Definições sobre a branquitude

Os Estados Unidos, principalmente nos anos 1990, com os critical whiteness studies tornaram-se o principal centro de pesquisas sobre branquitude. Todavia, existem produções acadêmicas sobre essa temática na Inglaterra, África do Sul, Austrália e Brasil. No entanto, W. E. B. Du Bois talvez seja o precursor em teorizar sobre a identidade racial branca com sua publicação Black Reconstruction in the United States.

Na galeria dos pioneiros em problematizar a identidade racial branca não podemos deixar de considerar Frantz Fanon. Em 1952, esse pensador caribenho e africano com sua publicação Peau noire, masques blancs defendeu o argumento de abolição da raça. Esse autor estava preocupado em libertar o branco de sua branquitude e o negro de sua negritude, porque a identidade racial seria um encarceramento que obstaculizava a pessoa de chegar e gozar sua condição humana.

O ativista Steve Biko também pode ser incluído entre os precursores em analisar a identidade racial branca. O ilustre ativista versou sobre o branco sul-africano dos anos 1960 e 1970. Ele refletiu a respeito da branquitude sulafricana no momento em que lutava contra o racismo estrutural da sociedade sul-africana, perdeu a própria vida nessa causa.

Vale lembrar que a teoria anti-racista, de maneira geral, tem restringido em pesquisar o oprimido, deixando de lado o opressor. Desta forma, é sugerido que a opressão é somente um “problema do oprimido” em que o opressor não se encontra relacionado. Por esta razão que Guerreiro Ramos sustentou que teorias sobre relações raciais no Brasil são na verdade uma “sociologia do negro brasileiro” (Ramos, 1995[1957]c, pp. 163-211, Sovik, 2004ª, pp. 363-386). Não se trata, portanto, de teoria sobre relações raciais, trata-se de uma abordagem unilateral, feita muitas vezes por prestigiados pesquisadores brancos preocupados em analisar o “problema do negro”.

Procurando preencher uma lacuna nas teorias das relações raciais Albert Memmi considerou necessário retratar o opressor e o oprimido. Seu pensamento é significativo para teorias sobre branquitude, porque Memmi foi o pensador pioneiro em apontar a importância de se problematizar também o opressor.

Definições genéricas da branquitude

Nos estudos sobre a branquitude, no Brasil e em outros países, existe o consenso de que a identidade racial branca é diversa. No entanto, na busca por uma definição genérica, podemos entender a branquitude da seguinte forma: a branquitude refere-se à identidade racial branca, a branquitude se constrói. A branquitude é um lugar de privilégios simbólicos, subjetivos, objetivo, isto é, materiais palpáveis que colaboram para construção social e reprodução do preconceito racial, discriminação racial “injusta” e racismo. Uma pesquisadora proeminente desse tema Ruth Frankenberg define:

“a branquitude como um lugar estrutural de onde o sujeito branco vê os outros, e a si mesmo, uma posição de poder, um lugar confortável do qual se pode atribuir ao outro aquilo que não se atribui a si mesmo”. (Frankenberg, 1999b, pp. 70-101, Piza, 2002, pp. 59-90).

Branquitude crítica e Branquitude acrítica

É importante analisar dois tipos de branquitudes distintas e divergentes: a branquitude crítica que desaprova o racismo “publicamente”, e a branquitude acrítica que não desaprova o racismo, mesmo quando não admite seu preconceito racial e racismo, a branquitude acrítica sustenta que ser branco é uma condição especial, uma hierarquia obviamente superior a todos não-brancos.

O termo branquitude crítica e branquitude acrítica surge inspirado pelos critical whiteness studies. Essas linhas de pesquisas dos Estados Unidos e do Reino Unido procuraram descobrir e distinguir os diferentes tipos de racismos desde os praticados sutilmente pela polícia até os assassinatos perpetrados por grupos como a Ku Klux Klan. Porém, a literatura científica sobre a identidade racial branca de língua inglesa, assim como a de língua portuguesa, de maneira geral concentra-se em pesquisar os tipos de racismos praticados por brancos que discordam da tese de superioridade racial branca. Isto significa que existe uma produção crescente sobre a branquitude crítica que pratica racismos que não chegam ao homicídio, enquanto praticamente inexistem trabalhos que pesquisam sobre a branquitude acrítica que possui característica homicída. Branquitude acrítica que age feito quem diz: você que é “diferente” (Santos, 2006c, pp. 259-293), leia-se não-branco, portanto é justificável que seja assassinado.

