Etnografia ativista e o Movimento Negro Evangélico

John Burdick discute as limitações e potencialidades da etnografia ativista, sugerindo que a etnografia pode revelar dimensões ocultas e fragmentadas da consciência que podem atrair novos públicos. Contudo, ele questiona a energia que deve ser investida pelos ativistas do MNE em conectar-se com músicos de black gospel.

O autor argumenta que, embora o MNE tenha enfrentado dificuldades para expandir sua base e enriquecer seu pensamento estratégico, os músicos de gospel negro representam uma reserva rica de líderes evangélicos engajados com a questão racial. Ele sugere que os líderes do MNE deveriam se comunicar mais com os diretores e líderes de corais gospel.

No entanto, eu argumentaria o caso de outra forma. O MNE começou na década de 1980 e agora está meio que preso, tendo adicionado apenas um pequeno punhado de organizações à sua lista desde 2005. O movimento é importante, mas tem enfrentado o mesmo gargalo que o movimento negro secular enfrenta há muito tempo, o de identificar e se conectar com uma base mais ampla de não ativistas. Embora a Internet tenha ajudado nesse sentido (o site principal do movimento, Afrokut, agora tem mais de cinco mil membros), o movimento não conseguiu transformar esses números em reuniões presenciais consistentes nas quais projetos estratégicos de longo prazo e tomada de decisões podem ser realizados.

Quando olhamos para a lista de organizações do MNE, elas são bastante pesadas; ou seja, há mais “alianças” regionais e nacionais do que organizações locais de base. (As organizações locais do MNE que descrevi anteriormente são mais a exceção do que a regra.) Nesse contexto, no nível local, um rico reservatório de líderes evangélicos que parecem estar pensando muito sobre raça, negritude, história e futuros estratégicos alternativos são músicos gospel negros. Essa, pelo menos, é a reivindicação do presente trabalho. Minha etnografia revelou, eu afirmo, não apenas um mundo que é sobre “orgulho”, mas um que gera e sustenta trabalho cognitivo complexo e reflexão. À medida que o MNE entra em sua terceira década, lutando para ampliar sua base e enriquecer seu pensamento estratégico, eu exorto seus líderes a tomarem medidas para visitar, ligar, enviar e-mails e se comunicar com os diretores e líderes dos corais gospel de sua cidade. Nessa articulação, eu afirmo ainda, reside um futuro potencial significativo do movimento.

Continua: Vanguarda do Movimento Negro Evangélico

Parte do texto: A Intersecção entre Raça, Religião e Música no Movimento Negro Evangélico no Brasil na perspectiva de John Burdick 

Como fonte o livro “The Color of Sound: Race, Religion, and Music in Brazil” (2013), escrito pelo antropólogo John Burdick, oferece uma análise profunda sobre as inter-relações entre raça, religião e música no Brasil. A obra, com foco no Movimento Negro Evangélico (MNE).

Do Afrokut

O Movimento Negro Evangélico e o movimento Black Gospel

O estudo de Burdick revela que, apesar das barreiras teológicas, o Movimento Negro Evangélico no Brasil conseguiu articular uma identidade negra orgulhosa e antirracista, utilizando a música como uma ferramenta poderosa de mobilização e expressão. A diversidade musical dentro do MNE não apenas reflete a complexidade do movimento, mas também destaca a capacidade dos evangélicos de integrar fé e identidade racial de maneiras significativas e transformadoras. O livro destaca como a música pode influenciar a identidade negra entre os evangélicos e como diferentes tipos de música desempenham um papel crucial na formação dessa identidade. Burdick reconhece a riqueza da arena musical negra evangélica em São Paulo, com diversos artistas cristãos tocando soul, funk, gospel, R&B, blues, rap e samba com temas religiosos. Ele destaca que compreender essa diversidade musical é essencial para entender as variadas expressões da negritude no contexto evangélico

