A Pele Escura como Raiz da Humanidade: Uma Reflexão a Partir da Afrohumanitude

Retrato artístico de um caçador-coletor do sudeste europeu da cultura gravetiana, que data de 33.000 a 26.000 anos atrás, foi inspirado em evidências genéticas recentemente analisadas e em achados arqueológicos anteriores. Credito: Tom Bjoerklund

Estudos recentes sobre o DNA antigo de 348 indivíduos que viveram na Europa entre 3.000 e 8.000 anos atrás revelaram uma descoberta fascinante: a pele clara, hoje associada aos europeus modernos, pode ter se tornado predominante há menos de 3.000 anos. O estudo foi liderado por Guido Barbujani, da Universidade de Ferrara, na Itália, e revela informações surpreendentes e revolucionárias sobre as raízes genéticas dos antigos europeus. Analisando o DNA de indivíduos que viveram na Europa entre 45.000 e 1.700 anos atrás, os resultados sugerem que a maioria dos europeus tinha pele escura até cerca de 3.000 anos atrás. Essa descoberta é um chamado importante para repensar e revalorizar a presença africana na construção da história europeia.

Essa descoberta desafia a versão  tradicional que situa a pele clara como uma característica ancestral e imutável dos povos europeus, apontando que, por milênios, a maioria dos habitantes da Europa teve pele escuraOutro aspecto interessante do estudo é que ele desmentiu a ideia de que os humanos modernos herdaram a pele clara dos neandertais, que ocuparam a Europa por milhares de anos antes da chegada dos humanos modernos. Embora haja evidências de que os dois grupos se cruzaram, a pesquisa genética indica que a pele clara se desenvolveu de forma independente nos humanos modernos.

Essa revelação nos convida a refletir sobre a centralidade da África e das populações de pele escura na história da humanidade, sob a luz da Afrohumanitude que nos lembra que a humanidade nasceu na África, berço da diversidade genética, cultural e fenotípica. A pele escura, característica marcante dos primeiros seres humanos, foi uma adaptação evolutiva crucial para a sobrevivência sob o intenso sol africano. Quando os primeiros humanos migraram para outras regiões do planeta, incluindo a Europa, levaram consigo essa herança biológica e cultural. A pesquisa genética recente reforça essa ideia, mostrando que a pele clara não é uma característica “original” dos europeus, mas sim uma adaptação posterior, possivelmente ligada à necessidade de síntese de vitamina D em ambientes com menor incidência solar.

Essa descoberta também nos convida a questionar as versões históricas e científicas que, durante séculos, privilegiaram a pele clara como padrão de beleza, normalidade e até superioridade. A Afrohumanitude nos desafia a desconstruir essas hierarquias, lembrando que a diversidade humana é um reflexo de nossa capacidade de adaptação e resiliência. A pele escura, longe de ser uma “exceção” ou uma “marca de diferença”, é uma das expressões mais antigas e fundamentais da humanidade.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut 

Imagem: Science News

Referências

REICH, David; MATHIESON, Iain et al.   The genetic history of Europeans over the last 10,000 years”* (Estudos genéticos sobre a história da população europeia).  Disponível em: https://www.nature.com

ORIGENS AFRICANAS DA HUMANIDADE  – STRINGER, Chris. “Lone Survivors: How We Came to Be the Only Humans on Earth”. Livro que aborda as origens africanas da humanidade e as migrações que levaram à ocupação do planeta. – DIAMOND, Jared. “Guns, Germs, and Steel”. Discute a evolução humana e a adaptação a diferentes ambientes.

PELE ESCURA E ADAPTAÇÃO EVOLUTIVA  – JABLONSKI, Nina G. “Living Color: The Biological and Social Meaning of Skin Color”.  Explora a evolução da pele humana e a importância da melanina na adaptação ao sol.  Artigo: “The Evolution of Human Skin Color” (publicado na Scientific American).

CRÍTICAS ÀS NARRATIVAS EUROCÊNTRICAS

 – MBEMBE, Achille. “Crítica da Razão Negra”.  Analisa as estruturas de poder que marginalizam as narrativas africanas.  

– FANON, Frantz. “Pele Negra, Máscaras Brancas”.  Explora a construção racial e a descolonização do pensamento.

AFROHUMANITUDE –    Conceito desenvolvido por Hernani Francisco da Silva, que valoriza a centralidade da África na construção da humanidade. África onde a humanidade surgiu e Humanitude o vínculo universal que liga toda a humanidade. Disponível em: https://afrokut.com.br/afro-humanitude/

O Movimento da Parditude: Surgimento e Controvérsias

Nas últimas décadas, o Brasil tem observado uma mudança significativa em seu cenário racial. A população que se identifica como negra, composta por pessoas de cor parda e preta, agora constitui a maioria estatística do país. Leia o artigo: Os pardos são a maioria dos brasileiros, o que isso muda na Parditude e na Negritude? Este fenômeno tem gerado debates intensos, especialmente nas redes sociais, sobre identidade racial e as políticas públicas voltadas para essa população. No centro dessas discussões, emerge o movimento da Parditude. Este movimento visa reconhecer e celebrar a identidade das pessoas pardas como uma categoria distinta dentro da população negra. No entanto, esta iniciativa tem provocado reações mistas, especialmente entre os militantes do Movimento Negro. Alguns membros do Movimento Negro acusam a Parditude de tentar dividir o movimento e de ser uma ferramenta utilizada pela direita para enfraquecer a luta pelos direitos dos negros. Eles argumentam que a fragmentação da identidade negra pode diluir a força política e social conquistada ao longo de décadas de luta.

A discussão sobre a identidade dos mestiços é vista como necessária e há muito aguardada dentro do Movimento Negro. No entanto, o debate tem se mostrado divisivo, com trocas de acusações entre alguns membros da Parditude e militantes do Movimento Negro. Alguns argumentam que “ser negro está na moda” e que os pardos estão se apropriando das políticas voltadas para os negros, com uso de adjetivos pejorativos direcionados às pessoas pardas. Esta visão desconsidera o fato de que muitas dessas políticas foram formuladas com base no quantitativo da soma das populações parda e preta. Recentemente, o Mestre em Antropologia Social Mauro Baracho, da página @afroestima2 no Instagram, ofereceu uma análise crítica ao conceito de “parditude”. Em sua análise, Baracho expressa desconforto com a comparação dos movimentos negros aos eugenistas, uma comparação feita por alguns membros do movimento da Parditude. Ele reafirma a reivindicação do Movimento Negro de incluir os pardos na categoria negro, destacando a importância da união na luta contra o racismo.

