MANIFESTO: o perdão, os 120 anos da abolição inacabada e as igrejas históricas

Treze de maio de 2008, completa 120 anos da abolição da escravidão no Brasil, entretanto, não efetivamos o processo de abolição da escravatura, o nosso País matem uma das mais acentuadas desigualdades social e econômica do mundo. A população negra está na margem da riqueza produzida pela sociedade brasileira. Situação reforçada pelas nossas igrejas na cumplicidade e omissão perante a escravidão negra e anos de racismo no Brasil.

Nestes 120 Anos de abolição inacabada, conclamamos as nossas igrejas históricas que tiveram participação direta na escravidão, um pedido de perdão pela cumplicidade e omissão diante da escravidão e racismo sofrido pelo povo negro. Assim iniciará um franco dialogo para um processo de remissão e um projeto nacional que pode ser desenhado com ações concretas na superação do racismo e políticas afirmativas nas igrejas brasileiras.

Com isso esperamos que esse pedido de perdão das Igrejas históricas, pela escravidão negra venha inspirado pelo mesmo espírito da libertação dos Hebreus da escravidão no Egito, onde alem de se tornarem um povo livre, foram indenizados com bens materiais (Exôdo 12: 35-36). É nesse espírito que as nossas igrejas devem seguir:

“E, quando o deixares ir livre, não o despedirás vazio. Liberalmente o fornecerás do teu rebanho, e da tua eira, e do teu lagar; daquilo com que o SENHOR teu Deus te tiver abençoado lhe darás. E lembrar-te-ás de que foste servo na terra do Egito, e de que o SENHOR teu Deus te resgatou; portanto hoje te ordeno isso”. Deuteronômio 15: 13 a15

Nesta oportunidade de remissão e culpa de pecado, o pedido de perdão ao povo negro, deve vir acompanhado de ações afirmativas e reparações conforme metas a seguir:

Na educação religiosa: garantir o acesso dos afrodescendentes nos Seminários e cursos teológicos; inserir a imagem do negro nas literaturas, de modo que atenda a diversidade cultural caracterizada na sociedade brasileira e nas igrejas evangélicas. No clero e pastorado: ampliar a participação dos afrodescendentes nos cargos de direção das igrejas, ampliar o número de bispo e bispas, pastores e pastoras; criar e fortalecer as pastorais e os ministérios de combate ao racismo, ampliar a presença de negros e negras nas lideranças das denominações e igrejas. Hoje há uma disparidade proporcional da participação de negros e negras nos cargos de liderança nas igrejas evangélicas.

Na teologia: fazer uma releitura Bíblica/Teológica, considerando a historia do Povo Negro desde os tempos bíblicos passando pela diáspora, escravidão até os dias atuais. Traçar uma hermenêutica bíblica negra a partir da realidade do povo negro e não como foi construída historicamente a partir de uma ideologia branca e masculina, que considera como único ponto de partida para a celebração os pressupostos ocidentais, não levando em conta as manifestações religiosas do povo negro, ignorando suas expressões corporais, sua mística e tradições. A hermenêutica negra deve ser entendida como uma causa política, e assumir esta causa é assumir um processo de libertação que implica transformações sociais radicais onde possamos participar com nossas particularidades culturais e nossas contribuições fundamentais para uma sociedade que não discrimine nem marginalize os afrodescendentes.

Na superação do racismo e da intolerância religiosa: é necessário um programa de ação das igrejas na promoção do diálogo inter-religioso, elemento vital para a promoção da paz e superação das divisões e dos mal-entendidos produzidos pela história. As Igrejas devem agir como uma vigorosa força para a conversão individual e coletiva dos corações, sem a qual o ódio, a intolerância e o racismo jamais conseguirão ser eliminados. Também deve ser criado um fundo para financiar projetos no combate ao racismo e intolerância religiosa.

