Indigenitude, Identidade e Afrofusão: Por que Pessoas Negras Não Representam Pessoas Indígenas

A temática “Pessoas negras não representam pessoas indígenas” ressoa profundamente quando refletimos sobre as raízes, a pluralidade e os desafios da representatividade no Brasil contemporâneo. Em meio às inúmeras batalhas antirracistas e a uma indústria do entretenimento que muitas vezes opta pela comodidade em detrimento da autenticidade, é preciso afirmar que, embora nossas lutas sejam aliadas, elas não podem ser reduzidas a uma única forma de resistência ou a um modelo simplificado de diversidade.

Desconstruindo a Representatividade Racial

Quando a indústria cultural escolhe excluir os povos indígenas — substituindo suas vozes e saberes por uma dicotomia que privilegia apenas brancos e negros — ela perpetua um novo tipo de apagamento. Essa abordagem, além de superficial, ignora a complexidade de identidades marcadas pela ancestralidade, pela língua e pelos modos próprios de entender o mundo. É essencial reconhecer que, embora a luta antirracista seja um esforço coletivo e interligado, cada traço de opressão carrega matizes diferentes e precisa ser abordado com nuances específicas.

A frase “Pessoas negras não representam pessoas indígenas” é, portanto, um lembrete contundente de que as experiências de dois povos que sofrem com o racismo estrutural não são intercambiáveis. Essa diferenciação não serve para separar as batalhas; ela fortalece a necessidade de políticas e discursos que promovam a verdadeira pluralidade. A representatividade não deve ser vista como uma moeda de troca — inserir um grupo não desbanca, nem substitui, outro. Ao adotar essa perspectiva, evitamos a armadilha de uma diversidade raso para inglês ver, que camufla um apagamento sistemático.

A Indigenitude na Perspectiva da AfroHumanitude

A abordagem AfroHumanitude, que valoriza as lutas históricas e atuais dos povos negros, encontra na Indigenitude uma confluência e, ao mesmo tempo, uma distinção essencial. A ancestralidade indígena não é apenas um detalhe ou um subproduto do debate racial; ela é um pilar fundamental da diversidade cultural do Brasil. Enquanto os povos afrodescendentes carregam a memória da diáspora e dos horrores do tráfico negreiro, os povos indígenas portam a resistência milenar contra a colonização, a perda de territórios e a supressão de suas línguas e saberes.

Com essa visão ampliada, a luta antirracista deixa de ser uma competição de narrativas para se transformar em uma construção coletiva de espaços pluralmente justos. A AfroHumanitude reconhece a importância da representatividade negra, mas também aprimora sua compreensão ao abraçar a Indigenitude como elemento essencial para a construção de uma sociedade verdadeiramente diversa. Essa união de forças não é sobre substituir uns aos outros, mas sobre reconhecer que cada grupo possui histórias únicas e contribuições inestimáveis para a identidade cultural do país.

O Apagamento na Mídia e suas Implicações

O comentário que originou esse debate — “Pessoas negras não representam pessoas indígenas” — aponta para uma realidade observada em diversas plataformas, onde a presença indígena é virtualmente invisibilizada. Em programas de internet, séries, videoclipes e campanhas publicitárias, a ausência de representatividade indígena ressalta a complacência das indústrias de entretenimento. Quando se opta por projetos que celebram a diversidade com um olhar restrito e simplificado, a inclusão torna-se um mero formalismo que não dialoga com as histórias e os desafios reais dos povos marginalizados.

Comentários de seguidores reforçam essa crítica. Desde a percepção de que a exclusão indígena não é consequência da presença negra, mas das estruturas históricas e raciais que controlam os espaços culturais, até a constatação de que a luta por inclusão deve ser ampla e diversa, essas manifestações reforçam a urgência de repensar nosso modo de ver a representatividade. Cada relato é uma chamada à ação, um convite para que empresas, projetos e a sociedade em geral adotem uma postura verdadeiramente inclusiva, que não se contente em substituir uma opressão por outra.

