Grupo de Estudos de Intelectuais Negras e Negros do Neabi/UFS

 
Na próxima quarta-feira (24/11), o Grupo de Estudos de Intelectuais Negras/Negros do Neabi/UFS iniciará um novo módulo de estudos, dessa vez se debruçando sobre a Teologia Negra de James Cone (1938-2018). A intenção é ler e discutir, sempre de forma coletiva, os livros “Teologia Negra” (1970) e “O Deus dos Oprimidos (1975).
 
Para abrir a programação, Leno de Andrade dará sua  contribuição abordando a constituição histórica e hermenêutica da Teologia Negra nos Estados Unidos, com intuito de evidenciar o contexto histórico, social, político e teológico, do qual a Teologia Negra emerge, os seus primeiros desdobramentos e o papel que o jovem James Cone assume nesse processo.
 
Se a linguagem teológica se baseia nas tradições do Antigo Testamento, então deve considerar o testemunho unânime dessas tradições sobre o compromisso de Iahweh com a justiça a favor dos pobres e dos fracos. Concordemente, não pode evitar de tomar partido em política, e o partido que a teologia deve tomar é revelado pelo partido que Iahweh já tomou. Qualquer outro partido, seja com os opressores ou com a neutralidade (que não é nada senão uma identificação camuflada com os que dominam), não é bíblico. Se a teologia não ficar ao lado dos pobres, então ela não pode falar por Iahweh, que é o Deus dos pobres”. James ConeO Deus dos Oprimidos (1975).
O encontro será via Google meet, a partir das 17h.  Mais informações:
 
 
 

As fontes da Teologia Negra

Em relação às fontes para a elaboração de uma teologia negra, James Cone não nega as Escrituras e a tradição cristã (ocidental), mas não limita se a elas, além de contextualizá las. Para ele, as fontes da teologia negra devem incluir a história e a cultura dos oprimidos, que, no contexto norte americano, são os negros, indígenas, mestiços e asiáticos. Significativo notar que James Cone não faz menção às mulheres, cuja experiência e condição histórica particular, mais tarde, daria lugar a uma hermenêutica teológica própria, legitimada pelas mesmas premissas, mas desde o corpo e perspectiva da mulher negra.

Ao negar a universalidade da teologia tradicional euro norte americana, como vimos acima, James Cone defende a necessidade de buscar no evangelho respostas a perguntas da realidade concreta em um contexto/comunidade sociopolítico específico. Para isso, as fontes da teologia, necessariamente, deveriam privilegiar a experiência de vida, a história e a cultura dos negros, incluindo a apropriação criativa da tradição cristã nas comunidades negras. A “autoridade orgânica” destas fontes, em relação à realidade para a qual o evangelho era anunciado, as tornam indispensáveis para a TNdL.

Com isso, torna se necessário para o teólogo negro compreender como a comunidade negra relaciona a sua história e a sua cultura com a fé em Jesus Cristo. Para Cone, obviamente, essa relação se dá em uma perspectiva distinta da dos europeus e dos brancos norte americanos. Por isso, a tradição teológica clássica é insuficiente para compreender a religiosidade cristã negra. Cone defende que os métodos de análises devem ser originados a partir das próprias fontes para fazer jus ao pensamento negro. Já notamos aqui que as fontes, imbricadas na história e cultura negra, geram a necessidade de uma epistemologia na perspectiva do negro.

As fontes que James Cone destaca são: os sermões, as orações, cânticos, e elementos da experiência do negro para além da igreja como os contos, músic as seculares e os blues e os relatos pessoais.

1 –  Sermão

Ao tratar sobre o sermão, enquanto um evento litúrgico da Igreja Negra, James Cone alerta para uma distinção entre palavras do texto e a Palavra revelada no texto. “A Palavra é mais do que palavras sobre Deus. A Palavra de Deus é um acontecimento poético, evocação de uma realidade indescritível na vida do povo” (CONE, 1985, p. 27 28). A Palavra é mais sentida do que racionalizada em bases teóricas brancas e acadêmicas acerca do evangelho. O evangelho é correlacionado
com a busca da comunidade negra por liberdade. Portanto, “Se o evangelho significa liberdade, então a liberdade revelada nesse evangelho deve também ser revelada no evento da proclamação” (CONE, 1985, p. 28). Desse modo, a Palavra expressa se no ritmo e nas emoções da linguagem. Para Cone, quando o povo sente e confirma a veracidade da Palavra proclamada no sermão, é um sinal da presença do Espírito no meio do povo, que responde com ressonantes “améns”. O sermão está intimamente ligado com as condições de existência da comunidade negra, “O sermão negro resulta da totalidade da existência do povo sua dor e alegria, aflição e êxtase” (CONE, 1985, p. 28).

