Simeão o Niger e Simão de Cirene são a mesma pessoa?

As interpretações eurocêntricas da Bíblia, tem escondido muitas histórias dos povos africanos no livro sagrado. Contudo, a Sankofa está brilhando sobre a antiguidade bíblica, e camadas de preconceitos estão sendo eliminados. No seu lugar temos uma base com o surgimento de estudos críticos e investigativos sobre a presença negra na Bíblia e a recuperação de pessoas negras nas histórias bíblicas. Consequentemente, as pessoas de ascendência africana têm agora a oportunidade de redescobrir menções consistentes e favoráveis aos seus antepassados nas páginas da Bíblia.

Nesta direção trazemos a história de Simão de Cirene e Simeão o Niger, que conforme evidências, são a mesma pessoa. Também para responder as diversas indagações dos nossos leitores que depois de lerem o artigo: “A Paixão de Cristo e do Negro Simão”, sempre perguntam: Simeão o Niger e Simão de Cirene são a mesma pessoa?

Então, vamos aos fatos:

Simão de Cirene, mencionado nos Evangelhos: Mateus (27:32), Marcos (15:21) e Lucas (23:26). Cada um desses relatos bíblicos nos conta algo diferente sobre Simão de Cirene. Um homem de origem africana, que vivia em Cirene, uma cidade no norte da África. Ele foi forçado a carregar a cruz de Jesus, mas acabou se tornando um seguidor do Cristo. Conforme lemos em Marcos 15:21:

No caminho, os soldados encontraram um homem chamado Simão, que vinha do campo para a cidade. Esse Simão, o pai de Alexandre e Rufo, era da cidade de Cirene. Os soldados obrigaram Simão a carregar a cruz de Jesus.”

Simeão o Niger (niger” significa “negro” em latim) foi um líder da igreja primitiva em Jerusalém. Ele é mencionado no livro de Atos dos Apóstolos, identificado com um dos profetas e doutores de Antioquia citado em Atos 13:1:

Na igreja de Antioquia, havia profetas e mestres: Barnabé; Simeão, chamado Níger; Lúcio, de Cirene; Manaém, que fora criado com Herodes, o tetrarca; e Saulo.”

Lúcio de Cirene e Simão o Negro, estavam juntos em Antioquia, orando e jejuando e participando da missão do Espírito de enviar navios escolhidos para a primeira viagem missionária. Note-se que este núcleo africano de missionários precedeu Paulo no testemunho do evangelho, eles ordenaram Paulo (Atos 13:3). Relato que reflete especificamente a importância influência da diáspora africana no cristianismo primitivo.

Evidências que podemos afirmar que Simeão o Niger e Simão de Cirene são a mesma pessoa:

  • Com relação a diferença nos nomes: Simão e Simeão, são grafias alternativas do mesmo nome.
  • Cirene é uma cidade na costa africana, um lugar onde as pessoas tem a pele escura: Simão e Simeão, eram negros.
  • Se verificarmos Atos 11:19-21, descobrimos que a igreja em Antioquia, onde reaparece como Simeão o Niger, foi fundada por homens de Chipre e Cirene. Então aqui está outra Evidência. Não se diz que Simeão Níger seja de Cirene em Atos 13, nem de outro lugar, então Cirene é uma possibilidade, considerando que ele era líder de uma igreja fundada por cireneus.
  • Marcos 15:21 menciona os filhos de Simão, Alexandre e Rufo. Sabemos pela tradição e por várias palavras latinas no texto grego que Marcos estava escrevendo seu Evangelho para um público predominantemente romano. Então isso pode ajudar a conectar Rufo com o Rufos mencionado por Paulo em Romanos 16:13. Sabemos por Romanos 16:13 que Paulo aparentemente conhecia a mãe de Rufo.

