Cinco pensamentos de Lélia Gonzalez

A professora Angela Davis, ex-Pantera Negra e reconhecida militante da luta contra o racismo em todo o mundo, ressaltou os feminismos negros do Brasil, e citou nomes como Marielle Franco, Luiza Bairros, Lélia Gonzalez e Carolina Maria de Jesus. Angela ressaltou que ela não precisa ser a referência do feminismo negro brasileiro, pois aprendeu muito com as feministas negras do país.

“Eu me sinto estranha quando sinto que estou sendo escolhida para representar o feminismo negro. E por que aqui no Brasil vocês precisam buscar essa referência nos Estados Unidos? Eu acho que aprendo mais com Lélia Gonzales do que vocês poderiam aprender comigo”, argumentou Davis.

Lélia sempre acreditou que uma sociedade solidária e fraterna é possível. Para isso, compreendia como necessário que, além do engajamento na luta política mais ampla, os grupos não dominantes, excluídos do poder, deviam produzir seu próprio conhecimento.

Segue 5 pensamentos de Lélia Gonzalez: 

1 – Construção da identidade

O importante é procurar estar atento aos processos que estão ocorrendo dentro dessa sociedade, não só em relação ao negro, ou em relação à mulher. Você tem que estar atento a esse processo global e atuar no interior dele para poder efetivamente desenvolver estratégias de luta. …só na prática é que se vai percebendo e construindo a identidade, porque o que está colocado em questão, também, é justamente uma identidade a ser construída, reconstruída, desconstruída, num processo dialético realmente muito rico.

2 – Frente Negra Brasileira /e/ a consciência racial no centro urbano:

O primeiro grande movimento ideológico pós-abolição, a Frente Negra Brasileira (1931-1938), buscou sintetizar ambas as práticas (assimilacionismo e prática cultural), na medida em que atraiu os dois tipos de entidade para o seu seio. Por aí, dá para entender também o sucesso de sua mobilização. Afinal, ela conseguiu trazer milhares de negros para os seus quadros. Precedida pelo trabalho de uma imprensa negra cada vez mais militante, a FNB surgiu exatamente no grande centro econômico do país que era, e é, São Paulo…. Com isso estamos querendo ressaltar o seu caráter eminentemente urbano, uma vez que é o negro da cidade que, mais exposto às pressões do sistema dominante, aprofunda sua consciência racial.

3 – As Escolas de Samba:

O golpe de 1964 implicaria na desarticulação das elites intelectuais negras, de um lado, e no processo de integração das entidades de massa numa perspectiva capitalista, de outro. As escolas de samba, por exemplo, cada vez mais, vão se transformando em empresas da indústria turística. Os antigos mestres de um artesanato negro, que antes dirigiam as atividades nos barracões das escolas, foram sendo substituídos por artistas plásticos, cenógrafos, figurinistas etc. e tal… Os “nêgo véio” da Comissão de Frente foram substituídos por mulatas rebolativas e tesudas. Os desfiles transformaram-se em espetáculos tipo teatro de revista, sob a direção de uma nova figura: o carnavalesco.

4 – A responsabilidade na militância /e/ Candeia:

Papo vai, papo vem, ele (Candeia) nos presenteou com o folheto do enredo para o próximo carnaval: Noventa Anos de Abolição [para a Escola de Samba Quilombo, fundada por ele, junto com Lélia e outros/as, em 1975]. Fora escrito por ele, Candeia, “baseado nas publicações de Edson Carneiro, Lélia Gonzalez, Nina Rodrigues, Arthur Ramos (…), Alípio Goulart”… Surpresa e emocionada, disse-lhe que ainda não tinha um trabalho publicado digno de ter meu nome ao lado daqueles “cobras” (afinal, um artiguinho aqui, outro acolá, e de tempos em tempos, não significava nada). Ele retrucou, dizendo que sabia muito bem do trabalho que eu vinha realizando “por aí” e que isso era tão importante quanto os livros dos “cobras’. E foi aí, então, que me incumbiu de representar o Quilombo no Ato Público (contra o racismo): “Não importa o que você diga, que eu assino embaixo”. Pela primeira vez, para mim, alguém me fazia refletir sobre a responsabilidade que se tem quando se começa um trabalho “por aí”.

5 – O aparecimento do Movimento de Mulheres Negras:

Em, 1975, quando as feministas ocidentais se reuniam na Associação Brasileira de Imprensa para comemorar o Ano Internacional da Mulher, elas ali compareceram, apresentando um documento onde caracterizavam a situação de opressão da mulher negra. Todavia, dados os caminhos seguidos por diferentes tendências que se constituíram a partir do “Grupão”, esse grupo pioneiro acabou por se desfazer e suas componentes continuaram a atuar, então, nas diferentes organizações que se criaram.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut

Artigo publicado originalmente em 2012 no Afrokut, atualizado em 22/10/2019


Referências:

Entrevista concedida à revista SEAF.

Lugar de Negro, p. 23

Lugar de Negro, p. 28

Em São Paulo, 07 de julho de 1976, com o objetivo de “protestar contra os últimos acontecimentos discriminatórios contra negros, amplamente divulgados pela imprensa.”

Lugar de Negro, p. 45-46.

Artigo Lélia Gonzalez: Mulher Negra na História do Brasil – Ana Maria Felippe

A filosofia Ubuntu no filme Rei Leão

No filme Rei Leão, nos deparamos com a filosofia Ubuntu. Como é de se imaginar, todo o filme se passa no continente africano. Mesmo lugar do nascimento da filosofia Ubuntu. Além da filosofia, o filme Rei Leão é repleto de elementos da cultura de toda a África.