2 – Oração

Para James Cone, as orações dos negros não são iguais às dos brancos. Afirma que mesmo em situação de escravidão, sendo obrigado pelo senhor a cultuar o cristianismo, “o escravo transcendia as limitações da servidão e afirmava um sistema de valores religiosos que diferia do de seu senhor” (CONE, 1985, p. 29). Essa distinção evidenciava a afirmação da identidade negra na oração, o que leva James Cone a propor que o teólogo negro deve refletir sobre a Palavra da oração como revelada na afirmação da identidade dos negros. Em uma situação de opressão, a oração do negro revela a afirmação da identidade negra em busca da liberdade de ser o que se é: “Deus é o Espírito de Jesus que guia e move o povo negro em sua luta para ser aquilo que deve ser por criação” (CONE, 1985, p. 30).

3  – Cântico (spirituals e cânticos do evangelho)

Cone aponta que, assim como o sermão e a oração, os spirituals e cânticos do evangelho revelam que a verdade da religião dos negros não se limita à literalidade das palavras. A verdade se revela no modo como a linguagem é expressada, entusiasticamente, apaixonada, com gritos, gemidos, nas cantorias, na entonação e qualidade tonal corretas, onde ambiguamente expressam a dor e a alegria, a existência trágica dos negros e a sua resistência em não aceitar essa trágica condição.

Alguns dos exemplos sugerido s por James Cone aos teólogos negros para terem acesso a essas fontes são: livros que se dedicaram a estudar e compilar sermões, orações e cânticos; o cântico negro na própria igreja negra (o que seria um estudo empírico); gravações de artistas como Mahali a Jackson, James Cleveland, Clara Ward e Paul Robeson, e o álbum (na época recente) “ Amazing Grace ” de Aretha Franklin.

A música “ Amazing Grace ”, cantada por artistas como Aretha Franklin e Mahalia Jackson, é um exemplo de que o que importava para James Cone não era necessariamente a autoria dos cânticos, mas o modo como os negros se apropriavam deles. A citada canção foi originalmente composta por um ex comerciante de escravos. Porém, James Cone percebe a apropriação e ressignificação que os negros dão à canção quando cantada em um contexto de opressão social, política e cultural, fazendo referência à presença de Deus para a superação dessa situação:

(…) quando os filhos e filhas de escravos negros o cantavam, “Maravilhosa Graça” recebia a infusão da fo rça e do significado negros. Para os negros de Bearden, os “perigos, lutas e armadilhas” se referiam à sua luta diária pela sobrevivência, aos altos e baixos da existência negra, e à tentativa de tomar posse de uma melodia de liberdade numa situação extrem a de opressão. “Maravilhosa Graça” foi o milagre da sobrevivência, porque é difícil explicar como nós fizemos, através da escravidão, a reconstrução e a luta contra a opressão no século XX. Os negros de Bearden diziam: “Deve ter sido a graça de Deus!” (CON E, 1985, p. 13).

4 –  A experiência “secular”

Embora já tenhamos citado o sermão, a oração e o cântico como fontes da teologia negra propostas por James Cone, o referido autor não limita as fontes à experiência ligada à Igreja Negra. Cone propõe que as fontes da teologia negra também incluam a experiência negra dita secular. Porém, Cone faz questão de esclarecer que o que em sua teologia negra se entende por secular não significa a distinção ocidental entre o sagrado e o profano, pois, embora essa experiência negra não esteja ligada à Igreja, ao cristianismo e nem se refira a Deus, ela não é necessariamente antirreligiosa ou não religiosa.

Esse lado da experiência dos negros é secular, apenas enquanto é terreno e raramente usa Deus ou o cristianismo como os principais símbolos de suas esperanças e sonhos. É sagrado, porque é formado da mesma comunidade histórica como a experiência da igreja, e representa assim a tentativa do povo de formar a vida e vivê la de acordo com seus sonhos e aspirações (CONE, 1985, p.

