Vanguarda do Movimento Negro Evangélico

Finalmente, John Burdick afirma que, além da música, há outros locais no protestantismo evangélico que promovem a identidade étnico-racial negra e o antirracismo.

Uma sugestão final: como indicado ao longo deste livro, há sites no protestantismo evangélico brasileiro que nutrem um pensamento complexo que apoia a identidade étnico-racial negra, orgulho da ancestralidade africana, entusiasmo por saber mais sobre a história africana e antirracismo. Os sites que examinei aqui são de produção musical, mas há outros também. O MNE está crescendo e é significativo. Negros evangélicos estão na vanguarda dos estudantes que ingressam na faculdade apoiados por ações afirmativas. Os evangélicos estão crescendo em número, não estão prestes a desaparecer e superam em muito os candomblecistas. A posição de algumas igrejas, como a Igreja Universal do Reino de Deus, de que é aceitável agredir fisicamente os templos de candomblé é uma visão minoritária; a maioria dos evangélicos rejeita o candomblé teologicamente, mas não está interessada em atacar os templos, pois consideram que o destino final dos praticantes não cristãos está nas mãos de Deus. (John Burdick, 2013)

Dado tudo isso, faz sentido que os ativistas seculares do movimento negro se esforcem para encontrar um ponto em comum com o MNE e com outros evangélicos que simpatizam com os objetivos do movimento, como músicos do black gospel. Há evidências de que os evangélicos que se encontraram em painéis com mães de santo do candomblé começaram a vê-los sob uma luz diferente e mais tolerante.Encorajar mais painéis como esse, unidos sob as bandeiras da identidade negra e do antirracismo, poderia ajudar muito a aliviar algumas das tensões que existem atualmente. Mas é claro que nós, etnógrafos, devemos ter cuidado ao fazer recomendações a qualquer pessoa. Nossa força é nossa capacidade de iluminar lugares escuros, de levantar sombras, de ajudar o socialmente invisível, não ouvido ou incompreendido a ser visto, ouvido e melhor compreendido. Se este trabalho fez alguma dessas coisas, ele atingiu seu propósito. (John Burdick, 2013)

Concluindo, John Burdick afirma que, além da música, há outros locais no protestantismo evangélico que promovem a identidade étnico-racial negra e o antirracismo. Ele reforça a importância de encontrar um ponto em comum com os evangélicos que simpatizam com os objetivos do movimento negro e incentiva a realização de painéis unidos pela identidade negra e antirracismo para aliviar tensões.

Burdick conclui destacando o papel dos etnógrafos em iluminar lugares escuros e ajudar os socialmente invisíveis a serem vistos e compreendidos. Se seu trabalho atingiu esse objetivo, ele se sente realizado.

Parte do texto: A Intersecção entre Raça, Religião e Música no Movimento Negro Evangélico no Brasil na perspectiva de John Burdick

Como fonte o livro “The Color of Sound: Race, Religion, and Music in Brazil” (2013), escrito pelo antropólogo John Burdick, oferece uma análise profunda sobre as inter-relações entre raça, religião e música no Brasil. A obra, com foco no Movimento Negro Evangélico (MNE).

Do Afrokut

Etnografia ativista e o Movimento Negro Evangélico

John Burdick discute as limitações e potencialidades da etnografia ativista, sugerindo que a etnografia pode revelar dimensões ocultas e fragmentadas da consciência que podem atrair novos públicos. Contudo, ele questiona a energia que deve ser investida pelos ativistas do MNE em conectar-se com músicos de black gospel.

O autor argumenta que, embora o MNE tenha enfrentado dificuldades para expandir sua base e enriquecer seu pensamento estratégico, os músicos de gospel negro representam uma reserva rica de líderes evangélicos engajados com a questão racial. Ele sugere que os líderes do MNE deveriam se comunicar mais com os diretores e líderes de corais gospel.

No entanto, eu argumentaria o caso de outra forma. O MNE começou na década de 1980 e agora está meio que preso, tendo adicionado apenas um pequeno punhado de organizações à sua lista desde 2005. O movimento é importante, mas tem enfrentado o mesmo gargalo que o movimento negro secular enfrenta há muito tempo, o de identificar e se conectar com uma base mais ampla de não ativistas. Embora a Internet tenha ajudado nesse sentido (o site principal do movimento, Afrokut, agora tem mais de cinco mil membros), o movimento não conseguiu transformar esses números em reuniões presenciais consistentes nas quais projetos estratégicos de longo prazo e tomada de decisões podem ser realizados.