Conclamamos a Igreja brasileira para romper com o silêncio e com o mito da democracia racial, afim de que ocorra uma profunda transformação em toda sociedade. Este ano marca 120 anos da abolição da escravidão no Brasil. Esperamos que a igreja mais uma vez não perca a sua essência profética, como aconteceu quando a sociedade brasileira discutia a abolição da escravatura, o seu trabalho missionário, apresentou contradições pois não teve como características a contestação social e a atuação nos problemas políticos nacionais, diante da escravidão o seu posicionamento sobre o tema defendiam a liberdade do espírito e não a do corpo, mesmo quando a sociedade brasileira estava mobilizada ao redor do fim da escravidão. Época que poucas vozes proféticas se manifestaram contra a escravidão, uma delas o Rev. Eduardo Carlos Pereira que, no ano de 1886, publicou no jornal Imprensa Evangélica um texto histórico intitulado: A Religião Christã em suas relações com a escravidão. Trata-se da primeira manifestação contundente de um líder protestante brasileiro sobre o tema:

…Confesso que grande é minha vergonha e grande a confusão da Egreja de Christo no Brazil, ao ver incrédulos, pelo simples amor a humanidade, abrirem mão de seus escravos; entretanto, que os que professam fé no Redemptor dos captivos não rompem as ligaduras da impiedade nem deixam ir livres os opprimidos! Leitor, si acaso vires algum incrédulo ler este artigo, eu te peço, para a honra da Egreja de Nosso Senhor no Brazil, que não deixe seus olhos percorrer este paragrapho…”

Igreja, é tempo de reconciliação e de comprometimento, nossos ancestrais aguardam ansiosamente por este dia.

Igreja, o pedido de perdão é um ato de humildade e de coragem, mas também oferece a perspectiva de eliminar a dor das gerações do passado e do presente e abrir o caminho para um novo futuro.

Igreja, hoje é tempo de comprometimento e de perdão.

Organizações que assinam o documento:

Sociedade Cultural Missões Quilombo

ANNEB – Alianças de Negros e Negras Evangélicos do Brasil

Fórum de Lideranças Negras Evangélicas

Fórum Afrodescendentes Evangélicos

Associação Estadual dos Remanescentes de Quilombos do Estado do Rio de Janeiro/Paraty-Campinho da Independência – Acquilerj

União de Negros Pela Igualdade Racial/MGMovimento

Afro-Esmeraldense/MG

Brasil, 13 de maio de 2008

O protestantismo e a questão racial no Brasil

Embora o número de negros e pardos seja proporcionalmente maior nas igrejas pentecostais do que nas igrejas históricas42 (IBGE, 2010), é principalmente a partir do contexto destas últimas que se têm levantado pessoas buscando lançar luz sobre tais questões, incluindo-as na pauta de interesse de algumas igrejas evangélicas.

Exemplo de tal constatação foi a oficialização da Comissão Nacional de Combate ao Racismo – em 1985, na gestão de Antônio Olímpio Sant’Ana sobre a Secretaria de Ação Social da igreja Metodista. Designada a partir de então como Pastoral Nacional de Combate ao Racismo, esta comissão fora criada doze anos antes por membros da denominação oriundos dos Estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, tendo como objetivo identificar linguagem racista na hinologia e na própria literatura produzida pela igreja, além
de capacitar lideranças para atuarem nas diversas regiões eclesiásticas (OLIVEIRA, 2017). Outros exemplos são a criação da Associação Evangélica Palmares (1987), do Grupo Evangélico Afro-brasileiro e dos Capoeiristas de Cristo (1988).

Outra figura pioneira a manifestar tal preocupação foi Hernani Francisco da Silva, cuja “segunda conversão” consistiu em “despertar sua negritude”, ocasião em que se sentiu impelido a desenvolver um trabalho voltado para o combate ao racismo no interior do campo religioso evangélico. Em 1991, Hernani Silva, então pertencente a uma igreja pentecostal, fundou com o auxílio de outras pessoas a Sociedade Cultural Missões Quilombo, cujo objetivo principal era“modificar a visão que as igrejas evangélicas têm da cultura negra’ através de uma tentativa de resgate da presença negra nas raízes do cristianismo e da denúncia do que considera uma ‘teologia evangélica racista” (SILVA, 2011; apud OLIVEIRA, 2017: 132).

