A gêneses do movimento negro evangélico no Brasil

Reconstruir a história do Movimento Negro Evangélico Brasileiro (MNE) é uma tarefa complexa, sobretudo porque esse é um processo ainda em andamento, com suas fronteiras borradas. Essa dificuldade parece ser maximizada na medida em que olhamos com maior vagar para o interior do próprio campo religioso cristão não católico, nomeado genericamente neste texto como “evangélicos”.2 Entretanto, é possível observar uma espécie de fio de Ariadne3 que conduz seus agentes no desenvolvimento de suas ações.

Pode-se falar em Movimento Negro Evangélico (MNE), por um lado, na medida em que se tem como referencial um conjunto de ações produzidas por grupos consolidados ou em construção, cujos agentes são pessoas que se autoclassificam como “evangélicas” e negras (pretas ou pardas, de acordo com a nomenclatura adotada pelo IBGE). Por outro, deve-se considerar que, em geral, os destinatários dessas atividades são também pessoas negras que participam de alguma igreja classificada como “evangélica”.

O combate ao racismo no interior das igrejas, em particular, e na sociedade, em geral, pode ser tomado como o elemento central a partir do qual se organizam as diversas iniciativas com temática racial empreendidas por esses grupos. Tais iniciativas têm em comum o fato de serem organizadas com base em certa orientação teológica-pastoral de inspiração protestante. Isso significa que, mais do que tratar de um grupo específico, para compreender o MNE, é preciso, antes de tudo, mapear as diversas atividades presentes nas várias igrejas para, em seguida, proceder a análise de suas estruturas.

Neste texto será apresentado de maneira panorâmica uma historiografia do MNE, a partir da atuação de alguns de seus agentes paradigmáticos. Discute-se também o modo como os símbolos da herança africana no Brasil são acionados nas ações desses grupos. Os dados que seguem foram recolhidos durante a pesquisa de campo,4 que privilegiou a produção escrita dos agentes evangélicos, a participação em curso de formação sobre a presença do negro na igreja, entrevistas e depoimentos colhidos por meio de sites de relacionamento (especificamente o Afrokut, que reúne exclusivamente negras e negros evangélicos) além de conversas informais.

É importante ressaltar que, embora a participação das mulheres seja fundamental para a consecução do MNE, pastores e lideranças masculinas ganham proeminência na narrativa pública sobre a gênese do movimento. Em parte, esse fenômeno é justificado por alguns interlocutores5 pelo fato de que o sacerdócio no âmbito das igrejas cristãs (católicas e aquelas originárias da Reforma) é exercido quase que exclusivamente por homens, posição controversa entre os agentes. Atém mesmo entre as lideranças, o lugar que o sujeito ocupa na hierarquia religiosa impacta na atuação, como se verá mais adiante.

Partindo do princípio de que os discursos não constituem um campo separado das práticas sociais que produzem as identidades com base em sinais diacríticos da identificação étnica-racial seletivamente construídos, os grupos étnicos são “vistos como formas de organização de novas e adaptadas identidades ao “aqui e agora’” (Cunha 2009a:226). Entende-se que o campo religioso brasileiro, nas últimas décadas, tem sido um poderoso “aqui e agora” a impelir as religiões a também se posicionarem frente à diversidade étnico-cultural de seus fiéis.

Ao descrever os processos discursivos (Asad 2003) que orientam as práticas desses sujeitos, pretende-se verificar como são produzidos os conceitos em disputa (“identidade negra”, “cultura negra”, “negritude”, “herança africana”, “pan-africanismo”, “afrocentrismo” etc.), os quais põem segmentos religiosos distintos em diálogo na esfera pública. Com isso, não se imputa às categorias investigadas significados a priori – pelo contrário, queremos compreender seu processo de elaboração.

O conjunto de categorias operacionalizada pelos agentes é tomada como “nativo”, cujo significado não está apartado dos contextos e dos sujeitos que o empregam. Desse modo, importa saber como os consensos são estabelecidos por meio de discursos e como práticas ganham significados na esfera pública, põe atores em relação e promovem a efetivação de direitos. O recurso das aspas nos ajudará a colocar em suspeição esses termos, tal como fez a Manuela Carneiro da Cunha (2009b:373) ao tratar da noção de cultura e “cultura”.