Então com essas evidências, podemos afirmar, Simão de Cirene e Simeão o Niger, são a mesma pessoa:

Simão de Cirene tornou-se um seguidor de Jesus e seus filhos eram bem conhecidos na igreja primitiva. Mais tarde, ele viajou para Antioquia e ajudou a iniciar a igreja lá. Sua esposa e filhos estavam com ele. Em Antioquia recebeu o apelido de Simão o Negro. Anos mais tarde, após a morte de Simão/Níger, sua esposa e filho Rufos estavam morando em Roma. Eles eram proeminentes na igreja local, em parte por causa do papel único que Simão desempenhou na história do Evangelho. Escrevendo para um público romano, Marcos menciona Rufo e Alexandre, porque ele e a igreja romana os conheciam pessoalmente. Paulo, escrevendo aos romanos, cumprimenta Rufo e sua mãe pelo mesmo motivo.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut

Imagem: Fotor IA

A Paixão de Cristo e do Negro Simão

Os últimos cinco dias que Jesus Cristo passou vivo foram emocionantes. Aconteceu a sua “Paixão”, celebrada todos os anos pelos cristãos, um episódio trágico até hoje representado no mundo inteiro pelas comunidades cristãs. Neste texto vou levantar algumas questões que, como negro cristão, acredito ser interessante refletirmos na Paixão de Cristo. Uma questão a qual considero muito relevante foi a participação de Simão Cireneu. Lendo os textos bíblicos dos três evangelhos (Mateus, Marcos e Lucas) que narram o episódio, quero fazer algumas reflexões que considero importante para nós negras e negros cristãos. Simão vinha do campo, o soldado romano o vê e logo o obriga a carregar a cruz; ele resiste mas é forçado. Depois que ele aceita levar a cruz, torna-se um aliado de Cristo. No percurso Simão começa a sofrer também ao ver o sofrimento de Jesus, um Simão já envolvido com Cristo.

Analisando os textos bíblicos, procuramos entender o significado de Deus ter escolhido um negro para ajudar o seu Filho nas horas mais difíceis da sua vida. O texto bíblico afirma que Simão Cireneu foi “forçado” a carregar a cruz. Será que entre as multidões que seguiam a Jesus e até mesmo entre os seus discípulos não havia nenhum voluntário pronto a ajudá-lo? Jesus não tinha condições nenhuma de subir o Monte Calvário, com seus 900 metros, e precisava de alguém para ajudá-lo. O próprio Simão Pedro, que Jesus chamou para segui-lo, foi também o primeiro a fugir da cruz, dizendo que nunca tinha visto Jesus e acompanhando todo o acontecimento de longe.

Simão Pedro foi o primeiro seguidor voluntário de Jesus, e Simão o Cireneu foi o ultimo seguidor, involuntário, antes da sua morte. Obrigado a seguir a Cristo levando a sua cruz em nome de um ato diabólico: a morte de um inocente.

Acredito que Deus tem algo a dizer com tudo isso. Voltando à nossa realidade de negros e negras, e pensando em nossos antepassados da diáspora, também percebemos que eles foram involuntários, obrigados a seguir um Cristo em nome de um colonialismo e uma escravidão diabólica. Simão Cireneu na sua experiência e encontro involuntário com Cristo veio a se tornar, juntamente com sua família, alguém de grande importância na Igreja Primitiva, conforme mencionado na Bíblia em vários textos.

Em Atos 13:1 ele reaparece como, Simeão Níger (Simão o negro); ele é um dos pastores da igreja e o homem que impõe as mãos sobre Paulo para enviá-lo ao campo missionário. O homem que um dia carregou a cruz à força agora é um dos pastores da igreja; ele assumiu a cruz. Quando os escravos negros foram trazidos forçados para a América, também foram obrigados a seguir a Cristo. Eles também resistiram, mas logo perceberam que seguir a Jesus Cristo não era aquilo que os seus opressores faziam. Eles assumiram também a cruz, e descobriram um Cristo Salvador e Libertador e já não mais o seguiam por obrigação, mas como participante da sua morte e ressurreição.

O Cristo que outrora era usado para escravizá-los agora era o Cristo da sua libertação da escravidão e racismo. Nos Estados Unidos e outros países da América isso aconteceu no período da escravidão, na colonização da África, e estamos passando ainda por esse processo no Brasil. Mas o que aconteceu com o ultimo discípulo de Cristo, Simão o Negro, também aconteceu com muitos dos nossos antepassados na África, na Diáspora na América e acontece ainda hoje conosco no Brasil.