Ainda a respeito dos critical whiteness studies vale acrescentar que os autores salientam que a branquitude são muitas, assim como as práticas de racismo. Contudo, esses pesquisadores geralmente distinguem os tipos de racismos praticados como aquele perpetrado por um grupo neonazista com agressão física; daquele praticado, às vezes sem intenção, por um profissional de Recursos Humanos (RH).

Assim como se faz necessário definir as diferentes práticas de racismos, igualmente, não se pode deixar de distinguir a pessoa ou grupo que pratica racismo. Essa é uma das razões da nomeação da branquitude de forma distinta como branquitude crítica e branquitude acrítica. Pois nesta perspectiva esses conceitos podem contribuir para maior observação, análise e pesquisa do conflito racial.

Fonte do Artigo Branquitude acrítica e crítica: A supremacia racial e o branco anti-racista – Lourenço Cardoso – Pesquisador a Unesp-Araraquara


Branquitude


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Protestantismo, Escravidão e os Negros No Brasil. Metodismo de Imigração e Afro-Brasileiros

Este livro é resultado de uma dissertação de mestrado do autor José Roberto Alves Loiola que escolheu como objeto de estudo as relações dos metodistas, imigrantes ou missionários, com a população afro-brasileira da região de Piracicaba, entre 1867 a 1930.

A data inicial se deve à organização da primeira Igreja Metodista entre os imigrantes confederados no Brasil. A segunda se refere à data do início do processo de autonomia administrativa dos metodistas brasileiros da Igreja norte-americana.

Nesse texto, o autor procura mapear as diversas representações que foram construídas a partir da interação entre brancos norte-americanos, sulistas, protestantes, com católicos e negros, e levaram a criação de uma Igreja Metodista típica no país.

Nem escravocrata, nem abolicionista, mas onde os negros, no dizer do historiador José Carlos Barbosa, se reuniam separadamente dos brancos, pois “negro não entra na igreja, mas espia da banda de fora”.

Morre o reverendo Antonio Olímpio de Sant’Ana

Morreu ontem (16/07/2021) em Piracicaba (SP), aos 84 anos, o reverendo Antonio Olímpio de Sant’Ana, da Igreja Metodista do Brasil, ativista de direitos humanos e pioneiro na luta antirracista nas igrejas protestantes no Brasil. Ele estava em cuidados paliativos devido a um câncer no estômago. O reverendo Sant’Ana deixa esposa e filhas.

O reverendo “Antonio Olímpio de Sant’Ana” deixa um grande legado

“Minha religião é Metodista, mas a minha espiritualidade é negra. Antes de ser metodista e cristão, sou negro.” Reverendo Sant’Ana

Sant’Ana se transformou num dos mais ativos militantes religiosos na luta contra o racismo. Uma militância que extrapolou as fronteiras brasileiras. Seu quilométrico currículo inclui publicações nacionais e internacionais e participação na elaboração do documento oficial brasileiro para a Conferência da ONU contra o Racismo, em Durban, África do Sul, em 2001. Foi membro do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), do Conselho Latino Americano de Igrejas (CLAI) e do Conselho de Igrejas Evangélicas Metodistas da América Latina (Ciemal).

Reverendo Sant’Anna não atuou só em entidades religiosas, mas em várias outras do Movimento Negro e da luta pelos Direitos Humanos, foi membro do Conselho do Olodum por cerca de 25 anos.

Segue um singelo recorte da vida, pensamento e luta de Antonio Olímpio de Sant’Ana, nas suas proprias palavras:

Direitos Humano versus Ditadura, tortura, assassinatos e o silêncio das igrejas

O despertar para os direitos humanos passa sempre pela dor e sofrimento do povo. Passa pela prática da injustiça geradora de tanta miséria e corrupção. E não nos esqueçamos que, entre aqueles que introduziram a discussão sobre Direitos Humanos no Brasil, estão algumas Igrejas que, por meio de seus vários grupos liderados por teólogos, sociólogos, antropólogos, educadores, pastores(as) e líderes populares, todos impulsionados pela fé, introduziram no interior das igrejas locais a discussão sobre a vinculação profunda que havia entre os direitos humanos e a pessoa humana. Muitos “irmãos e irmãs” ignoraram, mas muitos de nós nos tornamos frutos daqueles momentos de esperança, amor e potente fé que superavam os medos e covardias diante da ditadura opressora. Havia uma igreja atuante, presente na liderança e na base de nossas igrejas, e outra igreja silenciosa, negando-se ao sagrado exercício da profecia e testemunho em momentos de perseguição, sofrimentos e sacrifício. Reverendo Sant’Anna

