A História do Movimento Negro Evangélico no Brasil

O Movimento Negro Evangélico no Brasil tem raízes profundas, entrelaçando fé, identidade e luta por justiça racial. Embora suas manifestações mais organizadas se concentrem nas últimas décadas, suas origens remontam ao período colonial.

Os Primórdios: Igrejas Negras e a Resistência

  • Século XIX: A primeira Igreja Protestante Brasileira, a Igreja do Divino Mestre, fundada por Agostinho José Pereira em 1841, o Lutero Negro, era predominantemente negra. Essa e outras iniciativas demonstravam a presença e a organização de negros evangélicos desde o início do protestantismo no país.
  • Resistência e Identidade: Essa igreja pioneira servia como espaço de resistência e afirmação da identidade negra, oferecendo um contraponto à hegemonia católica e às discriminações sofridas pela população negra.

A Década de 1970: Um Novo Impulso

  • Influência da Teologia Negra: A teologia negra, que emergiu nos Estados Unidos, inspirou muitos líderes religiosos negros no Brasil a refletir sobre a fé a partir da experiência da opressão racial.
  • Conscientização e Organização: A década de 1970 foi marcada por um crescente processo de conscientização racial e pela organização de movimentos sociais, e o pontapé inicial para o surgimento do Movimento Negro Evangélico contemporâneo.
  • Articulação com a Luta Social: Os evangélicos negros passaram a se articular com outros movimentos sociais, como o Movimento Negro e o movimento estudantil, fortalecendo a luta por direitos civis e justiça social.

Décadas de 1980 e 2000: A Consolidação do Movimento

  • Crescimento e Diversidade: Nas décadas seguintes, o movimento se consolidou, com a criação de diversas organizações e grupos de estudo. A diversidade de expressões religiosas e teológicas também se ampliou.
  • Questões Centrais: A luta contra o racismo institucional, a defesa de políticas públicas afirmativas e a valorização da cultura negra foram e continuam sendo questões centrais para o movimento.
  • Principais Organizações do Movimento Negro Evangélico no Brasil: A partir dos anos 2000, o movimento começa a criar forma através do surgimento de organizações em diversos estados brasileiros, voltadas para a temática de combate às discriminações raciais dentro das igrejas evangélicas.

Século XXI: Desafios e Avanços

  • Novos Desafios: O século XXI trouxe novos desafios, como o crescimento do conservadorismo religioso e a intensificação do debate sobre questões de gênero e sexualidade.
  • Articulação e Visibilidade: Apesar dos desafios, o movimento negro evangélico continua atuante, articulando-se com outros movimentos sociais e buscando maior visibilidade na sociedade brasileira.
  • Uma Força pela Justiça Racial: A luta por justiça racial permanece como uma das principais bandeiras do movimento, que busca transformar as realidades de desigualdade e discriminação que ainda persistem no país.

Legado e Importância

O Movimento Negro Evangélico tem um papel fundamental na história da luta antirracista no Brasil. Ao unir fé e ativismo, ele contribui para:

  • Democratizar as igrejas: Promove a discussão sobre raça e racismo dentro das igrejas, contribuindo para a democratização desses espaços.
  • Fortalecer a luta por justiça social: Articula a fé com a luta por justiça social, inspirando outras pessoas a se engajarem nessa causa.
  • Diversificar o movimento negro: Amplia a luta antirracista, incluindo um público que antes era pouco representado.

Em síntese, a história do Movimento Negro Evangélico no Brasil é marcada por resistência, organização e luta por justiça racial. Desde suas origens até os dias atuais, esse movimento tem sido fundamental para a construção de um Brasil mais justo e igualitário.

Do Afrokut

Qual a cor da sua fé?

Diálogo entre os pastores Ariovaldo RamosMônica Francisco Marco Davi Oliveira sobre evangélicos, negritude e racismo

O auditório do Sindicato dos Bancários no centro do Rio de Janeiro foi o ponto de encontro para mais de cem pessoas na noite da última sexta (15), apesar da chuva que insistia em cair na cidade. A maior parte do público: evangélicos negros das mais diversas igrejas e denominações, e de diversas regiões do Rio. O evento promovido pela Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito com apoio do Movimento Negro Evangélico, dentro dos 21 Dias de Combate ao Racismo foi uma referência para ampliar as diversas iniciativas que acontecem entre os evangélicos para debater a presença dos negros dentro das igrejas protestantes e o combate ao racismo – até mesmo dentro das próprias instituições religiosas.