Como exemplos dessa experiência “secular”, Cone cita os contos, músicas seculares e os blues e os relatos pessoais, identificando nessas expressões culturais o mesmo tema da sobrevivência e libertação que é encontrada no sermão, oração e cântico, expressando por um lado a libertação de Deus dos injustiçados e por outro lado a transcendência sobre as negações históricas. O autor ainda destaca a literatura negra, particularmente a poesia ligada à Renascença do Harlem (das décadas de 20 e 30) e seus sucessores, destacando poemas de Claude McKay McKay e Amiri Baraka Baraka.

Autores:  Joe Marçal Gonçalves dos Santos Charlisson Silva de Andrade.

Texto extraido do artigo (breve estudo): A TEOLOGIA NEGRA DA LIBERTAÇÃO EM JAMES CONE: ASPECTOS DE SUA HERMENÊUTICA CONTEXTUAL A PARTIR DE “O DEUS DOS OPRIMIDOS” (1975)

3 fatores que contribuiram para o surgimento da teologia negra

Conforme Prof. Cone, houve três fatores principais que são responsáveis pelo surgimento da teologia negra:

  • (1) o movimento dos direitos civis,
  • (2) a publicação do livro de Joseph Washington, Black Religion [A Religião Negra] em 1964 e,
  • (3) o nascimento do movimento “poder negro.”

Agora, vamos considerar estes fatores.

A. O Movimento dos Direitos Civis (nas décadas dos 50 e 60)

 

Este foi um movimento popular dos próprios negros que visou conseguir para si, exclusivamente por meio de métodos não violentos, os plenos direitos do cidadão. A organização principal do movimento foi a “Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor,” que desafiou com êxito muitas das leis que permitiram a discriminação racial. O líder principal foi o pastor negro batista Martin Luther King, Jr., que se tornou o profeta carismático do movimento e a consciência ética da nação no que tange às questões sociais, até que ele foi assassinado em 1968. Todas as pessoas envolvidas no surgimento da teologia negra participaram nas manifestações lideradas por Dr. King. Portanto, diferentemente de virtualmente todos os outros movimentos teológicos na América do Norte e na Europa, este não começou numa faculdade teológica, mas, sim, na rua quando os oprimidos protestavam contra a injustiça racial.

B. O Livro “Religião Negra” de Joseph Washington (1964)

 

O estudioso negro Washington argumentou, no seu livro, que há uma religião negra nos EUA que se distingue do Prostestantismo branco e de todas as outras expressões do Cristianismo. Mas visto que, na opinião dele, esta religião busca somente a liberdade e igualdade neste mundo, Washington concluiu que as congregações negras não são igrejas genuinas, mas meras sociedades religiosas sem teologias cristãs. Ele criticou as “verdadeiras” igrejas brancas por terem excluido estas sociedades negras do verdadeiro Protestantismo. Ora, nenhum teólogo negro podia ignorar esta investida contra a Igreja Negra e a teologia negra foi criada, em parte, para responder a este livro. Os líderes negros queriam corrigir dois mal-entendidos: (1) que a religião negra é não cristã e, por isso, não tem nenhuma teologia cristã, e (2) que o Evangelho Cristão não tem nada a ver com a luta pela justiça na sociedade.

C. O Movimento “Poder Negro”

Na década dos 60, muitos dos líderes negros mais jovens ficaram desiludidos com o “movimento dos direitos civis,” chefiado por Dr. King, concluindo que era impossível mudar a atitude do homem branco. Usando a divisa “poder negro,” ativistas como Stokely Carmichael abandonaram tanto o ideal da integração com os brancos e suas instituições quanto o compromisso de Dr. King com a não-violência. Além do mais, esta nova geração de ativistas desafiaram seus irmãos negros a ganharem o controle político e econômico de suas próprias comunidades e estabelecerem seus próprios valores, tal como a afirmação que “negro é bonito.”

Para a grande surpresa dos cristãos brancos, em 1966 o Comitê Nacional do Clero Negro publicou no New York Times uma declaração, entitulada “O Poder Negro,” em que os pastores negros apoiaram o conceito do “poder negro” como ele foi definido pelos ativistas políticos. O Prof. Cone afirma que este foi “o princípio do desenvolvimento consciente de uma teologia negra em que os ministros negros conscientemente distinguiram seu próprio entendimento do Evangelho de Jesus do Cristianismo branco e o identificaram com as lutas dos pobres negros para a justiça. . . O clero negro denunciou o racismo branco como o anticristo e foi inexorável no seu ataque contra sua presença demoníaca nas denominações eclesiásticas brancas. Foi neste contexto que surgiu a expressão ‘teologia negra.”