A força e testemunho da igreja atuante

Quem não se lembra das lições da escola dominical que discutiam abertamente se o “cristão deveria ser de direita ou esquerda, das lições que nos desafiavam a agir como cidadãos e cidadãs responsáveis, homens e mulheres de boa vontade, praticantes de uma fé encarnada na realidade, das memoráveis celebrações ecumênicas da Praça da Sé organizadas por grupos sociais bem diversificados, onde participei não poucas vezes como o orador evangélico, Henry Sobel representando a comunidade judaica e o Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns representando a comunidade católica. Falávamos para milhares e milhares de pessoas que se acotovelavam naquele “espaço de liberdade”. Chegávamos e saíamos os três no carro do Cardeal por razões de segurança. Era perigoso? Era. Mas foi um momento grandioso viver a pujança da nossa fé e testemunhar que Jesus Cristo é O Senhor, Aquele que derruba os muros da desigualdade e fortalece a prática da justiça. Reverendo Sant’Anna

As grandes celebrações ecumênicas

Na década de 60, 70 e 80 em Belo Horizonte, marcaram muito a minha vida e meu ministério pastoral. Formar parceria no púlpito com Dom Hélder Câmara e os padres carmelitas na Igreja Católica Romana do Carmo, Belo Horizonte, por vários anos seguidos foi uma fantástica experiência para a minha postura de fé e de missionário junto ao povo sofrido. Aprendi com Dom Hélder, grande servo do Senhor, que quando assumimos a postura profética, estamos seguindo os passos dos grandes baluartes da fé, participantes de uma “linha de esplendor sem fim” que não se matrimoniaram com o poder opressor constituído. Reverendo Sant’Anna

Direitos Humanos são Direitos Divinos: a feliz parceria com os pentecostais

O que me levou ao diálogo com os pentecostais e outros grupos religiosos não pertencentes ao diálogo ecumênico tradicional, histórico, foi a minha aproximação com a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH/PR), Brasília, em meados dos anos 90. Desafios me empurravam para áreas inexploradas e algumas perguntas angustiantes sobre a ineficácia e morosidade das relações ecumênicas precisavam de respostas e estas só podiam ser conseguidas com um diálogo corajoso e respeitoso. Reverendo Sant’Anna

Comissão Nacional de Combate ao Racismo e a Cenacora

Em setembro de 1985, exercendo o cargo de Secretário Geral de Ação Social da Igreja Metodista no Brasil, devidamente autorizado pelo Conselho Geral da Igreja Metodista, e com o apoio financeiro da Junta de Mulheres Metodistas dos Estados Unidos e do Programa de Combate ao Racismo do Conselho Mundial de Igrejas, Genebra, contando ainda com a inestimável simpatia de Clai e Ciemal, convocamos o “Primeiro Encontro Nacional do Negro Metodista” no Rio de Janeiro, no Instituto Metodista Bennett. Sessenta e dois negros, sendo 42 metodistas vindos de todas as regiões eclesiásticas e 20 negros ativistas experientes convidados para compartilhar o seu saber específico para os negros metodistas. Solidarizaram-se com o nosso inédito encontro repassando a sua experiência, entre outros, Benedita da Silva, então Deputada Estadual, cineasta Joelzito (Zezito) Araújo, economista Hélio Santos, advogado Antonio Carlos Arruda, a renomada educadora negra Lélia Gonzalez, Herbert de Souza, o Betinho, que orientou-nos quanto à necessidade de se fazer uma análise de conjuntura, necessária para o estabelecimento adequado de estratégias e metodologia de trabalho na luta contra a o poder opressor, gerador de injustiça e de morte.

