Branquitude e Branquidade Por Edith Piza

Embora até então os termos branquitude e branquidade tenham sido utilizados para falar da situação de privilégio que o branco detém nas sociedades estruturadas pelas hierarquias raciais, em 2005 a autora Edith Piza propõe uma nova forma de pensar as nomenclaturas. No texto publicado no Simpósio Internacional do Adolescente a autora utiliza o termo branquidade, como foi utilizada na publicação da coletânea de Vron Ware, e estabelece a seguinte definição:

Ainda que necessite amadurecer em muito esta proposta, sugere-se aqui que branquitude seja pensada como uma identidade branca negativa, ou seja, um movimento de negação da supremacia branca enquanto expressão de humanidade. Em oposição à branquidade (termo que está ligado também a negridade, no que se refere aos negros), branquitude é um movimento de reflexão a partir e para fora de nossa própria experiência enquanto brancos. É o questionamento consciente do preconceito e da discriminação que pode levar a uma ação política antirracista (PIZA, 2005, p. 07).

A autora sugere que, diferente da forma como vem sendo trabalhada até então, a branquitude seja trabalhada como uma fase de superação da branquidade. Ou seja, a branquitude não representaria uma situação em que os brancos julguem todos iguais independente da cor da pele, muito pelo contrário. Significa que este indivíduo branco reconhece a situação de vantagem estrutural baseado na brancura e nega estes privilégios através de práticas antirracistas, também, no interior do “universo” branco.

É primeiramente o esforço de compreender os processos de constituição da branquidade para estabelecer uma ação consciente para fora do comportamento hegemônico e para o interior de uma postura política anti-racista e, a partir daí, uma ação que se expressa em discursos sobre as desigualdades e sobre os privilégios de ser branco, em espaços brancos e para brancos; e em ações de apoio à plena igualdade (PIZA, 2005, 07-08).

Edith Piza chama ainda atenção para o esforço que o branco precisa realizar no sentido de negar a posição de superioridade para alcançar uma branquitude e compara esta situação com o período da adolescência em questionamentos como “o que sou e o que não sou” são frequentes. “Este movimento exige que nos questionemos em termos não apenas de relação, mas de interação, pois só na interação, não mediada pelos mecanismos institucionais e pela racionalização em torno dos nossos processos conscientes e inconscientes” (PIZA, 2005, p. 08).

A autora Ruth Frankenberg (2004) em Branquidade já chamava atenção para o esforço contínuo e diário que o branco precisa ter para se tornar vigilante e contrário a atitudes que vão de encontro a manutenção da superioridade.

O trabalho do pesquisador Lourenço Cardoso (2010) estabelece uma diferenciação que se aproxima do conceito sugerido por Edith Piza. Cardoso desenvolve duas categorias para situar a branquitude no quadro social: branquitude crítica e branquitude acrítica. Segundo ele, “a branquitude crítica refere-se ao indivíduo que desaprova publicamente o racismo”.

branquitude acrítica refere-se ao indivíduo ou coletividade que luta pela manutenção do status de superioridade racial branca. “Apesar do apoio as práticas racistas ou da inação diante delas, a branquitude acrítica pode não se considerar racista porque, segundo sua concepção, a superioridade racial branca seria uma realidade inquestionável” (CARDOSO, 2010, p. 63).

Segundo Cardoso, uma das razões para distinguir a branquitude em crítica e acrítica, se sustenta pelo fato de que os principais estudiosos estabelecem uma diferenciação ao tratar as diversas formas de racismos, mas ao definir a branquitude o fazem de maneira genérica o que não é suficiente para compreender como se configura o conflito racial que tem se perpetuado.

“Ao observar o grupo branco de longe, de repente, pode surgir a impressão de que a branquitude é homogênea, porém, com a aproximação percebe-se o quanto os brancos são diversos” (IBIDEM). Dito isto, o autor atesta a necessidade de se pensar a branquitude nos seus aspectos mais específicos e mutáveis.

Texto do artigo de Camila Moreira de Jesus:

BRANQUITUDE X BRANQUIDADE: UMA ANÁLISE CONCEITUAL DO SER BRANCO

Definições sobre a branquitude

Os Estados Unidos, principalmente nos anos 1990, com os critical whiteness studies tornaram-se o principal centro de pesquisas sobre branquitude. Todavia, existem produções acadêmicas sobre essa temática na Inglaterra, África do Sul, Austrália e Brasil. No entanto, W. E. B. Du Bois talvez seja o precursor em teorizar sobre a identidade racial branca com sua publicação Black Reconstruction in the United States.