Ganha relevo, neste debate, os deslocamentos de sentidos que são operados pelos agentes nas categorias de classificação “etnia” e “raça”, com base em certa noção de “cultura”. Isto é, como se verá mais adiante, a noção de raça acionada por alguns agentes em certos momentos parece apontar para o sentido de grupo étnico tal como fora definido por Fredrik Barth (1969).

Entre os anos 1970 e 1980, observa-se a gênese de duas posturas distintas frente às heranças culturais africanas no Brasil: combate e certa indiferença. Ou seja, por um lado, igrejas evangélicas neopentecostais assumem como elemento central da sua ação proselitistas a demonização das divindades, elementos e valores das religiões afro-brasileiras, inclusive daqueles presentes nos ícones da “identidade nacional”, como a capoeira, o carnaval, o samba etc. (Mariano 1999Silva 2007). Por outro lado, no âmbito das igrejas protestantes históricas emergem alguns coletivos de evangélicos negros que assumem um discurso de salvação que leva em consideração o pertencimento étnico-racial de seus fiéis sem, no entanto, ressaltar o que fora tradicionalmente evidenciado como “símbolos da cultura negra” (Burdick 2004).

Esse quadro desenhado no campo “evangélico” opõe-se ao contexto católico, pois, desde os anos de 1970, lideranças (formadas por leigas e leigos, padres e bispos) empreendem uma série de ações pastorais dentro e fora da igreja, em prol da população negra assumindo e ressignificando elementos culturais de origem africana. Tais atividades voltam-se para dentro da igreja, como a proposição de “liturgias inculturadas” (Oliveira 2016), e para fora, associando-se a outros coletivos do movimento negro (Oliveira 2017).

Neste texto, parte-se do pressuposto de que, atualmente, há um descentramento da identidade, isto é, o indivíduo não pode mais ser identificado com base em dados apriorísticos ou essencializantes. É por força da globalização que as identidades centradas e “fechadas” são deslocadas e pluralizadas. Dessa forma, a construção da identidade via interação com o grupo de origem não resulta em apenas uma definição, mas “produz uma variedade de possibilidades e novas posições de identidades… [tornando] as identidades mais posicionais, mais políticas, mais plurais e diversas; menos fixa, unificadas ou trans-históricas” (Hall 2003:87).

Nesse contexto, considerando que no jogo das identidades os sujeitos estão “constantemente em negociação, não com um único conjunto de oposições que nos situe sempre na mesma relação com os outros, mas com uma série de posições diferentes” (Hall 2009:328), a constituição do Movimento Negro Evangélico participa dessa disputa pela autoridade em legitimar a “identidade negra” com base em seus pressupostos doutrinários. Dessa forma, os agentes religiosos buscam autoridade para enunciar um discurso tanto na esfera pública, acerca das políticas étnico-raciais, quanto no exercício do proselitismo, uma vez que seriam as religiões também articuladoras na construção da “negritude”.

O método de coleta de dados adotado abrangeu três níveis complementares: documental, observação participante (em campo) e entrevista e/ou coleta de depoimentos dos agentes observados. A pesquisa de campo privilegiou a produção escrita de lideranças religiosas, a participação em curso de formação sobre a presença do negro na igreja, entrevistas e depoimentos colhidos por meio de sites de relacionamento (especificamente o Afrokut, que reúne exclusivamente negras e negros evangélicos) e o acesso aos registros (entrevistas, reportagens etc.) das atividades feitas pelos próprios religiosos e divulgadas na mídia.

Este texto está dividido em duas partes: na primeira, apresenta-se o processo de configuração do MNE e, na segunda, discute-se como os símbolos da “herança africana no Brasil” são acionados por esses agentes, na conformação de suas ações pastorais.

Por Rosenilton Silva de Oliveira – Professor na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP, Brasil.
Coordenador do Fateliku – grupo de pesquisa sobre educação, relações étnico-raciais, gênero e religião. Doutor em Antropologia.