Ao final dos três dias do encontro é formalizada a criação da Comissão Nacional de Combate ao Racismo, na Igreja Metodista do Brasil. A decisão do negro metodista é comunicada às lideranças eclesiásticas e inicia-se a sua atuação inédita, combatendo o racismo que estava impregnado em nossa hinologia, literatura religiosa, lições da escola dominical e nos sermões. A pesquisa e análise da existência do racismo na vida e obra da Igreja Metodista alcançaram resultados positivos e logo se tornaram conhecidos da militância de outras Igrejas Nacionais, gerando ao longo destes anos o surgimento de comissões, grupos e militâncias individuais contra o racismo. Reverendo Sant’Anna

CRIAÇÃO DA CENACORA

Como Secretário Geral de Ação Social da Igreja Metodista, após articulações feitas no início de 1986, foram convidados representantes das Igrejas Nacionais, membros do CONIC- Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, objetivando a criação de uma comissão ecumênica semelhante à da Igreja Metodista. Reunidos na Chácara Flora, S.Paulo, os representantes das Igrejas membros do CONIC concordam na criação de um organismo semelhante que pudesse “representar” as Igrejas fundadoras: Episcopal do Brasil, Evangélica de Confissão Luterana do Brasil, Metodista do Brasil, Presbiteriana Unida do Brasil e Católica Apostólica Romana. Mais tarde retira-se a Igreja Presbiteriana Unida do Brasil, agregando-se, contudo, outras duas, Igreja Católica Ortodoxa Siriana do Brasil e Igreja Evangélica Luterana do Brasil. E por decisão da Assembléia da Cenacora, foram recebidas como membros as organizações evangélicas dedicadas ao combate ao racismo: Missões Quilombo e Instituto Nacional de Debates Nelson Mandela, ambas de S.Paulo; Igreja Pentecostal “O Brasil para Cristo” e um grupo do Rio de Janeiro, de maioria Batista, Markingjr , Movimento de Ação e Reflexão Martin Luther King Jr. Reverendo Sant’Anna

Do Afrokut

As fontes da Teologia Negra

Em relação às fontes para a elaboração de uma teologia negra, James Cone não nega as Escrituras e a tradição cristã (ocidental), mas não limita se a elas, além de contextualizá las. Para ele, as fontes da teologia negra devem incluir a história e a cultura dos oprimidos, que, no contexto norte americano, são os negros, indígenas, mestiços e asiáticos. Significativo notar que James Cone não faz menção às mulheres, cuja experiência e condição histórica particular, mais tarde, daria lugar a uma hermenêutica teológica própria, legitimada pelas mesmas premissas, mas desde o corpo e perspectiva da mulher negra.

Ao negar a universalidade da teologia tradicional euro norte americana, como vimos acima, James Cone defende a necessidade de buscar no evangelho respostas a perguntas da realidade concreta em um contexto/comunidade sociopolítico específico. Para isso, as fontes da teologia, necessariamente, deveriam privilegiar a experiência de vida, a história e a cultura dos negros, incluindo a apropriação criativa da tradição cristã nas comunidades negras. A “autoridade orgânica” destas fontes, em relação à realidade para a qual o evangelho era anunciado, as tornam indispensáveis para a TNdL.

Com isso, torna se necessário para o teólogo negro compreender como a comunidade negra relaciona a sua história e a sua cultura com a fé em Jesus Cristo. Para Cone, obviamente, essa relação se dá em uma perspectiva distinta da dos europeus e dos brancos norte americanos. Por isso, a tradição teológica clássica é insuficiente para compreender a religiosidade cristã negra. Cone defende que os métodos de análises devem ser originados a partir das próprias fontes para fazer jus ao pensamento negro. Já notamos aqui que as fontes, imbricadas na história e cultura negra, geram a necessidade de uma epistemologia na perspectiva do negro.

As fontes que James Cone destaca são: os sermões, as orações, cânticos, e elementos da experiência do negro para além da igreja como os contos, músic as seculares e os blues e os relatos pessoais.

1 –  Sermão

Ao tratar sobre o sermão, enquanto um evento litúrgico da Igreja Negra, James Cone alerta para uma distinção entre palavras do texto e a Palavra revelada no texto. “A Palavra é mais do que palavras sobre Deus. A Palavra de Deus é um acontecimento poético, evocação de uma realidade indescritível na vida do povo” (CONE, 1985, p. 27 28). A Palavra é mais sentida do que racionalizada em bases teóricas brancas e acadêmicas acerca do evangelho. O evangelho é correlacionado
com a busca da comunidade negra por liberdade. Portanto, “Se o evangelho significa liberdade, então a liberdade revelada nesse evangelho deve também ser revelada no evento da proclamação” (CONE, 1985, p. 28). Desse modo, a Palavra expressa se no ritmo e nas emoções da linguagem. Para Cone, quando o povo sente e confirma a veracidade da Palavra proclamada no sermão, é um sinal da presença do Espírito no meio do povo, que responde com ressonantes “améns”. O sermão está intimamente ligado com as condições de existência da comunidade negra, “O sermão negro resulta da totalidade da existência do povo sua dor e alegria, aflição e êxtase” (CONE, 1985, p. 28).

