Protestantismo negro de esquerda

 

No final do ano de 2022, o cantor e pastor evangélico Kleber Lucas, em entrevista ao podcast do cantor Caetano Veloso, do canal Mídia Ninja, afirmou que o racismo existente na sociedade brasileira também se expressa nas canções que compõem o hinário das igrejas evangélicas.

Tem um hino que diz: “alvo mais que a neve”, se você aceitar Jesus, você vai ficar branco como a neve. Isso é cantado por brancos e negros  com lágrimas, porque tem uma melodia lindíssima. No final da santa ceia– Você toma santa ceia, eucaristia e canta “alvo mais que a neve”,  porque tem uma melodia, porque o discurso, às vezes nefasto, um discurso de dominação, ele está embalado. Ele tem uma entrega muito boa, de uma melodia linda, de uma memória familiar, de uma memória comunitária, todo mundo cantando de olhinhos fechados, de mãos levantadas ou ajoelhados ou um coro cantando “alvo mais… branco como a neve, branco como a neve”. Porque o sangue de Jesus me torna branco. As ideias de embranquecimento estão lá no hino.” (Kleber Lucas)12

O refrão da referida canção afirma: “Alvo mais que a neve, Alvo mais que a neve, Sim, nesse sangue lavado, Mais alvo que a neve serei”1

Essa reflexão de Kleber Lucas provocou uma reação generalizada entre evangélicos mais conservadores. Influencers e lideranças eclesiásticas se engajaram em uma campanha para negar a existência do racismo nas
comunidades de fé evangélica. Nesse contexto, a fala de Kleber Lucas foi alvo de ridicularização por meio de “memes” e discursos em tom mais bélico e agressivo, descredibilizando suas reflexões teológicas e políticas acerca da dimensão do racismo.

A preocupação com a linguagem racista nas canções evangélicas não é nova, de acordo com Rosenilton Oliveira (2021) essa demanda já se apresentava na criação da Pastoral Nacional de Combate ao Racismo, da Igreja Metodista, na década de 1980. O caso que envolve Kleber Lucas é nosso ponto de partida para refletir sobre a atuação dos evangélicos negros de esquerda engajados na luta política e teológica contra o racismo, certa vez que o próprio Kleber Lucas participa ativamente desse movimento político e teológico/religioso.

O protestantismo negro de esquerda é uma experiência minoritária tanto no interior do evangelicalismo como no espectro da esquerda política. No entanto, os agentes individuais e coletivos são muito atuantes e produzem de maneira sistemática ações diversificadas relacionadas a luta antirracista, como a realização de debates, produção de conteúdo para as redes sociais, lançamento de cartilhas e livros, participação em manifestações de rua, formação de grupos de estudos, cultos, eventos culturais etc.

Entre os objetivos específicos dessas ações identificamos, por exemplo, a demanda em demonstrar que a origem do cristianismo está muito mais vinculada ao continente africano do que o europeu. E parte desses esforços se constitui em expor a presença da África e de personagens negros na bíblia e pela defesa de um Jesus negro (ou de um Jesus não branco). Também verificamos a valorização da ancestralidade pelo resgate de figuras do passado, denunciar a intolerância contra religiões de matriz africana (racismo religioso), apontar o silenciamento da questão racial nas igrejas, afirmar a prática do racismo como pecado, defender as cotas raciais nas universidades e concursos públicos, exaltar positivamente as expressões culturais afro-brasileiras, expor a violência perpetrada pelo Estado contra a comunidade negra (necropolítica), entre outras.

Verificou-se a existência de um campo semântico próprio do protestantismo negro de esquerda, com expressões do tipo “Jesus preto de Nazaré”, “contra o pecado do racismo”, “a bíblia é um livro negro”, “Jesus é preto” entre outras. Ideias, frases, jargões e terminologias que são expressas verbalmente, em estampas de camisetas, na produção teórica escrita, no conteúdo das redes sociais etc.

Os agentes sociais buscam afirmar a negritude e a africanidade de múltiplas formas, uma delas é no próprio corpo físico, por meio de uma estética corporal, conformando uma “estilística” ou “estética da existência” (FOUCAULT, 2004). O corpo é uma espécie de espaço político de afirmação positiva da negritude e da africanidade, isso acontece por meio do uso de dreadlocks (principalmente entre homens); cabelos crespos e cacheados volumosos (principalmente entre mulheres); vestimentas coloridas com estampas africanas; adereços como colares, anéis, brincos, pulseiras, gargantilhas, lenços, turbantes.