Por Filipe Dunaway

Extraido do texto da palestra: “A TEOLOGIA NEGRA: UMA INTRODUÇÃO“. A fonte principal desta palestra é o artigo do teólogo negro norte americano James Cone, “Black Theology,” em The Westminster Dicionary of Christian Theology.

Como a igreja pode, de fato, se inserir em uma luta antirracista

Neste cenário difícil e desigual, que é efeito dos longos anos de escravização no Brasil, o que podemos fazer, enquanto igreja, para uma sociedade que não seja racista?

Angela Davis, socióloga norte-americana e militante do movimento social negro nos EUA, dizia que: “Não basta não ser racista, tem que ser antirracista”.

Neste ponto, nossos irmãos estudiosos da Teologia Negra têm muito a nos ensinar, como, por exemplo, o Lutero Negro (sec. XIX), Agostinho José Pereira. Homem negro alforriado da escravização que se converteu ao protestantismo e fundou uma igreja cujo o objetivo era comprar a alforria de mulheres negras e homens negros, e ensiná-los a ler a bíblia. Ele alcançou mais de 300 pessoas com esse lindo projeto! 

É exatamente isso que a Teologia Negra, que será apresentada no decorrer desta revista, representa. Ela faz uma leitura da Bíblia na perspectiva do povo oprimido. O Lutero Negro entendeu que essas pessoas precisavam de Jesus, e precisavam também de liberdade. Entendeu que precisavam saber mais de Deus, e precisavam aprender a ler para terem uma vida digna.

Temos, também, o Rev. Martin Luther King que usou o seu púlpito para denunciar o racismo nos EUA. Ou Rosa Parks, mulher batista que, com uma atitude, marcou a luta antirracista nos EUA (ela não se levantou de um assento reservado para “brancos” em um ônibus). Recentemente, faleceu o Rev. James Cone que juntou a espiritualidade e a ação – ambas baseadas na Bíblia – para combater o racismo! Ou Soujourner Truth (A Peregrina da Verdade), ex-escravizada que viajou pelos EUA falando de Jesus e lutando contra o racismo, além de ser a primeira mulher negra nos EUA a vencer um processo judicial contra um senhor de escravos.

Por SIMONY DOS ANJOS


Este texto é parte do artigo “RACISMO ESTRUTURAL: UM PROBLEMA DE TODOS E TODAS“, de Simony dos Anjos, presente na REVISTA DE EDUCAÇÃO CRISTÃ PARA ADULTOS com o tema “POR UMA FÉ CONTRA O RACISMO“. A revista com a temática especial “racismo”, foi organizada pelo Rev. Robson de Oliveira, que conta com a contribuição de várias autoras e autores, um material didático para pastoral de combate ao racismo.


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Eu fico com a Revolução Protestante

 

Reforma protestante, movimento europeu, pensado a partir da política, do estado e da religião. Movimento que começa com Lutero inspirado em parte na igreja da Etiópia, porém a partir de um pensamento supremacista, onde existia só uma verdade. A reforma começou com uma inconformidade da igreja estar junto ao poder do império, da igreja fazer política a partir dos opressores, da igreja ser instrumento que impedia o pobre, o órfão a viúva e o estrangeiro de ter acesso a teologia, de produzir teologia ou até de falar com legitimidade da sua experiência com Deus.

Dentro da reforma existia os movimentos mais radicais, porém esses movimentos mais populares formado por camponeses, pobres e gente da periferia europeia foi silenciado, foi colocado como “Quase reformados”. A reforma se conformou, por isso para muitos ela começou com Lutero e terminou em Calvino. Pois a reforma, e aqui não falo mais do momento histórico e restritamente europeu, coloco aqui a reforma como um processo na verdade revolucionário dos seguidores de cristo na história, processo que rompe com os supremacistas, com os acumuladores, com o poder religioso que matou e silenciou os que subvertiam a ideia de poder, o poder da partilha, o poder concreto de amor, que nos leva a sermos vistos como perigosos para o império. O poder da denúncia diante de um Estado que violenta o povo em nome de Deus.

A igreja de Cristo não pode reformar uma construção humana que em suas bases de fé não estão todos os povos e nações, não podemos “dar um jeitinho”, pois sabemos o motivo pelo qual os Negros não contribuíram na reforma protestante e muito menos na contra reforma católica romana, sabemos que uma torre de babel foi construída na história da igreja, querendo que todos tivessem um só rosto, uma só cultura, e essa cultura que foi escolhida ela é dita como civilizada ou como cultura santa e de Deus, existe um corpo que foi construído nessa torre e esse corpo que é mais santo, ele tem um cabelo que não é a aparência do mal e que é aceito por Deus, não podemos cantar em Iorubá, pois se não estaremos invocando demônios, pois nessa torre que foi construída existem idiomas “cultos” e ricos. Essa é a construção da torre de babel não podemos continuar essa construção ou simplesmente reformá-la.