Paixão de Cristo me fez refletir essas coisas, talvez por não conseguir ver o cristianismo como antes da conversão à minha negritude. Também cansado de ver a história sendo contada sem a nossa participação e procurando olhar com olhos negros e vivendo o processo que chamo de permanente conversão de um negro envolto em um cristianismo branco para um negro envolvido no Cristianismo de Jesus Cristo, de Salvação, Libertação e Negritude.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut

Imagem: Pintura de Simão de Cirene por Theophilus de Knoxville Tennessee

10 pessoas negras nas histórias bíblicas

 

Para percebermos a presença negra na Bíblia devemos considerar o seu contexto, não vamos ver escrito na bíblia: pessoas pretas, negras ou africanas. Mas vamos ler os termos etíopes, egípcios, hebreus, ou outros termos tribais. Etiópia é mencionada mais de 40 vezes na Bíblia; Egito é mencionado aproximadamente 700 vezes, e África é mencionada mais do que qualquer outro continente da terra na Bíblia. Também devemos considerar que o “Oriente Médio”, incluindo a Terra Santa foi conectado ao mapa da África até 1859, quando o Canal de Suez foi concluído. Tudo isso nos mostra que a Bíblia é um livro afro-asiático e tem muitos negros e negras como protagonistas. Nesta direção, vejamos 10 pessoas negras nas histórias bíblicas e como ilustração as imagens da última série do fotógrafo James C. Lewis.

 1 – A Rainha de Sabá

 

A primeira vez que a Bíblia menciona uma Rainha refere-se a uma mulher negra. (Gn 10: 7).  A tradição etíope afirma que o nome da rainha era Makeda, mas as Escrituras se refere a ela como a Rainha de Sabá, ou a Rainha do Sul, e sua fama era tal que 2.000 anos depois,  Jesus Cristo conhecia seus feitos. Jesus se referiu a ela dizendo que tinha vindo dos confins da terra para ouvir a sabedoria de Salomão. – Mt 12.42.

2 – A Rainha Candace

Corajosas guerreiras, as candaces  são as rainhas mães da realeza africana na antiguidade. Em Atos 8, no Novo Testamento da Bíblia, a Rainha Candace é citada quando Filipe, o Evangelista, encontra um chefe dos tesouros de “Candace, rainha dos etíopes“, cujo nome não foi mencionado no texto. Importante esclarecer que na Antiguidade, o termo Etiópia era utilizado para denominar a região onde se situavam os povos negros do continente africano. O nome Candace foi dado a todas as rainhas da Etiópia durante o seu tempo, bem como o título de Faraó foi dado a todos os reis africanos do antigo Egito.

3 – Zípora a mulher negra

Zípora, uma africana, esposa de Moisés, e filha de Jetro (Êxodo 2: 21). Segundo a Bíblia, Deus  permitiu que os israelitas casassem com mulheres cusitas/etíopes ( negras) Êxodo (34: 11 e 16). Há diversas passagens Bíblicas que demonstram que Deus mantinha uma relação única com os etíopes, assim como mantinha com os Israelitas: “Não me sois, vós, ó filhos de Israel, como os filhos dos etíopes?” (Amós 9:7), “Príncipes virão do Egito; a Etiópia cedo estenderá para Deus as suas mãos” (Salmo 68:31). Moisés, que escreveu os primeiros cinco livros da Bíblia, se casou com  Zipora, etíope, e foi criticado por Miriã e Arão (Números 12: 1).

4 – Tamar a negra da linhagem de Cristo

Tamar aparece pela primeira vez na Bíblia depois que Judá vai para Canaã. Então Tamar, a mulher Cananeia (Negra) fica grávida de Judá, e dá à luz aos gêmeos Zerá e Perez, formando a Tribo de Judá, antepassados do rei Davi e de José e Maria, os pais terreno de Jesus. Gênesis 38.

5 – Maria a mãe  de Jesus

Os antepassados de Maria na genealogia de Jesus Cristo  são Tamar, Raabe, Rute, Bateseba (Mateus 1:1-16). As primeiras senhoras mencionadas eram de descendência de Cam. Assim, Maria pode ser  descendentes  dos povos semitas e de Cam. Deus enviou  Maria e José para o Egito com o propósito de esconder o menino Jesus do rei Herodes (Mateus 2:13). Eles não poderiam se esconder no norte da África se fosse uma família branca.

