mencionado Agostinho José Pereira (“o Lutero Negro”) e a Igreja do Divino Mestre, mas também da Mãe Maria (“a Jovem Maria da nação Nagô”), João Cândido (“o marinheiro negro”), Solano Trindade (“o poeta negro”), João Pedro Teixeira (“da Liga Camponesa de Sapé”), por exemplo. A produção teórica, os discursos e as práticas sociais promovida pelos diferentes agentes do protestantismo negro desafia as teorias, as práticas e os discursos hegemônicos ao mesmo tempo que tensionam o debate sobre a questão racial na sociedade e no protestantismo brasileiro. São essas questões que planejamos verificar no caso da denominação, Nossa Igreja Brasileira – Igreja Batista.

Wallace Cabral Ribeiro

Texto retirado do trabalho de pesquisa de  Wallace Cabral Ribeiro. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal Fluminense (PPGS-UFF). Realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES).

Protestantismo negro de esquerda – Trabalho completo – Wallace Cabral Ribeiro – 48º Encontro Anual da ANPOCS – 2024

CONTRA O PECADO DO RACISMO”: PROTESTANTISMO NEGRO DE
ESQUERDA NA LUTA ANTIRRACISTA

Os vestígios Históricos do Lutero Negro e a Gênesis do Protestantismo Brasileiro

A chegada da corte portuguesa, os processos de independências do Brasil e as primeiras leis abolicionistas marcaram significativamente a primeira metade do século XIX e deram o tom para as transformações políticas, econômicas, sociais e religiosas em solo brasileiro. E é sobre esse contexto que surge, em 1841 na cidade de Recife, Agostinho Jose Pereira pregador negro e precursor do protestantismo no Brasil, fundador da Igreja do Divino Mestre, que segundo Hernani Francisco da Silva foi a primeira igreja protestante no país.

Os vestígios históricos sobre Agostinho ainda são poucos, mas o que se pode afirmar, diante das fontes jornalísticas é que, ele sabia ler e escrever e fez de seu ministério uma possibilidade para falar sobre liberdade e o fim da escravidão e por isso ensinava os seus adeptos a ler e escrever. Ainda segundo Hernani Francisco da Silva, “As ideias de Agostinho eram avançadas e perigosas para a época onde a igreja católica era a religião oficial do Estado.” Entretanto, não foram as ideias e convicções religiosas do Pastor Negro que despertaram o descontentamento das autoridades do poder espiritual (Igreja) e as autoridades do poder temporal (Estado), mas sim suas ideias abolicionistas e seus inúmeros discursos que apontavam o Haiti como um exemplo de luta contra as formas de escravização do corpo negro.

Não podemos nos esquecer que a Revolução Haitiana, também conhecida por Revolta de São Domingos, que levou à eliminação da escravidão e à independência do Haiti, foi um dos maiores marcos históricos para a população afro-diaspórica no continente americano. As repercussões da Revolução geraram um medo eminente de revolta dos “escravizados” contra os seus “senhores”. Em sua tese de doutoramento, em Antropologia Social do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, Rosenilton Silva de Oliveira aponta Agostinho como um ícone para o Movimento Negro Evangélico (MNE), pois enquanto a história oficial considera o início do protestantismo no país, no ano de 1858, com a fundação da Igreja Fluminense pelo reverendo Roberto Kalley; o MNE em uma tentativa de reescrever a presença evangélica no Brasil contextualiza o ano de 1841, quando Agostinho José Pereira funda a Igreja Divino Mestre, como a gênesis está do protestantismo brasileiro.

Segundo os vestígios históricos, apontados por Silva, “o que sabemos é que ele era um negro letrado, e que fundou a primeira igreja protestante brasileira, essa igreja era negra. Sabemos também que na sua trajetória política conheceu Sabino o líder da revolta baiana conhecida como a sabinada, também participou da confederação do Equador“. Perseguido e preso, por conta de suas ideias em prol das liberdades, sua trajetória foi se esvaindo no tempo e solapada pela história oficial. Por isso, ao pontuar Agostinho Jose Pereira na História, como líder, pregador abolicionista, não corremos o risco de uma história única que tente a invisibilizar a participação de homens e mulheres negros e negras nas narrativas oficiais.