Vale lembrar que o Movimento Negro, especialmente nas décadas de 70, 80 e 90, desempenhou um papel crucial na formulação da identidade negra como categoria política. A campanha do Censo de 1990, promovida por várias organizações civis com o slogan “Não deixe sua cor passar em branco – use o bom c/senso“, exemplifica esse esforço. Na época, houve discussões sobre a eliminação da categoria parda em favor da categoria negro, argumentando que se não havia diferentes categorias de cor para a raça branca, o mesmo deveria valer para a raça negra. Uma reportagem no site #Colabora, do jornalista Igor Soares, aborda uma fala do Frei David, diretor da Educafro, onde afirma que é preciso tratar da questão da Parditude com ‘seriedade”.

O Brasil sempre fugiu do debate racial”, afirma o diretor da ONG, que ressalta que o país precisa fazer reparações pelos danos da escravatura. Para ele, o termo usado pelo IBGE é, de fato, questionável, uma vez que é preciso saber que pardos são esses. “Nos anos 1970, a comunidade lutou para abandonar o uso do termo ‘pardo’. Entendemos que há o ‘pardo-preto’, que sofre racismo constantemente, o ‘pardo-pardo’, que pode sofrer racismo, e ‘pardo-branco’, que nunca sofre racismo”, afirma, ressaltando que é uma interpretação do atual ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, adotada pela EducAfro. (#Colabora 2025)

A fala de Frei Davi, diretor da Educafro, traz à tona questões fundamentais sobre a complexidade da identidade racial no Brasil. Ao identificar diferentes categorias de “pardos” — ‘pardo-preto‘, ‘pardo-pardo‘ e ‘pardo-branco‘ — ele destaca como a experiência do racismo varia significativamente entre essas categorias. Além disso, ele aponta preocupações sobre a possibilidade de fraudes em ações afirmativas, caso pessoas brancas se passem como pardas. A distinção feita por Frei Davi entre ‘pardo-preto’, ‘pardo-pardo’ e ‘pardo-branco’ ilustra a diversidade de experiências dentro da categoria “pardo”. Conforme ele menciona, ‘pardo-preto’ refere-se àqueles que sofrem racismo constantemente, enquanto ‘pardo-pardo’ pode ou não sofrer racismo, e ‘pardo-branco’ não sofre racismo. Essa diferenciação reconhece que a vivência do racismo não é homogênea e que a cor da pele influencia diretamente essas experiências.

O debate sobre a identidade racial no Brasil é complexo e multifacetado. Embora a discussão sobre a identidade parda seja válida e necessária, é crucial que essa conversa não leve à fragmentação do movimento negro. O objetivo deve ser a união e o fortalecimento da luta contra o racismo, reconhecendo a diversidade dentro da população negra e trabalhando juntos por um futuro mais justo e igualitário. A unificação da luta do Movimento Negro e da Parditude é essencial para enfrentar os desafios e injustiças que ainda persistem na sociedade brasileira. Por meio do diálogo respeitoso, reconhecimento da diversidade, educação, fortalecimento de políticas públicas, parcerias estratégicas e celebração das conquistas, é possível construir um movimento mais coeso e forte, capaz de promover mudanças significativas e duradouras. A crescente presença das redes sociais como palco para discussões sobre questões raciais evidencia a importância de abordagens inovadoras para promover a compreensão e a justiça. Nesse contexto, a AfroHumanitude surge como uma abordagem que pode enriquecer o debate e contribuir para a resolução de controvérsias relacionadas à Parditude e ao Movimento Negro. Baseada nos princípios de respeito, empatia e reconhecimento da humanidade compartilhada, a AfroHumanitude propõe um novo paradigma para tratar de questões raciais de maneira mais inclusiva e construtiva.

A AfroHumanitude é uma filosofia que valoriza a dignidade e a humanidade de todas as pessoas. Ao promover uma compreensão mais profunda das realidades vividas pelas pessoas negras, a AfroHumanitude busca construir pontes de empatia e solidariedade entre diferentes grupos raciais. Esse conceito se fundamenta na ideia de que o reconhecimento mútuo e o respeito pelas diferenças são essenciais para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Nas redes sociais, onde as discussões sobre questões raciais frequentemente se tornam acaloradas e polarizadas, a AfroHumanitude pode desempenhar um papel crucial. Ao incentivar o respeito e a empatia nas interações online, essa abordagem ajuda a criar um ambiente mais saudável para o diálogo. Em vez de perpetuar divisões e preconceitos, os princípios da AfroHumanitude promovem a compreensão mútua e a cooperação. Conforme destacado por Frei David, diretor da Educafro, a questão racial no Brasil é frequentemente evitada, e é necessário abordar esse tema com seriedade. A Parditude, como conceito discutido atualmente, traz à tona preocupações sobre a identificação racial e as implicações para ações afirmativas. A AfroHumanitude pode contribuir para esse debate ao fornecer uma estrutura que reconheça as nuances e complexidades da identidade racial, evitando generalizações e estereótipos prejudiciais.

Ao integrar a AfroHumanitude em iniciativas educacionais e políticas de justiça social, podemos criar uma base mais sólida para a promoção da equidade racial. Isso inclui o fortalecimento de programas que visem à reparação histórica e a implementação de ações afirmativas de maneira justa e eficaz. A AfroHumanitude oferece uma abordagem promissora para enfrentar as controvérsias raciais observadas nas redes sociais e além. Ao promover o respeito, a empatia e o reconhecimento da humanidade compartilhada, essa filosofia pode ajudar a transformar o debate racial em uma oportunidade para a construção de uma sociedade mais justa e harmoniosa. Adotar os princípios da AfroHumanitude é um passo importante na jornada rumo à verdadeira equidade racial e ao fortalecimento do Movimento Negro no Brasil.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut

AfroHumanitude na Promoção do Letramento Racial

Reconhecendo a África como o berço da humanidade e o conceito de Ubuntu (Humanitude), que liga todos os seres humanos, a AfroHumanitude enfatiza que as diferenças entre nós são superficiais e não devem ser usadas para justificar discriminação ou hierarquias sociais. A AfroHumanitude tem o potencial de enriquecer e transformar o debate racial no Brasil e no mundo.  A  AfroHumanitude propõe um entendimento mais inclusivo e holístico das diferenças humanas. A ideia de que a África é o berço da humanidade e que o conceito de Ubuntu conecta todos os seres humanos é poderosa e inspiradora.

