Branquitude não é o oposto de Negritude na perspectiva da AfroHumanitude

Superar o paradigma binário preto/branco pode ampliar a compreensão das dinâmicas raciais e permitir um debate mais inclusivo e enriquecedor. A “raça” é apenas um dos muitos fatores que compõem a identidade de uma pessoa. Considerar outras interseccionalidades, como classe, gênero, orientação sexual e etnia, pode proporcionar uma análise mais complexa e precisa das desigualdades raciais e sociais. Além disso, é fundamental reconhecer as experiências únicas de pessoas que não se encaixam perfeitamente nesse binarismo. Expandir o debate pode levar a soluções mais abrangentes e eficazes, capazes de endereçar as múltiplas dimensões da opressão e do privilégio.

Nessa direção, o debate acadêmico vem, desde então, buscando uma reflexão sobre as relações raciais na contemporaneidade. Destaca-se, neste debate acadêmico, a oposição a uma “branquitude positiva” e a substituição da palavra branquitude pelo termo “branquidade“( utilizando para falar da situação de privilégio que o branco detém nas sociedades estruturadas pelas hierarquias raciais).  Branquitude e Branquidade por Edith Piza, oferece uma base teórica importante ao redefinir a branquitude como uma identidade que se manifesta através do compromisso antirracista, ao invés de ser o oposto da negritudePiza usa “branquidade” como tradução de “whiteness“, referindo-se à identidade racial branca ligada ao racismo, enquanto “branquitude” é proposta como um movimento de reflexão e antirracismo. Ela sugere que a branquitude é um destino, um movimento consciente de negação da supremacia branca. Piza argumenta que branquitude e negritude não são meramente opostos, mas sim conceitos complexos com suas próprias identidades e dinâmicas sociais. Piza propõe que a verdadeira branquitude envolve um deslocamento dos espaços de privilégio e um engajamento consciente na luta contra as desigualdades raciais. Ela sugere que essa transformação pessoal é fundamental para a criação de uma sociedade mais justa e equitativa. Para alguns acadêmicos, destacar a branquidade é uma maneira de manter o foco nas injustiças e nos privilégios sistemáticos. Já a proposta de uma branquitude positiva tenta encorajar uma transformação interna e externa, levando os brancos a reconhecerem seus privilégios e a atuarem de maneira antirracista. 

No entanto, críticas como as de Lourenço Cardoso ressaltam que essa distinção pode, às vezes, obscurecer os privilégios sistêmicos que permanecem, independentemente das atitudes individuais. Cardoso, aponta que a distinção proposta por Edith Piza entre “branquidade” e “branquitude” pode ser vista como uma tentativa de beneficiar a si mesma ao diferenciar-se como uma pessoa branca que critica seus próprios privilégios. Ele argumenta que, ao criar essa distinção, Piza pode estar se colocando em uma posição de superioridade moral, onde o “branco com branquitude” se vê como mais crítico e consciente em comparação ao “branco com branquidade”. Segundo Cardoso, essa distinção pode ser problemática porque, independentemente das atitudes críticas de um indivíduo branco, os privilégios raciais permanecem os mesmos dentro das estruturas sociais. Em suma, Cardoso sugere que a criação do conceito de “branquitude” por Piza poderia servir para deslocar ou silenciar a realidade contínua dos privilégios brancos, destacando que esses privilégios operam independentemente das atitudes individuais. É uma crítica sobre como essas distinções teóricas podem não refletir as realidades práticas das desigualdades raciais.

Na sua dissertação “Conscientização Branca em Espaços de Capoeira: Percepções de Privilégio Entre Brancos que Convivem com Negros“, Ansel Joseph Courant apresenta uma visão que se opõe à de Edith Piza sobre os conceitos de branquitude e branquidade. Courant argumenta que a distinção feita por Piza entre esses termos pode ser confusa e pouco eficaz na prática. Courant, no entanto, critica essa abordagem, argumentando que qualquer distinção entre branquidade e branquitude pode ser ilusória, pois os privilégios raciais dos brancos permanecem, independentemente de suas atitudes antirracistas. Ele sugere que tal distinção pode até servir para que indivíduos brancos se coloquem numa posição de superioridade moral, sem realmente desafiar as estruturas de poder que perpetuam o racismo. Courant enfatiza que o racismo é uma estrutura institucional e sistêmica, e não apenas uma questão de atitudes individuais. Ele argumenta que a crítica de Piza foca demais em aspectos individuais e atitudinais, negligenciando a persistência das desigualdades estruturais.

