Como a igreja pode, de fato, se inserir em uma luta antirracista

Neste cenário difícil e desigual, que é efeito dos longos anos de escravização no Brasil, o que podemos fazer, enquanto igreja, para uma sociedade que não seja racista?

Angela Davis, socióloga norte-americana e militante do movimento social negro nos EUA, dizia que: “Não basta não ser racista, tem que ser antirracista”.

Neste ponto, nossos irmãos estudiosos da Teologia Negra têm muito a nos ensinar, como, por exemplo, o Lutero Negro (sec. XIX), Agostinho José Pereira. Homem negro alforriado da escravização que se converteu ao protestantismo e fundou uma igreja cujo o objetivo era comprar a alforria de mulheres negras e homens negros, e ensiná-los a ler a bíblia. Ele alcançou mais de 300 pessoas com esse lindo projeto! 

É exatamente isso que a Teologia Negra, que será apresentada no decorrer desta revista, representa. Ela faz uma leitura da Bíblia na perspectiva do povo oprimido. O Lutero Negro entendeu que essas pessoas precisavam de Jesus, e precisavam também de liberdade. Entendeu que precisavam saber mais de Deus, e precisavam aprender a ler para terem uma vida digna.

Temos, também, o Rev. Martin Luther King que usou o seu púlpito para denunciar o racismo nos EUA. Ou Rosa Parks, mulher batista que, com uma atitude, marcou a luta antirracista nos EUA (ela não se levantou de um assento reservado para “brancos” em um ônibus). Recentemente, faleceu o Rev. James Cone que juntou a espiritualidade e a ação – ambas baseadas na Bíblia – para combater o racismo! Ou Soujourner Truth (A Peregrina da Verdade), ex-escravizada que viajou pelos EUA falando de Jesus e lutando contra o racismo, além de ser a primeira mulher negra nos EUA a vencer um processo judicial contra um senhor de escravos.

Por SIMONY DOS ANJOS


Este texto é parte do artigo “RACISMO ESTRUTURAL: UM PROBLEMA DE TODOS E TODAS“, de Simony dos Anjos, presente na REVISTA DE EDUCAÇÃO CRISTÃ PARA ADULTOS com o tema “POR UMA FÉ CONTRA O RACISMO“. A revista com a temática especial “racismo”, foi organizada pelo Rev. Robson de Oliveira, que conta com a contribuição de várias autoras e autores, um material didático para pastoral de combate ao racismo.


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Cinco pensamentos de Lélia Gonzalez

A professora Angela Davis, ex-Pantera Negra e reconhecida militante da luta contra o racismo em todo o mundo, ressaltou os feminismos negros do Brasil, e citou nomes como Marielle Franco, Luiza Bairros, Lélia Gonzalez e Carolina Maria de Jesus. Angela ressaltou que ela não precisa ser a referência do feminismo negro brasileiro, pois aprendeu muito com as feministas negras do país.

“Eu me sinto estranha quando sinto que estou sendo escolhida para representar o feminismo negro. E por que aqui no Brasil vocês precisam buscar essa referência nos Estados Unidos? Eu acho que aprendo mais com Lélia Gonzales do que vocês poderiam aprender comigo”, argumentou Davis.

Lélia sempre acreditou que uma sociedade solidária e fraterna é possível. Para isso, compreendia como necessário que, além do engajamento na luta política mais ampla, os grupos não dominantes, excluídos do poder, deviam produzir seu próprio conhecimento.

Segue 5 pensamentos de Lélia Gonzalez: 

1 – Construção da identidade

O importante é procurar estar atento aos processos que estão ocorrendo dentro dessa sociedade, não só em relação ao negro, ou em relação à mulher. Você tem que estar atento a esse processo global e atuar no interior dele para poder efetivamente desenvolver estratégias de luta. …só na prática é que se vai percebendo e construindo a identidade, porque o que está colocado em questão, também, é justamente uma identidade a ser construída, reconstruída, desconstruída, num processo dialético realmente muito rico.