Nas décadas seguintes, eclode um sem-número de grupos, atuantes desde os níveis local a nacional, interessados em discutir a situação do indivíduo negro adepto do protestantismo. Assim como ocorreu no contexto católico, o movimento negro evangélico foi impulsionado no período da redemocratização. Contudo, como observa Oliveira (2017), diferentemente daquele, não houve no campo protestante a mesma concentração de ações e agentes nos movimentos de cunho étnico-racial, devido ao caráter plural deste segmento religioso.

Por isso, várias tentativas foram empreendidas ao longo dos anos a fim de possibilitar a troca de informações e realização de atividades em conjunto: o Fórum de Afrodescendentes Evangélicos; as comunidades Negros Cristãos, CNNC – Conselho Nacional de Negras e Negros Cristãos, Negros Evangélicos, Negros Sim!! Somos Cristãos, Movimento Negro Evangélico, Teologia Negra, o Afrokut e outras, todas reunindo evangélicos de várias denominações e estabelecidas em redes virtuais de relacionamento.

Atualmente, enquanto uma vertente do movimento adota a defesa da brasilidade (isto é, da integração entre negros e brancos), outros rejeitam não só a miscigenação e as relações inter-raciais, por exemplo, mas também a existência de um movimento evangélico, alegando que o movimento negro seria um só. A despeito disso, a mobilização de uma pequena parcela dos negros evangélicos tem provocado debates sobre o que outrora era um tabu, isto é, a relação entre religião e negritude. Porém, se no nível da militância tais questões vêm sendo discutidas desde o século passado, o mesmo não se dá no nível acadêmico, onde são escassos os trabalhos que se debruçam sobre tal tema.

Por Alexandre Florencio dos Santos

Protestantismo e identidade negra sob enfoque narrativo: dilemas e relações possíveis / Alexandre Florencio dos Santos; orientadora: Liana de Andrade Biar. – 2022.

Tese (doutorado) Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro, Departamento de Letras, 2022.

Leia a Tese completa baixando o arquivo em PDF:

Protestantismo e Identidade Negra sob enfoque narrativo: dilemas e relações possíveis

Produção científica sobre o Movimento Negro Evangélico

Igrejas Evangélicas, Atuação Negra e Antirracismo

Na obra “A Religião Mais Negra do Brasil”, o Pr. Marco Davi de Oliveira ressalta as transformações por que tem passado o cenário religioso brasileiro. O autor destaca forte crescimento dos evangélicos, singularmente através dos grupos pentecostais, realidade que já tem se tornado notória desde os anos 70. O autor argumenta que essa vertente protestante conseguiu alcançar a base da cultura do Brasil, provocou uma revolução o âmbito da negritude, e tem contribuído para a ressignificação de crenças presentes no contexto social.

Tem sido observado que a busca frequente pelas comunidades pentecostais por parte dos negros, tem contribuído para que o pentecostalismo figure como a religião mais negra do Brasil, e entre os fatores apontado para essa procura estão elementos ligados à forma de culto, músicas, acolhimento, interação com as pessoas, discursos, postura eclesiástica, etc.

Segundo Marco Davi de Oliveira pastor batista e coordenador do Movimento Negro Evangélico, o pentecostalismo com sua forma de culto, onde as expressões corporais, utilização de instrumentos regionais, hinos animados e participativos; propiciam a identificação da cultura negra com essa forma de protestantismo popular. Ainda segundo o escritor três aspectos da espiritualidade negra são contemplados na pentecostalidade: a espontaneidade, expansividade e a abnegação (GELEDÉS, 2009).

Marco Davi, sustenta que a igreja, especialmente a vertente chamada histórica, não deu a devida atenção às demandas raciais e sociais, e tem se mostrado indiferente ás políticas de ação afirmativa. O livro salienta, também, que essa expressividade negra dentro do pentecostalismo não significa uma participação maior em posições hierarquicamente mais elevadas dentro das igrejas e convenções.