Enfim, enquanto Piza vê na branquitude uma possibilidade de transformação pessoal e política através da conscientização e do deslocamento de espaços de privilégio, Courant destaca que tais transformações individuais não alteram necessariamente as estruturas institucionais que sustentam o racismo. Portanto, para Courant, a abordagem de Piza pode inadvertidamente silenciar a continuidade dos privilégios brancos em termos institucionais. Portanto, longe de ser um conceito que beneficia a si mesma, a ideia de branquitude de Piza visa incentivar os brancos a tomar responsabilidade e a agir contra o racismo de forma concreta e significativa.

Ao desconstruir a ideia de que branquitude é apenas o oposto de negritude, percebemos que ambas são construções sociais complexas. O processo de conscientização da branquitude pode ser uma ferramenta de autoconhecimento e transformação interna, ajudando os indivíduos a reconhecer seus privilégios e agir de maneira mais justa. Embora essa transformação pessoal seja valiosa, a verdadeira mudança ocorre quando essas reflexões pessoais se traduzem em ações coletivas para desmantelar estruturas de opressão e promover a igualdade. Tanto a branquitude quanto a negritude têm papéis importantes na transformação social, e entender suas diferenças e interseções é crucial para a construção de uma sociedade mais equitativa e justa. Nesse contexto, a AfroHumanitude se posiciona como uma proposta que busca unir e valorizar todas as identidades humanas—Negritude, Indigenitude, Branquitude, Parditude—e outras ainda por se reconhecer.

A proposta da AfroHumanitude é uma visão inovadora que busca transcender o paradigma binário preto e branco que tem historicamente moldado as discussões sobre raça e identidade. Inspirada na ideia de que a humanidade é uma só, mas com múltiplas expressões, a AfroHumanitude propõe um entendimento mais inclusivo e holístico das diferenças humanas. A ideia de que a África é o berço da humanidade e que o conceito de Ubuntu conecta todos os seres humanos é poderosa e inspiradora.

Reconhecendo a África como o berço da humanidade e o conceito de Ubuntu (Humanitude), que liga todos os seres humanos, a AfroHumanitude enfatiza que as diferenças entre nós são superficiais e não devem ser usadas para justificar discriminação ou hierarquias sociais. A AfroHumanitude tem o potencial de enriquecer e transformar o debate racial no Brasil e no mundo. Para que essa visão ganhe força e reconhecimento, é fundamental acreditar nela e promovê-la ativamente. Isso envolve integrar a AfroHumanitude nas pautas dos movimentos antirracistas, na academia e nos movimentos sociais. Incorporar esses conceitos nos livros didáticos e currículos escolares pode plantar sementes em jovens mentes, promovendo uma visão mais inclusiva e holística da humanidade desde cedo.

A transformação pessoal é essencial para essa mudança. Pequenas ações individuais podem gerar grandes impactos coletivos ao longo do tempo. Ao educar e engajar as pessoas em discussões sobre AfroHumanitude, podemos modificar o campo mórfico—ou as memórias do inconsciente coletivo—e criar novos paradigmas que valorizem a diversidade humana.

Em conclusão, a AfroHumanitude tem o potencial de enriquecer e transformar o debate racial no Brasil e no mundo. Ao promover uma compreensão mais profunda e inclusiva das dinâmicas sociais, podemos avançar de maneira significativa na luta pela justiça e igualdade racial. Inspirados pelo conceito de Humanitude (Ubuntu, Sumak Kawsay, Teko Porã) podemos trabalhar juntos para construir um futuro onde todas as identidades sejam reconhecidas e valorizadas.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut

REFERÊNCIAS

A branquitude acrítica revistada e as críticas. In: MÜLLER, Tânia M.P.; CARDOSO, Lourenço (Org.). Branquitude: Estudos sobre a identidade branca no Brasil. Curitiba: Editora Appris, 2017.