Assista ao vídeo completo aqui:

No vídeo, exploramos a inovadora proposta da AfroHumanitude, que vai além das tradicionais dicotomias raciais. Vamos entender como esse conceito unificado e inclusivo reconhece que todos pertencemos à mesma espécie, Homo sapiens, e celebra a diversidade humana em suas múltiplas expressões:   NegritudeIndigenitude,  BranquitudeParditude.

O Que é Letramento Racial?

O letramento racial é um processo de conscientização e educação que visa capacitar as pessoas a entenderem e combaterem o racismo. É uma forma de responder às tensões raciais de forma individual e de reeducar as pessoas em uma perspectiva antirracista.

Do Afrokut

 

AfroHumanitude: Uma Ferramenta Poderosa na Promoção do Letramento Racial

A AfroHumanitude é uma proposta inovadora que busca ir além das dicotomias raciais tradicionais, promovendo uma visão unificada e inclusiva da humanidade. Ao reconhecer que todas as pessoas pertencem a uma única espécie, o Homo sapiens, e que nossas diferenças são superficiais, a AfroHumanitude se posiciona como uma ferramenta poderosa na promoção do letramento racial. Este conceito não apenas reconhece a diversidade humana, mas também celebra suas múltiplas expressões, como a Negritude, Indigenitude, Branquitude e Parditude.

O letramento racial é um conjunto de práticas e ensinamentos que visam conscientizar as pessoas sobre a estrutura e o funcionamento do racismo na sociedade. O objetivo é tornar os indivíduos capazes de reconhecer, criticar e combater atitudes racistas em seu cotidiano. Esse processo envolve a desconstrução de formas de pensar e agir que foram naturalizadas socialmente, promovendo uma perspectiva antirracista. Em outras palavras, é sobre aprender a identificar e desafiar os privilégios e desigualdades raciais que existem em nossa sociedade.

A AfroHumanitude, com sua visão inclusiva e holística da humanidade, tem um grande potencial para trabalhar o letramento racial de forma efetiva e significativa. Aqui estão algumas maneiras de como isso poderia ser implementado:

  • Promover espaços de diálogo onde diferentes humanitudes possam compartilhar suas experiências e visões é fundamental para o letramento racial. Esses espaços de conversação permitem a aprendizagem mútua e a empatia, essencial para a construção de relações sociais mais saudáveis e justas. A reflexão sobre as próprias atitudes e crenças em relação às diferentes “raças” (entre aspas, para denotar o seu caráter de construção social) é um passo crucial para a mudança pessoal e social.
  • A integração da AfroHumanitude nos currículos escolares e programas de formação continuada para educadores é essencial para promover o letramento racial. Ao abordar a história e as contribuições de todas as humanitudes de forma equitativa, as instituições de ensino podem criar um ambiente de aprendizagem mais inclusivo e respeitoso. Isso ajuda a desconstruir estereótipos e preconceitos, proporcionando uma compreensão mais profunda e ampla da diversidade humana.
  • Celebrar as diversas culturas e identidades nas comunidades escolares e nos espaços públicos é uma maneira eficaz de promover a AfroHumanitude. Reconhecer e valorizar as contribuições únicas de cada grupo ajuda a construir uma sociedade mais inclusiva, onde todos se sentem vistos, ouvidos e valorizados. Eventos culturais, feiras temáticas e semanas de conscientização são exemplos práticos de como isso pode ser implementado.
  • Desenvolver políticas e práticas pedagógicas que combatam o racismo e promovam a igualdade racial é fundamental. A formação de alianças entre diferentes comunidades para enfrentar conjuntamente o racismo e outras formas de discriminação promove uma solidariedade baseada no respeito e na equidade. A AfroHumanitude incentiva essas alianças, reforçando a ideia de que a luta contra o racismo é uma responsabilidade coletiva.
  • Utilizar materiais didáticos que representem a diversidade humana em todas as suas formas é crucial para o letramento racial. Evitar estereótipos e promover narrativas positivas e inclusivas ajuda a construir uma visão mais equilibrada e justa da sociedade. Essa abordagem não só enriquece o processo educativo, mas também prepara os alunos para serem cidadãos mais conscientes e empáticos.

A AfroHumanitude, com sua perspectiva interseccional, oferece uma abordagem poderosa para a promoção do letramento racial. Ao reconhecer a unidade da espécie humana e celebrar suas múltiplas expressões, a AfroHumanitude promove a desconstrução de hierarquias sociais e a valorização da diversidade. Implementar essa visão nas práticas educacionais e sociais pode gerar um impacto profundo e duradouro, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa, equitativa e unida. Inspirados pelo conceito de Ubuntu, podemos avançar juntos na luta contra o racismo e na promoção da dignidade humana para todas as pessoas.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut

Branquitude não é o oposto de Negritude na perspectiva da AfroHumanitude

Superar o paradigma binário preto/branco pode ampliar a compreensão das dinâmicas raciais e permitir um debate mais inclusivo e enriquecedor. A “raça” é apenas um dos muitos fatores que compõem a identidade de uma pessoa. Considerar outras interseccionalidades, como classe, gênero, orientação sexual e etnia, pode proporcionar uma análise mais complexa e precisa das desigualdades raciais e sociais. Além disso, é fundamental reconhecer as experiências únicas de pessoas que não se encaixam perfeitamente nesse binarismo. Expandir o debate pode levar a soluções mais abrangentes e eficazes, capazes de endereçar as múltiplas dimensões da opressão e do privilégio.

Nessa direção, o debate acadêmico vem, desde então, buscando uma reflexão sobre as relações raciais na contemporaneidade. Destaca-se, neste debate acadêmico, a oposição a uma “branquitude positiva” e a substituição da palavra branquitude pelo termo “branquidade“( utilizando para falar da situação de privilégio que o branco detém nas sociedades estruturadas pelas hierarquias raciais).  Branquitude e Branquidade por Edith Piza, oferece uma base teórica importante ao redefinir a branquitude como uma identidade que se manifesta através do compromisso antirracista, ao invés de ser o oposto da negritudePiza usa “branquidade” como tradução de “whiteness“, referindo-se à identidade racial branca ligada ao racismo, enquanto “branquitude” é proposta como um movimento de reflexão e antirracismo. Ela sugere que a branquitude é um destino, um movimento consciente de negação da supremacia branca. Piza argumenta que branquitude e negritude não são meramente opostos, mas sim conceitos complexos com suas próprias identidades e dinâmicas sociais. Piza propõe que a verdadeira branquitude envolve um deslocamento dos espaços de privilégio e um engajamento consciente na luta contra as desigualdades raciais. Ela sugere que essa transformação pessoal é fundamental para a criação de uma sociedade mais justa e equitativa. Para alguns acadêmicos, destacar a branquidade é uma maneira de manter o foco nas injustiças e nos privilégios sistemáticos. Já a proposta de uma branquitude positiva tenta encorajar uma transformação interna e externa, levando os brancos a reconhecerem seus privilégios e a atuarem de maneira antirracista. 