Ao longo da última década, estive em estreita comunicação com líderes do movimento negro evangélico, e conforme descrito na introdução, minhas escolhas de tópico e perguntas foram influenciadas pelo preocupações e a agenda desses líderes. Hernani da Silva, Luiz de Jesus e Rolf da Souza todos me incentivaram a prosseguir neste projeto, investindo como estão na compreensão do potencial político da construção de alianças com músicos da cena gospel negra. Nos relatórios que fiz para eles sobre minhas descobertas, sugeri o valor de uma estratégia de divulgação para artistas que cantam e dirigem música gospel negra, e não para aqueles imersos em os mundos do rap gospel ou do samba gospel. Esta sugestão, depois de ser atendida com algum cepticismo, está a começar a ganhar força entre esses líderes. Hernani da Silva, um dos principais organizadores do MNE, publicou em resposta ao meu trabalho, um artigo de ampla circulação que sugere que o movimento Black Gospel e o MNE atualmente fazem parte do movimento negro mas estão “seguindo caminhos separados” (Silva 2004). Ele também recentemente apareceu na televisão nacional brasileira divulgando a visão de que há potenciais intersecções entre os dois movimentos. Na sua opinião, a música gospel negra funciona principalmente para atrair negros para a igreja, apelando aos seus senso de “atitude” e “orgulho”. A cena musical, no entanto, em sua visão, não gera muito em termos de reflexão ou estratégia. Para isso, deve-se recorrer ao MNE. Eventualmente, diz ele, “os dois movimentos irão convergir, e trilharemos o caminho e lutaremos juntos. (John Burdick, 2013)

A posição de Hernani revela tanto a potencialidade quanto as limitações da atuação da etnografia ativista. Por um lado, sugere que uma etnografia cuidadosa, partilhada com as partes interessadas, defensores e líderes, pode ter um efeito no seu pensamento sobre aliados ocultos e possíveis novos círculos de apoiadores. Por outro lado, sugere algo sobre a discrepância entre as linhas temporais da etnografia e do ativismo social. A etnografia pode revelar aspectos ocultos, fragmentários, dimensões lentas da consciência que podem servir como ganchos para alcançar novos públicos. No entanto, mesmo esses ganchos esbarram nos limites do tempo, recursos e energia. Quanta energia os ativistas do MNE devem gastar em lutando para se conectar e recrutar músicos de black gospel? Quanto mais energia eles deveriam dedicar ao trabalho com rappers gospel para persuadi-los a incorporar o anti-racismo em suas letras? Os ativistas do MNE querem ver resultados, mais cedo ou mais tarde, em fazer com que suas igrejas adotem as iniciativas políticas governamentais sobre ação afirmativa e começar usar os espaços da igreja para educar uma geração de jovens cristãos sobre a importância da África na Bíblia e o combate ao racismo aqui e agora. Deste ponto de vista, uma etnografia de músicos pode parecer um luxo que o movimento não pode permitir-se. (John Burdick, 2013)

Neste trecho, John Burdick relata suas experiências e comunicações com os líderes do Movimento Negro Evangélico (MNE), incluindo Luiz de JesusRolf de Souza, e Hernani Francisco da Silva, desde a década de 1990. Burdick descreve como suas investigações e interações foram influenciadas pelos interesses desses líderes, focando no potencial político de alianças com músicos de gospel negro.

O autor destaca a sugestão de Hernani de que os movimentos Black Gospel e MNE, apesar de seguirem caminhos diferentes, eventualmente convergirão e trabalharão juntos. Hernani acredita que a música gospel negra é eficaz em atrair negros para a igreja e fomentar a negritude, mas ressalta que a reflexão e a estratégia devem vir do MNE.

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Parte do texto: A Intersecção entre Raça, Religião e Música no Movimento Negro Evangélico no Brasil na perspectiva de John Burdick

Como fonte o livro “The Color of Sound: Race, Religion, and Music in Brazil” (2013), escrito pelo antropólogo John Burdick, oferece uma análise profunda sobre as inter-relações entre raça, religião e música no Brasil. A obra, com foco no Movimento Negro Evangélico (MNE).

Do Afrokut