Por um Futuro Plural e Inclusivo

A comparação entre as lutas de povos negros e indígenas mostra que o combate ao racismo estrutural exige mais do que a simples presença de rostos na mídia. É preciso construir espaços onde a diversidade seja celebrada em todas as suas dimensões: linguística, cultural, histórica e estética. A verdadeira representatividade demanda a ampliação dos olhares, a valorização das especificidades e o reconhecimento de cada trajetória de resistência.

Ao abraçar essa ideia, abrimos caminho para uma sociedade que não se intimida diante da complexidade de sua composição. A construção de uma identidade pluricultural não é uma tarefa de cortes simplistas, mas uma jornada genuína de inclusão, onde cada povo tem não só o direito, mas o dever de ser visto e ouvido em toda a sua relevância. Empresas, produtores culturais, artistas e gestores públicos têm o desafio de repensar seus espaços, transformando-os em verdadeiros pontos de encontro para a pluralidade dos saberes e experiências.

Conclusão

A reflexão iniciada pela postagem “Pessoas negras não representam pessoas indígenas” estimula-nos a repensar a forma como concebemos a diversidade. A indigenitude, inserida na perspectiva da AfroHumanitude, revela que a luta antirracista é ampla e multifacetada. Cada grupo carrega sua própria história e, ao reconhecer as diferenças, fortalecemos a ideia de que a verdadeira inclusão não é a mera troca de opressões, mas a construção de territórios de convivência onde todos os corpos, línguas e saberes possam florescer.

Que essa discussão sirva de inspiração para que cada um — seja produtor ou consumidor de cultura — repense seus espaços e práticas, promovendo uma representatividade que valoriza a pluralidade e respeita a singularidade de cada povo. Afinal, só assim poderemos aproximar nossas histórias e caminhar rumo a um futuro onde a diversidade seja não apenas celebrada, mas vivida em sua plenitude.

Referências

MIRIM. Katu.  Pessoas negras não representam pessoas indígenas. São Paulo. 30 mai. 2025. Instagram: @katumirim. Disponível em https://www.instagram.com/katumirim/p/DKS8ZkvvhR_/. Acesso em: 02 mai. 2025

Indigenitude. Afrokut, 2025. Disponível em: https://afrokut.com.br/indigenitude/. Acesso em: 02 mai. 2025.

SILVA, Hernani Francisco da. O que é AfroHumanitude?. Afrokut, 2019. Disponível em: https://afrokut.com.br/o-que-e-afrohumanitude/. Acesso em: 02 mai. 2025.

AfroHumanitude na Promoção do Letramento Racial

Reconhecendo a África como o berço da humanidade e o conceito de Ubuntu (Humanitude), que liga todos os seres humanos, a AfroHumanitude enfatiza que as diferenças entre nós são superficiais e não devem ser usadas para justificar discriminação ou hierarquias sociais. A AfroHumanitude tem o potencial de enriquecer e transformar o debate racial no Brasil e no mundo.  A  AfroHumanitude propõe um entendimento mais inclusivo e holístico das diferenças humanas. A ideia de que a África é o berço da humanidade e que o conceito de Ubuntu conecta todos os seres humanos é poderosa e inspiradora.

Assista ao vídeo completo aqui:

No vídeo, exploramos a inovadora proposta da AfroHumanitude, que vai além das tradicionais dicotomias raciais. Vamos entender como esse conceito unificado e inclusivo reconhece que todos pertencemos à mesma espécie, Homo sapiens, e celebra a diversidade humana em suas múltiplas expressões:   NegritudeIndigenitude,  BranquitudeParditude.

O Que é Letramento Racial?

O letramento racial é um processo de conscientização e educação que visa capacitar as pessoas a entenderem e combaterem o racismo. É uma forma de responder às tensões raciais de forma individual e de reeducar as pessoas em uma perspectiva antirracista.

Do Afrokut

 

A Indigenitude: uma inovação cultural que busca reforçar a identidade indígena no contexto contemporâneo

A Indigenitude é um termo sugerido por James Clifford para descrever a crescente consciência e revitalização das culturas indígenas. É  uma resposta às décadas de colonização e opressão, celebrando e adaptando as tradições indígenas no contexto contemporâneo. Envolve não só um retorno às raízes, mas também a incorporação de elementos modernos. Na perspetiva da   Afro-humanitude é uma visão de libertação, resistência e propostas de mudança fundamentada no Sumak KawsayTeko Porá.