No entanto, críticas como as de Lourenço Cardoso ressaltam que essa distinção pode, às vezes, obscurecer os privilégios sistêmicos que permanecem, independentemente das atitudes individuais. Cardoso, aponta que a distinção proposta por Edith Piza entre “branquidade” e “branquitude” pode ser vista como uma tentativa de beneficiar a si mesma ao diferenciar-se como uma pessoa branca que critica seus próprios privilégios. Ele argumenta que, ao criar essa distinção, Piza pode estar se colocando em uma posição de superioridade moral, onde o “branco com branquitude” se vê como mais crítico e consciente em comparação ao “branco com branquidade”. Segundo Cardoso, essa distinção pode ser problemática porque, independentemente das atitudes críticas de um indivíduo branco, os privilégios raciais permanecem os mesmos dentro das estruturas sociais. Em suma, Cardoso sugere que a criação do conceito de “branquitude” por Piza poderia servir para deslocar ou silenciar a realidade contínua dos privilégios brancos, destacando que esses privilégios operam independentemente das atitudes individuais. É uma crítica sobre como essas distinções teóricas podem não refletir as realidades práticas das desigualdades raciais.

Na sua dissertação “Conscientização Branca em Espaços de Capoeira: Percepções de Privilégio Entre Brancos que Convivem com Negros“, Ansel Joseph Courant apresenta uma visão que se opõe à de Edith Piza sobre os conceitos de branquitude e branquidade. Courant argumenta que a distinção feita por Piza entre esses termos pode ser confusa e pouco eficaz na prática. Courant, no entanto, critica essa abordagem, argumentando que qualquer distinção entre branquidade e branquitude pode ser ilusória, pois os privilégios raciais dos brancos permanecem, independentemente de suas atitudes antirracistas. Ele sugere que tal distinção pode até servir para que indivíduos brancos se coloquem numa posição de superioridade moral, sem realmente desafiar as estruturas de poder que perpetuam o racismo. Courant enfatiza que o racismo é uma estrutura institucional e sistêmica, e não apenas uma questão de atitudes individuais. Ele argumenta que a crítica de Piza foca demais em aspectos individuais e atitudinais, negligenciando a persistência das desigualdades estruturais.

Enfim, enquanto Piza vê na branquitude uma possibilidade de transformação pessoal e política através da conscientização e do deslocamento de espaços de privilégio, Courant destaca que tais transformações individuais não alteram necessariamente as estruturas institucionais que sustentam o racismo. Portanto, para Courant, a abordagem de Piza pode inadvertidamente silenciar a continuidade dos privilégios brancos em termos institucionais. Portanto, longe de ser um conceito que beneficia a si mesma, a ideia de branquitude de Piza visa incentivar os brancos a tomar responsabilidade e a agir contra o racismo de forma concreta e significativa.

Ao desconstruir a ideia de que branquitude é apenas o oposto de negritude, percebemos que ambas são construções sociais complexas. O processo de conscientização da branquitude pode ser uma ferramenta de autoconhecimento e transformação interna, ajudando os indivíduos a reconhecer seus privilégios e agir de maneira mais justa. Embora essa transformação pessoal seja valiosa, a verdadeira mudança ocorre quando essas reflexões pessoais se traduzem em ações coletivas para desmantelar estruturas de opressão e promover a igualdade. Tanto a branquitude quanto a negritude têm papéis importantes na transformação social, e entender suas diferenças e interseções é crucial para a construção de uma sociedade mais equitativa e justa. Nesse contexto, a AfroHumanitude se posiciona como uma proposta que busca unir e valorizar todas as identidades humanas—Negritude, Indigenitude, Branquitude, Parditude—e outras ainda por se reconhecer.

A proposta da AfroHumanitude é uma visão inovadora que busca transcender o paradigma binário preto e branco que tem historicamente moldado as discussões sobre raça e identidade. Inspirada na ideia de que a humanidade é uma só, mas com múltiplas expressões, a AfroHumanitude propõe um entendimento mais inclusivo e holístico das diferenças humanas. A ideia de que a África é o berço da humanidade e que o conceito de Ubuntu conecta todos os seres humanos é poderosa e inspiradora.

Reconhecendo a África como o berço da humanidade e o conceito de Ubuntu (Humanitude), que liga todos os seres humanos, a AfroHumanitude enfatiza que as diferenças entre nós são superficiais e não devem ser usadas para justificar discriminação ou hierarquias sociais. A AfroHumanitude tem o potencial de enriquecer e transformar o debate racial no Brasil e no mundo. Para que essa visão ganhe força e reconhecimento, é fundamental acreditar nela e promovê-la ativamente. Isso envolve integrar a AfroHumanitude nas pautas dos movimentos antirracistas, na academia e nos movimentos sociais. Incorporar esses conceitos nos livros didáticos e currículos escolares pode plantar sementes em jovens mentes, promovendo uma visão mais inclusiva e holística da humanidade desde cedo.

A transformação pessoal é essencial para essa mudança. Pequenas ações individuais podem gerar grandes impactos coletivos ao longo do tempo. Ao educar e engajar as pessoas em discussões sobre AfroHumanitude, podemos modificar o campo mórfico—ou as memórias do inconsciente coletivo—e criar novos paradigmas que valorizem a diversidade humana.

Em conclusão, a AfroHumanitude tem o potencial de enriquecer e transformar o debate racial no Brasil e no mundo. Ao promover uma compreensão mais profunda e inclusiva das dinâmicas sociais, podemos avançar de maneira significativa na luta pela justiça e igualdade racial. Inspirados pelo conceito de Humanitude (Ubuntu, Sumak Kawsay, Teko Porã) podemos trabalhar juntos para construir um futuro onde todas as identidades sejam reconhecidas e valorizadas.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut

REFERÊNCIAS

A branquitude acrítica revistada e as críticas. In: MÜLLER, Tânia M.P.; CARDOSO, Lourenço (Org.). Branquitude: Estudos sobre a identidade branca no Brasil. Curitiba: Editora Appris, 2017.

Courant, Ansel Joseph. Conscientização branca em espaços de Capoeira: percepções de privilégio entre brancos que convivem com negros. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, 2018. Dissertação de Mestrado em Estudos Étnicos e Africanos.