Há também as tatuagens com referências ao território continental africano e suas múltiplas expressões culturais, como o sankofa (símbolo adinkra das culturas akan na África ocidental). Em um dos encontros que participei na Nossa Igreja Brasileira, o pastor Marco Davi de Oliveira vestia uma camiseta de cor preta com
a frase estampada com fonte branca, “Sou seguidor do negro da periferia, Jesus de Nazaré”. Muitos dos agentes sociais observados possuem curso superior em diferentes áreas, como teologia, ciências sociais, jornalismo, história, arquitetura, medicina, pedagogia etc. Alguns articulam militância política com pesquisa acadêmica, Rosenilton Silva de Oliveira (2021) já havia percebido em suas pesquisas que parte da atuação política dos agentes sociais do movimento negro evangélico (MNE) é mediada pela pesquisa cientifica.

Percebeu-se que a maioria pertence ou já pertenceu a denominações históricas e missionárias, poucos são ou já foram de igrejas pentecostais. As três igrejas observadas nessa pesquisa que tem um engajamento político antirracista, são denominações de orientação batista, a saber, Nossa Igreja Brasileira, Comunidade Batista de São Gonçalo e Igreja Batista do Caminho. Percebe-se que muitos evangélicos não estão vinculados a nenhuma denominação, como é o caso de um dos entrevistados nessa pesquisa. Os evangélicos que se encontram nessa situação são denominados nesse campo religioso de “desigrejados”. De acordo com o Censo Demográfico do IBGE de 2010 existem mais de 9 milhões de evangélicos sem pertencer a uma denominação, o que corresponde à 4,8% da população brasileira. No Censo este seguimento está agrupado sob a categoria de “não determinados”.

Os evangélicos negros de esquerda produzem intensamente teologias antirracistas, que compõem a denominada teologia negra. As grandes influências teóricas são os autores da teologia negra estadunidense, da teologia da
libertação, da teologia da missão integral, os pensadores anticoloniais, pós-coloniais e decoloniais, da psicanálise, dos estudos culturais, do pensamento social brasileiro, entre outros. A maioria dos pensadores e pensadoras mobilizadas nessas reflexões políticas e teológicas são sobretudo negros, como James Cone, Martin Luther King Jr, Desmond Tutu, Neusa Santos Souza, Lélia Gonzalez, Frantz Fanon, Stuart Hall, Sueli Carneiro, Abdias do Nascimento etc.

De acordo com a pesquisa realizada pelo teólogo Hernani Francisco da Silva (2011), o movimento evangélico negro, tem longa história no Brasil. Teria se iniciado com Agostinho José Pereira, por volta de 1841 quando fundou a Igreja do Divino Mestre na cidade de Recife em Pernambuco. Esse pastor enfatizava em suas pregações passagens bíblicas que condenavam a escravidão e exaltava a liberdade, de acordo com o historiador Marcus Carvalho, “A própria Bíblia tornava-se um instrumento de resistência e não de conformismo” (1998, s,p). O líder também mencionava com certa frequência a revolução haitiana do final do século XVIII (Revolução de São Domingos), alfabetizava pessoas negras escravizadas e libertas. Sua igreja, de acordo com os poucos registros da época, aglutinava cerca e 300 pessoas, sendo majoritariamente negras.

O movimento religioso foi desarticulado por conta de uma série de perseguições, prisões, apreensão de material e interrogatórios de suas principais lideranças. As autoridades policiais enxergavam o Divino Mestre como um sujeito potencialmente perigoso por desconfiarem que havia participado da revolta da sabinada na Bahia, alguns anos anteriores. Não se sabe o que de fato ocorreu com o líder religioso após esse episódio.

A figura de Agostinho José Pereira é mencionada com certa frequência nos debates teológicos e políticos promovidos pelos agentes observados nesta pesquisa. A percepção que os agentes sociais têm desse líder religioso é que seu agenciamento teria afrontado os diversos tabus estabelecidos na época, como a religião, a questão de raça, de classe e educação. Aqui vale ressaltar que os atores sociais em sua atuação e produção de conhecimento reivindicam a existência de uma tradição evangélica que combate a opressão racial.

A publicação do livro Movimento Negro Evangélico: Um Mover do Espírito Santo é um esforço por parte do teólogo Francisco Hernani da Silva de resgatar a memória de personalidades e experiências coletivas que se encontram a margem da denominada “história oficial”. Esse é exatamente o caso do já mencionado Agostinho José Pereira (“o Lutero Negro”) e a Igreja do Divino Mestre, mas também da Mãe Maria (“a Jovem Maria da nação Nagô”), João Cândido (“o marinheiro negro”), Solano Trindade (“o poeta negro”), João Pedro Teixeira (“da Liga Camponesa de Sapé”), por exemplo. A produção teórica, os discursos e as práticas sociais promovida pelos diferentes agentes do protestantismo negro desafia as teorias, as práticas e os discursos hegemônicos ao mesmo tempo que tensionam o debate sobre a questão racial na sociedade e no protestantismo brasileiro. São essas questões que planejamos verificar no caso da denominação, Nossa Igreja Brasileira – Igreja Batista.

