MANIFESTO: o perdão, os 120 anos da abolição inacabada e as igrejas históricas

Treze de maio de 2008, completa 120 anos da abolição da escravidão no Brasil, entretanto, não efetivamos o processo de abolição da escravatura, o nosso País matem uma das mais acentuadas desigualdades social e econômica do mundo. A população negra está na margem da riqueza produzida pela sociedade brasileira. Situação reforçada pelas nossas igrejas na cumplicidade e omissão perante a escravidão negra e anos de racismo no Brasil.

Nestes 120 Anos de abolição inacabada, conclamamos as nossas igrejas históricas que tiveram participação direta na escravidão, um pedido de perdão pela cumplicidade e omissão diante da escravidão e racismo sofrido pelo povo negro. Assim iniciará um franco dialogo para um processo de remissão e um projeto nacional que pode ser desenhado com ações concretas na superação do racismo e políticas afirmativas nas igrejas brasileiras.

Com isso esperamos que esse pedido de perdão das Igrejas históricas, pela escravidão negra venha inspirado pelo mesmo espírito da libertação dos Hebreus da escravidão no Egito, onde alem de se tornarem um povo livre, foram indenizados com bens materiais (Exôdo 12: 35-36). É nesse espírito que as nossas igrejas devem seguir:

“E, quando o deixares ir livre, não o despedirás vazio. Liberalmente o fornecerás do teu rebanho, e da tua eira, e do teu lagar; daquilo com que o SENHOR teu Deus te tiver abençoado lhe darás. E lembrar-te-ás de que foste servo na terra do Egito, e de que o SENHOR teu Deus te resgatou; portanto hoje te ordeno isso”. Deuteronômio 15: 13 a15

Nesta oportunidade de remissão e culpa de pecado, o pedido de perdão ao povo negro, deve vir acompanhado de ações afirmativas e reparações conforme metas a seguir:

Na educação religiosa: garantir o acesso dos afrodescendentes nos Seminários e cursos teológicos; inserir a imagem do negro nas literaturas, de modo que atenda a diversidade cultural caracterizada na sociedade brasileira e nas igrejas evangélicas. No clero e pastorado: ampliar a participação dos afrodescendentes nos cargos de direção das igrejas, ampliar o número de bispo e bispas, pastores e pastoras; criar e fortalecer as pastorais e os ministérios de combate ao racismo, ampliar a presença de negros e negras nas lideranças das denominações e igrejas. Hoje há uma disparidade proporcional da participação de negros e negras nos cargos de liderança nas igrejas evangélicas.

Na teologia: fazer uma releitura Bíblica/Teológica, considerando a historia do Povo Negro desde os tempos bíblicos passando pela diáspora, escravidão até os dias atuais. Traçar uma hermenêutica bíblica negra a partir da realidade do povo negro e não como foi construída historicamente a partir de uma ideologia branca e masculina, que considera como único ponto de partida para a celebração os pressupostos ocidentais, não levando em conta as manifestações religiosas do povo negro, ignorando suas expressões corporais, sua mística e tradições. A hermenêutica negra deve ser entendida como uma causa política, e assumir esta causa é assumir um processo de libertação que implica transformações sociais radicais onde possamos participar com nossas particularidades culturais e nossas contribuições fundamentais para uma sociedade que não discrimine nem marginalize os afrodescendentes.

Na superação do racismo e da intolerância religiosa: é necessário um programa de ação das igrejas na promoção do diálogo inter-religioso, elemento vital para a promoção da paz e superação das divisões e dos mal-entendidos produzidos pela história. As Igrejas devem agir como uma vigorosa força para a conversão individual e coletiva dos corações, sem a qual o ódio, a intolerância e o racismo jamais conseguirão ser eliminados. Também deve ser criado um fundo para financiar projetos no combate ao racismo e intolerância religiosa.

Conclamamos a Igreja brasileira para romper com o silêncio e com o mito da democracia racial, afim de que ocorra uma profunda transformação em toda sociedade. Este ano marca 120 anos da abolição da escravidão no Brasil. Esperamos que a igreja mais uma vez não perca a sua essência profética, como aconteceu quando a sociedade brasileira discutia a abolição da escravatura, o seu trabalho missionário, apresentou contradições pois não teve como características a contestação social e a atuação nos problemas políticos nacionais, diante da escravidão o seu posicionamento sobre o tema defendiam a liberdade do espírito e não a do corpo, mesmo quando a sociedade brasileira estava mobilizada ao redor do fim da escravidão. Época que poucas vozes proféticas se manifestaram contra a escravidão, uma delas o Rev. Eduardo Carlos Pereira que, no ano de 1886, publicou no jornal Imprensa Evangélica um texto histórico intitulado: A Religião Christã em suas relações com a escravidão. Trata-se da primeira manifestação contundente de um líder protestante brasileiro sobre o tema:

…Confesso que grande é minha vergonha e grande a confusão da Egreja de Christo no Brazil, ao ver incrédulos, pelo simples amor a humanidade, abrirem mão de seus escravos; entretanto, que os que professam fé no Redemptor dos captivos não rompem as ligaduras da impiedade nem deixam ir livres os opprimidos! Leitor, si acaso vires algum incrédulo ler este artigo, eu te peço, para a honra da Egreja de Nosso Senhor no Brazil, que não deixe seus olhos percorrer este paragrapho…”

Igreja, é tempo de reconciliação e de comprometimento, nossos ancestrais aguardam ansiosamente por este dia.