Courant, Ansel Joseph. Conscientização branca em espaços de Capoeira: percepções de privilégio entre brancos que convivem com negros. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, 2018. Dissertação de Mestrado em Estudos Étnicos e Africanos.

PIZA, E. Porta de vidro: entrada para branquitude. In: CARONE, I.; BENTO, M. A. S. (org.). Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2002.

7 valores defendidos pela filosofia Ubuntu

A filosofia Ubuntu defende uma série de valores que são fundamentais para a vida em comunidade e para a interação harmoniosa entre as pessoas.

Aqui estão 7 dos principais valores defendidos pela filosofia Ubuntu:

1. Humanidade para com os outros:

A essência de Ubuntu é “ser humano” e valorizar a importância do “eu” na busca de sentido através do encontro com o outro, numa relação de interdependência construtiva.

2. Respeito:

Este fundamento tradicional africano articula um respeito básico pelos outros. Ele pode ser interpretado tanto como uma regra de conduta ou ética social.

3. Compartilhamento e Cooperação:

Os princípios de partilha, preocupação e cuidado mútuos, além de solidariedade, são elementos constitutivos da filosofia Ubuntu.

4. Empatia:

A natureza humana implica compaixão, partilha, respeito, empatia.

5. Interdependência:

Ubuntu está intimamente ligado à relação entre as pessoas e à sua interdependência.

6. Comunidade:

Ubuntu enfatiza a importância do acordo ou consenso na cultura tradicional africana.

7. Ética do Cuidado:

Cuidar de mim, cuidar do outro e cuidar do planeta leva ao sentido e ao propósito.

Portanto, a filosofia Ubuntu é uma filosofia de vida que se baseia nos princípios da lealdade, humildade, empatia e o respeito.

Do Afrokut

Humanitude ou como saciar a sede por humanidade

Frente ao fracasso do modelo ocidental de desenvolvimento, que coloca a cultura do ter acima da cultura do ser, cada vez é mais urgente desenvolver um projeto diferente de sociedade – algo que seja fundamentado na humanitude, um conceito que explora a abertura ao Outro, a única saída possível para um mundo desencantado.

Tornou-se lugar-comum dizer que o nosso mundo, que está nas garras de uma crise multidimensional e aparentemente eterna, encontra-se em um estado muito ruim. Essa crise, na realidade, revela uma perda de sentido, reforçada por uma tendência à homogeneização das culturas mundiais, provocada pela globalização acelerada dos mercados. Isso está levando a uma verdadeira desumanização das relações entre indivíduos, povos e Estados. Os atuais desafios ambientais, energéticos, demográficos e digitais – aos quais se somam a pobreza e as desigualdades vigentes – acentuam o sentimento geral de angústia existencial e uma falta de confiança no futuro.

O “modelo de desenvolvimento” que prevalece hoje em dia tem como base o que eu chamo de uma cultura do “ter”, do lucro. Ele já revelou suas limitações, e a crise atual confirma que já está falido. Esse “modelo ocidental” é responsável pelo eurocentrismo e pelo centralismo ocidental visto nas relações internacionais, tanto em termos de bens quanto de produção intelectual. Consequentemente, uma mudança de paradigma em direção à promoção de valores mais alinhados com uma cultura do “ser” se tornou um imperativo.

Foi com essas considerações em mente que, vários anos atrás, eu sugeri que explorássemos um novo conceito – humanitude – em referência à negritude, um conceito que herdei de meu mentor, o poeta Aimé Césaire, da Martinica.

Utilizo este conceito de humanitude para traduzir o que, na África, nós chamamos de maaya (em bamanankan, a língua bambara), neddaaku (em fulfulde, a língua fula), boroterey (em songai, a língua songai), nite (em wolof) e ubuntu (nas línguas bantu), entre outros. Existem muitos termos que significam, literalmente, “a qualidade de ser humano”.