PIZA, E. Porta de vidro: entrada para branquitude. In: CARONE, I.; BENTO, M. A. S. (org.). Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2002.

A Indigenitude: uma inovação cultural que busca reforçar a identidade indígena no contexto contemporâneo

A Indigenitude é um termo sugerido por James Clifford para descrever a crescente consciência e revitalização das culturas indígenas. É  uma resposta às décadas de colonização e opressão, celebrando e adaptando as tradições indígenas no contexto contemporâneo. Envolve não só um retorno às raízes, mas também a incorporação de elementos modernos. Na perspetiva da   Afro-humanitude é uma visão de libertação, resistência e propostas de mudança fundamentada no Sumak KawsayTeko Porá.

James Clifford, em seu livro “Returns“, faz uma análise profunda da reemergência indígena, propondo uma comparação interessante com o movimento Negritude dos anos 1950. A Negritude, como Clifford aponta, foi um movimento que enfatizou a afirmação de identidade, cultura e valores da diáspora africana, respondendo à colonização e racismo com uma celebração da herança africana e um chamado à solidariedade negra

Da mesma forma, Clifford identifica um movimento emergente que ele chama de “Indigenitude”. Esse conceito reflete a crescente consciência e revitalização das culturas indígenas, que, como a Negritude, é uma resposta às décadas de colonização, opressão e marginalização. A Indigenitude, conforme Clifford, não é apenas um retorno às tradições, mas uma adaptação e inovação cultural que busca reforçar a identidade indígena no contexto contemporâneo.

Clifford sugere que, assim como a Negritude promoveu uma nova forma de pensar e ser no mundo, a Indigenitude está transformando as comunidades indígenas. Ele observa que a Indigenitude não se trata de um simples retorno ao passado, mas de um movimento dinâmico que incorpora elementos modernos enquanto preserva e ressignifica tradições ancestrais. Este fenômeno é visto tanto em práticas culturais, como em arte e música, quanto em estratégias políticas e sociais que desafiam as estruturas coloniais ainda existentes.

Assim, ao comparar a Indigenitude com a Negritude, Clifford destaca o poder das identidades coletivas em movimentos de resistência cultural. Ambas as noções valorizam a memória histórica e a solidariedade comunitária, ao mesmo tempo em que enfrentam e reconfiguram as narrativas dominantes de opressão. Em última análise, a Indigenitude, segundo Clifford, é um conceito que encapsula a luta contínua das comunidades indígenas por reconhecimento, justiça e autodeterminação.

Do Afrokut

O termo pardo e a Parditude no Brasil

No Brasil, o termo “pardo” tem uma história complexa e multifacetada, refletindo a diversidade racial e cultural do país. Desde o século XVI, início da colonização portuguesa, a palavra foi usada para descrever pessoas mestiças, especialmente aquelas de origem indígena e africana. Na famosa carta de Pero Vaz de Caminha em que o Brasil foi descrito pela primeira vez pelos portugueses, os nativos americanos eram chamados de “pardo”: “Pardo, nu, sem roupa”.

Diogo de Vasconcelos, um conhecido historiador mineiro, menciona a história de Andresa de Castilhos. Segundo as informações do século XVIII, Andresa de Castilhos foi assim descrita:

Declaro que Andresa de Castilhos, mulher parda … foi liberta … é descendente dos nativos da terra … Declaro que Andresa de Castilhos é filha de um homem branco e de uma mulher nativa”.

A historiadora Maria Leônia Chaves de Resende explica ainda que o vocábulo pardo era empregado para denominar pessoas de ascendência indígena ou mesmo os próprios indígenas: um Manoel, filho natural de Ana carijó, foi batizado como pardo; na Campanha vários indígenas foram classificados como pardos; os indígenas João Ferreira, Joana Rodriges e Andreza Pedrosa, por exemplo, foram denominados pardos forros; um Damaso se autodenominou pardo forro do natural da terra; etc.

Ainda, segundo Maria Leônia Chaves de Resende, o crescimento da população parda no Brasil abrange os descendentes de indígenas e não apenas os de ascendência africana:

o crescimento do segmento pardo não se deu apenas com os descendentes de africanos, mas também com os descendentes de indígenas, em especial os carijós e bastardos, incluídos na condição de pardo”.

Com o tempo, o termo passou a incluir também misturas com europeus e asiáticos, tornando-se uma categoria ampla e muitas vezes ambígua. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), pardo é uma classificação ampla que abrange brasileiros multirraciais. O termo “pardo” foi usado pela primeira vez em um censo brasileiro em 1872. O censo seguinte, em 1890, substituiu a palavra pardo por mestiço (aquele de origem mista). Os censos de 1900 e 1920 não perguntaram sobre raça, argumentando que “as respostas escondem em grande parte a verdade”.

A partir de 1950, “pardo” foi incorporado como uma categoria oficial no Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Atualmente, o IBGE define “pardo” como alguém que se identifica com uma mistura de duas ou mais opções de cor ou “raça”, incluindo branca, preta e indígena. Segundo o Censo de 2022, 45,3% da população brasileira se identifica como parda, tornando este o maior grupo racial do país.

A “Parditude” é um conceito que busca valorizar e reconhecer a identidade e a cultura dos pardos no Brasil. Este termo destaca a importância de entender as experiências e desafios únicos enfrentados por pessoas mestiças, que muitas vezes vivem em um “meio termo” racial. A Parditude enfatiza a diversidade dentro da categoria parda, reconhecendo as diferentes origens ancestrais e experiências de vida que compõem esse grupo.

Os pardos enfrentam desafios significativos em áreas como mercado de trabalho, educação, saúde e justiça. Apesar de serem a maioria da população, eles ainda estão sub-representados em cargos de liderança e poder, e frequentemente experimentam discriminação e desigualdade. A Parditude, portanto, não só celebra a diversidade cultural e racial dos pardos, mas também busca combater o racismo e promover a inclusão social.