James Clifford, em seu livro “Returns“, faz uma análise profunda da reemergência indígena, propondo uma comparação interessante com o movimento Negritude dos anos 1950. A Negritude, como Clifford aponta, foi um movimento que enfatizou a afirmação de identidade, cultura e valores da diáspora africana, respondendo à colonização e racismo com uma celebração da herança africana e um chamado à solidariedade negra

Da mesma forma, Clifford identifica um movimento emergente que ele chama de “Indigenitude”. Esse conceito reflete a crescente consciência e revitalização das culturas indígenas, que, como a Negritude, é uma resposta às décadas de colonização, opressão e marginalização. A Indigenitude, conforme Clifford, não é apenas um retorno às tradições, mas uma adaptação e inovação cultural que busca reforçar a identidade indígena no contexto contemporâneo.

Clifford sugere que, assim como a Negritude promoveu uma nova forma de pensar e ser no mundo, a Indigenitude está transformando as comunidades indígenas. Ele observa que a Indigenitude não se trata de um simples retorno ao passado, mas de um movimento dinâmico que incorpora elementos modernos enquanto preserva e ressignifica tradições ancestrais. Este fenômeno é visto tanto em práticas culturais, como em arte e música, quanto em estratégias políticas e sociais que desafiam as estruturas coloniais ainda existentes.

Assim, ao comparar a Indigenitude com a Negritude, Clifford destaca o poder das identidades coletivas em movimentos de resistência cultural. Ambas as noções valorizam a memória histórica e a solidariedade comunitária, ao mesmo tempo em que enfrentam e reconfiguram as narrativas dominantes de opressão. Em última análise, a Indigenitude, segundo Clifford, é um conceito que encapsula a luta contínua das comunidades indígenas por reconhecimento, justiça e autodeterminação.

Do Afrokut

Dia Nacional da Consciência Indígena

O Dia Nacional da Consciência Indígena no Brasil é uma data comemorativa que visa promover a reflexão sobre a importância da cultura e da história dos povos indígenas. A data é celebrada no dia 20 de janeiro, em homenagem à morte do cacique Aimberê, líder da Confederação dos Tamoios, que lutou contra a colonização portuguesa no século XVI.

O Dia da Consciência Indígena é uma oportunidade para celebrar a diversidade cultural dos povos indígenas brasileiros. É também uma oportunidade para refletir sobre os desafios que esses povos enfrentam, como a violência, a discriminação e a perda de terras.

No Brasil, existem cerca de 900 mil indígenas, que representam mais de 0,4% da população total. Esses povos vivem em diferentes regiões do país, falando mais de 270 línguas diferentes.

Os povos indígenas têm uma rica cultura e história. Eles são os guardiões de uma grande diversidade cultural e natural. O Dia da Consciência Indígena é uma oportunidade para aprendermos mais sobre a Indigenitude   e para valorizarmos sua contribuição para a formação do Brasil.

Aqui estão algumas atividades que podem ser realizadas no Dia da Consciência Indígena:

  • Visitar uma aldeia indígena.
  • Assistir a um filme ou documentário sobre os povos indígenas.
  • Ler um livro ou artigo sobre a cultura indígena.
  • Participar de um evento cultural indígena.
  • Celebrar a Indigenitude.

O Dia da Consciência Indígena é uma data importante para todos os brasileiros e brasileiras. É uma oportunidade para aprendermos mais sobre nossa história e nossa cultura e para valorizarmos a diversidade que nos torna únicos.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut

A indigenitude do Samba

O samba é uma expressão cultural que celebra a diversidade e a riqueza da cultura brasileira. Ele é uma manifestação de alegria, resistência e construção de identidades, e é uma parte importante da cultura brasileira. O samba tem suas raízes na cultura africana, indígena, e europeia. A Indigenitude do Samba é uma parte importante desse processo de mistura e hibridização cultural. 