Quando olhamos para a lista de organizações do MNE, elas são bastante pesadas; ou seja, há mais “alianças” regionais e nacionais do que organizações locais de base. (As organizações locais do MNE que descrevi anteriormente são mais a exceção do que a regra.) Nesse contexto, no nível local, um rico reservatório de líderes evangélicos que parecem estar pensando muito sobre raça, negritude, história e futuros estratégicos alternativos são músicos gospel negros. Essa, pelo menos, é a reivindicação do presente trabalho. Minha etnografia revelou, eu afirmo, não apenas um mundo que é sobre “orgulho”, mas um que gera e sustenta trabalho cognitivo complexo e reflexão. À medida que o MNE entra em sua terceira década, lutando para ampliar sua base e enriquecer seu pensamento estratégico, eu exorto seus líderes a tomarem medidas para visitar, ligar, enviar e-mails e se comunicar com os diretores e líderes dos corais gospel de sua cidade. Nessa articulação, eu afirmo ainda, reside um futuro potencial significativo do movimento.

Continua: Vanguarda do Movimento Negro Evangélico

Parte do texto: A Intersecção entre Raça, Religião e Música no Movimento Negro Evangélico no Brasil na perspectiva de John Burdick 

Como fonte o livro “The Color of Sound: Race, Religion, and Music in Brazil” (2013), escrito pelo antropólogo John Burdick, oferece uma análise profunda sobre as inter-relações entre raça, religião e música no Brasil. A obra, com foco no Movimento Negro Evangélico (MNE).

Do Afrokut

O Movimento Negro Evangélico e o movimento Black Gospel

O estudo de Burdick revela que, apesar das barreiras teológicas, o Movimento Negro Evangélico no Brasil conseguiu articular uma identidade negra orgulhosa e antirracista, utilizando a música como uma ferramenta poderosa de mobilização e expressão. A diversidade musical dentro do MNE não apenas reflete a complexidade do movimento, mas também destaca a capacidade dos evangélicos de integrar fé e identidade racial de maneiras significativas e transformadoras. O livro destaca como a música pode influenciar a identidade negra entre os evangélicos e como diferentes tipos de música desempenham um papel crucial na formação dessa identidade. Burdick reconhece a riqueza da arena musical negra evangélica em São Paulo, com diversos artistas cristãos tocando soul, funk, gospel, R&B, blues, rap e samba com temas religiosos. Ele destaca que compreender essa diversidade musical é essencial para entender as variadas expressões da negritude no contexto evangélico

Ao longo da última década, estive em estreita comunicação com líderes do movimento negro evangélico, e conforme descrito na introdução, minhas escolhas de tópico e perguntas foram influenciadas pelo preocupações e a agenda desses líderes. Hernani da Silva, Luiz de Jesus e Rolf da Souza todos me incentivaram a prosseguir neste projeto, investindo como estão na compreensão do potencial político da construção de alianças com músicos da cena gospel negra. Nos relatórios que fiz para eles sobre minhas descobertas, sugeri o valor de uma estratégia de divulgação para artistas que cantam e dirigem música gospel negra, e não para aqueles imersos em os mundos do rap gospel ou do samba gospel. Esta sugestão, depois de ser atendida com algum cepticismo, está a começar a ganhar força entre esses líderes. Hernani da Silva, um dos principais organizadores do MNE, publicou em resposta ao meu trabalho, um artigo de ampla circulação que sugere que o movimento Black Gospel e o MNE atualmente fazem parte do movimento negro mas estão “seguindo caminhos separados” (Silva 2004). Ele também recentemente apareceu na televisão nacional brasileira divulgando a visão de que há potenciais intersecções entre os dois movimentos. Na sua opinião, a música gospel negra funciona principalmente para atrair negros para a igreja, apelando aos seus senso de “atitude” e “orgulho”. A cena musical, no entanto, em sua visão, não gera muito em termos de reflexão ou estratégia. Para isso, deve-se recorrer ao MNE. Eventualmente, diz ele, “os dois movimentos irão convergir, e trilharemos o caminho e lutaremos juntos. (John Burdick, 2013)