Autor:

Babalawo Ivanir Dos Santos

O Prof°. Babalawô Ivanir dos Santos, é Doutor em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHC/UFRJ); membro da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), Pesquisador do Laboratório de História das Experiências Religiosas (LHER-UFRJ) e Laboratório de Estudos de História Atlântica das sociedades coloniais pós coloniais (LEHA-UFRJ); Coordenador da Coordenadoria de Religiões Tradicionais Africanas, Afro-brasileira, Racismo e Intolerância Religiosa (ERARIR/LHER/UFRJ); Conselheiro Estratégico do Centro de Articulações de População Marginalizada (CEAP); Interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR); Conselheiro Consultivo do Cais do Valongo; Vice-presidente da América Latina no Conselho Internacional das Sociedades de Antigas Religiões de Descendentes de Africanos (ARSADIC), Nigéria. Tem experiência nas seguintes áreas ; Educação Étnico-racial e questões africanas, Direitos Humanos e Cidadania; Relações Internacionais; Religiões tradicionais da África Ocidental e Afro-brasileiras.


Referências:
http://www.espiritualidades.com.br/…/SILVA_Hernani_Francisc…

OVILEIRA, Rosenulton Silva de. A cor da fé: “identidade negra” e religião. Tese de Doutorado em Antropologia Social do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2017.

Fonte da foto: https://afrokut.com.br/blog/reforma-protestante-negra/



[adinserter name=”Bloco Afrokut MNE”]

Eu fico com a Revolução Protestante

 

Reforma protestante, movimento europeu, pensado a partir da política, do estado e da religião. Movimento que começa com Lutero inspirado em parte na igreja da Etiópia, porém a partir de um pensamento supremacista, onde existia só uma verdade. A reforma começou com uma inconformidade da igreja estar junto ao poder do império, da igreja fazer política a partir dos opressores, da igreja ser instrumento que impedia o pobre, o órfão a viúva e o estrangeiro de ter acesso a teologia, de produzir teologia ou até de falar com legitimidade da sua experiência com Deus.

Dentro da reforma existia os movimentos mais radicais, porém esses movimentos mais populares formado por camponeses, pobres e gente da periferia europeia foi silenciado, foi colocado como “Quase reformados”. A reforma se conformou, por isso para muitos ela começou com Lutero e terminou em Calvino. Pois a reforma, e aqui não falo mais do momento histórico e restritamente europeu, coloco aqui a reforma como um processo na verdade revolucionário dos seguidores de cristo na história, processo que rompe com os supremacistas, com os acumuladores, com o poder religioso que matou e silenciou os que subvertiam a ideia de poder, o poder da partilha, o poder concreto de amor, que nos leva a sermos vistos como perigosos para o império. O poder da denúncia diante de um Estado que violenta o povo em nome de Deus.

A igreja de Cristo não pode reformar uma construção humana que em suas bases de fé não estão todos os povos e nações, não podemos “dar um jeitinho”, pois sabemos o motivo pelo qual os Negros não contribuíram na reforma protestante e muito menos na contra reforma católica romana, sabemos que uma torre de babel foi construída na história da igreja, querendo que todos tivessem um só rosto, uma só cultura, e essa cultura que foi escolhida ela é dita como civilizada ou como cultura santa e de Deus, existe um corpo que foi construído nessa torre e esse corpo que é mais santo, ele tem um cabelo que não é a aparência do mal e que é aceito por Deus, não podemos cantar em Iorubá, pois se não estaremos invocando demônios, pois nessa torre que foi construída existem idiomas “cultos” e ricos. Essa é a construção da torre de babel não podemos continuar essa construção ou simplesmente reformá-la.

Eu recuso a reforma protestante, eu a recuso não por ignorar a sua importância diante da história da igreja, eu não a recuso por não me achar produto do protestantismo, mas a recusa é porque na história da igreja de Cristo e da relação com Deus. A diversidade ela é a única que nos traz harmonia, ela é fruto do pentecostes, ela é fruto do mover do Espírito. Eu fico com a revolução protestante, ela não começa com Lutero e muito menos depende do calvinismo, pois na revolução Deus derruba a torre de babel. O Deus da trindade, que é um mas também são três, que são diversos, que são equivalentes, esse Deus ele se levanta contra a uniformidade, ele se levanta contra a supremacia, o seu Espírito derrama sobre nós o sentido da diversidade, ele nos incentiva a descentralizar nossos poderes, a partilhar nossas experiências e a partir disso termos uma unidade. Eu recuso a reforma protestante, porque nela as vozes femininas, LGBTs, Pobres e Negras não tiveram vez. Eu não me reconheço nessa história, porém Martin Luther King, James Cone, Jacquelyn Grant, Rosa Parks, Nelson Mandela, Desmond Tutu, Agostinho José Pereira, William Seymour e tantas outras vozes ecoaram revoluções de protestos contra essa hegemonia, contra essa torre de babel, contra as construções humanas de supremacia dentro da fé cristã. Pois existe só uma tradição, a nossa tradição está em Cristo, na encarnação de sua missão, de sua caminhada e de seus valores.