A prática do samba por parte dos povos indígenas é uma forma de reafirmar sua identidade e sua cultura. A música e a dança são formas importantes de expressão cultural para os povos indígenas.

Os Pataxós desempenharam um papel importante na formação do samba, mas eles não foram os únicos responsáveis por sua criação. Os Pataxós, assim como outros povos indígenas, africanos e europeus, contribuíram para a criação do samba.

Os povos indígenas Pataxós contribuíram com elementos musicais, rítmicos e culturais que ajudaram a moldar o samba. Os Pataxós têm uma longa tradição musical e de dança. Eles praticam uma dança chamada “cacuriá“, que é acompanhada de cantos e instrumentos musicais. Essa dança é similar ao samba em alguns aspectos, como o uso de palmas, cantos e passos ritmados. Além disso, os Pataxós têm uma tradição oral rica em histórias, lendas e mitos. Essas histórias e lendas são frequentemente contadas ao som de cantos e instrumentos musicais. Essa tradição oral também contribuiu para a formação do samba, que é uma forma de expressão cultural que também é baseada em histórias, lendas e mitos.

Hoje, o samba Pataxó é uma forma de expressão cultural importante para a comunidade Pataxó. Ele ajuda a manter viva a cultura e a identidade do povo Pataxó. Um exemplo são os Marujos Pataxos, um grupo de indígenas Pataxó da Aldeia Mãe Barra Velha localizada no litoral sul da Bahia, sambadores e sambadoras. Eles representam a contribuição dos povos indígenas para a formação dessa importante forma de expressão cultural. Os Marujos Pataxos que são um exemplo da diversidade cultural do samba brasileiro. Eles praticam uma forma de samba que é uma mistura de elementos indígenas, africanos e europeus. Os Marujos Pataxos se vestem com roupas coloridas e usam instrumentos musicais como o pandeiro, o tambor, o violão, o triângulo e o maracá. Eles cantam músicas que contam histórias sobre sua cultura e sua história.

Além dos Marujos Pataxos, existem outros grupos e referências indígenas que também têm tradição no samba. Aqui estão alguns exemplos:

Os Guarani da Aldeia Ytu, em São Paulo, praticam um estilo de samba chamado “samba guarani“. Esse samba é uma mistura de elementos indígenas, africanos e europeus. Os instrumentos musicais usados incluem o maracá, o ganzá, o pandeiro, o tambor e o violão. As letras das músicas falam sobre a cultura e a história do povo Guarani.

Os Yanomami do Amazonas também praticam o samba. Eles adaptaram o samba para incorporar elementos de sua própria cultura, como a dança e os cantos tradicionais Yanomami.

O grupo “Urucum Samba” é composto por indígenas de diversas etnias, como os Pataxós, os Guaranis e os Yanomami. O grupo toca um samba que é uma mistura de elementos das diferentes culturas indígenas.

O cantor e compositor indígena Janduí da Mata Vermelha também é um importante divulgador do samba indígena. Ele já lançou CDs com suas músicas, que falam sobre a cultura e a história dos povos indígenas.

A Indigenitude do Samba foi tão importante que um grupo de sambistas negros que se originaram no Rio de Janeiro, no início do século XX, se denominaram “Sambistas Pataxos“. Eles eram um grupo de trabalhadores, principalmente de origem africana, que se reuniam para tocar samba nas ruas da cidade. Os Sambistas Pataxos foram um dos grupos mais importantes na formação do samba carioca. Eles foram pioneiros na mistura de elementos africanos e indígenas com elementos europeus, criando um novo estilo de samba que era mais vibrante e dançante. Os Pataxos também foram um dos primeiros grupos a levar o samba para fora das favelas e para os clubes e teatros da elite carioca. Eles ajudaram a popularizar o samba e a torná-lo um símbolo da cultura brasileira.
Alguns dos sambistas Pataxos mais famosos incluem:

Donga, Pixinguinha, João da Baiana, Ismael Silva, Cartola, e Nelson Cavaquinho.