2 – Oração

Para James Cone, as orações dos negros não são iguais às dos brancos. Afirma que mesmo em situação de escravidão, sendo obrigado pelo senhor a cultuar o cristianismo, “o escravo transcendia as limitações da servidão e afirmava um sistema de valores religiosos que diferia do de seu senhor” (CONE, 1985, p. 29). Essa distinção evidenciava a afirmação da identidade negra na oração, o que leva James Cone a propor que o teólogo negro deve refletir sobre a Palavra da oração como revelada na afirmação da identidade dos negros. Em uma situação de opressão, a oração do negro revela a afirmação da identidade negra em busca da liberdade de ser o que se é: “Deus é o Espírito de Jesus que guia e move o povo negro em sua luta para ser aquilo que deve ser por criação” (CONE, 1985, p. 30).

3  – Cântico (spirituals e cânticos do evangelho)

Cone aponta que, assim como o sermão e a oração, os spirituals e cânticos do evangelho revelam que a verdade da religião dos negros não se limita à literalidade das palavras. A verdade se revela no modo como a linguagem é expressada, entusiasticamente, apaixonada, com gritos, gemidos, nas cantorias, na entonação e qualidade tonal corretas, onde ambiguamente expressam a dor e a alegria, a existência trágica dos negros e a sua resistência em não aceitar essa trágica condição.

Alguns dos exemplos sugerido s por James Cone aos teólogos negros para terem acesso a essas fontes são: livros que se dedicaram a estudar e compilar sermões, orações e cânticos; o cântico negro na própria igreja negra (o que seria um estudo empírico); gravações de artistas como Mahali a Jackson, James Cleveland, Clara Ward e Paul Robeson, e o álbum (na época recente) “ Amazing Grace ” de Aretha Franklin.

A música “ Amazing Grace ”, cantada por artistas como Aretha Franklin e Mahalia Jackson, é um exemplo de que o que importava para James Cone não era necessariamente a autoria dos cânticos, mas o modo como os negros se apropriavam deles. A citada canção foi originalmente composta por um ex comerciante de escravos. Porém, James Cone percebe a apropriação e ressignificação que os negros dão à canção quando cantada em um contexto de opressão social, política e cultural, fazendo referência à presença de Deus para a superação dessa situação:

(…) quando os filhos e filhas de escravos negros o cantavam, “Maravilhosa Graça” recebia a infusão da fo rça e do significado negros. Para os negros de Bearden, os “perigos, lutas e armadilhas” se referiam à sua luta diária pela sobrevivência, aos altos e baixos da existência negra, e à tentativa de tomar posse de uma melodia de liberdade numa situação extrem a de opressão. “Maravilhosa Graça” foi o milagre da sobrevivência, porque é difícil explicar como nós fizemos, através da escravidão, a reconstrução e a luta contra a opressão no século XX. Os negros de Bearden diziam: “Deve ter sido a graça de Deus!” (CON E, 1985, p. 13).

4 –  A experiência “secular”

Embora já tenhamos citado o sermão, a oração e o cântico como fontes da teologia negra propostas por James Cone, o referido autor não limita as fontes à experiência ligada à Igreja Negra. Cone propõe que as fontes da teologia negra também incluam a experiência negra dita secular. Porém, Cone faz questão de esclarecer que o que em sua teologia negra se entende por secular não significa a distinção ocidental entre o sagrado e o profano, pois, embora essa experiência negra não esteja ligada à Igreja, ao cristianismo e nem se refira a Deus, ela não é necessariamente antirreligiosa ou não religiosa.

Esse lado da experiência dos negros é secular, apenas enquanto é terreno e raramente usa Deus ou o cristianismo como os principais símbolos de suas esperanças e sonhos. É sagrado, porque é formado da mesma comunidade histórica como a experiência da igreja, e representa assim a tentativa do povo de formar a vida e vivê la de acordo com seus sonhos e aspirações (CONE, 1985, p.

Como exemplos dessa experiência “secular”, Cone cita os contos, músicas seculares e os blues e os relatos pessoais, identificando nessas expressões culturais o mesmo tema da sobrevivência e libertação que é encontrada no sermão, oração e cântico, expressando por um lado a libertação de Deus dos injustiçados e por outro lado a transcendência sobre as negações históricas. O autor ainda destaca a literatura negra, particularmente a poesia ligada à Renascença do Harlem (das décadas de 20 e 30) e seus sucessores, destacando poemas de Claude McKay McKay e Amiri Baraka Baraka.