Portanto, o termo “pardo” e o conceito de Parditude são fundamentais para compreender a complexidade das relações étnico-raciais no Brasil. Eles nos lembram da importância de valorizar a diversidade e de lutar por uma sociedade mais justa, igualitária e com valores da AfroHumanitude, onde propõe que todos os seres humanos pertencem a uma única espécie, o Homo sapiens, e que as diferenças entre nós são superficiais e não devem ser usadas para justificar discriminação ou hierarquias sociais.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut

A importância de reconhecer a Parditude

A Parditude é um conceito que busca reconhecer e valorizar a identidade e a cultura das pessoas pardas ou mestiças no Brasil. Em um país marcado pela miscigenação, os pardos são a maioria dos brasileiros, a parditude destaca as experiências únicas e os desafios enfrentados por aqueles que possuem uma herança racial mista, geralmente envolvendo ancestrais indígenas, africanos e europeus. Assim, a Parditude é uma forma de afirmar a identidade mestiça, reconhecendo a riqueza cultural e a diversidade que essa mistura representa. Ela se posiciona contra o racismo e o apagamento histórico que muitas vezes invisibiliza as pessoas pardas, forçando-as a se enquadrarem em categorias raciais binárias.

As pessoas pardas, no Brasil, frequentemente enfrentam uma série de desafios, incluindo: a sensação de não pertencimento a um grupo racial específico, o que pode levar a um sentimento de exclusão social e apagamento de ancestralidade; a falta de reconhecimento e representação nas políticas públicas e na sociedade em geral, o que pode resultar em consequências psicológicas graves;  o constante questionamento sobre a própria “raça” e a pressão para se autodeclarar de uma forma específica.

A importância de reconhecer a  Parditude é essencial para entender a complexidade das relações étnico-raciais no Brasil. Ela permite que as pessoas pardas afirmem sua identidade e lutem por seus direitos, contribuindo para uma sociedade mais inclusiva e justa.  A Parditude, assim como a Negritude, é uma forma de resistência e afirmação cultural, mostrando que a diversidade é uma força e não uma fraqueza. Ao valorizar a Parditude, celebramos a riqueza da diversidade e promovemos a igualdade racial. Isso inclui a aceitação e o orgulho de suas origens múltiplas, bem como a luta contra o racismo e o apagamento histórico que muitas vezes enfrentam. Além disso, é uma forma de afirmar a cidadania e os direitos dos pardos na sociedade brasileira. Nessa perspectiva, é fundamental compreender que a Parditude não é separada da NegritudeIndigenitude e da Branquitude, pois compõe a essência da Afro-humanitude que mostra que a humanidade é uma só, mas com múltiplas expressões.

Lembrando que a  AfroHumanitude propõe que todos os seres humanos pertencem a uma única espécie, o Homo sapiens, e que as diferenças entre nós são superficiais e não devem ser usadas para justificar discriminação ou hierarquias sociais. A ciência moderna, especialmente a genética, tem mostrado que a variação genética dentro de qualquer grupo racial é maior do que a variação entre grupos diferentes. Isso significa que as categorias raciais tradicionais não têm uma base biológica sólida.

Entretanto, as categorias raciais binárias, como “branco” e “negro”, foram historicamente usadas para classificar e hierarquizar pessoas com base em características físicas visíveis, como a cor da pele. Essas classificações foram amplamente utilizadas durante o colonialismo e a escravidão para justificar a exploração e a opressão de pessoas. No entanto, essas categorias são simplificações que não capturam a complexidade da diversidade humana. A aceitação da AfroHumanitude e a rejeição das categorias raciais binárias são passos importantes para reconhecer e valorizar a Parditude.

No entanto, é crucial continuar a refletir e agir sobre como a AfroHumanitude pode desempenhar um papel vital na valorização da Parditude e na promoção de uma sociedade mais inclusiva e equitativa, respeitando a diversidade e promovendo a inclusão.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut

 

O Brasil miscigenado e o reconhecimento da parditude

Artigo de José Eustáquio Diniz Alves

Pela primeira vez, a população parda aparece como grupo majoritário da população brasileira.

O gráfico abaixo, apresenta os dados do quesito raça/cor dos censos demográficos do IBGE, de 1991 a 2022.

Nota-se que a população autodeclarada branca era maioria em 1991 (51,6%) e no ano 2000 (53,7%), mas perdeu o status de maioria absoluta em 2010 (com 47,7%) e perdeu o status de maioria simples em 2022 (com 43,5%).

A população autodeclarada parda vinha logo abaixo no percentual dos indivíduos autodeclarados brancos, com 42,5% em 1991, 38,5% em 2000, 43,1% em 2010 e assumiu a maioria simples em 2022, com 45.3%. A população autodeclarada preta era de 5% em 1991, passou para 6,2% em 2000, 7,6% em 2010 e alcançou 10,2% em 2022. A população autodeclarada indígena passou de 0,2% em 1991 para 0,6% em 2022. E a população autodeclarada amarela ficou estável em torno de 0,4% no período.

 

A tabela abaixo apresenta os valores absolutos do quesito raça/cor dos censos de 1991 a 2022. Observa-se que a população branca diminui em termos absolutos entre o ano 2000 e 2022, enquanto a população parda apresentou o maior crescimento do período, passando de 62,3 milhões em 1991 para 92 milhões em 2022. A população preta passou de 7,3 milhões em 1991 para 20,7 milhões em 2022. A população indígena, embora percentualmente pequena, apresentou um grande crescimento absoluto de 294 mil em 1991 para 1,2 milhão em 2022. A população amarela ficou aproximadamente estável no período.

 

Segundo o IBGE, A pergunta sobre cor ou raça não retrata apenas a “cor” ou apenas a “raça” da população, pois, além de existirem vários critérios que podem ser usados pelo informante para a classificação (origem familiar, cor da pele, traços físicos, etnia, pertencimento comunitário, entre outros), as cinco categorias estabelecidas na investigação (branca, preta, amarela, parda e indígena) podem ser entendidas pelo informante de forma variável. Vale lembrar ainda que o IBGE utiliza o conceito de “raça” como uma categoria socialmente construída na interação social e não como um conceito biológico.

Assim, o pertencimento étnico-racial é investigado respeitando o critério de autoidentificação. Cada informante, responde ao censo a sua percepção sobre a sua cor ou raça e sua percepção sobre como os outros moradores se auto-identificam numa das cinco categorias.

 

Muitos pesquisadores e ativistas costumam agrupar as categorias “parda” e “preta”, como categoria “negra”. Evidentemente, existem diversas razões que justificam este tipo de agrupamento. Porém, não seria correto definir todos os negros como afrodescendentes, pois muitas pessoas que se autodeclaram pardas são fruto da miscigenação entre brancos e indígenas, ou, em menor proporção, entre brancos e amarelos, ou mesmo entre pardos e brancos. Desta forma, os pardos possuem múltiplas ascendências e uma rica e plural ancestralidade.