Somente a justiça! Somente a liberdade!

Somente o amor! Somente a equidade! Somente a diversidade!

Por Jackson Augusto –  Coordenador do Movimento Negro Evangélico do Estado de Pernambuco. Estuda Ciência da computação em Universidade Federal Rural de Pernambuco (Ufrpe Oficial).

Veja a série de artigos sobre a Reforma Protestante Negra 

Reforma Protestante Negra

O movimento religioso liderado por Agostinho José Pereira foi diferente de todos os movimentos ligados ao protestantismo europeu e norte americano. O pastor negro Agostinho não tinha nenhum vinculo com  missionários ou grupos protestantes. As pregações do mesmo tinham muitas diferenças com relação as pregações oficiais das denominações estrangeiras no Brasil.

Eu fico com a Revolução Protestante

  Reforma protestante, movimento europeu, pensado a partir da política, do estado e da religião. Movimento que começa com Lutero inspirado em parte na igreja da Etiópia, porém a partir…

O Lutero Negro

A primeira Igreja Protestante Brasileira foi Negra A primeira tentativa de estabelecer uma igreja protestante no Brasil foi em 1555, que pretendia dar refúgio aos protestantes calvinistas franceses, perseguidos pela…

A Igreja do Divino Mestre

A Igreja do Divino Mestre,  era original, com elementos  de uma reforma religiosa, diferentes das igrejas europeias e americanas. Era uma Igreja Negra no sentido de reunião de pessoas “negras”…

Reforma Protestante Negra

O movimento religioso liderado por Agostinho José Pereira foi diferente de todos os movimentos ligados ao protestantismo europeu e norte americano. O pastor negro Agostinho não tinha nenhum vinculo com  missionários ou grupos protestantes….

O Divino Mestre

Agostinho José Pereira, não se denominava “Divino Mestre“. Mesmo com seu trabalho de alfabetização vinculado ao ensino das Escrituras, Agostinho não se deixava ver como um divino mestre. O Diário de…

O Divino Mestre

Agostinho José Pereira, não se denominava “Divino Mestre“. Mesmo com seu trabalho de alfabetização vinculado ao ensino das Escrituras, Agostinho não se deixava ver como um divino mestre. O Diário de Pernambuco acrescentava:

“[He assim, que chamam ao tal Agostinho José Pereira, não só este pobre fanático, como todos os outros, que se tem deixado levar de suas alicantinas… ]” (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 1846).

Agostinho não ficava a vontade com o nome de Divino Mestre, e respondia em depoimento:

 “o povo quem diz isto!”

Sua inspiração divina era, complementava, indiferente [ … ] para que o povo me trate com este nome. O “povo quem diz isto” na resposta de Agostinho mostra que o apelido, Divino Mestre, se originava do seu legado.

Quando Agostinho foi preso um de seus discípulos, o africano forro Joaquim José Marques, pediu para ser preso junto, dizendo:

“Quero compartilhar a sorte com meu divino mestre!”

CONTINUA:

https://afrokut.com.br/blog/a-igreja-do-divino-mestre/

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut


Citações e Referências:

Léonard, Émile-G. O protestantismo brasileiro: estudo de eclesiologia e história social. 2ª ed. Rio de Janeiro: JUERP e ASTE, 1981.

Marcus JM de Carvalho – Rumores e rebeliões: estratégias de resistência escrava no Recife, 1817-1848 – 49 – Tempo – Revista do Departamento de Historia da UFF – Nº 6 Vol. 3 – Dez. 1998.

Marcus JM de Carvalho “FÁCIL É SEREM SUJEITOS, DE QUEM JÁ FORAM
SENHORES”: O ABC DO DIVINO MESTRE Afro-Ásia, número 031 Universidade Federal da Bahia, Brasil pp. 327-334, 2004.

O DIVINO MESTRE OU NOTAS SOBRE UMA DEVOÇÃO DE FRONTEIRA – Alexandro Silva de Jesus – Doutorando em Sociologia pela uFpE.

A Reforma Protestante Negra brasileira do Divino Mestre

O pastor negro Agostinho José Pereira foi o primeiro pregador brasileiro, também pode ser considerado o Pai da Reforma Protestante Negra no Brasil. Agostinho também formou a  primeira igreja protestante, provavelmente em 1841 ou mesmo antes desta data. Só depois em 1858 o reverendo Roberto Kalley fundou a Igreja Fluminense, episodio considerado pela historia oficial data de fundação da primeira igreja protestante do Brasil.

