
Apesar de os Estados Unidos se apresentarem como importante propulsor dos estudos críticos da branquidade a partir dos anos 90, tornando-se o principal centro de estudos sobre o tema, o pesquisador Lourenço Cardoso (2010) atenta para o fato de que o pioneirismo na problematização da identidade racial branca caberia, primeiro, a W. B. Du Bois já em 1935 e, em seguida, a Frantz Fanon, em 1952, com a publicação de Pele Negra, Máscaras Brancas.
Nesta obra Fanon propõe uma análise da relação entre o negro e o branco, mostrando como um vê o outro, a necessidade instaurada no negro de ser branco, enquanto, por outro lado, o branco assume a condição de único ser humano. Mostrando como as identidades raciais acabam por criar limitações para que o indivíduo alcance a condição humana.
Além de Du Bois e Fanon, podemos incluir o ativista Steve Biko entre os percursores na análise da identidade racial branca entre as décadas de 60 e 70. No Brasil, Cardoso afirma que o termo branquitude foi utilizado em primeira instância, em 1962, por Gilberto Freyre, que critica tanto a utilização do termo branquitude como negritude, já que defendia a existência da democracia racial brasileira através da mestiçagem. Apesar de ser Freyre o primeiro a utilizar o termo branquitude, foi Alberto Guerreiro Ramos o primeiro a propor uma discussão sobre o assunto. “Esse autor utilizava o termo ‘brancura’, que significaria para nossa literatura científica atual o conceito branquitude”. (CARDOSO, 2008, p. 57).
Em 1957, Guerreiro Ramos já discutia o que chamou de “patologia branca no Brasil”. Segundo o autor, a utilização do negro como tema por pesquisadores brancos era uma forma de assegurar a sua brancura. Exaltando seus traços europeus, estes pesquisadores mantinham o status de superioridade e a situação de privilégio da qual desfrutavam. Entre os pesquisadores que adotavam essa prática, denominada por ele como “patologia-protesto”, estão Nina Rodrigues e o próprio Gilberto Freyre citado anteriormente.
Embora a produção de Guerreiro Ramos tenha sido de vital importância para iniciar a problematização do branco no cenário nacional, a autora Liv Sovik (2004) afirma que ela está ultrapassada em alguns pontos. De acordo com Sovik, ao colocar a discussão no plano da necessidade de afirmação de traços europeus para manter o privilégio e a condição de ser humano ideal do branco, o autor não leva em consideração o real motivo para que os europeus não considerem qualquer outra nacionalidade, que seria o fato de que só os europeus terem direito ao seu eurocentrismo. O que não corresponderia as práticas de manutenção de privilégio coexistentes baseadas na discriminação direta de traços fenotípicos (SOVIK, 2004, p. 368).
Além disso, a autora afirma que no contexto atual de discriminação no Brasil já é comum as pessoas admitirem que tem um “pé na cozinha”, na tentativa de forjar uma falsa ideia de democracia racial, o que não diminui, pelo contrário, o poder e o prestígio concedido pela branquitude. Para Sovik os resquícios coloniais já não são o principal problema nessa discussão. “É um texto anacrônico, mas nem tanto. Guerreiro Ramos abriu frentes que ainda estão presentes na discussão” (SOVIK, 2004, 369).
A autora reconhece também que, embora não seja o principal problema, a ascendência europeia ainda é utilizada como um triunfo para muitos ciosos pela manutenção da diferenciação que assegura o poder. Como também aponta a pesquisa desenvolvida pelo pesquisador John Nervell (2001).
Ao entrevistar moradores de classe média da zona sul do Rio de Janeiro, Nervell percebeu uma contradição freqüente nos discursos de pessoas que ao mesmo tempo em que identificam a mistura de raças como fonte da nação brasileira, utilizam esse ideal de mistura para identificar em suas origens traços que lhe deixam praticamente de fora desta “nação”.
O autor utiliza exemplo de pessoas que evitam o termo “branco” para identificar sua cor, mas resgatam em sua árvore genealógica europeus que justificam a ausência de suas características mais brasileiras que lhes aproximem da cultura negra, como o gosto pelo samba ou carnaval.
O que confirma as explanações feitas por Guerreiro Ramos ainda na década de 50. Somente no ano de 2000, de acordo com o pesquisador Lourenço Cardoso, que as discussões sobre a branquitude voltam a ganhar destaque no Brasil com o trabalho da pesquisadora Edith Piza. Com a publicação dos artigos, “Branco no Brasil? Ninguém sabe, ninguém viu” e “Porta de Vidro: entrada para branquitude”, a branquitude volta ao cenário nacional.
Lourenço Cardoso (2010), em seu trabalho, apresenta uma lista das principais publicações em que o branco surgiu como tema de pesquisa, tendo a branquitude como principal discussão. De acordo com a sua relação, após a publicação do livro de Guerreiro Ramos, os principais trabalhos que destaca o papel do branco foram realizados pela autora Edith Piza, a partir do ano de 2000.
Em suas obras, Piza desenvolve a ideia que compartilhava com a pesquisadora norteamericana Ruth Frankemberg. Para elas, até então, a branquitude era não-marcada e invisível, ou seja, aqueles que a praticavam podiam estar cometendo as ações sem consciência sobre seus atos já que não se enxergavam racializados. Esta definição, como veremos mais adiante, será reelaborada.
O segundo artigo de Edith Piza é publicado em um importante livro organizado pelas autoras Iray Carone e Maria Aparecida Silva Bento. Intitulado Psicologia Social do Racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil, o livro reúne trabalhos relevantes sobre a temática. De acordo com Bento, a branquitude pode ser definida como “traços da identidade racial do branco brasileiro a partir das ideias sobre branqueamento” (BENTO, 2002, p. 29).
Na obra é possível encontrar uma reunião de trabalhos que discutem o silenciamento do branco diante da história como forma de manter o status quo. A estratégia é aumentar a visibilidade sobre o negro enquanto o branco permanece omisso na história. Discussões sobre conceitos como “medo do outro” e “pacto narcísicos” chamam atenção no livro. O primeiro diz respeito ao medo constante que o branco nutre de perder o privilégio e a condição de superioridade, o que lhe conduz ao segundo conceito que a autora define como o isolamento de brancos em locais de brancos para fortalecer os laços de branquitude, a cumplicidade entre os iguais (brancos) favorecendo uns aos outros, deixando o não-branco à margem, afastado.
Até então o termo branquitude é utilizado para dar nome às práticas realizadas por portadores da brancura com o objetivo de manter o privilégio que o branco possui nas sociedades estruturadas pela hierarquia racial. O branco assume a postura de ser humano ideal e cria condições para que o status seja mantido.
Texto do artigo de Camila Moreira de Jesus:
BRANCO
BRANQUITUDE X BRANQUIDADE: UMA ANÁLISE CONCEITUAL DO SER BRANCO
Branquitude
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