Eu recuso a reforma protestante, eu a recuso não por ignorar a sua importância diante da história da igreja, eu não a recuso por não me achar produto do protestantismo, mas a recusa é porque na história da igreja de Cristo e da relação com Deus. A diversidade ela é a única que nos traz harmonia, ela é fruto do pentecostes, ela é fruto do mover do Espírito. Eu fico com a revolução protestante, ela não começa com Lutero e muito menos depende do calvinismo, pois na revolução Deus derruba a torre de babel. O Deus da trindade, que é um mas também são três, que são diversos, que são equivalentes, esse Deus ele se levanta contra a uniformidade, ele se levanta contra a supremacia, o seu Espírito derrama sobre nós o sentido da diversidade, ele nos incentiva a descentralizar nossos poderes, a partilhar nossas experiências e a partir disso termos uma unidade. Eu recuso a reforma protestante, porque nela as vozes femininas, LGBTs, Pobres e Negras não tiveram vez. Eu não me reconheço nessa história, porém Martin Luther King, James Cone, Jacquelyn Grant, Rosa Parks, Nelson Mandela, Desmond Tutu, Agostinho José Pereira, William Seymour e tantas outras vozes ecoaram revoluções de protestos contra essa hegemonia, contra essa torre de babel, contra as construções humanas de supremacia dentro da fé cristã. Pois existe só uma tradição, a nossa tradição está em Cristo, na encarnação de sua missão, de sua caminhada e de seus valores.

Somente a justiça! Somente a liberdade!

Somente o amor! Somente a equidade! Somente a diversidade!

Por Jackson Augusto –  Coordenador do Movimento Negro Evangélico do Estado de Pernambuco. Estuda Ciência da computação em Universidade Federal Rural de Pernambuco (Ufrpe Oficial).

Veja a série de artigos sobre a Reforma Protestante Negra 

Corpos negros e a morte de Cristo

Estamos no tempo da quaresma, período que antecedem a festa ápice do cristianismo, onde os cristãos concentram a sua atenção sobre a morte e ressurreição de Jesus Cristo. Uma morte na cruz, Cristo poderia ter morrido de inúmeras maneiras, mas a cruz era uma humilhante exposição pública: escarnecido, espancado e morto desumanamente. Sim, a morte é a parte mais importante da Cruz, mas na morte encontramos a finalidade da cruz – os negros e negras tem experimentado o mesmo destino que o Cristo crucificado.

Para entender o que a cruz significa para nós negros cristãos, precisamos dar uma boa olhada na historia dos negros e negras desta nação, do sofrimento e da humilhação da população negra durante a escravidão, que prossegui vivo nas estruturas contemporâneas da nossa sociedade.

Hoje os cristãos não conseguem ver o evangelho da cruz de Jesus revelado através de corpos negros vítimas de um processo genocida instalado pela política de segurança pública. Onde a Paixão de Cristo se revela hoje? Quem são os corpos negros crucificado hoje?

Os corpos de negros assassinados, baleados, esquartejados todos os dias, a juventude negra é uma das principais vítimas, mas não são as únicas. O genocídio não está só relacionado à morte por bala, tem outras questões que dizem respeito a esse processo. Pode-se matar uma pessoa sem uma arma. Mas sempre que a sociedade trata o povo como se eles não têm direitos ou dignidade ou valor. Sempre que são negados empregos, saúde, habitação e as necessidades básicas da vida, essas pessoas estão sendo mortas. Há muitas maneiras de se matar um povo. Sempre que um povo clama a ser reconhecido como seres humanos e são ignorados pela sociedade, eles estão sendo mortos.