Os Sambistas Pataxos deixaram um legado importante na história do samba. Eles foram um grupo inovador que ajudou a moldar o estilo e o significado do samba carioca.

Aqui estão alguns exemplos de músicas de samba compostas por sambistas Pataxos:

Pelo Telefone” (Donga)

Apanhei no Tapete” (Pixinguinha)

O Que é Que a Baiana Tem?” (João da Baiana)

O Meu Segredo” (Ismael Silva)

As Rosas Não Falam” (Cartola)

O Sol Nascerá” (Nelson Cavaquinho)

Essas músicas são consideradas clássicos do samba e são tocadas até hoje. Elas são um testemunho da importância dos sambistas Pataxos para a cultura brasileira.

O nome “Pataxó” é uma referência ao povo indígena Pataxó, que habita a região Nordeste do Brasil. Os sambistas Pataxos se autodenominavam assim como uma forma de homenagear seus ancestrais indígenas.

De acordo com a tradição oral Pataxó, o nome do povo vem do som que o mar faz ao bater nas pedras: “Patá…”, ao que o mar responde: ““. Esse som é considerado sagrado pelos Pataxós e representa a força da natureza.
Os sambistas Pataxos adotaram esse nome como uma forma de se identificarem com a sua herança indígena. Eles acreditavam que os Pataxós eram um povo forte e resiliente, e que essas qualidades eram importantes para a sobrevivência do samba.

O nome “Pataxó” também é uma forma de resistência cultural. Os sambistas Pataxos estavam lutando para preservar sua cultura e sua identidade em um contexto de racismo e discriminação. O nome “Pataxó” era uma forma de afirmar sua identidade e sua ancestralidade indígena.
O nome “Pataxó” é um símbolo importante na história do samba. Ele representa a mistura de elementos africanos, europeus e indígenas que deram origem ao samba carioca e Brasileiro.

Como vimos, os povos indígenas têm uma longa tradição de música e dança, que é semelhante ao samba em alguns aspectos.  A  tradição do samba nas comunidades indígenas pode ter se desenvolvido de forma independente, sem influência externa.
Com essas informações podemos afirmar que existe uma forte indigenitude do samba.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut 

O que é Parditude?

Parditude é o primeiro projeto antirracista do Brasil com foco em pautas multirraciais, surgido da necessidade urgente de dar voz e visibilidade às pessoas mestiças. Trata-se de uma pesquisa que busca observar de forma empírica a experiência dos pardos brasileiros, reconhecendo suas origens indígenas, africanas, europeias e, por vezes, asiáticas. Estudos como o de Lia Vainer, Joice Lopes e Verônica Daflon evidenciam a escassez de investigações aprofundadas sobre as experiências cotidianas de indivíduos pardos no Brasil, especialmente no que se refere aos processos de racialização, fenótipo, dia a dia, etc.

Segundo a definição de Beatriz Bueno, pesquisadora e ativista do movimento racial brasileiro, Parditude é “a busca por categorizar e compreender a racialidade de pessoas fenotipicamente mestiças nos estudos das relações étnico-raciais brasileiras, Em um país marcado pela miscigenação e pela complexidade das relações étnico-raciais, entender o significado e a importância da parditude é essencial.”

Ao longo da história, diferentes grupos étnicos têm investigado suas vivências dentro da sociedade. O conceito de negritude, por exemplo, busca dar visibilidade às experiências das pessoas negras, branquitude estudar os privilégios das pessoas brancas. Já a Parditude destaca as realidades enfrentadas por aqueles que se encontram no “meio-termo” racial e vivem em famílias multirraciais. Parditude também é o nome de um canal no YouTube, onde Beatriz Bueno compartilha seus conhecimentos e experiências sobre o tema. Além disso, o projeto está presente no TikTok e no Instagram.

Parditude é uma forma de resistência ao racismo e ao apagamento histórico que os pardos sofrem no Brasil, em que foram instrumentalizados de forma eugenista para o embranquecimento da população e agora são muitas vezes invisibilizados ou forçados a se enquadrar em categorias raciais binárias. Os pardos no Brasil são pessoas mestiças de origens étnicas diversas — principalmente brancas, negras e indígenas —, cujo fenótipo reflete essa mistura. Quando se tenta implementar sistemas binários, essas pessoas são ora classificadas como brancas, ora como negras, ora como nada, sendo empurradas para um limbo identitário.