Wallace Cabral Ribeiro

Texto retirado do trabalho de pesquisa de  Wallace Cabral Ribeiro. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal Fluminense (PPGS-UFF). Realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES).

Protestantismo negro de esquerda – Trabalho completo – Wallace Cabral Ribeiro – 48º Encontro Anual da ANPOCS – 2024

CONTRA O PECADO DO RACISMO”: PROTESTANTISMO NEGRO DE
ESQUERDA NA LUTA ANTIRRACISTA

A gêneses do movimento negro evangélico no Brasil

Reconstruir a história do Movimento Negro Evangélico Brasileiro (MNE) é uma tarefa complexa, sobretudo porque esse é um processo ainda em andamento, com suas fronteiras borradas. Essa dificuldade parece ser maximizada na medida em que olhamos com maior vagar para o interior do próprio campo religioso cristão não católico, nomeado genericamente neste texto como “evangélicos”.2 Entretanto, é possível observar uma espécie de fio de Ariadne3 que conduz seus agentes no desenvolvimento de suas ações.

Pode-se falar em Movimento Negro Evangélico (MNE), por um lado, na medida em que se tem como referencial um conjunto de ações produzidas por grupos consolidados ou em construção, cujos agentes são pessoas que se autoclassificam como “evangélicas” e negras (pretas ou pardas, de acordo com a nomenclatura adotada pelo IBGE). Por outro, deve-se considerar que, em geral, os destinatários dessas atividades são também pessoas negras que participam de alguma igreja classificada como “evangélica”.

O combate ao racismo no interior das igrejas, em particular, e na sociedade, em geral, pode ser tomado como o elemento central a partir do qual se organizam as diversas iniciativas com temática racial empreendidas por esses grupos. Tais iniciativas têm em comum o fato de serem organizadas com base em certa orientação teológica-pastoral de inspiração protestante. Isso significa que, mais do que tratar de um grupo específico, para compreender o MNE, é preciso, antes de tudo, mapear as diversas atividades presentes nas várias igrejas para, em seguida, proceder a análise de suas estruturas.

Neste texto será apresentado de maneira panorâmica uma historiografia do MNE, a partir da atuação de alguns de seus agentes paradigmáticos. Discute-se também o modo como os símbolos da herança africana no Brasil são acionados nas ações desses grupos. Os dados que seguem foram recolhidos durante a pesquisa de campo,4 que privilegiou a produção escrita dos agentes evangélicos, a participação em curso de formação sobre a presença do negro na igreja, entrevistas e depoimentos colhidos por meio de sites de relacionamento (especificamente o Afrokut, que reúne exclusivamente negras e negros evangélicos) além de conversas informais.

É importante ressaltar que, embora a participação das mulheres seja fundamental para a consecução do MNE, pastores e lideranças masculinas ganham proeminência na narrativa pública sobre a gênese do movimento. Em parte, esse fenômeno é justificado por alguns interlocutores5 pelo fato de que o sacerdócio no âmbito das igrejas cristãs (católicas e aquelas originárias da Reforma) é exercido quase que exclusivamente por homens, posição controversa entre os agentes. Atém mesmo entre as lideranças, o lugar que o sujeito ocupa na hierarquia religiosa impacta na atuação, como se verá mais adiante.

Partindo do princípio de que os discursos não constituem um campo separado das práticas sociais que produzem as identidades com base em sinais diacríticos da identificação étnica-racial seletivamente construídos, os grupos étnicos são “vistos como formas de organização de novas e adaptadas identidades ao “aqui e agora’” (Cunha 2009a:226). Entende-se que o campo religioso brasileiro, nas últimas décadas, tem sido um poderoso “aqui e agora” a impelir as religiões a também se posicionarem frente à diversidade étnico-cultural de seus fiéis.

Ao descrever os processos discursivos (Asad 2003) que orientam as práticas desses sujeitos, pretende-se verificar como são produzidos os conceitos em disputa (“identidade negra”, “cultura negra”, “negritude”, “herança africana”, “pan-africanismo”, “afrocentrismo” etc.), os quais põem segmentos religiosos distintos em diálogo na esfera pública. Com isso, não se imputa às categorias investigadas significados a priori – pelo contrário, queremos compreender seu processo de elaboração.