A posição de Hernani revela tanto a potencialidade quanto as limitações da atuação da etnografia ativista. Por um lado, sugere que uma etnografia cuidadosa, partilhada com as partes interessadas, defensores e líderes, pode ter um efeito no seu pensamento sobre aliados ocultos e possíveis novos círculos de apoiadores. Por outro lado, sugere algo sobre a discrepância entre as linhas temporais da etnografia e do ativismo social. A etnografia pode revelar aspectos ocultos, fragmentários, dimensões lentas da consciência que podem servir como ganchos para alcançar novos públicos. No entanto, mesmo esses ganchos esbarram nos limites do tempo, recursos e energia. Quanta energia os ativistas do MNE devem gastar em lutando para se conectar e recrutar músicos de black gospel? Quanto mais energia eles deveriam dedicar ao trabalho com rappers gospel para persuadi-los a incorporar o anti-racismo em suas letras? Os ativistas do MNE querem ver resultados, mais cedo ou mais tarde, em fazer com que suas igrejas adotem as iniciativas políticas governamentais sobre ação afirmativa e começar usar os espaços da igreja para educar uma geração de jovens cristãos sobre a importância da África na Bíblia e o combate ao racismo aqui e agora. Deste ponto de vista, uma etnografia de músicos pode parecer um luxo que o movimento não pode permitir-se. (John Burdick, 2013)

Neste trecho, John Burdick relata suas experiências e comunicações com os líderes do Movimento Negro Evangélico (MNE), incluindo Luiz de JesusRolf de Souza, e Hernani Francisco da Silva, desde a década de 1990. Burdick descreve como suas investigações e interações foram influenciadas pelos interesses desses líderes, focando no potencial político de alianças com músicos de gospel negro.

O autor destaca a sugestão de Hernani de que os movimentos Black Gospel e MNE, apesar de seguirem caminhos diferentes, eventualmente convergirão e trabalharão juntos. Hernani acredita que a música gospel negra é eficaz em atrair negros para a igreja e fomentar a negritude, mas ressalta que a reflexão e a estratégia devem vir do MNE.

Continua: Etnografia ativista e o Movimento Negro Evangélico

Parte do texto: A Intersecção entre Raça, Religião e Música no Movimento Negro Evangélico no Brasil na perspectiva de John Burdick

Como fonte o livro “The Color of Sound: Race, Religion, and Music in Brazil” (2013), escrito pelo antropólogo John Burdick, oferece uma análise profunda sobre as inter-relações entre raça, religião e música no Brasil. A obra, com foco no Movimento Negro Evangélico (MNE).

Do Afrokut

A Importância da Música no Movimento Negro Evangélico

A música se mostrou uma peça central na estratégia de atração e mobilização do MNE. Hernani mencionou a dificuldade em atrair grupos musicais pentecostais e neopentecostais para eventos do Movimento Negro Evangélico, mas destacou a relevância dos rappers gospel, que possuem uma forte conexão com a cultura negra. Burdick viu na música uma oportunidade de abrir uma janela para entender a visão de mundo dos evangélicos e suas expressões de negritude.

Eu refleti sobre essas questões em maio de 2002, durante uma série de conversas com Hernani da Silva, um líder do movimento negro evangélico iniciante e membro de longa data da igreja pentecostal Brasil Para Cristo. Hernani havia iniciado um site cristão negro em 1999 e havia acumulado várias dezenas de aliados virtuais e reais, mas ele precisava de mais. Onde encontrá-los? (John Burdick, 2013)

Como transformar essa pequena rede em um movimento mais amplo? Eu estava comprometido a desenvolver um projeto que pudesse ajudá-lo a fazer isso. Eu havia conceituado por algum tempo meu papel como antropólogo como co-designer de  investigações que pudessem ajudar a revelar aliados e eleitores ocultos, grupos de pessoas que compartilhavam as atitudes dos ativistas políticos sem articulá-las claramente, seja entre si ou em público.  Eu me ofereci para vir naquela primavera e começar a conceber um projeto etnográfico com Hernani que eu empreenderia ao longo dos próximos anos para ajudá-lo a expandir seu movimento (Hale 2006; Burdick 1995; Speed ​​2006).” (John Burdick, 2013)

Conversamos até tarde várias noites seguidas, lutando com questões de estratégia: onde estavam as audiências de evangélicos que poderiam simpatizar com a mensagem do movimento? Onde estavam as pessoas que poderiam ter afinidade com a noção de que o amor a Jesus e o amor à identidade negra se reforçavam mutuamente? “Precisamos de algo mais focado também, algo direcionado”, ele  me disse. Mas quem deveriam ser os alvos? (Snow e Benford 1988; Snow et  al. 1986).” (John Burdick, 2013)

Continua: Diversidade Musical e Identidade Negra

Parte do texto: A Intersecção entre Raça, Religião e Música no Movimento Negro Evangélico no Brasil na perspectiva de John Burdick 

Como fonte o livro The Color of Sound: Race, Religion, and Music in Brazil” (2013), escrito pelo antropólogo John Burdick, oferece uma análise profunda sobre as inter-relações entre raça, religião e música no Brasil. A obra, com foco no Movimento Negro Evangélico (MNE).