A despeito da persistência de atitudes de demonização e inferiorização das culturas de matriz africana e afro-brasileiras e suas práticas, especialmente na esfera religiosa, a postura dos evangélicos tem alcançado mudanças ainda que não muito significativas. Tais mudanças, no entanto, representam um avanço, especialmente se considerar o histórico de resistência por parte de muitos adeptos de igrejas evangélicas, bem como a situação de exclusão e discriminação do negro na sociedade brasileira. Essa atuação evangélica tem se dado tanto no questionamento dos preconceitos, como na implementação de programas de combate ao racismo, mediante formação de frentes de resistência.

Cunha (2017), no artigo intitulado “A Superação do Racismo Também é Coisa de Evangélicos”, faz uma retrospectiva da questão do racismo no Brasil, mencionando a onda de intolerância que tem varrido o país nos últimos anos. Cunha acentua que práticas racistas se manifestam desde a existência de elevador social e elevador de serviço, até a forma agressiva com que policiais abordam “suspeitos”. Na sua visão, tais práticas são maquiadas pela ideia de uma falsa democracia racial, que insiste em negar que o racismo esteja sedimentado na sociedade brasileira. No seu discurso, Cunha se reporta aos evangélicos negros do Brasil e se reporta a vários evangélicos de tradição Metodista, Batista e Presbiteriana, reconhecendo o seu papel enquanto agentes de luta contra a desigualdade. Na sua acepção, “São fiéis que empenham suas vidas na resistência contra o racismo e na luta por justiça e igualdade, inclusive dentro das próprias igrejas e nos ensinam e inspiram” (CUNHA, 2017).

Destaco na Igreja Metodista o pastor Antônio Olímpio de Sant’Ana, fundador da Comissão Ecumênica Nacional de Combate ao Racismo (CENACORA), nos anos 1980. A leiga Marilia Schuller, que serviu por 14 anos nos projetos de superação do racismo do Conselho Mundial de Igrejas, e segue em atuação. O pastor Melchias Silva, com o projeto Atitude Afro, e a busca de justiça para população negra dentro e fora das igrejas (…) As leigas Diná da Silva Branchini, Keila Guimarães e Maria da Fé Vianna, em seus esforços por ações afirmativas. As pastoras Maria do Carmo Kaká Lima e Lídia Maria de Lima, empenhadas no fazer teológico sob o olhar da mulher negra. Da tradição Batista recordo o pastor Marco Davi de Oliveira, liderança do Movimento Negro Evangélico, autor do livro “A religião mais negra do Brasil: Por que os negros fazem opção pelo pentecostalismo“. Sua parceira e esposa Nilza Valéria Zacarias, jornalista que atua na Frente Evangélica pelo Estado de Direito, ao lado do pastor Ariovaldo Ramos, também disseminador da causa negra entre evangélicos. O jovem pastor Henrique Vieira, ativista na política institucional e nas mídias alternativas, com ações e apelos pela igualdade e a justiça. O teólogo Ronilso Pacheco, ativista social e autor do livro “Ocupar, Resistir, Subverter: igreja e teologia em tempos de violência, racismo e opressão” (Editora Novos Diálogos). Entre presbiterianos, há nomes históricos, como o pastor Jovelino Ramos, perseguido pela ditadura e exilado em 1968, e o pastor Joaquim Beato, incansável propagador da busca por igualdade racial dentro das próprias igrejas. Entre os mais jovens está o pastor Eduardo Dutra, ativista do movimento negro evangélico (CUNHA, 2017).

De acordo com Santos (2015) o Movimento Negro Evangélico contemporâneo emerge nos anos70 e 80. Nesse contexto, se levantam pessoas interessadas em discutir temáticas étnico-raciais nas igrejas evangélicas. Salienta, porém, que nos anos 60 foi criada a Comissão Nacional de Combate ao Racismo e a Pastoral e a Pastoral de Combate ao Racismo, entidades criadas pela igreja Metodista. A partir daí, surgem várias instituições de combate ao racismo no seio do protestantismo, especialmente de vertente histórica.

Um dos exemplos de militância negra evangélica é o já citado Pr. Marco Davi, que lidera grupo de estudo para refletir sobre raça e evangelho, objetivando questionar e combater práticas racistas. Também foi citado anteriormente, a reconstrução de um terreiro de
candomblé no Rio de Janeiro, que contou com a doação de integrantes de igrejas evangélicas.