O conjunto de categorias operacionalizada pelos agentes é tomada como “nativo”, cujo significado não está apartado dos contextos e dos sujeitos que o empregam. Desse modo, importa saber como os consensos são estabelecidos por meio de discursos e como práticas ganham significados na esfera pública, põe atores em relação e promovem a efetivação de direitos. O recurso das aspas nos ajudará a colocar em suspeição esses termos, tal como fez a Manuela Carneiro da Cunha (2009b:373) ao tratar da noção de cultura e “cultura”.

Ganha relevo, neste debate, os deslocamentos de sentidos que são operados pelos agentes nas categorias de classificação “etnia” e “raça”, com base em certa noção de “cultura”. Isto é, como se verá mais adiante, a noção de raça acionada por alguns agentes em certos momentos parece apontar para o sentido de grupo étnico tal como fora definido por Fredrik Barth (1969).

Entre os anos 1970 e 1980, observa-se a gênese de duas posturas distintas frente às heranças culturais africanas no Brasil: combate e certa indiferença. Ou seja, por um lado, igrejas evangélicas neopentecostais assumem como elemento central da sua ação proselitistas a demonização das divindades, elementos e valores das religiões afro-brasileiras, inclusive daqueles presentes nos ícones da “identidade nacional”, como a capoeira, o carnaval, o samba etc. (Mariano 1999Silva 2007). Por outro lado, no âmbito das igrejas protestantes históricas emergem alguns coletivos de evangélicos negros que assumem um discurso de salvação que leva em consideração o pertencimento étnico-racial de seus fiéis sem, no entanto, ressaltar o que fora tradicionalmente evidenciado como “símbolos da cultura negra” (Burdick 2004).

Esse quadro desenhado no campo “evangélico” opõe-se ao contexto católico, pois, desde os anos de 1970, lideranças (formadas por leigas e leigos, padres e bispos) empreendem uma série de ações pastorais dentro e fora da igreja, em prol da população negra assumindo e ressignificando elementos culturais de origem africana. Tais atividades voltam-se para dentro da igreja, como a proposição de “liturgias inculturadas” (Oliveira 2016), e para fora, associando-se a outros coletivos do movimento negro (Oliveira 2017).

Neste texto, parte-se do pressuposto de que, atualmente, há um descentramento da identidade, isto é, o indivíduo não pode mais ser identificado com base em dados apriorísticos ou essencializantes. É por força da globalização que as identidades centradas e “fechadas” são deslocadas e pluralizadas. Dessa forma, a construção da identidade via interação com o grupo de origem não resulta em apenas uma definição, mas “produz uma variedade de possibilidades e novas posições de identidades… [tornando] as identidades mais posicionais, mais políticas, mais plurais e diversas; menos fixa, unificadas ou trans-históricas” (Hall 2003:87).

Nesse contexto, considerando que no jogo das identidades os sujeitos estão “constantemente em negociação, não com um único conjunto de oposições que nos situe sempre na mesma relação com os outros, mas com uma série de posições diferentes” (Hall 2009:328), a constituição do Movimento Negro Evangélico participa dessa disputa pela autoridade em legitimar a “identidade negra” com base em seus pressupostos doutrinários. Dessa forma, os agentes religiosos buscam autoridade para enunciar um discurso tanto na esfera pública, acerca das políticas étnico-raciais, quanto no exercício do proselitismo, uma vez que seriam as religiões também articuladoras na construção da “negritude”.

O método de coleta de dados adotado abrangeu três níveis complementares: documental, observação participante (em campo) e entrevista e/ou coleta de depoimentos dos agentes observados. A pesquisa de campo privilegiou a produção escrita de lideranças religiosas, a participação em curso de formação sobre a presença do negro na igreja, entrevistas e depoimentos colhidos por meio de sites de relacionamento (especificamente o Afrokut, que reúne exclusivamente negras e negros evangélicos) e o acesso aos registros (entrevistas, reportagens etc.) das atividades feitas pelos próprios religiosos e divulgadas na mídia.

Este texto está dividido em duas partes: na primeira, apresenta-se o processo de configuração do MNE e, na segunda, discute-se como os símbolos da “herança africana no Brasil” são acionados por esses agentes, na conformação de suas ações pastorais.

Por Rosenilton Silva de Oliveira – Professor na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP, Brasil.
Coordenador do Fateliku – grupo de pesquisa sobre educação, relações étnico-raciais, gênero e religião. Doutor em Antropologia.