Do Afrokut

A Intersecção entre Raça, Religião e Música no Movimento Negro Evangélico no Brasil na perspectiva de John Burdick 

O livro “The Color of Sound: Race, Religion, and Music in Brazil” (2013), escrito pelo antropólogo John Burdick, oferece uma análise profunda sobre as inter-relações entre raça, religião e música no Brasil. A obra, com foco no Movimento Negro Evangélico (MNE), explora como a teologia evangélica pode inspirar a luta contra a injustiça racial e a construção de uma identidade negra orgulhosa.

John Burdick iniciou sua pesquisa no Brasil em 1996, interessado nas inter-relações delicadas entre crença religiosa e identidade racial. Durante seu estudo, ele descobriu um pequeno, porém promissor, movimento de protestantes evangélicos em São Paulo que, inspirados por sua teologia, começaram a se identificar como o Movimento Negro Evangélico (MNE).

Em 1996, passei um ano no Brasil pesquisando as delicadas inter-relações entre crença religiosa e identidade racial entre pessoas que se identificavam como cristãs. Enquanto estava envolvido nesse projeto, me deparei com um pequeno e promissor movimento de protestantes evangélicos sediados em São Paulo que foram inspirados por sua teologia para lutar contra a injustiça racial e construir uma orgulhosa identidade negra. O que achei intrigante sobre esse movimento — seus participantes estavam na época apenas começando a se identificar como o movimento negro evangélico, ou MNE — foi que ele estava inserido em um contexto religioso que a maioria das organizações do movimento negro havia descartado como profundamente hostil à sua causa. (John Burdick, 2013)

O MNE estava inserido em um contexto religioso que, tradicionalmente, rejeitava as religiões afro-brasileiras como o candomblé e a umbanda, consideradas hostis à causa negra. Apesar disso, Burdick percebeu que o MNE desenvolveu visões antirracistas e pró-negras, desafiando o ceticismo de muitos colegas que acreditavam se tratar de uma estratégia dos líderes evangélicos para angariar fiéis.

O principal ponto de discórdia, do ponto de vista do movimento negro, era a atitude dos evangélicos em relação às religiões afro-brasileiras do candomblé e da umbanda. Eu estava profundamente ciente de que os evangélicos pregavam contra essas religiões e que algumas denominações, como a Igreja Universal do Reino de Deus, estavam implicadas em ataques iconoclastas diretos a templos afro-brasileiros. Embora eu achasse tais ataques repugnantes, o exemplo do MNE me convenceu de que a rejeição dos evangélicos, por motivos teológicos, da religião mediúnica afro-brasileira não era em si uma barreira intransponível ao desenvolvimento de fortes visões antirracistas e pró-negros. No entanto, durante anos, sempre que eu falava em público sobre o MNE, eu me encontrava diante de um forte ceticismo. (John Burdick, 2013)

Alguns colegas insinuaram que eu tinha sido enganado, levado por líderes evangélicos que pouco se importavam com a luta contra o racismo e jogavam a carta da raça apenas para angariar almas e ofertas para suas igrejas. Embora minha própria experiência sugerisse que o MNE era bem mais complexo do que isso — a profundidade e a durabilidade dos compromissos antirracistas de pessoas como Hernani da Silva ou Rolf da Souza mostravam que o MNE não podia ser explicado como simplesmente mais um estratagema missionário — ninguém estava tentando documentar essa complexidade. (John Burdick, 2013)

Continua: Estratégias para Expandir o Movimento Negro Evangélico

Como fonte o livro The Color of Sound: Race, Religion, and Music in Brazil” (2013), escrito pelo antropólogo John Burdick, oferece uma análise profunda sobre as inter-relações entre raça, religião e música no Brasil. A obra, com foco no Movimento Negro Evangélico (MNE).

Do Afrokut