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“Hoje eu orei, Ele é negro”: a gêneses do movimento negro evangélico

Negros evangélicos em movimento

Reconstruir a história do Movimento Evangélico Brasileiro é uma tarefa complexa, sobretudo porque este é um processo ainda em andamento, com suas fronteiras borradas. Essa dificuldade parece ser maximizada na medida em que olhamos com maior vagar para o interior do próprio campo religioso cristão não católico, nomeado genericamente de “evangélico”. Entretanto, assim como os católicos que, apesar das divergências e das múltiplas facetas da sua militância negra, é possível observar uma espécie de fio de Ariadne que conduziu seus agentes, no campo evangélico há também uma diversidade de concepções sobre os direcionamentos das políticas voltadas para a população negra. No contexto evangélico, portanto, o combate ao racismo no interior das igrejas, em particular, e na sociedade em geral, pode ser tomado como o ponto de convergência dessas inciativas.

Pode-se falar em Movimento Negro Evangélico (MNE) na medida em que se tem como referencial um conjunto de ações desenvolvidas por grupos consolidados ou em construção cujos agentes são pessoas que se autoclassificam como “evangélicas” e negras (pretas ou pardas, de acordo com a nomenclatura adotada pelo IBGE) e os destinatários são os negros, em geral, e aqueles que participam de alguma igreja. Tais ações têm em comum o fato de serem organizadas a partir de certa orientação teológica-pastoral de inspiração protestante. Isso significa que, mais do que tratar de um grupo especifico, para compreender o MNE é preciso, antes de tudo, mapear as diversas iniciativas presentes nas várias igrejas para, em seguida, proceder a análise de suas estruturas. No mais, é importante tomá-lo como um processo em construção e não como um projeto consolidado, diferente da Pastoral Afro-brasileira, no caso católico.

Nesse texto será apresentado de maneira panorâmica o estado da arte do campo afro-evangélico, ressaltando a historiografia do MNE e alguns de seus agentes paradigmáticos. Os dados que seguem foram recolhidos durante a pesquisa de campo, que privilegiou a produção escrita dos agentes evangélicos, a participação em curso de formação sobre a presença do negro na igreja, entrevistas e depoimentos colhidos por meio de sites de relacionamento (especificamente o Afrokut que reúne exclusivamente negros e negros evangélicos) além de conversas informais.

Reconstituir a trajetória do Movimento Negro Evangélico implica, em alguma medida retraçar a trajetória de seus agentes paradigmáticos e de algumas instituições. Metaforicamente pode-se dizer que o MNE é uma rede que interconecta tais atores. Partindo aleatoriamente de um de seus elementos tentaremos evidenciar os nós de significado que a compõe.

Hernani Francisco da Silva, paraibano de família católica, converteu-se à Igreja Congregacional (portanto pentecostal) aos quinze anos de idade, dois anos mais tarde tornou-se membro da Igreja evangélica O Brasil para Cristo (também pentecostal); Segundo entrevista concedida ao programa Análise Direta da rede RIT – Rede Internacional de Televisão, no dia 09 de dezembro de 2009, sua “segunda conversão” foi “despertar sua negritude”, a qual ocorreu durante a marcha nacional em comemoração ao centenário da abolição formal da escravidão no Brasil, realizada no dia 13 de maio de 1988. Embora tenha se deparado com ela de maneira ocasional, foi a partir desse momento que se sentiu impelido a desenvolver um trabalho voltado ao combate ao racismo no interior do campo religioso evangélico. A sua experiência como fellow na Ashoka, o capacita para atuar como empreendedor social atuando, sobretudo no campo dos direitos humanos tendo como público preferencial os negros.

Em 23 de janeiro de 1991, com o auxílio de outras pessoas fundou a Sociedade Cultural Missões Quilombo, cujo objetivo principal é “modificar a visão que as igrejas evangélicas têm da cultura negra” (SILVA, 2011, p. 45). Embora esteja localizada no âmbito de uma igreja pentecostal (O Brasil para Cristo) possui integrantes de outras denominações e tem desenvolvido ações que extrapolam por vezes o campo evangélico. Em parceria com o antropólogo norte-americano John Burdick, Hernani tem realizado um mapeamento das iniciativas desenvolvidas por evangélicos no combate ao racismo e discriminação.

De fato, a militância desenvolvida por Hernani Silva revela uma tentativa de regaste da presença negra nas raízes do cristianismo, ao mesmo tempo, em que
denuncia o que considera uma “teologia evangélica racista”, nesse sentido, várias são as ações que remetem à história do negro no Brasil de maneira geral, e especificamente, no protestantismo, tendo destaque a criação da rede de relacionamentos virtual Afrokut e a publicação do livro O movimento Negro Evangélico – um mover do Espírito Santo (pela Selo da Negritude Cristão em 2011).