O movimento religioso liderado por Agostinho José Pereira foi diferente de todos os movimentos ligados ao protestantismo europeu e norte americano. O pastor negro Agostinho não tinha nenhum vinculo com  missionários ou grupos protestantes. As pregações do mesmo tinham muitas diferenças com relação as pregações oficiais das denominações estrangeiras no Brasil.

Reforma Protestante Negra

Provavelmente Agostinho ouviu ou teve contato com a literatura protestante,  percebe-se em sua pregação aproximações com linhas protestantes, mesmo assim esse contato não faz com que o mesmo aderisse as doutrinas professas por qualquer uma das denominações em atividade no país. Com a chegada da família real abriu-se uma brecha no monopólio católico, permitindo a presença de outra religião que não fosse a Igreja Católica Romana a religião oficial do Brasil: os protestantes estrangeiros não podiam pregar nem abrir uma igreja com formato de templo, mais podia se reunir  em suas casas, também podia comercializar a bíblia e até distribui-la. Fatos documentais apontam uma representação de Agostinho José Pereira enquanto reformador religioso:

“Diante de um quadro de possível adesão ao protestantismo as autoridades passam a questionar por quem Agostinho e seus seguidores e seguidoras haviam sido doutrinados. Agostinho responde que foi doutrinado “por uma inspiração divina”. As autoridades riem diante desse argumento. O Agostinho, entretanto, permanece firme na defesa de suas crenças.” (DIÁRIO NOVO, 30/10/1846, p.1-2).

O naturalista britânico Charles Mansfield de passagem por Pernambuco, em 1852, ouvira os populares falarem ainda do acontecimento, passando, então a referir-se ao Agostinho Pereira como um “Lutero negro”. (CARVALHO, 2004, p.329).

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut

Continua:

O Lutero Negro


Citações e Referências:

Léonard, Émile-G. O protestantismo brasileiro: estudo de eclesiologia e história social. 2ª ed. Rio de Janeiro: JUERP e ASTE, 1981.

Marcus JM de Carvalho – Rumores e rebeliões: estratégias de resistência escrava no Recife, 1817-1848 – 49 – Tempo – Revista do Departamento de Historia da UFF – Nº 6 Vol. 3 – Dez. 1998.

Marcus JM de Carvalho “FÁCIL É SEREM SUJEITOS, DE QUEM JÁ FORAM SENHORES”: O ABC DO DIVINO MESTRE Afro-Ásia, número 031 Universidade Federal da Bahia, Brasil pp. 327-334, 2004.

O DIVINO MESTRE OU NOTAS SOBRE UMA DEVOÇÃO DE FRONTEIRA – Alexandro Silva de Jesus – Doutorando em Sociologia pela uFpE.


O Lutero Negro

A primeira Igreja Protestante Brasileira foi Negra

A primeira tentativa de estabelecer uma igreja protestante no Brasil foi em 1555, que pretendia dar refúgio aos protestantes calvinistas franceses, perseguidos pela inquisição européia. A segunda tentativa foi em 1630, quando os Holandeses tomaram Recife, Olinda e parte do Nordeste, registrando uma presença do protestantismo. Após a expulsão dos holandeses, em 1654, o Brasil fechou as suas portas aos protestantes por mais de 150 anos. Com a chegada da família real e um “jeitinho português” abriu-se uma brecha no monopólio católico, permitindo a presença de outra religião que não fosse a católica: os protestantes estrangeiros não podiam pregar nem abrir uma igreja com formato de templo, mais podia se reunir e cultuar, também podia comercializar a bíblia e até distribui-la. Foi através dessa brecha que um negro, alfaiate, letrado, chamado Agostinho Jose Pereira, conheceu a bíblia e descobriu outra forma de cristianismo. Agostinho teve contato com protestantes estrangeiros que passaram pelo Recife. Por revelação divina, em sonho, torna-se protestante.

Em 1841, Agostinho Jose Pereira surge pregando pelas ruas de Recife. Nasce a primeira igreja protestante brasileira, a Igreja do Divino Mestre, com seus mais de 300 seguidores, negros e negras, todos livres e libertos. Agostinho os ensina a ler e escrever, em uma época que os proprietários de terras eram analfabetos. No Brasil de 1841, fora das colônias estrangeiras, não havia protestantismo algum. O Negro Agostinho foi o primeiro pregador brasileiro e fundou a Igreja do Divino Mestre, primeira igreja protestante do Brasil. Só depois em 1858 o reverendo Roberto Kalley fundou a Igreja Fluminense, episodio considerado pela historia oficial data de fundação da primeira igreja protestante do Brasil, depois vieram outras Igrejas como a presbiteriana (1859), a batista (1871), a anglicana (1889).