Conectando humano a humano

As sociedades africanas sempre colocaram o “ser”, em vez de o “ter”, no centro do seu desenvolvimento. Em termos mais globais, certas sociedades não europeias têm uma cosmovisão que coloca o “ser” no centro de todas as relações com o mundo. Essa visão é caracterizada por uma busca permanente por relações não conflituosas, pacíficas, orientadas em direção ao consenso com os outros e à harmonia com o meio ambiente, no sentido mais amplo. Por muito tempo, essa concepção de mundo também era compartilhada pelo Ocidente, antes de ser dominada por uma forma de modernidade com base no mercado, no fundamentalismo material e na acumulação individualista.

A humanitude é a nossa abertura permanente ao Outro, nossas relações de ser humano para ser humano. Ela determina uma relação permanente de solidariedade, livre de manipulação – um impulso espontâneo de acolher o Outro. Essa humanitude torna possível “conectar humano com humano” – para usar a bela expressão de Césaire – e é a base para uma cultura do “ser”, o oposto de uma cultura totalitária do “ter”, que leva a relações permanentemente conflituosas de aquisição, ou mesmo dominação.

Em uma apresentação notável no simpósio Ubuntu, que ocorreu em Genebra, na Suíça, em abril de 2003, meu amigo e mentor de Burkina Faso, Joseph Ki-Zerbo (historiador, político e escritor, 1922-2006), enfatizou que:

“O principal, portanto […] é levar para o topo da agenda e das lutas sociais do planeta o conceito, a questão, a causa, o paradigma de ubuntu como um antídoto axiomático e específico ao mercantilismo dos seres humanos e da humanidade ocasionado pelo neoliberalismo sectário da economia de mercado”.

Em sua palestra Ubuntu ou “o homem como remédio para o homem”, que posteriormente foi publicada no livro Repères pour l’Afrique (Dacar: Panafrika; Silex; Nouvelles du Sud, 2007), Ki-Zerbo continua sua análise especificando que:

“[…] ubuntu pode ser a ferramenta mais poderosa para essa tarefa suprema. Porém, acima de tudo, deve se tornar seu objetivo e o significado da paz. Isso não quer dizer ir na direção de uma forma de culturalismo antropológico, mas, quando confrontado com o rolo compressor do pensamento único, ele se tornou urgente para desarmar conflitos em que o peso da responsabilidade recai na violência estrutural do status quo […]”.

Agora, eu estou convencido de que, considerando o fracasso dos atuais modelos de desenvolvimento, nós devemos pensar em como elaborar um novo projeto para a sociedade, fundamentado precisamente no conceito de humanitude.

O grande encontro internacional das ciências humanas, a primeira Conferência Mundial de Humanidades (World Humanities Conference – WHC), que será realizada em Liège, na Bélgica, de 6 a 12 de agosto de 2017, oferece uma oportunidade de se aprofundar nesse conceito.

Um evento sem precedentes

Liège, chamada de “Cidade Ardente”, tanto em espírito quanto em engenhosidade, é uma cidade multicultural no coração da Europa, e abrigará um evento sem precedentes apoiado pelo rei da Bélgica.

Então, por que uma Conferência Mundial de Humanidades?

A ideia me ocorreu em 2009, durante meu primeiro mandato como presidente do Conselho Internacional de Filosofia e Ciências Humanas (International Council for Philosophy and Human Sciences – CIPSH), uma organização não governamental criada sob os auspícios da UNESCO em 1949.

A Conferência foi resultado de três observações. Após episódios recorrentes de instabilidade relacionados à globalização financeira, a crise de 2008-2009, mais do que apenas financeira ou econômica, tornou-se, de fato, “total”. Era uma crise da sociedade, o que, de certa forma, confirmou a falência do modelo de desenvolvimento dominante, neoliberal e ocidental, levando a uma verdadeira perda de significado.

Minha segunda observação foi a progressiva marginalização das ciências humanas no mundo. Como se pode aceitar que, testemunhando uma situação como essa, que deveria provocar alguma reação, os que têm a responsabilidade de nos explicar a complexidade das transformações sociais permanecem paralisados, impossibilitados de se mover?

Terceiro, eu observei a falta de envolvimento, senão a total ausência, ou repúdio, por parte de estudiosos das ciências humanas de fora da Europa e do “Ocidente” na produção intelectual e na cooperação mundial. A situação se agravou com os riscos de desaparecimento de conhecimentos tradicionais e da metade das línguas do mundo – o que agora se chama de epistemicídio e linguicídio.