O teólogo negro James H. Cone, no seu ultimo livro “he Cross and the Lynching Tree” ( A Cruz e a Árvore do linchamento) apresenta muito bem essa questão. A traçar a relação da cruz cristã e linchamento dos negros na sociedade americana. Cone faz um paralelo com a história de linchamento dos negros nos Estados Unidos com a crucificação de Cristo:

“A cruz e a árvore do linchamento: ambos eram espetáculos públicos, normalmente reservada para criminosos perigosos, escravos rebeldes, que se rebelava contra o Estado romano e falsamente acusado de militantes negros que eram muitas vezes chamados de bestas negras” e “Monstros em forma humana” pela a sua audácia de desafiar a supremacia branca nos Estados Unidos. Qualquer teologia genuína e qualquer pregação autêntica deve ser medido em relação ao teste do escândalo da cruz e a árvore do linchamento”.

Para Cone a crucificação era um linchamento do primeiro século:

“A cruz pode resgatar a árvore de linchamento e, assim, conceder-corpos negros linchados um sentido escatológico para a sua existência final”.

“A cruz também pode resgatar linchadores brancos e seus descendentes, também, mas não sem custo profundo, não sem a revelação da ira e a justiça de Deus, que executa o julgamento divino, com a demanda para o arrependimento e reparação, como pressuposto da divina misericórdia e perdão. A maioria dos brancos quer misericórdia e perdão, mas não justiça e reparação, pois eles querem a reconciliação sem a libertação, a ressurreição sem a cruz”.

Cone diz que quando nos deparamos com o Cristo crucificado hoje, ele é um negro humilhado, um corpo negro linchado:

“Cristo é negro não porque a Teologia Negra diz. Cristo torna-se negro através da solidariedade amorosa de Deus com corpos negros linchados e julgamento divino contra as forças demoníacas da supremacia branca. Como um corpo negro nu balançando em uma árvore de linchamento, a cruz de Cristo foi “um caso absolutamente ofensivo”, “obscena, no sentido original da palavra”, “submeter a vítima à indignidade máxima”.

Neste sentido, os negros são as figuras de Cristo, não porque queremos ser, mas porque nós não tivemos nenhuma escolha sobre ser trazido como escravo para a América, assim como Jesus não tinha escolha em seu caminho para o Calvário. Jesus não queria morrer na cruz, e os negros não queriam passar pelo holocausto da escravidão. Mas as forças malignas do Estado romano e o colonizador e o evangelizador quiseram.

Hernani Francisco da Silva – Afrokut

James Cone: o pai da Teologia Negra

“O racismo é a negação do evangelho”. James Cone

Rev. James H. Cone, conhecido como o “pai da teologia da libertação negra“, morreu no sábado (28 de abril de 2018). James Hal Cone nasceu em 5 de agosto de 1938, em Fordyce, Arkansas. Formou-se no Seminário Teológico Garrett, em Evanston, Illinois, como bacharel em divindade; fez mestrado e um Ph.D. na Northwestern University, em Evanston.

A lente hermenêutica da Teologia Negra de James Cone começa com a experiência dos afro-americanos e as questões teológicas que ele traz de sua própria vida. Ele incorpora o poderoso papel da Igreja Negra em sua vida, bem como o racismo experimentado pelos afro-americanos. Para Cone, os teólogos que ele estudou na pós-graduação não forneceram respostas significativas para suas perguntas. Essa disparidade tornou-se mais aparente quando ele estava ensinando teologia no Philander Smith College, em Little Rock, Arkansas. Cone escreve:

“O que Karl Barth poderia significar para os estudantes negros que vieram dos campos de algodão de Arkansas, Louisiana e Mississippi?

Cone achava que os cristãos negros na América do Norte não deveriam seguir a “igreja branca“, alegando que era uma parte interessada do sistema que oprimia os negros. Assim, sua teologia foi fortemente influenciada por Malcolm X e pelo movimento Black Power. Também Martin Luther King Jr. foi uma influência importante; Cone descreve King como um teólogo da libertação antes da expressão existir.

“O cristianismo era visto como a religião do homem branco”, disse Cone.

“Eu queria dizer: Não! O Evangelho Cristão não é a religião do homem branco. É uma religião de libertação, uma religião que diz que Deus criou todas as pessoas para serem livres. Mas percebi que, para os negros serem livres, eles devem primeiro amar sua negritude”.

Cone foi autor de livros como “Black Theology and Black Power” (Teologia Negra e Poder Negro) e de “God of the oppressed” (Deus dos oprimidos). Este ano, o Dr. Cone ganhou o Prêmio Grawemeyer em Religião por seu livro mais recente, “he Cross and the Lynching Tree” ( A Cruz e a Árvore do linchamento), que traça paralelos entre a crucificação de Jesus e o linchamento dos negros nos Estados Unidos.

Por Hernani Francisco da Silva – Afrokut