Conforme fora dita acima, a pluralidade do campo protestante impede o estabelecimento de organismos que concentrem todas as ações e agentes do Movimento Negro Evangélico, diferentemente do catolicismo que, embora conte com três grandes grupos (Pastoral Afro-Brasileira, Instituto Mariama – que reúne diáconos, padres e bispos negros – e o GRENI – Grupo de Religiosos e Religiosas Negros e Indígenas) possui políticas coordenadas, já que parte significativa dos seus integrantes circulam nos três grupos, desenvolvem ações em conjunto e, sobretudo, pertencem à mesma instituição religiosa. No caso evangélico, há várias iniciativas para reunir os militantes negros, uma das primeiras delas foi o Fórum de Afrodescendentes Evangélicos criada no MSN (em 2002), dada as limitações desse serviço de mensagens e com a popularização da rede social Orkut no Brasil

muitas comunidades surgiram nesta rede social de relacionamento, as que mais se destacaram foram Negros Cristãos, com mais de cinco mil membros, o Conselho Nacional de Negras e Negros Cristãos – CNNC, Negros Evangélicos, Negros sim!! Somos cristãos, Movimento Negro Evangélico, Teologia Negra, entre muitas outras (SILVA, 2011, p. 15).  

Têm em comum essas “comunidades virtuais” o fato de reunirem evangélicos de várias denominações, na tentativa de estabelecer um canal de comunicação entre os vários agentes, a troca de informações e, em alguma medida, possibilitar a realização de atividades em conjunto, justamente porque a marca principal do Movimento Negro Evangélico é a descentralização de suas ações. Descentramento este fruto menos do desejo dos atores envolvidos e mais da própria configuração do campo protestantes, que se apresenta de maneira fragmentária e plural.

Com a decadência do Orkut, muitos grupos migraram para outras plataformas virtuais como o Facebook, Youtube, Twitter, Wiki etc. E no bojo desse movimento de apropriação das redes sociais, Hernani Silva cria o Afrokut em 2008.

O Afrokut reúne não apenas evangélicos negros e instituições. Como uma rede de relacionamento possibilita o intercâmbio entre seus membros, a criação de subcomunidades de acordo com interesses convergentes (inclusive a plataforma permite criar fóruns de discussões, blogs e lojas virtuais), além de possibilitar a realização de cursos, palestras e reuniões on line. Conta hoje com mais de três mil membros cadastrados, segundo o seu fundador.

Foi justamente por sua atuação à frente da Sociedade Cultural Missões Quilombos e do Afrokut, que Hernani Silva foi agraciado com o prêmio Direitos Humanos, outorgado pelo Governo Federal brasileiro (em 2000), além de outras honrarias. Entretanto, o reconhecimento de seu trabalho na articulação dos evangélicos negros nem sempre encontra respaldo na hierarquia eclesiástica, haja vista que não é sacerdote, portanto, as alianças estabelecidas com pastores e bispos, intelectuais e agentes de outras denominações são fundamentais para um maior desenvolvimento de suas ações no interior das igrejas. Tendo-se em conta que sua origem religiosa é pentecostal e a maior parte dos atores do MNE pertencem às igrejas protestantes históricas, há sempre por parte de Hernani a tentativa de dar sempre um caráter ecumênico às suas ações.

Esse esforço de congregar as várias iniciativas do MNE impulsionou Hernani Silva a publicar o livro O movimento negro evangélico, em 2011. Nessa obra, o autor procura retraçar a história do movimento. Esse exercício não é inédito no processo de resgate identitários, sobretudo, porque se cristalizou a ideia de que a “história oficial” invisibilizou esses agentes.