2 – Frente Negra Brasileira /e/ a consciência racial no centro urbano:

O primeiro grande movimento ideológico pós-abolição, a Frente Negra Brasileira (1931-1938), buscou sintetizar ambas as práticas (assimilacionismo e prática cultural), na medida em que atraiu os dois tipos de entidade para o seu seio. Por aí, dá para entender também o sucesso de sua mobilização. Afinal, ela conseguiu trazer milhares de negros para os seus quadros. Precedida pelo trabalho de uma imprensa negra cada vez mais militante, a FNB surgiu exatamente no grande centro econômico do país que era, e é, São Paulo…. Com isso estamos querendo ressaltar o seu caráter eminentemente urbano, uma vez que é o negro da cidade que, mais exposto às pressões do sistema dominante, aprofunda sua consciência racial.

3 – As Escolas de Samba:

O golpe de 1964 implicaria na desarticulação das elites intelectuais negras, de um lado, e no processo de integração das entidades de massa numa perspectiva capitalista, de outro. As escolas de samba, por exemplo, cada vez mais, vão se transformando em empresas da indústria turística. Os antigos mestres de um artesanato negro, que antes dirigiam as atividades nos barracões das escolas, foram sendo substituídos por artistas plásticos, cenógrafos, figurinistas etc. e tal… Os “nêgo véio” da Comissão de Frente foram substituídos por mulatas rebolativas e tesudas. Os desfiles transformaram-se em espetáculos tipo teatro de revista, sob a direção de uma nova figura: o carnavalesco.

4 – A responsabilidade na militância /e/ Candeia:

Papo vai, papo vem, ele (Candeia) nos presenteou com o folheto do enredo para o próximo carnaval: Noventa Anos de Abolição [para a Escola de Samba Quilombo, fundada por ele, junto com Lélia e outros/as, em 1975]. Fora escrito por ele, Candeia, “baseado nas publicações de Edson Carneiro, Lélia Gonzalez, Nina Rodrigues, Arthur Ramos (…), Alípio Goulart”… Surpresa e emocionada, disse-lhe que ainda não tinha um trabalho publicado digno de ter meu nome ao lado daqueles “cobras” (afinal, um artiguinho aqui, outro acolá, e de tempos em tempos, não significava nada). Ele retrucou, dizendo que sabia muito bem do trabalho que eu vinha realizando “por aí” e que isso era tão importante quanto os livros dos “cobras’. E foi aí, então, que me incumbiu de representar o Quilombo no Ato Público (contra o racismo): “Não importa o que você diga, que eu assino embaixo”. Pela primeira vez, para mim, alguém me fazia refletir sobre a responsabilidade que se tem quando se começa um trabalho “por aí”.

5 – O aparecimento do Movimento de Mulheres Negras:

Em, 1975, quando as feministas ocidentais se reuniam na Associação Brasileira de Imprensa para comemorar o Ano Internacional da Mulher, elas ali compareceram, apresentando um documento onde caracterizavam a situação de opressão da mulher negra. Todavia, dados os caminhos seguidos por diferentes tendências que se constituíram a partir do “Grupão”, esse grupo pioneiro acabou por se desfazer e suas componentes continuaram a atuar, então, nas diferentes organizações que se criaram.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut

Artigo publicado originalmente em 2012 no Afrokut, atualizado em 22/10/2019


Referências:

Entrevista concedida à revista SEAF.

Lugar de Negro, p. 23

Lugar de Negro, p. 28

Em São Paulo, 07 de julho de 1976, com o objetivo de “protestar contra os últimos acontecimentos discriminatórios contra negros, amplamente divulgados pela imprensa.”

Lugar de Negro, p. 45-46.

Artigo Lélia Gonzalez: Mulher Negra na História do Brasil – Ana Maria Felippe