Igreja do Divino Mestre, era mística e teologicamente negra. A Igreja fundada por Agostinho fala de libertação bíblica, esperança de uma vida livre da escravidão, o povo negro como a primeira criação humana de Deus, e um Cristo não branco. As idéias de Agostinho eram avançadas e perigosa para a época onde a igreja católica era a religião oficial do Estado, e não admitia nenhuma outra crença a não ser a igreja de Roma. Agostinho ao ler a Bíblia e pregar uma outra forma de cristianismo, que era proibido, criticava o catolicismo com suas estátuas e santos intermediários, ele tornou-se alvo de perseguição da Igreja Católica, mais não foi só a igreja que se sentiu ameaçada com as pregações de Agostinho, as autoridades e a Imprensa de Recife se alvoroçaram com as idéias do Pastor Negro que falava da libertação dos escravos, citava a revolução do Haiti e insurreição escrava nos modos dos negros muçulmanos na Bahia, acontecimentos que deixava os escravistas brasileiros em arrepios. Ele era mais que subversivo, era negro em plena escravidão negra, era protestante em um Estado católico, e pregava a libertação dos negros em uma sociedade que sufocava qualquer movimento que ousasse tal feito. O negro Agostinho era um perigo para o Brasil da época.

A historia de Agostinho deixa muita perguntas sem resposta, pouco sabemos da sua vida, de onde veio, pra onde foi. O que sabemos é que ele era um negro letrado, e que fundou a primeira igreja protestante brasileira, essa igreja era negra. Sabemos também que na sua trajetória política conheceu Sabino o líder da revolta baiana conhecida como a sabinada, também participou da confederação do Equador. Um fato marcante na vida de Agostinho foi a sua prisão em 1846, graças a esse acontecimento foi registrado um pouco da sua vida documentado na imprensa de Recife e em inquérito policial, que hoje são fontes de pesquisas resgatando o legado desse grande homem. A imprensa discutia até onde ele era um rebelde, um fanático religioso, foi acusado de vigarista e enganador da boa fé de negros e pobres. Agostinho tinha 47 anos de idade quando foi preso. O chefe de policia da província suspeitava que a “seita” liderada por Agostinho tinha o objetivo de preparar uma insurreição de escravos. A policia cercou a casa onde a Igreja do Divino Mestre se reunia, prenderam Agostinho e seus fiéis. Com a prisão de Agostinho a sua igreja se expandiu pela cidade, e a perseguição policial se estende aos seus membros. No bairro de Boa Vista, a policia entra na casa de um de seus lideres, o interroga e confisca a sua bíblia. A policia invade a casa de Agostinho e apreende textos intitulados como o ABC, textos esses que criaram um grande alvoroço por conter citações da revolução dos escravos do Haiti. A perseguições prosseguiram aos membros da Igreja do Divino Mestre que registrara 16 pessoas detidas. O seu advogado de defesa foi Borges da Fonseca, um liberal de Pernambuco.

Não sabemos o que aconteceu com o pastor negro Agostinho Jose Pereira depois da sua prisão. Um jornal da época noticiara que Agostinho fora solto pelo hábeas corpos do advogado Borges da Fonseca e que quando passava nas ruas acompanhado pelos seus discípulos a multidão gritava e assoviava. Ao passar por Pernambuco em 1852 o naturalista inglês Charles B. Mansfield referiu-se ao Divino Mestre como um “Lutero Negro”, que não sabia onde ele estava, mas tinha ouvido que tinha sido condenado a 3 anos de prisão ou fora deportado, não sabia o certo. O Lutero Negro, assim como se referiu o inglês Mansfield, deixou um legado para a igreja e sociedade brasileira. Para o Movimento Negro Evangélico deixou uma bela herança histórica: “a primeira Igreja Protestante do Brasil foi negra”.

CONTINUA:

https://afrokut.com.br/blog/o-divino-mestre/

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut

Citações e Referências:

Léonard, Émile-G. O protestantismo brasileiro: estudo de eclesiologia e história social. 2ª ed. Rio de Janeiro: JUERP e ASTE, 1981.

Marcus JM de Carvalho – Rumores e rebeliões: estratégias de resistência escrava no Recife, 1817-1848 – 49 – Tempo – Revista do Departamento de Historia da UFF – Nº 6 Vol. 3 – Dez. 1998.

Marcus JM de Carvalho “FÁCIL É SEREM SUJEITOS, DE QUEM JÁ FORAM
SENHORES”: O ABC DO DIVINO MESTRE Afro-Ásia, número 031 Universidade Federal da Bahia, Brasil pp. 327-334, 2004.