Isto fica claro quando analisamos os dados para as Unidades da Federação (UFs), conforme mostra a tabela abaixo. Nota-se que a percentagem de pardos é maior nas UFs do Norte e Nordeste, especialmente naqueles estados onde existe grande quantidade de população indígena. As pessoas que se autodeclaram pardas são mais de dois terços da população no Pará e no Amazonas.

As duas UFs com maior percentagem de população autodeclarada preta são a Bahia e o Rio de Janeiro. Na Bahia há 22,4% de indivíduos autodeclarados pretos (com 57,3% de população parda) e no Rio de Janeiro há 16,2% (com 41,6% de população parda). No total há 18 UFs com maioria de população parda, há 5 UFs sem qualquer maioria absoluta e 4 UFs com maioria da população autodeclarada branca.

Portanto, os pardos são maioria absoluta em 18 Unidades da Federação, são maioria simples em 5 UFs e somente são minoria em 4 UFs (SP, PR, SC e RS). Portanto, o Brasil é um país marcado pela miscigenação entre brancos, pretos, amarelos e indígenas e a presença parda se distribui de forma diferenciada no território brasileiro.

O artigo de Beatriz BuenoReconhecendo a parditude: Consciência mestiça na sociedade brasileira”, publicado na Revista Fórum (23/3/2024) alerta que: “Hoje em dia, as pessoas mestiças se veem , no centro de uma disputa ideológica, sendo obrigadas a se categorizar apenas entre branco e negro. Diante desse cenário, é crucial que as próprias pessoas pardas investiguem suas experiências. Assim nasce a Parditude”.

A autora relata que a Parditude abrange uma série de experiências e desafios:
• “Ambiguidade Racial: Pessoas mestiças, resultado principalmente das misturas afro/euro/indígena, vivem situações de não pertencimento sócio racial.
Exclusão e silenciamento: A sensação de “não lugar” causa apagamento de ancestralidade e constrangimentos sociais, levando a consequências psicológicas graves.
Identidade em questão: O constante questionamento sobre a própria raça e a pressão para se autodeclarar de uma forma específica.
Luta pela identidade: Mesmo ao escolher se autodeclarar como branco, negro, indígena ou pardo, há sempre questionamentos externos, pois sua aparência física não é objetiva e cada um afirma o que pensa de acordo com as próprias ideologias e percepções.
Exclusão nas Políticas Públicas: O direito de cota é negado em diversas bancas de heteroidentificação do país, pois não é considerada a aparência ambígua, ignorando a vulnerabilidade social histórica do grupo mestiço”.

Parditude é um termo que se refere à identidade e à cultura dos pardos ou mestiços brasileiros, valorizando a diversidade e a riqueza cultural que os pardos e mestiços representam, reconhecendo suas origens indígenas, africanas, europeias e asiáticas. A consciência mestiça não se opõe a outros grupos, apenas garante a afirmação de uma especificidade que é muito própria da história do Brasil.

O pardo não deveria ser definido como o outro, muito menos ser visto como branco pelos pretos ou preto pelos brancos. Os pardos não deveriam ser vistos como uma categoria residual, definidos como “brancos escuros” ou “pretos claros”. O fato é que a população parda – que é maioria da população brasileira – costuma se sentir discriminada na categorização “brancos” versus “não-brancos”, ou na percepção de “brancos retintos” versus “pretos retintos”.

Assim, parditude é uma afirmação da identidade e da cidadania da população mestiça, que reivindica seus direitos e sua participação na sociedade brasileira de forma multifacetada e não-binária.

Por conseguinte, a parditude é real e legítima não devendo ser subsumida ou “obscurecida” em uma das pontas da diversidade étnico-racial do país. Há quem afirme que a mestiçofobia é uma espécie de genocídio estatístico da população parda, particularmente daqueles alinhados à ancestralidade dos povos originários.

Em geral, o contingente de pessoas que se autodeclaram pardos são reconhecidos no denominador das políticas públicas, mas, no particular, costumam ser excluídos do numerador, uma vez que a recusa de vagas no sistema de cotas expõe preconceitos e até racismo contra as pessoas pardas pobres.

A especificidade da população parda já estava presente em um artigo que escrevi há cerca de 14 anos – “A definição de cor/’raça’ do IBGE” – no Portal Ecodebate, dizendo: “Chegamos, assim, na principal dificuldade existentes nos estudos de cor/raça, qual seja, definir a cor parda. Fica evidente pela definição do manual do recenseador do IBGE que pardo não é “marrom”, “trigueiro”, “escurinho” ou uma outra tonalidade de cor entre o branco e o preto. Pardo, na definição do manual é uma mistura de cor, ou seja, é uma pessoa gerada a partir de alguma miscigenação, seja ela “mulata, cabocla, cafuza, mameluca ou mestiça” (Alves, 28/06/2010). Nesta mesma linha, falei ao jornalista Bruno Alfano sobre os problemas na definição de negro como a soma de pretos com pardos, em reportagem no jornal O Globo, em 23/07/2022.

Indubitavelmente, a parditude não deve ser encarada como mais uma manifestação identitária, mas sim como afirmação da especificidade de um grupo que é majoritário na população brasileira.

O reconhecimento da desigualdade não significa apoiar qualquer forma de singularismo, sectarismo ou tribalismo, mas sim garantir as legítimas expressões étnico-raciais do país, viabilizando a unidade na diversidade.

A despeito das inúmeras diferenças, existe sempre um terreno comum onde se pode interagir, colaborar e atuar no sentido da defesa da equidade social e “racial” da população brasileira.

Referências:

ALVES, JED. A definição de cor/’raça’ do IBGE, Ecodebate, 28/06/2010
https://www.ecodebate.com.br/2010/06/28/a-definicao-de-corraca-do-ibge-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

Bruno Alfano. Ex-pesquisador do IBGE aponta problemas na definição de negro como a soma de pretos com pardos, O Globo, 23/07/2022
https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2022/07/ex-pesquisador-do-ibge-aponta-problemas-na-definicao-de-negro-como-a-soma-de-pretos-com-pardos.ghtml

Beatriz Bueno. Reconhecendo a parditude: Consciência mestiça na sociedade brasileira, Revista Fórum, 23/3/2024
https://revistaforum.com.br/opiniao/2024/3/23/reconhecendo-parditude-conscincia-mestia-na-sociedade-brasileira-156166.html

IBGE. Censo Demográfico 2022, Identificação étnico-racial da população, por sexo e idade. Resultados do universo, IBGE, 2023
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/media/com_mediaibge/arquivos/13ee0337cffc1de37bf0cd4da3988e1f.pdf

José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

Fonte: EcoDebate 

Imagem: Afrokut – Inspirado no video: Caetano Veloso – Pardo

A Parditude e os Dilemas dos Pardos, Maior Grupo Étnico-Racial do Brasil

O artigo da BBCOs dilemas dos pardos, maior grupo étnico-racial do Brasil segundo Censo 2022” oferece uma análise abrangente da complexa situação dos pardos no Brasil, que representam 45,3% da população, tornando-se o maior grupo étnico-racial do país. O texto explora as diversas nuances da identidade parda, os desafios enfrentados por essa população e as diferentes perspectivas sobre seu papel na sociedade brasileira. O artigo destaca os desafios que os pardos enfrentam em áreas como o mercado de trabalho, educação, saúde e justiça. 