A iniciativa desse ato foi da pastora luterana Lusmarina Campos Garcia, presidente do Conselho de Igrejas Cristãs do Estado do Rio de Janeiro (CONIC-Rio).


Esse texto é parte da Dissertação:

“O que é de Deus e o que não é de Deus:”
DOCENTES EVANGÉLICOS E O ENSINO DAS CULTURAS AFRICANAS
AFRO-BRASILEIRAS NAS ESCOLAS PÚBLICAS

Autor: RENILDES DE JESUS SILVA DE OLIVEIRA

Dissertação de Mestrado apresentado ao Programa de Pós-graduação em Educação, da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre.

 

Religião e educação: o posicionamento das igrejas cristãs protestantes em relação às questões dos negros no brasil

As igrejas cristãs protestantes, popularmente denominadas de igrejas evangélicas, desde que foram introduzidas na sociedade brasileira, têm se mostrado incessíveis, omissas e silenciosas no que se refere às questões das relações étnico-raciais no país, isto é, no que diz respeito ao lugar marginal em que a população negra se encontra na sociedade brasileira desde o período escravista. Segundo argumenta Alcântara (2011, p.87), essas igrejas, “tanto históricas quanto pentecostais, contribuíram para que a situação de discriminação e marginalização dos negros no Brasil fosse por tanto tempo perpetuadas”.

Nessa perspectiva, o presente artigo tem como objetivo tecer uma análise teórico-crítica acerca do posicionamento das Igrejas Cristãs Protestantes em relação às questões do negro no país e como a escola pode contribuir com a desconstrução de uma sociedade racista. O texto toma como base, para tal análise, os estudos teóricos de autores como: Branchini (2008), Alcântara (2011), Frizotti (1998), Silva (2011) e CICM (1998), os quais discorrem sobre como as igrejas cristãs protestantes têm se posicionado, ao longo da história, aceca das questões étnico-raciais; Santos (2012a, 2012b) e Martins (2008) que abordam a questão educacional neste contexto, entre outros autores que corroboram com a discussão em questão.

Parte-se da compreensão que se trata de uma discussão que, devido à problemática em torno das culturas de matrizes africanas, tecidas e resistidas nos terreiros de candomblé, reflete a dificuldade e resistência dos cristãos em lidar com as questões étnico-raciais nos espaços de educação, não apenas nas escolas confessionais, mas também nas escolas não confessionais e em todos os espaços que estes se façam presentes. Também da premissa de que lidar com a história e cultura africana e afro-brasileira no currículo e cotidiano escolar tem sido cada vez mais difícil devido à problemática questão religiosa presente no espaço educacional. Dificuldade e resistência que tem se constituído em um empecilho para a inclusão, valorização e respeito à História e Cultura Africana, Afro-Brasileira e Indígenas no currículo e no cotidiano das salas de aulas das escolas brasileiras, como orienta a Lei 10.639/033 e a Lei 11.645/084.

Cabe destacar, no entanto, que não é a nossa intenção aqui apontar culpados pelos estigmas e as situações desiguais em que se encontra a população negra no país desde o período escravista. A nossa pretensão é trazer novas reflexões críticas que ampliem o debate sobre como as igrejas evangélicas têm se posicionado diante a situação marginal do negro no Brasil ao longo da história. Como sinalizado no primeiro parágrafo e veremos no decorrer deste estudo, tais igrejas, desde a sua implantação na sociedade brasileira, têm contribuído para a discriminação e marginalização da população negra no país. É nossa pretensão também discutir criticamente acerca da resistência dos cristãos evangélicos em lidar com a história e cultura africana e afro-brasileira dentro dos espaços educacionais, sejam eles confessionais ou não confessionais.

Contudo, antes de adentrarmos a discussão central deste estudo, é importante ressaltar que, desde a década de 1970, militantes negros/as evangélicos/as têm se movimentado em grupos organizados para discutir sobre as desigualdades étnico-raciais no Brasil. Preocupados com o lugar marginal que a população negra se encontra na sociedade brasileira, em particular com o silenciamento e omissão das igrejas cristãs para com as questões dos negros no país, têm cobrado que estas se posicionem a respeito de questões como racismo, escravidão, segregação, preconceito, discriminação racial, entre outras.