Nesse sentido, há também uma tentativa de reescrita da presença evangélica no Brasil. Por exemplo, enquanto a história oficial considera o início do protestantismo no país, no ano de 1858, com a fundação da Igreja Fluminense pelo revendo Roberto Kalley; em O movimento negro evangélico, a gênesis está no ano de 1841, quando o pregador negro Agostinho José Pereira, funda a Igreja do Divino Mestre. Apelidado de “Lutero Negro”, o fim desse pregador e sua igreja é desconhecidos, conta–se, porém, que ele teria sido preso e deportado (SILVA, 2011, p. 9). Mas, se o recuo histórico for maior, Hernani (SILVA, 2011) aponta que a primeira Pastoral Negra Protestante no Brasil nasce das pregações de “Mãe Maria”, uma africana nagô, nascida na África por volta de 1825, e adquirida como escrava pelo pastor Voges, em 1846, fora alfabetizada e aprendeu alemão com a senhora Elisabetha, sua proprietária. Assim, no rol das lideranças negras brasileiras, figuram membros de igrejas protestantes: João Candido (Igreja Metodista de São João de Meriti, liderou a revolta da chibata, no Rio de Janeiro, em 1910); Joao Pedro Teixeira (igreja Evangélica Presbiteriana, fundou a Liga Camponesa de Sapé, na Paraíba); Solano Trindade (poeta, foi diácono na Igreja Presbiteriana), o qual “decepcionado com o distanciamento do protestantismo com as questões sociais, incluindo a discriminação contra os negros, deixou a igreja, justificando sua saída com um versículo da própria Bíblia “Se não amas a teu irmão, a quem vês, como podes amar a Deus, a quem não vês’?” (SILVA, 2011, p. 12).

Na segunda parte do livro, Hernani Silva volta-se não mais para personalidades específicas, mas iniciativas coletivas. No capitulo O Movimento Negro Evangélico Contemporâneo considera os anos 1970 e 80 como paradigmáticos, pois é nesse momento vem à luz diversas iniciativas institucionais e muitos “despertam” para sua negritude. Recorde-se que o próprio autor localiza sua “reconversão” em 1988.

Assim como ocorreu com o Movimento Negro Católico, e com os religiosos afro-brasileiros, o período de dedemocratização do Brasil, impulsionou as minorias (sobretudos negros e indígenas) a se reorganizarem para desenvolverem ações de combate as injustiças sofridas. Alguns evangélicos não ficam alheios a esse contexto político-social.

Dentre as várias iniciativas podem-se destacar as ações da Igreja Metodista, que foi a primeira a oficializar, em 1985, uma Comissão Nacional de Combate ao Racismo, que havia sido criada anos antes (1973) por iniciativa de fiéis oriundos de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul. (BRANCHINI, 2011, p. 20). O reconhecimento dessa comissão só ocorreu doze anos após a sua criação, pois se temia que esse tipo de discussão provocasse um cisma na Igreja (FAUTINO, 2014). Foi sob a gestão do reverendo Antonio Olímpio Sant’Ana na Secretaria de Ação Social da Igreja Metodista que houve essa oficialização, que passou a ser chamada de Pastoral Nacional de Combate ao Racismo, cujo objetivo era

identificar linguagem racista na hinologia e na própria literatura produzida pela igreja e capacitar lideranças para atuarem nas diversas regiões eclesiásticas. Nessa mesma década, foram criadas as Pastorais Regionais de Combate ao Racismo em quase todas as regiões eclesiásticas, que desenvolveram importante trabalho de conscientização no seio das igrejas locais. Também surgiram neste período o Coral Resistência de Negros Evangélicos, em São Paulo (1988), e o Centro Ecumênico de Cultura Negra, em Porto Alegre.

Metodista natural de Rio Piracicaba (MG), o revendo Sant’Ana, em entrevista concedida à Revista Raça Brasil (FAUTINO, 2014), afirma que a “A religiosidade é a maneira de se chegar e vislumbrar o Ser Supremo. Minha religião é Metodista, mas a minha espiritualidade é negra. Antes de ser metodista e cristão, sou negro.

Esse texto é parte da Tese: A cor da fé: “identidade negra” e religião para a obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais.

Autor: Rosenilton Silva de Oliveira.

Tese apresentada ao Programa de Pósgraduação em Antropologia Social do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo em convenio de dupla-titulação com a Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais (Antropologia Social).