Na galeria dos pioneiros em problematizar a identidade racial branca não podemos deixar de considerar Frantz Fanon. Em 1952, esse pensador caribenho e africano com sua publicação Peau noire, masques blancs defendeu o argumento de abolição da raça. Esse autor estava preocupado em libertar o branco de sua branquitude e o negro de sua negritude, porque a identidade racial seria um encarceramento que obstaculizava a pessoa de chegar e gozar sua condição humana.

O ativista Steve Biko também pode ser incluído entre os precursores em analisar a identidade racial branca. O ilustre ativista versou sobre o branco sul-africano dos anos 1960 e 1970. Ele refletiu a respeito da branquitude sulafricana no momento em que lutava contra o racismo estrutural da sociedade sul-africana, perdeu a própria vida nessa causa.

Vale lembrar que a teoria anti-racista, de maneira geral, tem restringido em pesquisar o oprimido, deixando de lado o opressor. Desta forma, é sugerido que a opressão é somente um “problema do oprimido” em que o opressor não se encontra relacionado. Por esta razão que Guerreiro Ramos sustentou que teorias sobre relações raciais no Brasil são na verdade uma “sociologia do negro brasileiro” (Ramos, 1995[1957]c, pp. 163-211, Sovik, 2004ª, pp. 363-386). Não se trata, portanto, de teoria sobre relações raciais, trata-se de uma abordagem unilateral, feita muitas vezes por prestigiados pesquisadores brancos preocupados em analisar o “problema do negro”.

Procurando preencher uma lacuna nas teorias das relações raciais Albert Memmi considerou necessário retratar o opressor e o oprimido. Seu pensamento é significativo para teorias sobre branquitude, porque Memmi foi o pensador pioneiro em apontar a importância de se problematizar também o opressor.

Definições genéricas da branquitude

Nos estudos sobre a branquitude, no Brasil e em outros países, existe o consenso de que a identidade racial branca é diversa. No entanto, na busca por uma definição genérica, podemos entender a branquitude da seguinte forma: a branquitude refere-se à identidade racial branca, a branquitude se constrói. A branquitude é um lugar de privilégios simbólicos, subjetivos, objetivo, isto é, materiais palpáveis que colaboram para construção social e reprodução do preconceito racial, discriminação racial “injusta” e racismo. Uma pesquisadora proeminente desse tema Ruth Frankenberg define:

“a branquitude como um lugar estrutural de onde o sujeito branco vê os outros, e a si mesmo, uma posição de poder, um lugar confortável do qual se pode atribuir ao outro aquilo que não se atribui a si mesmo”. (Frankenberg, 1999b, pp. 70-101, Piza, 2002, pp. 59-90).

Branquitude crítica e Branquitude acrítica

É importante analisar dois tipos de branquitudes distintas e divergentes: a branquitude crítica que desaprova o racismo “publicamente”, e a branquitude acrítica que não desaprova o racismo, mesmo quando não admite seu preconceito racial e racismo, a branquitude acrítica sustenta que ser branco é uma condição especial, uma hierarquia obviamente superior a todos não-brancos.

O termo branquitude crítica e branquitude acrítica surge inspirado pelos critical whiteness studies. Essas linhas de pesquisas dos Estados Unidos e do Reino Unido procuraram descobrir e distinguir os diferentes tipos de racismos desde os praticados sutilmente pela polícia até os assassinatos perpetrados por grupos como a Ku Klux Klan. Porém, a literatura científica sobre a identidade racial branca de língua inglesa, assim como a de língua portuguesa, de maneira geral concentra-se em pesquisar os tipos de racismos praticados por brancos que discordam da tese de superioridade racial branca. Isto significa que existe uma produção crescente sobre a branquitude crítica que pratica racismos que não chegam ao homicídio, enquanto praticamente inexistem trabalhos que pesquisam sobre a branquitude acrítica que possui característica homicída. Branquitude acrítica que age feito quem diz: você que é “diferente” (Santos, 2006c, pp. 259-293), leia-se não-branco, portanto é justificável que seja assassinado.

Ainda a respeito dos critical whiteness studies vale acrescentar que os autores salientam que a branquitude são muitas, assim como as práticas de racismo. Contudo, esses pesquisadores geralmente distinguem os tipos de racismos praticados como aquele perpetrado por um grupo neonazista com agressão física; daquele praticado, às vezes sem intenção, por um profissional de Recursos Humanos (RH).

Assim como se faz necessário definir as diferentes práticas de racismos, igualmente, não se pode deixar de distinguir a pessoa ou grupo que pratica racismo. Essa é uma das razões da nomeação da branquitude de forma distinta como branquitude crítica e branquitude acrítica. Pois nesta perspectiva esses conceitos podem contribuir para maior observação, análise e pesquisa do conflito racial.

Fonte do Artigo Branquitude acrítica e crítica: A supremacia racial e o branco anti-racista – Lourenço Cardoso – Pesquisador a Unesp-Araraquara


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