No seu movimentar, os/as militantes negros/as evangélicos/as também reivindicam que as igrejas cristãs protestantes adotem medidas de ações afirmativas dentro dos seus templos, escolas e faculdades, a exemplo de bolsas de estudos para estudantes negros/as. Promovendo, dessa forma, a igualdade de direitos e de oportunidades, pois só assim a igualdade cristã efetivar-se-á de fato dentro das igrejas cristãs protestantes e nas suas instituições de ensino. Movimentar esse que se constitui, hoje, num Movimento Negro Evangélico consolidado no país. E, assim como o Movimento Negro tradicional, busca a desconstrução do Mito da Democracia Racial na sociedade brasileira e, em particular, dentro das igrejas evangélicas.

Autores: Jurandir de Almeida AraújoDeyse Luciano de Jesus Santos

Imagem: The Atlantic


Leia o artigo completo baixando o arquivo em PDF:

https://periodicos.ufsc.br/index.php/interthesis/article/view/1807-1384.2017v14n3p50

As igrejas evangélicas e os 136 anos da abolição da Escravatura

O Brasil completa, em 13 de maio de 2024, 136 anos da abolição da escravatura. Entretanto, as igrejas evangélicas brasileiras continuam com seu silêncio covarde e pecaminoso diante da realidade de opressão e racismo na qual se encontram os afrodescendentes. Os primeiros protestantes chegaram ao Brasil ainda no período da escravidão. Era um grupo composto principalmente por defensores da escravidão, omissos, e poucos abolicionistas. No geral, os protestantes não tiveram um papel relevante na abolição da escravatura. Também nunca defenderam oficialmente sua posição em relação à escravidão no Brasil.

Conhecer esse passado da Igreja protestante no Brasil pode nos ajudar a entender a relação das igrejas evangélicas brasileira com o povo negro: sua cumplicidade na escravidão, sua omissão no passado e no presente diante do racismo, e seu silêncio no púlpito sobre a temática negra.

As igrejas evangélicas mais uma vez perde a sua essência profética, como aconteceu quando a sociedade brasileira discutia a abolição da escravatura, o seu trabalho missionário, apresentou contradições pois não teve como características a contestação social e a atuação nos problemas políticos nacionais, diante da escravidão. Hoje o seu posicionamento sobre a temática negra praticamente não existe. Vejamos cinco casos da questão racial no Brasil, de repercussão nacional, as igrejas evangélicas foram e são omissas:

No centenário da abolição da escravatura

Em 1988, ano em que se comemorava o centenário da abolição da escravidão no Brasil, as igrejas evangélicas perderam uma grande oportunidade rumo à remissão dos cem anos de omissão com relação ao povo negro. Os movimentos negros naquela ocasião buscavam uma oportunidade à reflexão, não era um momento festivo. A Igreja Católica lançava a Campanha da Fraternidade: “Ouvi o clamor deste povo”, com a temática negra. Enquanto as igrejas evangélicas repetiram o que fez cem anos antes na “abolição da escravatura”, mais uma vez omissa, ficando de fora, perdendo o seu testemunho cristão e o bonde da história.

Nas questões dos quilombolas

O quilombo constitui questão relevante desde os primeiros focos de resistência dos africanos ao escravismo colonial, e retorna à cena política durante a redemocratização do país. Trata-se, portanto, de uma questão importante na luta dos afrodescendentes. Nos últimos 20 anos, os descendentes de africanos organizados em associações quilombolas, em todo o território nacional, reivindicam o direito à permanência e ao reconhecimento legal de posse das terras ocupadas e cultivadas para moradia e sustento, bem como o livre exercício de suas práticas, crenças e valores considerados em sua especificidade.

Com exceção da Igreja Anglicana, que na carta “Igreja Anglicana em defesa dos Quilombolas”, de abril de 2009, assinada pelo seu bispo primaz e dirigida ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a Ação de Inconstitucionalidade apresentada pelo DEM (ex-PFL), as demais igrejas continuaram totalmente omissas em relação à questão dos quilombolas.

