Cristofascismo nas Igrejas Evangélicas Brasileiras e a luta do Movimento Negro Evangélico

A Escalada Fascista, Fundamentalista e Conservadora no Protestantismo Histórico Brasileiro e nos Evangélicos em Geral e a luta do Movimento Negro Evangélico.

O cenário religioso brasileiro, marcado pela diversidade e pluralidade, tem sido palco de uma transformação preocupante: a ascensão de ideologias fascistas, fundamentalistas e conservadoras no seio do protestantismo histórico e do evangelicalismo em geral. Esse fenômeno, que ganhou força nas últimas décadas, reflete não apenas uma mudança teológica, mas também uma guinada política e social que impacta diretamente a sociedade brasileira. Este artigo busca analisar essa escalada, destacando a relação entre fascismo e religião, o fundamentalismo no protestantismo histórico, o surgimento do cristofascismo, a questão racial nas igrejas protestantes e a luta do Movimento Negro Evangélico.

O Fascismo Acha Morada nas Igrejas Protestantes

O fascismo, enquanto ideologia autoritária e excludente, encontrou terreno fértil nas igrejas protestantes brasileiras. Sob o slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, observa-se uma aliança perigosa entre líderes religiosos e projetos políticos que defendem a manutenção de privilégios e a perseguição a grupos marginalizados. O fascismo entra nas igrejas por meio do medo, do discurso de “inimigos comuns” (como o comunismo) e da defesa de uma suposta “ordem moral”.

Essa dinâmica se intensificou nos últimos anos, com a instrumentalização da fé para justificar violências e perseguições. O anticomunismo, por exemplo, tornou-se uma bandeira unificadora, usada para legitimar ataques a movimentos sociais, minorias e até mesmo a outros cristãos que não se alinham a essa visão. A religião, nesse contexto, serve como ferramenta de legitimação moral para práticas fascistas, transformando líderes políticos em “messias” e projetos de poder em “missões divinas”.

Fundamentalismo e Conservadorismo no Protestantismo Histórico Brasileiro

O protestantismo histórico brasileiro, composto por denominações como batistas, presbiterianos, metodistas, congregacionais, luterana, anglicana, entre outras, tem sido influenciado por uma onda neoconservadora. Essa influência, em grande parte, é importada dos Estados Unidos, onde o fundamentalismo religioso e o conservadorismo político andam de mãos dadas.

No Brasil, essa tendência se manifesta na defesa de uma “agenda da família tradicional”, na oposição a direitos LGBTQIA+, na questão do aborto e na promoção de uma teologia que prioriza a manutenção da ordem social vigente. Apesar de suas raízes na Reforma Protestante, muitas igrejas históricas têm se afastado de uma postura crítica e engajada com as questões sociais, optando por um discurso que reforça hierarquias e desigualdades.

O Nascimento do Cristofascismo nas Igrejas Evangélicas Brasileiras

O termo “cristofascismo”, cunhado pela teóloga alemã Dorothee Sölle, descreve a fusão entre o fascismo e o cristianismo. No Brasil, essa fusão se materializa na defesa de líderes políticos autoritários, na perseguição a minorias e na justificativa religiosa para práticas violentas e excludentes.

Exemplos dessa dinâmica não faltam. Camila Mantovani, fundadora da Frente Evangélica pela Legalização do Aborto, foi forçada a deixar o país após receber ameaças de morte. A pastora Odja Barros, que oficializou a união de duas mulheres na Igreja Batista do Pinheiro, em Maceió, Alagoas, sofreu ameaça de morte por causa da realização do matrimônio. O Pastor Lucinho Barreto, que recentemente viralizou nas redes sociais com uma fala, contando que levou um grupo de adolescentes de sua congregação para atrapalhar uma festa de religião de matriz africana: “Outro dia, em Belo Horizonte, falaram comigo ‘Lucinho, vai ter a festa do preto velho’. Eu falei ‘ninguém me pediu, não aceito. Não vai ter festa de preto velho, nem preto branco, nem preto roxo, não vai ter’. Fui lá no meu grupo de jovens, chamei 20 jovens, falei ‘vamos dar um B.O. na festa do capeta ali?. No Rio de Janeiro, traficantes “evangélicos” têm invadido terreiros de religiões de matriz africana, em um claro ato de intolerância religiosa.

Esses casos ilustram como o fundamentalismo religioso, aliado ao fascismo, busca eliminar a diversidade e impor uma visão única de mundo.

A Igreja Protestante Brasileira e a Questão Racial

A relação das igrejas protestantes com a questão racial no Brasil é marcada por omissões e cumplicidades. Durante o período da escravidão, muitas denominações protestantes se mantiveram neutras ou até mesmo coniventes com a escravidão, priorizando a “regeneração moral” dos escravizados em detrimento de sua libertação. Essa postura deixou um legado de silêncio e indiferença em relação ao racismo estrutural.

Hoje, embora 59% dos evangélicos brasileiros sejam negros, segundo dados do DataFolha (2020), a liderança das principais igrejas evangélicas continua majoritariamente branca. Essa dissonância entre a base e a liderança reflete a dificuldade das igrejas em abordar questões raciais de forma crítica e engajada.

O Movimento Negro Evangélico e a Luta Antirracista

Diante desse cenário, o Movimento Negro Evangélico (MNE) surge como uma voz profética, denunciando o racismo dentro e fora das igrejas. Fundado em 2003, o MNE busca resgatar a história negra no protestantismo e promover uma teologia que dialogue com as realidades da população negra.

Um exemplo emblemático dessa luta é a fala do pastor Cosme Felippsen durante a lavagem da Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro. Felippsen, integrante do MNE, denunciou o racismo religioso e a ganância de líderes evangélicos, defendendo o respeito às religiões de matriz africana e a inclusão de grupos marginalizados. Sua postura corajosa ilustra o potencial transformador de uma fé engajada com a justiça social.

Sai Dela, Povo Meu! Um Chamado ao Rompimento

Diante da escalada fascista e fundamentalista no evangelicalismo brasileiro, o chamado de Apocalipse 18:4-5“Sai dela, povo meu, para que não sejas participante dos seus pecados” — ressoa como um imperativo ético e teológico. Para muitos, chegou o momento de romper com igrejas que legitimam práticas excludentes e violentas, buscando construir comunidades de fé que abracem a diversidade e promovam a justiça.

O Movimento Negro Evangélico, com sua luta antirracista e sua defesa de uma teologia contextualizada, aponta caminhos para essa reconstrução. A fala do pastor Cosme Felippsen e a atuação do MNE são sinais de esperança, indicando que é possível resgatar o evangelho como uma mensagem de libertação e amor.

Em suma, a escalada fascista, fundamentalista e conservadora no protestantismo brasileiro é um fenômeno complexo, que reflete as tensões e contradições de uma sociedade marcada por desigualdades e exclusões. Diante desse cenário, a luta do Movimento Negro Evangélico nos lembra que a fé pode ser um instrumento de transformação e resistência. O chamado “Sai dela, povo meu!” não é apenas um convite ao rompimento com igrejas fascistas, mas também um convite à construção de uma igreja que seja, de fato, Sal e Luz no mundo.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut

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