No inicio do filme a filosofia Ubuntu  é mostrada no discurso de Mufasa. O pai, quando decide mostrar o reino para o filho, escolhe cuidadosamente as palavras para exemplificar o ciclo da vida e, acima de tudo, como um rei deve respeitar esse equilíbrio.

Mufasa: Tudo o que você vê existe num delicado equilíbrio. Como rei, você precisa compreender esse equilíbrio e respeitar todas as criaturas, desde a formiga rastejante ao antílope que salta.

Simba: Mas pai, não comemos os antílopes?

Mufasa: Sim, Simba, mas me deixe explicar. Quando morremos, os nossos corpos se tornam grama e os antílopes comem a grama. E assim estamos todos conectados no Grande Ciclo da Vida.”

Uma coisa muito curiosa no filme Rei Leão é a relação da espiritualidade com o personagem Rafiki. O mesmo é quem nos apresenta esse lado mágico e espiritual do universo do filme. Assim, descobrimos que a natureza se comunica de alguma forma com ele sempre que algo relevante precisa ou está prestes a acontecer.

Além disso, Rafiki nos ensina que os animais acreditam e conseguem se comunicar com os seus reis do passado. Um conceito espiritual e religioso muito interessante e semelhante ao que podemos ver em Pantera Negra, da Marvel.

Mas o que isso tem a ver com Ubuntu? Bem, como estamos vendo, Ubuntu se relaciona com o equilíbrio, com garantir que tudo corra bem para todos e entender que ninguém pode nada sozinho. É basicamente isso que Rafiki procura fazer, garantindo que o ciclo da vida continue de forma harmônica. Sempre que algo está prestes a atrapalhar isso, ele aparece.

Seja para lembrar a importância de se governar corretamente, como para nos mostrar que devemos aprender com os erros do passado e garantir um presente e futuro melhor para todos. Isso é Ubuntu! Parte do artigo  “A filosofia Ubuntu no filme Rei Leão” – Mochila & Prosa

Afrokut

Imagem: Aprendendo o Ubuntu desde criancinha.
Fonte: Brand South Africa.


https://afrokut.com.br/blog/o-que-e-ubuntu/

Wakanda: O maravilhoso reino afrofuturista do Pantera Negra

O filme Pantera Negra é um acontecimento muito especial e ousado da Marvel, o que torna Pantera Negra um filme especialmente fascinante é a introdução da terra natal do Pantera Negra: o reino de Wakanda, uma maravilhosa terra repleta de tecnologias e com uma forte cultura rica que prospera nos tempos modernos no coração da África, simulando uma versão da África que foi permitida prosperar sem a imposição de cultura e colonização.

No filme, o Pantera Negra, cuja identidade secreta é a de T’Challa, também príncipe de Wakanda, volta para sua terra natal depois que seu pai é assassinado, tornando-se assim, o rei. Wakanda é um reino africano que prosperou graças à extração de um mineral raro e com diversas propriedades chamado vibranium, o metal mais raro e precioso do universo. O vibranium foi usado nas roupas e garras do Pantera Negra (é o material fundamental no escudo do Capitão América). Principalmente pela abundância do mineral, Wakanda é considerado um dos países mais ricos e cientificamente avançados nesta ficção da Marvel.

Devido ao isolacionismo intencional do país, Wakanda está à frente dos países vizinhos em avanços tecnológicos, criando sistemas informáticos impermeáveis à ataques externos. Também é reconhecida por sua medicina avançada e cura, como um subproduto de uma forte ordem religiosa. As práticas religiosas de Wakanda estão interligadas com a monarquia da nação, mantendo os antigos valores religiosos e culturais. Por isso, brilha como um reino construído em tecnologia e magia, sem deixar vestígios de pobreza ou doença, sendo verdadeiramente um reflexo de um afrofuturismo que pode ser encontrado nas histórias do Pantera Negra desde sua criação.

O que torna o filme Pantera Negra tão inovador, foi estabelecer Wakanda longe dos estereótipos “primitivos” e “selvagens” habituais associados à África, como se vê em filmes como Tarzan e muitos outros. Diferente disso, mostra-se um poderoso poder em Wakanda que nunca sentiu os efeitos do colonialismo ou imperialismo branco. Os criadores do Pantera Negra parecem determinados a corrigir as coisas, recorrendo a viagens de pesquisa para a África, recursos históricos e referências culturais específicas. Além do elenco de atores africanos e afro-americanos e a língua nacional de Wakanda sendo o idioma africano, Xhosa.

Pantera Negra não é apenas um filme de super-heróis que agrada e busca audiência, é uma história sobre reis e reinos, também é uma história sobre pais, linhagens e conflitos geracionais. Mesmo parecendo uma história contada em muitos enredos de filmes, o Pantera Negra está dizendo isso de uma maneira nova (Isso sem mencionar a representatividade, o que significa a identidade desses heróis negros e todo o reino mostrados de forma tão poderosa para meninos e meninas negras, heróis negros sendo representados com maior profundidade no Universo Cinematográfico Marvel.) É um momento vital na história do cinema e uma exploração sincera e reflexiva das cicatrizes do colonialismo e da esperança de cura. No Pantera Negra existe empoderamento e orgulho. Um filme com a finura preternatural da “magia negra” no cinema, o que poderia ser uma visualização daquela utopia negra que os pan-africanistas já sonharam.

Por Hernani Francisco da Silva – Ativista Quântico Negro – Do Afrokut