Orientador: Prof. Dr. Vagner Gonçalves da Silva
Co-orientadora: Prof.ª Dra. Emmanuelle K. Tall  

Para ler a Tese completa baixe o arquivo em PDF:

BAIXAR A cor da fé: “identidade negra” e religião

Produção científica sobre o Movimento Negro Evangélico

Os vestígios Históricos do Lutero Negro e a Gênesis do Protestantismo Brasileiro

A chegada da corte portuguesa, os processos de independências do Brasil e as primeiras leis abolicionistas marcaram significativamente a primeira metade do século XIX e deram o tom para as transformações políticas, econômicas, sociais e religiosas em solo brasileiro. E é sobre esse contexto que surge, em 1841 na cidade de Recife, Agostinho Jose Pereira pregador negro e precursor do protestantismo no Brasil, fundador da Igreja do Divino Mestre, que segundo Hernani Francisco da Silva foi a primeira igreja protestante no país.

Os vestígios históricos sobre Agostinho ainda são poucos, mas o que se pode afirmar, diante das fontes jornalísticas é que, ele sabia ler e escrever e fez de seu ministério uma possibilidade para falar sobre liberdade e o fim da escravidão e por isso ensinava os seus adeptos a ler e escrever. Ainda segundo Hernani Francisco da Silva, “As ideias de Agostinho eram avançadas e perigosas para a época onde a igreja católica era a religião oficial do Estado.” Entretanto, não foram as ideias e convicções religiosas do Pastor Negro que despertaram o descontentamento das autoridades do poder espiritual (Igreja) e as autoridades do poder temporal (Estado), mas sim suas ideias abolicionistas e seus inúmeros discursos que apontavam o Haiti como um exemplo de luta contra as formas de escravização do corpo negro.

Não podemos nos esquecer que a Revolução Haitiana, também conhecida por Revolta de São Domingos, que levou à eliminação da escravidão e à independência do Haiti, foi um dos maiores marcos históricos para a população afro-diaspórica no continente americano. As repercussões da Revolução geraram um medo eminente de revolta dos “escravizados” contra os seus “senhores”. Em sua tese de doutoramento, em Antropologia Social do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, Rosenilton Silva de Oliveira aponta Agostinho como um ícone para o Movimento Negro Evangélico (MNE), pois enquanto a história oficial considera o início do protestantismo no país, no ano de 1858, com a fundação da Igreja Fluminense pelo reverendo Roberto Kalley; o MNE em uma tentativa de reescrever a presença evangélica no Brasil contextualiza o ano de 1841, quando Agostinho José Pereira funda a Igreja Divino Mestre, como a gênesis está do protestantismo brasileiro.

Segundo os vestígios históricos, apontados por Silva, “o que sabemos é que ele era um negro letrado, e que fundou a primeira igreja protestante brasileira, essa igreja era negra. Sabemos também que na sua trajetória política conheceu Sabino o líder da revolta baiana conhecida como a sabinada, também participou da confederação do Equador“. Perseguido e preso, por conta de suas ideias em prol das liberdades, sua trajetória foi se esvaindo no tempo e solapada pela história oficial. Por isso, ao pontuar Agostinho Jose Pereira na História, como líder, pregador abolicionista, não corremos o risco de uma história única que tente a invisibilizar a participação de homens e mulheres negros e negras nas narrativas oficiais.

Autor:

Babalawo Ivanir Dos Santos

O Prof°. Babalawô Ivanir dos Santos, é Doutor em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHC/UFRJ); membro da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), Pesquisador do Laboratório de História das Experiências Religiosas (LHER-UFRJ) e Laboratório de Estudos de História Atlântica das sociedades coloniais pós coloniais (LEHA-UFRJ); Coordenador da Coordenadoria de Religiões Tradicionais Africanas, Afro-brasileira, Racismo e Intolerância Religiosa (ERARIR/LHER/UFRJ); Conselheiro Estratégico do Centro de Articulações de População Marginalizada (CEAP); Interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR); Conselheiro Consultivo do Cais do Valongo; Vice-presidente da América Latina no Conselho Internacional das Sociedades de Antigas Religiões de Descendentes de Africanos (ARSADIC), Nigéria. Tem experiência nas seguintes áreas ; Educação Étnico-racial e questões africanas, Direitos Humanos e Cidadania; Relações Internacionais; Religiões tradicionais da África Ocidental e Afro-brasileiras.


Referências:
http://www.espiritualidades.com.br/…/SILVA_Hernani_Francisc…

OVILEIRA, Rosenulton Silva de. A cor da fé: “identidade negra” e religião. Tese de Doutorado em Antropologia Social do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2017.

Fonte da foto: https://afrokut.com.br/blog/reforma-protestante-negra/



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