De acordo com o IBGE, pardo é a pessoa que se identifica com a mistura entre duas ou mais origens entre brancos, pretos, pardos e indígenas. O Estatuto da Igualdade Racial de 2010 estabelece que a soma de pardos e pretos constitui o grupo dos negros. No entanto, Parditude não endossa essa visão. A pesquisadora Beatriz Bueno defende que é importante a união desses grupos para a formulação de políticas públicas, mas não sob o guarda-chuva “negros”, pois os pardos são pessoas mestiças, e não apenas negras. Essa interpretação monorracial acaba gerando distorções e dificultando o acesso dos pardos, por exemplo, às cotas raciais.

Os pardos formam o maior grupo racial do Brasil, representando 46,8% da população, segundo a PNAD de 2019. Estão presentes em todas as regiões do país, com maior predominância no Norte, Nordeste, Centro-Oeste, e nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Os pardos têm uma história e cultura próprias, que refletem a riqueza da diversidade brasileira.

A origem da palavra “pardo” vem do latim pardus, que significa leopardo (Panthera pardus), também chamado de pantera, pertencente à família dos felinos. Essa palavra teria passado ao grego como párdos, e depois ao português como “pardo”, designando uma cor marrom-clara, por analogia à pelagem do animal. No Brasil, o termo começou a ser usado no século XVI para se referir inicialmente aos indígenas encontrados aqui e, posteriormente, às pessoas mestiças — tanto de indígenas e brancos quanto de brancos e negros —, devido à tonalidade de pele.

Parditude propõe:

  • Reconhecer a experiência mestiça sem fragmentá-la;
  • Resgatar as memórias indígenas e africanas;
  • Promover uma visão antirracista que respeite a diversidade e o contexto brasileiro.

A proposta de Parditude dialoga com teóricas como Gloria Anzaldúa, que introduz o conceito de “Consciência Mestiça” para compreender as fronteiras híbridas e complexas da identidade mestiça. Ao valorizar a multiplicidade e as contradições, a perspectiva de Anzaldúa oferece ferramentas valiosas para analisar os desafios e possibilidades da identidade parda no Brasil, superando as limitações das teorias raciais binárias.

Outra referência que Beatriz dialoga é o africano Abiola Akandé Yayi, ele diz que:

“Não existe meio humano. Você é quem é. E, se você não estiver satisfeito com seus antepassados brancos, procure fazer melhor que eles para mostrar que não é uma fatalidade ser descendente deles. Mas não negue parte de você. Em África, não higienizamos o sangue, não excluímos nenhum antepassado.”

Além disso, Parditude é uma comunidade de acolhimento para pessoas mestiças que frequentemente se veem excluídas tanto por brancos quanto pelos espaços afirmativos negros. Muitas dessas pessoas não se sentem plenamente parte de nenhum dos grupos. Nosso objetivo é criar um espaço seguro e terapêutico, onde possam se sentir validadas e amadas, pois, como afirmam estudiosos e terapeutas, quando indivíduos com dores semelhantes se encontram e se reconhecem, isso pode se tornar um processo de cura. E é exatamente isso que falta: um lugar seguro para aqueles que, mesmo enfrentando o racismo, se sentem isolados ou abandonados simplesmente porque sua aparência mestiça não se encaixa nos modelos raciais convencionais.

Para saber mais acesse: parditude.com 

Por Beatriz Bueno (Parditude) e Hernani Francisco da Silva (Afrokut).


Beatriz Bueno Idealizadora do conceito @parditude® | Pertencimento, conhecimento para pessoas pardas e outras análises políticas.


O que é Indigenitude?