É por isso que, em 2009, pareceu-me não somente óbvio, mas também imprescindível, propor que a UNESCO organizasse uma Conferência Mundial de Humanidades. Como primeira tentativa nesse sentido, seu objetivo seria iniciar o processo de reabilitação das ciências humanas no mundo.

Uma ansiedade insuportável

A questão central a ser discutida na Conferência é o papel das ciências humanas em um século XXI caracterizado pela diversidade cultural, pelo fracasso de várias formas de pensamento único, e pela necessidade de se reintroduzir considerações de médio e longo prazo nos pensamentos do dia a dia. Este é um século marcado por mudanças mundiais, migração crescente e tensões sociais e econômicas – cuja resolução depende, em grande medida, de habilidades interculturais, da compreensão da unidade humana em toda a sua diversidade. Ela também se apoia na necessidade de reforçar as relações das ciências entre as disciplinas e com as artes e tecnologias.

Este é um século que começou com o desenvolvimento de um terrorismo global que não poupa nenhuma região do mundo, nem país algum, atacando, de forma tão cega quanto desumana, cidadãos inocentes que são vítimas de uma violência gratuita, bárbara e indescritível. Uma ansiedade insuportável atravessa o planeta, mais ainda porque esses atos de violência – conhecidos durante as conquistas coloniais e guerras de independência – permaneceram relativamente desconhecidos ao Ocidente enclausurado desde a Segunda Guerra Mundial, com algumas exceções.

Portanto, o objetivo principal da Conferência consiste em estudar formas pelas quais as humanidades estão auxiliando ou podem auxiliar, nacional, regional e internacionalmente, a mensurar e entender as transformações culturais vinculadas à globalização gradual de intercâmbios, de forma a administrá-los melhor – em todas as suas dimensões econômicas, sociais e ambientais.

Diante da crise social e humana que estamos vivenciando, e um mundo corrompido no qual o processo de desumanização aumenta e ganha força, a ambição da Conferência consiste em construir um diálogo fértil entre as mentes atuais sobre os desafios, os riscos e os novos conhecimentos, por meio dos quais as humanidades podem tornar nosso mundo mais compreensível, menos opaco, menos belicoso, menos assassino e, ao mesmo tempo – é a esperança que compartilhamos – mais humano.

As humanidades são uma celebração da genialidade das línguas da espécie humana e do conhecimento que surge da proliferação de nossas práticas sociais, políticas, econômicas e artísticas.

Reabilitar e reconstruir as ciências humanas

O título da Conferência, Desafios e Responsabilidades para um Planeta em Transição (Challenges and Responsibilities for a Planet in Transition), situa claramente as questões subjacentes a esta conferência. De acordo com a UNESCO, são os seguintes os maiores desafios do nosso planeta em transição: crescimento populacional; a recomposição de territórios; fluxos migratórios; energia e limites ambientais; a homogeneização de culturas no contexto da globalização e, inversamente, a construção de novas identidades; e a chegada da sociedade digital, que, muitas vezes, cria uma sociedade dividida.

Há um sentimento de que os modelos de desenvolvimento dominantes fracassaram, especialmente o modelo neoliberal, que parece estar se impondo aos povos do mundo. Nesse contexto, torna-se imperativo reconsiderar o papel das ciências humanas em nossas sociedades contemporâneas. É preciso levar em conta tanto as especificidades e os recursos inerentes a cada cultura, valorizando cada um de forma sábia, quanto as possibilidades de intercâmbio, em prol do diálogo e do enriquecimento mútuo.

Com isso, a Conferência é uma oportunidade de se recuar para reabilitar e reconstruir as ciências humanas, para produzir uma mudança de paradigma, permitindo a reinvenção de um mundo fundado no respeito por sua rica diversidade cultural e linguística. Esse novo paradigma nos permitirá substituir as relações conflituosas de competição por uma solidariedade genuína e universal, que é a única forma de ajudar a enfrentar os desafios do nosso planeta em transição!

Em suma, temos de saciar a sede de humanidade do nosso planeta, vivendo e consagrando nossa humanitude!