Para ler a Tese completa baixe o arquivo em PDF:

“Hoje eu orei, Ele é negro”: a gêneses do movimento negro evangélico

Os vestígios Históricos do Lutero Negro e a Gênesis do Protestantismo Brasileiro

A chegada da corte portuguesa, os processos de independências do Brasil e as primeiras leis abolicionistas marcaram significativamente a primeira metade do século XIX e deram o tom para as transformações políticas, econômicas, sociais e religiosas em solo brasileiro. E é sobre esse contexto que surge, em 1841 na cidade de Recife, Agostinho Jose Pereira pregador negro e precursor do protestantismo no Brasil, fundador da Igreja do Divino Mestre, que segundo Hernani Francisco da Silva foi a primeira igreja protestante no país.

Os vestígios históricos sobre Agostinho ainda são poucos, mas o que se pode afirmar, diante das fontes jornalísticas é que, ele sabia ler e escrever e fez de seu ministério uma possibilidade para falar sobre liberdade e o fim da escravidão e por isso ensinava os seus adeptos a ler e escrever. Ainda segundo Hernani Francisco da Silva, “As ideias de Agostinho eram avançadas e perigosas para a época onde a igreja católica era a religião oficial do Estado.” Entretanto, não foram as ideias e convicções religiosas do Pastor Negro que despertaram o descontentamento das autoridades do poder espiritual (Igreja) e as autoridades do poder temporal (Estado), mas sim suas ideias abolicionistas e seus inúmeros discursos que apontavam o Haiti como um exemplo de luta contra as formas de escravização do corpo negro.

Não podemos nos esquecer que a Revolução Haitiana, também conhecida por Revolta de São Domingos, que levou à eliminação da escravidão e à independência do Haiti, foi um dos maiores marcos históricos para a população afro-diaspórica no continente americano. As repercussões da Revolução geraram um medo eminente de revolta dos “escravizados” contra os seus “senhores”. Em sua tese de doutoramento, em Antropologia Social do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, Rosenilton Silva de Oliveira aponta Agostinho como um ícone para o Movimento Negro Evangélico (MNE), pois enquanto a história oficial considera o início do protestantismo no país, no ano de 1858, com a fundação da Igreja Fluminense pelo reverendo Roberto Kalley; o MNE em uma tentativa de reescrever a presença evangélica no Brasil contextualiza o ano de 1841, quando Agostinho José Pereira funda a Igreja Divino Mestre, como a gênesis está do protestantismo brasileiro.

Segundo os vestígios históricos, apontados por Silva, “o que sabemos é que ele era um negro letrado, e que fundou a primeira igreja protestante brasileira, essa igreja era negra. Sabemos também que na sua trajetória política conheceu Sabino o líder da revolta baiana conhecida como a sabinada, também participou da confederação do Equador“. Perseguido e preso, por conta de suas ideias em prol das liberdades, sua trajetória foi se esvaindo no tempo e solapada pela história oficial. Por isso, ao pontuar Agostinho Jose Pereira na História, como líder, pregador abolicionista, não corremos o risco de uma história única que tente a invisibilizar a participação de homens e mulheres negros e negras nas narrativas oficiais.

Autor:

Babalawo Ivanir Dos Santos

O Prof°. Babalawô Ivanir dos Santos, é Doutor em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHC/UFRJ); membro da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), Pesquisador do Laboratório de História das Experiências Religiosas (LHER-UFRJ) e Laboratório de Estudos de História Atlântica das sociedades coloniais pós coloniais (LEHA-UFRJ); Coordenador da Coordenadoria de Religiões Tradicionais Africanas, Afro-brasileira, Racismo e Intolerância Religiosa (ERARIR/LHER/UFRJ); Conselheiro Estratégico do Centro de Articulações de População Marginalizada (CEAP); Interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR); Conselheiro Consultivo do Cais do Valongo; Vice-presidente da América Latina no Conselho Internacional das Sociedades de Antigas Religiões de Descendentes de Africanos (ARSADIC), Nigéria. Tem experiência nas seguintes áreas ; Educação Étnico-racial e questões africanas, Direitos Humanos e Cidadania; Relações Internacionais; Religiões tradicionais da África Ocidental e Afro-brasileiras.


Referências:
http://www.espiritualidades.com.br/…/SILVA_Hernani_Francisc…

OVILEIRA, Rosenulton Silva de. A cor da fé: “identidade negra” e religião. Tese de Doutorado em Antropologia Social do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2017.

Fonte da foto: https://afrokut.com.br/blog/reforma-protestante-negra/



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