Indigenitude  é uma visão de libertação, resistência e propostas de mudança fundamentada no Sumak Kawsay (traduzido como Bem Viver, na língua quíchua, idioma tradicional dos Andes). Para a bióloga equatoriana Esperanza Martínez, “o bem viver é mais do que viver melhor, ou viver bem: o bem viver é Viver em Plenitude“. O termo utilizado não é “alli kawsay” (alli = bem; Kawsani = viver), mas sim “sumak Kawsay” (sumak = plenitude; kawsani = viver). 

Sumak Kawsay (Viver em Plenitude) é uma filosofia de vida, que se baseia na cosmovisão dos povos indígenas andinos e nos saberes ancestrais em geral, fundamenta-se em, entre outros, nos pilares:

  • Relacionalidade, que se refere à interpretação de haver uma interconexão de todos elementos que juntos compõem um só, o “Todo”;
  • Reciprocidade, entendida como uma relação recíproca e coparticipativa entre os mundos superiores, inferiores e o mundo atual, e entre humanos e natureza;
  • Correspondência, que vê os elementos da realidade se corresponderem de uma maneira harmoniosa, a maneira de proporcionalidade;
  • Complementaridade, que se baseia na ideia de que os opostos podem ser complementares, já que nada é incontornável.

Em Guarani, um conceito semelhante é designado como Teko Porã. A Indigenitude incorpora os valores do Viver em PlenitudeSumak KawsayTeko Porã, e Ubuntu, com valores éticos profundos do COMUM, visando a construção de uma cidadania ativa e solidária.

Assim, Sumak KawsayTeko Porã, e Ubuntu são Humanitude.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut


Indigenitude


A temática “Pessoas negras não representam pessoas indígenas” ressoa profundamente quando refletimos sobre as raízes, a pluralidade e os desafios da representatividade no Brasil contemporâneo. Em meio às inúmeras batalhas…

O Movimento Negro Evangélico do Brasil anuncia com grande entusiasmo a realização da Conferência Enegrecer, um evento internacional que promete marcar a história da teologia negra. Entre os dias 18…

É com profunda tristeza que comunicamos o falecimento de Marcos Costa, ocorrido em 14 de março de 2025. Marcos não era apenas um amigo de mais de 20 anos, mas…

O discurso do pastor Cosme Felippsen  é um apelo sincero por inclusividade e compaixão, refletindo o espírito do Carnaval como uma celebração da vida e da comunidade. Cosme Felippsen, integrante do…

A Escalada Fascista, Fundamentalista e Conservadora no Protestantismo Histórico Brasileiro e nos Evangélicos em Geral e a luta do Movimento Negro Evangélico. O cenário religioso brasileiro, marcado pela diversidade e…

Estudos recentes sobre o DNA antigo de 348 indivíduos que viveram na Europa entre 3.000 e 8.000 anos atrás revelaram uma descoberta fascinante: a pele clara, hoje associada aos europeus…

Nas últimas décadas, o Brasil tem observado uma mudança significativa em seu cenário racial. A população que se identifica como negra, composta por pessoas de cor parda e preta, agora…

Personagens negros apresentados nas Escrituras oferecem lições inspiradoras à Igreja Por Marcelo Santos Palavra inspirada e útil para o ensino, como escreveu o apóstolo Paulo a Timóteo (2 Tm 3.16),…

Finalmente, John Burdick afirma que, além da música, há outros locais no protestantismo evangélico que promovem a identidade étnico-racial negra e o antirracismo. Uma sugestão final: como indicado ao longo…

John Burdick discute as limitações e potencialidades da etnografia ativista, sugerindo que a etnografia pode revelar dimensões ocultas e fragmentadas da consciência que podem atrair novos públicos. Contudo, ele questiona…

O amanhã não está à venda

As reflexões de um de nossos maiores pensadores indígenas sobre a pandemia que parou o mundo.

Há vários séculos que os povos indígenas do Brasil enfrentam bravamente ameaças que podem levá-los à aniquilação total e, diante de condições extremamente adversas, reinventam seu cotidiano e suas comunidades. Quando a pandemia da Covid-19 obriga o mundo a reconsiderar seu estilo de vida, o pensamento de Ailton Krenak emerge com lucidez e pertinência ainda mais impactantes. 