Autores:  Joe Marçal Gonçalves dos Santos Charlisson Silva de Andrade.

Texto extraido do artigo (breve estudo): A TEOLOGIA NEGRA DA LIBERTAÇÃO EM JAMES CONE: ASPECTOS DE SUA HERMENÊUTICA CONTEXTUAL A PARTIR DE “O DEUS DOS OPRIMIDOS” (1975)

3 fatores que contribuiram para o surgimento da teologia negra

Conforme Prof. Cone, houve três fatores principais que são responsáveis pelo surgimento da teologia negra:

  • (1) o movimento dos direitos civis,
  • (2) a publicação do livro de Joseph Washington, Black Religion [A Religião Negra] em 1964 e,
  • (3) o nascimento do movimento “poder negro.”

Agora, vamos considerar estes fatores.

A. O Movimento dos Direitos Civis (nas décadas dos 50 e 60)

 

Este foi um movimento popular dos próprios negros que visou conseguir para si, exclusivamente por meio de métodos não violentos, os plenos direitos do cidadão. A organização principal do movimento foi a “Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor,” que desafiou com êxito muitas das leis que permitiram a discriminação racial. O líder principal foi o pastor negro batista Martin Luther King, Jr., que se tornou o profeta carismático do movimento e a consciência ética da nação no que tange às questões sociais, até que ele foi assassinado em 1968. Todas as pessoas envolvidas no surgimento da teologia negra participaram nas manifestações lideradas por Dr. King. Portanto, diferentemente de virtualmente todos os outros movimentos teológicos na América do Norte e na Europa, este não começou numa faculdade teológica, mas, sim, na rua quando os oprimidos protestavam contra a injustiça racial.

B. O Livro “Religião Negra” de Joseph Washington (1964)

 

O estudioso negro Washington argumentou, no seu livro, que há uma religião negra nos EUA que se distingue do Prostestantismo branco e de todas as outras expressões do Cristianismo. Mas visto que, na opinião dele, esta religião busca somente a liberdade e igualdade neste mundo, Washington concluiu que as congregações negras não são igrejas genuinas, mas meras sociedades religiosas sem teologias cristãs. Ele criticou as “verdadeiras” igrejas brancas por terem excluido estas sociedades negras do verdadeiro Protestantismo. Ora, nenhum teólogo negro podia ignorar esta investida contra a Igreja Negra e a teologia negra foi criada, em parte, para responder a este livro. Os líderes negros queriam corrigir dois mal-entendidos: (1) que a religião negra é não cristã e, por isso, não tem nenhuma teologia cristã, e (2) que o Evangelho Cristão não tem nada a ver com a luta pela justiça na sociedade.

C. O Movimento “Poder Negro”

Na década dos 60, muitos dos líderes negros mais jovens ficaram desiludidos com o “movimento dos direitos civis,” chefiado por Dr. King, concluindo que era impossível mudar a atitude do homem branco. Usando a divisa “poder negro,” ativistas como Stokely Carmichael abandonaram tanto o ideal da integração com os brancos e suas instituições quanto o compromisso de Dr. King com a não-violência. Além do mais, esta nova geração de ativistas desafiaram seus irmãos negros a ganharem o controle político e econômico de suas próprias comunidades e estabelecerem seus próprios valores, tal como a afirmação que “negro é bonito.”

Para a grande surpresa dos cristãos brancos, em 1966 o Comitê Nacional do Clero Negro publicou no New York Times uma declaração, entitulada “O Poder Negro,” em que os pastores negros apoiaram o conceito do “poder negro” como ele foi definido pelos ativistas políticos. O Prof. Cone afirma que este foi “o princípio do desenvolvimento consciente de uma teologia negra em que os ministros negros conscientemente distinguiram seu próprio entendimento do Evangelho de Jesus do Cristianismo branco e o identificaram com as lutas dos pobres negros para a justiça. . . O clero negro denunciou o racismo branco como o anticristo e foi inexorável no seu ataque contra sua presença demoníaca nas denominações eclesiásticas brancas. Foi neste contexto que surgiu a expressão ‘teologia negra.”

