
Embora o número de negros e pardos seja proporcionalmente maior nas igrejas pentecostais do que nas igrejas históricas42 (IBGE, 2010), é principalmente a partir do contexto destas últimas que se têm levantado pessoas buscando lançar luz sobre tais questões, incluindo-as na pauta de interesse de algumas igrejas evangélicas.
Exemplo de tal constatação foi a oficialização da Comissão Nacional de Combate ao Racismo – em 1985, na gestão de Antônio Olímpio Sant’Ana sobre a Secretaria de Ação Social da igreja Metodista. Designada a partir de então como Pastoral Nacional de Combate ao Racismo, esta comissão fora criada doze anos antes por membros da denominação oriundos dos Estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, tendo como objetivo identificar linguagem racista na hinologia e na própria literatura produzida pela igreja, além
de capacitar lideranças para atuarem nas diversas regiões eclesiásticas (OLIVEIRA, 2017). Outros exemplos são a criação da Associação Evangélica Palmares (1987), do Grupo Evangélico Afro-brasileiro e dos Capoeiristas de Cristo (1988).
Outra figura pioneira a manifestar tal preocupação foi Hernani Francisco da Silva, cuja “segunda conversão” consistiu em “despertar sua negritude”, ocasião em que se sentiu impelido a desenvolver um trabalho voltado para o combate ao racismo no interior do campo religioso evangélico. Em 1991, Hernani Silva, então pertencente a uma igreja pentecostal, fundou com o auxílio de outras pessoas a Sociedade Cultural Missões Quilombo, cujo objetivo principal era“modificar a visão que as igrejas evangélicas têm da cultura negra’ através de uma tentativa de resgate da presença negra nas raízes do cristianismo e da denúncia do que considera uma ‘teologia evangélica racista” (SILVA, 2011; apud OLIVEIRA, 2017: 132).
Nas décadas seguintes, eclode um sem-número de grupos, atuantes desde os níveis local a nacional, interessados em discutir a situação do indivíduo negro adepto do protestantismo. Assim como ocorreu no contexto católico, o movimento negro evangélico foi impulsionado no período da redemocratização. Contudo, como observa Oliveira (2017), diferentemente daquele, não houve no campo protestante a mesma concentração de ações e agentes nos movimentos de cunho étnico-racial, devido ao caráter plural deste segmento religioso.
Por isso, várias tentativas foram empreendidas ao longo dos anos a fim de possibilitar a troca de informações e realização de atividades em conjunto: o Fórum de Afrodescendentes Evangélicos; as comunidades Negros Cristãos, CNNC – Conselho Nacional de Negras e Negros Cristãos, Negros Evangélicos, Negros Sim!! Somos Cristãos, Movimento Negro Evangélico, Teologia Negra, o Afrokut e outras, todas reunindo evangélicos de várias denominações e estabelecidas em redes virtuais de relacionamento.
Atualmente, enquanto uma vertente do movimento adota a defesa da brasilidade (isto é, da integração entre negros e brancos), outros rejeitam não só a miscigenação e as relações inter-raciais, por exemplo, mas também a existência de um movimento evangélico, alegando que o movimento negro seria um só. A despeito disso, a mobilização de uma pequena parcela dos negros evangélicos tem provocado debates sobre o que outrora era um tabu, isto é, a relação entre religião e negritude. Porém, se no nível da militância tais questões vêm sendo discutidas desde o século passado, o mesmo não se dá no nível acadêmico, onde são escassos os trabalhos que se debruçam sobre tal tema.
Por Alexandre Florencio dos Santos
Protestantismo e identidade negra sob enfoque narrativo: dilemas e relações possíveis / Alexandre Florencio dos Santos; orientadora: Liana de Andrade Biar. – 2022.
Tese (doutorado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro, Departamento de Letras, 2022.
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Protestantismo e Identidade Negra sob enfoque narrativo: dilemas e relações possíveis