O encontro reuniu os pastores Ariovaldo Ramos, um dos coordenadores da Frente de Evangélicos, a pastora Mônica Francisco, deputada estadual pelo PSOL no Rio de Janeiro e o pastor Marco Davi de Oliveira, um dos fundadores do Movimento Negro Evangélico e pastor da Nossa Igreja Brasileira – uma igreja batista que existe há um ano no Rio tendo como proposta construir uma liturgia a partir dos elementos culturais do Brasil.

Além do ministério pastoral, os três tem em comum o viver na pele a realidade racial. Três negros, com trajetórias que possuem similaridades e divergências. Ariovaldo se converte quase adolescente. Mônica quase adulta. Marco Davi nasceu em família evangélica, com pais que se converteram na juventude.

Para nenhum dos três a vida foi fácil. Como – ainda – não é fácil para nenhum negro brasileiro. Mônica Francisco, que está no primeiro mandato na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, começou seu ativismo político quando as chuvas destruíram parte da Morro do Borel, e ela se envolveu na luta por moradia. A conversão veio depois, na Igreja Universal do Reino de Deus. Chegou a estudar na Escola de Obreiros, de onde saiu para a igreja batista. De batista, foi para uma igreja pentecostal, onde é pastora há três anos. Nesse caminho, a militância a levou para a Faculdade de Ciências Sociais.

Filho de pai operário e mãe costureira, Ariovaldo Ramos viveu a infância e a adolescência na periferia, em São Paulo e em Guarulhos. É de sua história pessoal, como ter morado em cortiço, que carrega o compromisso com os pobres. A conversão foi na Igreja Metodista Livre. Pastor de formação e estudioso de filosofia, está envolvido com o ministério religioso desde 1974.

Quando as chuvas causaram um estrago sem tamanho no estado do Rio em 1966, deixando 250 mortos e mais de 50 mil desabrigados, os pais de Marco Davi – que perderam a casa na tragédia – foram residir num espaço da Primeira Igreja Batista em Teresópolis. Quando conseguiram ter um lugar para morar, as dificuldades eram extremas, incluindo fome. Aos 15 anos decidiu que seria pastor. Aos 20 anos foi para o Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil. É no exercício do ministério pastoral que surge o incomodo com a questão racial e os posicionamentos das igrejas sobre a identidade negra e o racismo.

Identidade negra – Durante o encontro da Frente, Ariovaldo destacou a importância de demarcar a identidade negra e cristã, enfatizando que o racismo no Brasil é produto de uma falha na compreensão do sentido da vida cristã: “As igrejas protestantes produziram e mantiveram o racismo no país”.

Mônica fez uma caminhada pela história recente das igrejas evangélicas pentecostais e suas omissões diante do racismo. A deputada apontou os problemas da igreja, a opressão sobre as mulheres e a juventude: “Cresce o número de desigrejados por causa da postura da igreja. É preciso pedir perdão”.

Marco Davi propôs o equilíbrio entre os pontos negativos e positivos da igreja, e o quanto a igreja foi fundamental para a promoção da população negra: “Há sentimento de pertencimento, a sociedade brasileira vê o corpo negro com suspeição, e a igreja – que é um espaço sagrado – acolhe esses corpos, onde nos se tornam sujeitos”.

As abordagens diferentes na forma, idênticas na denúncia do racismo, deram o tom do debate, suscitando a participação do público. As perguntas revelaram o quanto esse assunto precisa ser abordado nos estudos bíblicos, em congressos, seminários, simpósios e nos púlpitos das igrejas. Os evangélicos brasileiros, segundo dados do Instituto Brasileiro de Estatística e Geografia (IBGE) mapeados no Censo 2010, são em maioria negros e pobres, que vivem com renda per capita inferior a um salário mínimo por mês.

Por Nilza Valeria Zacarias Nascimento, jornalista. Coordenadora da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito

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