Por Filipe Dunaway

Extraido do texto da palestra: “A TEOLOGIA NEGRA: UMA INTRODUÇÃO“. A fonte principal desta palestra é o artigo do teólogo negro norte americano James Cone, “Black Theology,” em The Westminster Dicionary of Christian Theology.

8 pressupostos para construir um corpo de conhecimentos afrocentrados

A compreensão desse paradigma se dá por meio da centralidade e reconhecimento da experiência africana, a fim de reorientar cultural, social e politicamente os africanos e os intelectuais afrocentristas para trabalharem a partir dos seguintes postulados:

1. A humanidade começou na África e todos os subgrupos ou variedades humanas contemporâneos, isto é “raças”, são ramificações da árvore genealógica na África […].

2. Dada a premissa acima, os caucasianos são os descendentes de africanos que migraram para a Europa há cerca de cinquenta mil anos e, com a renovação da Idade do Gelo há quarenta mil anos sofreram alterações fenotípicas que os fizeram perder o pigmento e embranquecer. 

3. A cultura humana, como a própria humanidade, começa na África e atinge seu mais alto estágio, isto é, civilização, primeiro na África.

4. A civilização moderna se origina no nordeste da África, nas terras chamadas Ta-Seti e Kemet, mais tarde denominadas Núbia e Egito, entre aproximadamente seis mil e treze mil anos atrás.

5. O judaísmo e o cristianismo são, ambos, correntes de religiosidade humana que emanam do vale do rio Nilo nos sentidos conceitual, simbólico, de doutrina e de organização.

6. A civilização greco-romana foi um entre muitos subprodutos da civilização do vale do rio Nilo, isto é, do Egito e da Etiópia.

7. A ciência e a tecnologia ocidentais, assim como a religião originaram-se na África.

8. Houve uma série de viagens pré-colombianas da África até as Américas que se iniciaram aproximadamente em 1200 a.C. e continuaram até ao menos 1400.d.C. (FINCH III, 2009, p. 174-75).

Os pensadores afrocêntricos partem dos pressupostos apresentados acima para entender que é perfeitamente possível, e necessário, aos africanos se perceberem como agentes de sua história e a partir de então agir em função de seus próprios interesses, pois está evidente que a história e cultura do continente africano não são dependentes da história da Europa e de sua avaliação sobre a África. O resplandecer do legado africano será efetivo quando formos capazes de construir um corpo de conhecimentos que articule nossas experiências presentes com as das clássicas civilizações do continente.

Texto extraído da dissertação de mestrado de Katiúscia Ribeiro Pontes, intitulada: 

Kemetescolas e arcádeas: a importância da filosofia africana no combate ao racismo epistêmico e a lei 10639/03

Imagem: Afrokut
Título do texto adaptado

Símbolo Ankh

O símbolo Ankh (☥) é um “Metu Neter” (Hieróglifo) Kemético para “vida” ou “sopro da vida”.

Criado por africanos há muito tempo, o Ankh é considerado a primeira, ou original, cruz.  Os ankhs eram tradicionalmente colocados em sarcófagos para garantir a vida após a morte.

Ankh freqüentemente aparece nas obras artísticas do Kemet (Egito Antigo), onde os Neteru e os Netert são retratados com esse Ankh na mão, e muitas vezes em direção às narinas do faraó.

Os Kemitas (egípcios antigos) acreditavam que a jornada terrestre de alguém era apenas parte de uma vida eterna, o Ankh simboliza tanto a existência mortal quanto a vida após a morte.

O Ankh além de lindo traz consigo um significado incrível.

O que é Africologia?

Africologia ou estudos africanos, estudos negros, é o estudo multidisciplinar das histórias, políticas e culturas dos povos africanos e diáspora negra. Seu foco combina a África e a diáspora africana em um conceito de uma “experiência africana” com uma perspectiva pan-africana. Em essência, os estudos africanos e os estudos negros são termos intercambiáveis ​​que enfatizam os estudos negros em um sentido global e comparativo, enquanto os estudos afro-americanos enfatizam a experiência afro-americana. 

Definição de Africologia:

Uma disciplina acadêmica interdisciplinar que estuda a história e a cultura dos povos africanos em todo o mundo.