6 – Jesus nasceu em Africa

Além da sua linhagem negra, Jesus nasceu em África. Os Evangelhos dizem de maneira explícita que Jesus nasceu em “Belém de Judá, no tempo do rei Herodes” (Mt 2,1 cfr. 2, 5.6.8.16), (Lc 2, 4.15), (Jo 7, 40-43). Nos tempos antigos, incluindo o tempo de Jesus, Belém de Judá era considerado parte de  África. Até a construção do Canal de Suez, Israel fazia parte da África. Esta visão haveria de perdurar até 1859, quando o engenheiro francês Ferdinand de Lesseps pôs-se a construir o Canal de Suez. A partir daí, foi a África separada não somente geográfica, mas sobretudo histórica, cultural e antropologicamente do que hoje chamamos Oriente Médio. Aquela milenar extensão da África passa a figurar nos mapas como se fora Ásia.

7 – Simão o Negro 

Os evangelhos são unânimes em afirmar que um certo Simão de Cirene ajudou Jesus a carregar a cruz, a caminho do Calvário (Mt 27.32; Mc 15.21; Lc 23. 26).  Cirene fica no norte da África. Em Atos 13:1 ele reaparece como, Simeão NígerSimão o negro, ele é um dos pastores da igreja, é o homem que impõe as mãos sobre Paulo para enviá-lo ao campo missionário. A Bíblia fala dos seus filhos e esposa como pessoas importantes na Igreja.

8 – Sofonias o profeta negro

O  capítulo 1 do livro de Sofonias   o identifica pela sua família: “Palavra do SENHOR, que veio a Sofonias, filho de Cusi, filho de Gedalias, filho de Amarias, filho de Ezequias, nos dias de Josias, filho de Amom, rei de Judá.”Sofonias foi filho de um homem chamado Cusi; esse nome – Cush, em hebraico – significa Etiópia, e Etiópia significa “a terra do povo de rostos queimados”, ou seja: pessoas negras; baseando-se nisso, Sofonias foi um homem negro.

9 – Moisés tinha as características físicas dos egípcios

A Bíblia em várias ocasiões descreve os antigos hebreus como parecendo os egípcios. Em  Gênesis capítulo 50 versículos 7-11, a escritura descreve  os hebreus como parecido com os egípcios. Um exemplo bíblico aconteceu no enterro de Jacó (Israel) que morreu na terra do Egito, os hebreus e egípcios foram à terra de Canaã para enterrá-lo. Os cananeus disseram: “Grande luto para os egípcios.”  Lembrando que no cortejo estava  os hebreus e egípcios que vão enterrar um hebreu, e os cananeus identificaram os dois como egípcios. Se os hebreus fosse um povo de pele branca os cananeus teriam reconhecido os dois, dizendo: “Este é um  grande luto dos egípcios e hebreus.”

Moisés era um hebreu – israelita da tribo de Levi (Êxodo 2: 1-3). Ele passou 40 anos no Egito (Atos 7:23), era o neto do Faraó (Êxodo 2: 6, 10).  Moisés tinha  as mesmas características físicas dos egípcios, ele foi criado na casa de Faraó, como o neto de Faraó, quando o faraó ordenou que todas as crianças, do sexo masculino, hebraicas fossem mortas ao nascer. Se os israelitas eram um povo de pele branca, como poderia Moisés hebraico sobreviver secretamente na casa de Faraó, entre egípcios de pele negra durante 40 anos, e não ser notado. As  filhas do sacerdote de Midiã também descreveram Moisés ao pai como um “egípcio”.

10 – Adão o primeiro homem

No hebraico, Adão é definido com o solo  marrom-avermelhado, pele escura como uma sombra.  O Jardim do Éden foi descrito em Gênesis como tendo sido perto de um sistema de quatro rio na região das terras de Cush, Havilá, Assur, que hoje seria perto das fronteiras do Leste do Sudão, Etiópia e Eritréia. O berço da humanidade foi confirmado quando os mais antigos restos humanos foram encontrados na Etiópia em 1974. Ciência e  Bíblia confirmam:  o berço da humanidade foi na África Oriental.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut

Imagens da última série pelo fotógrafo internacional: James C. Lewis – ÍCONES DA BÍBLIA  – https://br.pinterest.com/rawnoire/icons-of-the-bible/