Apesar de serem a maioria da população, eles ainda estão sub-representados em cargos de liderança e poder, e frequentemente experimentam discriminação e desigualdade.

O artigo da BBC perde uma oportunidade de enriquecer o debate sobre a identidade parda ao não mencionar a Parditude, mesmo que de forma breve. A inclusão do termo, ainda que sem um aprofundamento maior, poderia despertar a curiosidade dos leitores e motivá-los a buscar informações mais profundas sobre o tema.

Ao abordar a Parditude, mesmo que superficialmente, o artigo poderia:

  • Ampliar o escopo da discussão: O foco do artigo se limita aos desafios práticos enfrentados pela população parda, como discriminação e desigualdade. A Parditude, por outro lado, introduz uma perspectiva histórica e cultural à discussão, reconhecendo a trajetória específica dos pardos na formação da sociedade brasileira.
  • Reconhecer a heterogeneidade da população parda: A Parditude valoriza a diversidade dentro da categoria parda, reconhecendo as diferentes origens ancestrais, experiências de vida e tons de pele que compõem esse grupo. Essa abordagem contribui para combater a ideia de que a identidade parda é homogênea e monolítica.
  • Conectar o debate à academia: A Parditude é um conceito teórico com base em estudos acadêmicos. Ao mencioná-la, o artigo poderia conectar o debate público à produção intelectual sobre raça e identidade no Brasil, dando visibilidade ao trabalho de pesquisadores renomados como Lilia Moritz Schwarcz, Eduardo de Oliveira e Silva e Kabengele Munanga.
  • Estimular o debate e a reflexão: A inclusão da Parditude no artigo poderia gerar um debate mais rico e aprofundado sobre a identidade parda, incentivando os leitores a refletirem sobre suas próprias experiências e posicionamentos em relação à “raça” no Brasil.

Lembramos que a omissão da Parditude no artigo não invalida seu valor como um importante ponto de partida para a reflexão sobre os desafios enfrentados pela população parda no Brasil.

Essa omissão pode ser explicada por alguns motivos:

  1. Foco no Censo 2022: O artigo se concentra em apresentar os dados do Censo 2022 e suas implicações para a população parda. O termo “Parditude”, embora importante para o debate acadêmico e político sobre “raça” no Brasil, não é uma categoria oficial utilizada pelo IBGE.
  2. Abrangência para o público leigo: O texto da BBC parece ter como objetivo alcançar um público amplo, incluindo pessoas que não estejam familiarizadas com os termos específicos do debate racial no Brasil. Nesse sentido, o uso de um termo como “Parditude” poderia dificultar a compreensão da mensagem principal do artigo.
  3. Complexidade do conceito: A Parditude é um conceito teórico complexo que envolve diversas nuances e diferentes correntes de pensamento. Abordar esse conceito em um artigo de jornal poderia desviar o foco do tema central e gerar confusões entre os leitores.
  4. Ênfase nos desafios práticos: O artigo da BBC prioriza a análise dos desafios práticos enfrentados pela população parda, como a discriminação no mercado de trabalho e a desigualdade no acesso à educação e à saúde. O foco na Parditude, por outro lado, poderia levar a uma discussão mais abstrata sobre identidade e subjetividade.
  5. Espaço limitado: É importante considerar que um artigo de jornal possui um espaço limitado para abordar um tema complexo como a identidade parda. A escolha de quais aspectos abordar é feita em função do público-alvo e dos objetivos específicos do texto.
  6. Pluralidade de perspectivas: O artigo apresenta diferentes perspectivas sobre a identidade parda, mas não se aprofunda em nenhuma delas. Essa abordagem pode ter sido escolhida para evitar a polarização do debate e apresentar um panorama mais abrangente da questão.

O artigo da BBC oferece uma visão abrangente dos dilemas e desafios enfrentados pelos pardos no Brasil. A análise da heterogeneidade da identidade parda e das diferentes perspectivas sobre seu papel na sociedade contribui para um debate mais rico e aprofundado sobre raça e desigualdade no país.

Pontos-chave adicionais do artigo:

  • A autodeclaração racial é um processo complexo e influenciado por diversos fatores, como contexto social, familiar e histórico.
  • O Censo 2022 revelou um aumento no número de pessoas que se declaram pardas, o que pode ser explicado por diversos fatores, como o crescimento do movimento negro e a maior visibilidade da temática racial na sociedade brasileira.
  • A ascensão de políticos que defendem a “democracia racial” e minimizam o problema do racismo no Brasil pode ter um impacto negativo na luta pela igualdade racial, inclusive para a população parda.
  • A coesão entre os diferentes grupos que compõem a população negra (pretos e pardos) é fundamental para o combate ao racismo estrutural no Brasil.

É fundamental que continuemos buscando informações e diferentes perspectivas sobre o tema, a fim de construirmos uma sociedade mais justa e igualitária para todos.

A Parditude reconhece que a identidade parda é complexa e multifacetada, marcada pela herança africana, indígena e europeia. Ela se contrapõe à ideia de que a identidade racial no Brasil é binária, dividida entre preto e branco.

A Parditude ainda é um conceito em desenvolvimento, mas vem ganhando cada vez mais espaço no debate sobre raça e identidade no Brasil. Ela é uma ferramenta importante para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, onde todas as pessoas, independentemente de sua cor de pele, sejam reconhecidas e valorizadas.

Embora o artigo da BBC não mencione o termo “Parditude“, ele oferece uma análise valiosa dos desafios enfrentados pela população parda no Brasil. A leitura do artigo pode ser um ponto de partida para pesquisas e reflexões mais aprofundadas sobre a identidade parda e seu papel na sociedade brasileira.

Segue link para uma Leitura completa do artigo da BBC

Os dilemas dos pardos, maior grupo étnico-racial do Brasil segundo Censo 2022

Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut

Imagem: Afrokut