O impacto da Africologia na Afrocentricidade:

“O impacto mais importante da Afrocentricidade tem sido no campo da Africologia. Como o estudo afrocêntrico de fenômenos africanos, a Africologia assume o papel de uma disciplina para estudos referidos como AfroAmericanos, Africana, ou Estudos Negros. O que a disciplina capta é o fato de que os oprimidos devem resistir a todas as formas de escravização, e os fundadores do Movimento dos Estudos Negros nos anos 1960 foram claros de que o “Establishment” não estava prestes a abandonar sua posição de domínio sem luta, neste caso, uma luta intelectual. Aceitar a definição de africanos como marginais e marginalizados nos processos históricos do mundo, incluindo o mundo africano, é abandonar toda a esperança de reverter a degradação dos oprimidos.” Molefi Kete Asante.

Origem da Africologia:

Os departamentos de estudos africanos (Africana) em muitas das principais universidades surgiram dos programas e departamentos de estudos negros formados no final dos anos 1960 no contexto do Movimento dos Direitos Civis dos Estados Unidos, conforme os programas de estudos negros foram reformados e renomeados como “estudos africanos“, com o objetivo de abranger o continente africano e toda a diáspora africana usando terminologia enraizada na geografia e na história ao invés de raça. O primeiro departamento de estudos “Africana” foi formado após a aquisição de Willard Straight Hall na Cornell University, uma universidade da Ivy League localizada em Ithaca, Nova York .

Objetivo da Africologia:

Africologia examinam pessoas de ascendência africana onde quer que possam ser encontradas – por exemplo, na América Central e do Sul, na Ásia e nas Ilhas do Pacífico. Seus principais meios de organização são raciais e culturais. Muitos dos temas dos estudos de Africana são derivados do posição histórica dos povos africanos em relação às sociedades ocidentais e na dinâmica da escravidão, opressão, colonização, imperialismo, emancipação, autodeterminação, libertação e desenvolvimento socioeconômico e político. 

O objetivo deste campo de estudo interdisciplinar é ajudar os alunos a ampliar seu conhecimento da experiência humana em todo o mundo, apresentando um aspecto dessa experiência – a Experiência Negra – que tem sido tradicionalmente negligenciada ou distorcida por instituições educacionais. Além disso, a Africologia se esforça para apresentar uma perspectiva afro-centrada, incluindo fenômenos relacionados à cultura. 

Do Afrokut

Kemetic Yoga PDF

Kemetic Yoga em PDF, é uma prévia do livro Introdução ao Yoga Kemética, que é parte da “Coleção de Ensinamentos da Sabedoria do Antigo Kemet“. Uma série que reúne diversas instruções e ensinamentos da Ciência Espiritual Kemética, uma filosofia real baseada em princípios organizados, sistemáticos, consistentes e coerentes que estavam por toda a África. O antigo Kemet aprendeu o conhecimento que lhes foi transferido do interior da África e foi porta-voz de toda a espiritualidade africana.

BAIXE O ARQUIVO E FAÇA UMA BOA LEITURA:

Ebook em PDF – Coleção de Ensinamentos da Sabedoria do Antigo Kemet


O ativista da teologia negra Jackson Augusto fala sobre a representação dos evangélicos na imprensa

Como parte dos projetos especiais dos 100 anos da Folha de São Paulo, o articulador social e ativista da teologia negra, Jackson Augusto, fala sobre a representação dos evangélicos na imprensaJackson é criador do perfil @afrocrente, além de integrar a coordenação nacional do Movimento Negro Evangélico.

Nasci numa favela do Recife e a minha iniciação como cidadão foi na igreja. A primeira vez que vi alguém que passou no vestibular foi na igreja. O único lugar em que tive acesso a uma iniciação musical foi na igreja, então comecei a existir na igreja — apesar de ser um lugar atravessado pela questão racial, por preconceitos e tudo o mais.


Minha mãe é sindicalista, e cresci indo para o culto e para as assembleias gerais no sindicato. Não era algo contraditório para mim, ir para a greve e ir para o culto — reivindicar meus direitos e reivindicar minha fé. Minha fé me move para a justiça, a equidade, para desafiar ciclos de violência.


A teologia negra é uma ferramenta política, que nasce para denunciar algo. Preciso falar para outros jovens negros que existem metodologias e pensamentos a partir da fé cristã que nos ajudam a respeitar os direitos humanos, contribuir com a luta antirracista e se posicionar contra o conservadorismo.

Assista ao vídeo, com recursos de acessibilidade, logo abaixo:

Acesse a entrevista completa pelo link: https://www1.folha.uol.com.br/folha-100-anos/2021/02/imprensa-ignora-abismos-de-diferencas-entre-evangelicos-diz-ativista.shtml

Afrokut