Na questão da intolerância religiosa

Outro tema preocupante é a intolerância religiosa, sobretudo em relação a seguidores de religiões de matriz africana. Um dos casos de maior repercussão foi o que vitimou a yalorixá Gildásia dos Santos, a Mãe Gilda. Sua morte gerou indignação de lideranças de diversas religiões, processo na Justiça e, como forma de reconhecimento, a instituição do dia 21 de janeiro como Dia Municipal de Luta contra a Intolerância Religiosa – que depois ganhou também um reconhecimento nacional.

Sabemos que a intolerância religiosa pode resultar em perseguição religiosa e ambas têm sido comuns na história. A maioria dos grupos religiosos já passou por tal situação numa época ou noutra. Os próprios evangélicos eram chamados de bodes, nova seita. Bíblias eram confiscadas e queimadas na praça das cidades. Muitos tiveram suas casas incendiadas criminosamente, seus bens extraviados, suas vidas vilipendiadas. Essas mesmas igrejas hoje, omissas e até mesmo intolerantes, não podem esquecer que as igrejas evangélicas já foram perseguidas pelo ímpeto da intolerância.

Na crença da maldição do povo negro e africano

Dizem que a maldição de Cam está sendo simplesmente cumprida na medida em que os negros vivem para servir a outras raças, particularmente aos brancos. George Samuel Antoine, cônsul do Haiti no Brasil, numa entrevista veiculada pelo SBT, apontou como possível causa do terremoto certa maldição que pesa sobre o povo africano. Ao fazer tão infeliz comentário, o cônsul não sabia que ainda estava sendo filmado. Na mesma direção o tele-evangelista estadunidense Pat Robertson explicou as “desgraças” haitianas como sendo consequência de “pactos” ocorridos há 200 anos entre os haitianos e o demônio. Também o pastor e deputado federal, Marco Feliciano, disse no Twitter que “africanos descendem de ancestral amaldiçoado”. O parlamentar, que é pastor, continua afirmando: “Sobre o continente africano repousa a maldição do paganismo, ocultismo, misérias, doenças oriundas de lá: ebola, Aids, fome…”

Entretanto, a questão que fica é: de onde vem essa ideia de maldição dos negros? Essas ideias vieram dos missionários, sulistas racistas, que tinham a escravidão como instituída por Deus para justificá-la, baseando-se em argumentos teológicos de que o povo negro era da descendência de Cam, filho de Noé, amaldiçoado para serem escravos dos escravos. O mais triste de tudo isso é que nenhuma denominação protestante ou liderança evangélica se manifestou ,oficialmente, diante dessas declarações. Mais uma vez as igrejas foram omissas, reforçando uma doutrina diabólica aceita por muitos crentes dentro dos seus templos.

Na questão das cotas

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre cotas marca um momento histórico. A mais alta corte de Justiça do país admitiu não só que existem brasileiros tratados como cidadãos de segunda classe, mas que eles têm direito a um tratamento especial para vencer a desigualdade. As ações afirmativas ou sistema de cotas é certamente o assunto mais polêmico quando se trata do ingresso de negros no ensino superior no Brasil. O STF julgou a constitucionalidade das cotas aplicadas na Universidade de Brasília desde 2004: 20% das vagas para “negros e pardos”. O partido Democrata (DEM) tinha acusado a medida de ser anticonstitucional.

Outra vez as igrejas evangélicas ficaram de fora de mais uma grande questão do povo negro, omissas e silenciosas. Agindo como na parábola do bom samaritano narrada por Jesus nos evangelhos: passando de largo diante das questões dos negros e das negras.

As organizações ecumênicas Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE) e Koinonia têm realizado diversas ações referentes às questões dos quilombolas e à intolerância religiosa, mas elas não falam pelas igrejas evangélicas. São vozes proféticas, solidárias e solitárias que são criticadas por essas igrejas por suas ações na questão racial.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut

Foto: Image by © Bettmann/CORBIS