Em páginas de impressionante força e beleza, Krenak questiona a ideia de “volta à normalidade“, uma “normalidade” em que a humanidade quer se divorciar da natureza, devastar o planeta e cavar um fosso gigantesco de desigualdade entre povos e sociedades. Depois da terrível experiência pela qual o mundo está passando, será preciso trabalhar para que haja mudanças profundas e significativas no modo como vivemos. 

“Tem muita gente que suspendeu projetos e atividades. As pessoas acham que basta mudar o calendário. Quem está apenas adiando compromisso, como se tudo fosse voltar ao normal, está vivendo no passado […]. Temos de parar de ser convencidos. Não sabemos se estaremos vivos amanhã. Temos de parar de vender o amanhã.” 

A vida não é útil

Em reflexões provocadas pela pandemia de covid-19, o pensador e líder indígena Ailton Krenak volta a apontar as tendências destrutivas da chamada “civilização”:

consumismo desenfreado, devastação ambiental e uma visão estreita e excludente do que é a humanidade.

Um dos mais influentes pensadores da atualidade, Ailton Krenak vem trazendo contribuições fundamentais para lidarmos com os principais desafios que se apresentam hoje no mundo:

a terrível evolução de uma pandemia, a ascensão de governos de extrema-direita e os danos causados pelo aquecimento global.

Crítico mordaz à ideia de que a economia não pode parar, Krenak provoca:

“Nós poderíamos colocar todos os dirigentes do Banco Central em um cofre gigante e deixá-los vivendo lá, com a economia deles. Ninguém come dinheiro”. Para o líder indígena, “civilizar-se” não é um destino. Sua crítica se dirige aos “consumidores do planeta”, além de questionar a própria ideia de sustentabilidade, vista por alguns como panaceia.
Se, em meio à terrível pandemia de covid-19, sentimos que perdemos o chão sob nossos pés, as palavras de Krenak despontam como os “paraquedas coloridos” descritos em seu livro Ideias para adiar o fim do mundo, que já vendeu mais de 50 mil cópias no Brasil e está sendo traduzido para o inglês, francês, espanhol, italiano e alemão.

A vida não é útil reúne cinco textos adaptados de palestras, entrevistas e lives realizadas entre novembro de 2017 e junho de 2020.

Pesquisa e organização de Rita Carelli.

 

 

Ideias para adiar o fim do mundo

Uma parábola sobre os tempos atuais, por um de nossos maiores pensadores indígenas.

Ailton Krenak nasceu na região do vale do rio Doce, um lugar cuja ecologia se encontra profundamente afetada pela atividade de extração mineira. Neste livro, o líder indígena critica a ideia de humanidade como algo separado da natureza, uma “humanidade que não reconhece que aquele rio que está em coma é também o nosso avô”.

Essa premissa estaria na origem do desastre socioambiental de nossa era, o chamado Antropoceno. Daí que a resistência indígena se dê pela não aceitação da ideia de que somos todos iguais. Somente o reconhecimento da diversidade e a recusa da ideia do humano como superior aos demais seres podem ressignificar nossas existências e refrear nossa marcha insensata em direção ao abismo.

“Nosso tempo é especialista em produzir ausências: do sentido de viver em sociedade, do próprio sentido da experiência da vida. Isso gera uma intolerância muito grande com relação a quem ainda é capaz de experimentar o prazer de estar vivo, de dançar e de cantar. E está cheio de pequenas constelações de gente espalhada pelo mundo que dança, canta e faz chover. […] Minha provocação sobre adiar o fim do mundo é exatamente sempre poder contar mais uma história.”

Desde seu inesquecível discurso na Assembleia Constituinte, em 1987, quando pintou o rosto com a tinta preta do jenipapo para protestar contra o retrocesso na luta pelos direitos indígenas, Krenak se destaca como um dos mais originais e importantes pensadores brasileiros. Ouvi-lo é mais urgente do que nunca.

Esta nova edição de Ideias para adiar o fim do mundo, resultado de duas conferências e uma entrevista realizadas em Portugal entre 2017 e 2019, conta com posfácio inédito de Eduardo Viveiros de Castro.