Igreja, o pedido de perdão é um ato de humildade e de coragem, mas também oferece a perspectiva de eliminar a dor das gerações do passado e do presente e abrir o caminho para um novo futuro.

Igreja, hoje é tempo de comprometimento e de perdão.

Organizações que assinam o documento:

Sociedade Cultural Missões Quilombo

ANNEB – Alianças de Negros e Negras Evangélicos do Brasil

Fórum de Lideranças Negras Evangélicas

Fórum Afrodescendentes Evangélicos

Associação Estadual dos Remanescentes de Quilombos do Estado do Rio de Janeiro/Paraty-Campinho da Independência – Acquilerj

União de Negros Pela Igualdade Racial/MGMovimento

Afro-Esmeraldense/MG

Brasil, 13 de maio de 2008

Religião e educação: o posicionamento das igrejas cristãs protestantes em relação às questões dos negros no brasil

As igrejas cristãs protestantes, popularmente denominadas de igrejas evangélicas, desde que foram introduzidas na sociedade brasileira, têm se mostrado incessíveis, omissas e silenciosas no que se refere às questões das relações étnico-raciais no país, isto é, no que diz respeito ao lugar marginal em que a população negra se encontra na sociedade brasileira desde o período escravista. Segundo argumenta Alcântara (2011, p.87), essas igrejas, “tanto históricas quanto pentecostais, contribuíram para que a situação de discriminação e marginalização dos negros no Brasil fosse por tanto tempo perpetuadas”.

Nessa perspectiva, o presente artigo tem como objetivo tecer uma análise teórico-crítica acerca do posicionamento das Igrejas Cristãs Protestantes em relação às questões do negro no país e como a escola pode contribuir com a desconstrução de uma sociedade racista. O texto toma como base, para tal análise, os estudos teóricos de autores como: Branchini (2008), Alcântara (2011), Frizotti (1998), Silva (2011) e CICM (1998), os quais discorrem sobre como as igrejas cristãs protestantes têm se posicionado, ao longo da história, aceca das questões étnico-raciais; Santos (2012a, 2012b) e Martins (2008) que abordam a questão educacional neste contexto, entre outros autores que corroboram com a discussão em questão.

Parte-se da compreensão que se trata de uma discussão que, devido à problemática em torno das culturas de matrizes africanas, tecidas e resistidas nos terreiros de candomblé, reflete a dificuldade e resistência dos cristãos em lidar com as questões étnico-raciais nos espaços de educação, não apenas nas escolas confessionais, mas também nas escolas não confessionais e em todos os espaços que estes se façam presentes. Também da premissa de que lidar com a história e cultura africana e afro-brasileira no currículo e cotidiano escolar tem sido cada vez mais difícil devido à problemática questão religiosa presente no espaço educacional. Dificuldade e resistência que tem se constituído em um empecilho para a inclusão, valorização e respeito à História e Cultura Africana, Afro-Brasileira e Indígenas no currículo e no cotidiano das salas de aulas das escolas brasileiras, como orienta a Lei 10.639/033 e a Lei 11.645/084.

Cabe destacar, no entanto, que não é a nossa intenção aqui apontar culpados pelos estigmas e as situações desiguais em que se encontra a população negra no país desde o período escravista. A nossa pretensão é trazer novas reflexões críticas que ampliem o debate sobre como as igrejas evangélicas têm se posicionado diante a situação marginal do negro no Brasil ao longo da história. Como sinalizado no primeiro parágrafo e veremos no decorrer deste estudo, tais igrejas, desde a sua implantação na sociedade brasileira, têm contribuído para a discriminação e marginalização da população negra no país. É nossa pretensão também discutir criticamente acerca da resistência dos cristãos evangélicos em lidar com a história e cultura africana e afro-brasileira dentro dos espaços educacionais, sejam eles confessionais ou não confessionais.

Contudo, antes de adentrarmos a discussão central deste estudo, é importante ressaltar que, desde a década de 1970, militantes negros/as evangélicos/as têm se movimentado em grupos organizados para discutir sobre as desigualdades étnico-raciais no Brasil. Preocupados com o lugar marginal que a população negra se encontra na sociedade brasileira, em particular com o silenciamento e omissão das igrejas cristãs para com as questões dos negros no país, têm cobrado que estas se posicionem a respeito de questões como racismo, escravidão, segregação, preconceito, discriminação racial, entre outras.

No seu movimentar, os/as militantes negros/as evangélicos/as também reivindicam que as igrejas cristãs protestantes adotem medidas de ações afirmativas dentro dos seus templos, escolas e faculdades, a exemplo de bolsas de estudos para estudantes negros/as. Promovendo, dessa forma, a igualdade de direitos e de oportunidades, pois só assim a igualdade cristã efetivar-se-á de fato dentro das igrejas cristãs protestantes e nas suas instituições de ensino. Movimentar esse que se constitui, hoje, num Movimento Negro Evangélico consolidado no país. E, assim como o Movimento Negro tradicional, busca a desconstrução do Mito da Democracia Racial na sociedade brasileira e, em particular, dentro das igrejas evangélicas.

Autores: Jurandir de Almeida AraújoDeyse Luciano de Jesus Santos

Imagem: The Atlantic


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https://periodicos.ufsc.br/index.php/interthesis/article/view/1807-1384.2017v14n3p50