Adama Samassékou

Adama Samassékou (Mali) é presidente da Conferência Mundial de Humanidades (WHC). Ex-ministro da Educação Nacional do Mali, foi membro do comitê preparatório para a Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação (Genebra 2002-2003). Samassékou foi também o primeiro secretário-executivo da Academia Africana de Línguas da União Africana (Acalan), com sede em Bamako. Após dois mandatos como presidente do Conselho Internacional de Filosofia e Ciências Humanas (CIPSH), de novembro de 2008 a outubro de 2014, ele agora é seu presidente honorário.

Fonte:  UNESCO

O que é Humanitude?

A Humanitude é um conceito de natureza antropológica, que nos leva a ver as raízes da nossa condição humana. O conceito de Humanitude foi definido por Albert Jacquard, em 1987, inspirado no conceito de Negritude, de Léopold Senghor. Mais tarde, em 1989, um geriatra francês, Lucien Mias, introduziu pela primeira vez o termo da humanitude nos cuidados da medicina com idosos. Em 1995, Rosette Marescotti e Yves Gineste decide escrever uma nova filosofia de cuidados que eles chamaram de “filosofia da humanitude“, na aplicação aos cuidados de enfermagem.

O conceito de humanitude proposto aqui é uma conexão com a Afro-humanitude através da filosofia Ubuntu para reenfatizar os imperativos do cuidado e da partilha através da humanitude. O Ubuntu é uma filosofia tradicional Africana que nos oferece uma compreensão de nós mesmos em relação com o mundo. De acordo com Ubuntu, existe um elo comum entre todos nós e é através deste vínculo, através de nossa interação com nossos companheiros seres humanos, que descobrimos nossas próprias qualidades humanas. No ensino do Ubuntu uma pessoa é uma pessoa através de outras pessoas.

Adama Samassékou, do Mali, no artigo “Humanitude, ou como saciar a sede por humanidade” aborda esse novo conceito da Humanitude:

Foi com essas considerações em mente que, vários anos atrás, eu sugeri que explorássemos um novo conceito – humanitude – em referência à negritude, um conceito que herdei de meu mentor, o poeta Aimé Césaire, da Martinica.

Utilizo este conceito de humanitude para traduzir o que, na África, nós chamamos de maaya (em bamanankan, a língua bambara), neddaaku (em fulfulde, a língua fula), boroterey (em songai, a língua songai), nite (em wolof) e ubuntu (nas línguas bantu), entre outros. Existem muitos termos que significam, literalmente, “a qualidade de ser humano”.

humanitude é a nossa abertura permanente ao Outro, nossas relações de ser humano para ser humano. Ela determina uma relação permanente de solidariedade, livre de manipulação – um impulso espontâneo de acolher o Outro. Essa humanitude torna possível “conectar humano com humano” – para usar a bela expressão de Césaire – e é a base para uma cultura do “ser”, o oposto de uma cultura totalitária do “ter”, que leva a relações permanentemente conflituosas de aquisição, ou mesmo dominação. Adama Samassékou

Os valores de Ubuntu é numerosos demais para discuti-los todos aqui. No entanto, presumo que a interdependência e comunalismo, fornecer um vislumbre beneficio que podemos trabalhar na Humanitude.

O Sul Africano Nobel da Paz Arcebispo Desmond Tutu descreve Ubuntu como:

É a essência do ser humano. Ela fala do fato de que minha humanidade está presa e está indissoluvelmente ligado na sua. Eu sou humano, porque eu pertenço. Ela fala sobre a totalidade, ela fala sobre a compaixão. Uma pessoa com Ubuntu é acolhedora, hospitaleira e generosa, disposta a compartilhar. Essas pessoas são abertas e disponíveis para os outros, disposto a ser vulnerável, apóiam os outros, não se sentem ameaçados que os outros são bons e capazes, porque eles têm uma boa auto-confiança que vem de saber que eles pertencem a um todo maior. Eles sabem que estão diminuído quando outros são humilhados, diminuído quando outros são oprimidos, diminuído quando outros são tratados como se fossem menos de quem eles são. A qualidade do Ubuntu dá às pessoas resistência, permitindo-lhes sobreviver e emergir ainda ser humano, apesar de todos os esforços para desumanizar-los. 

Interdependência é altamente valorizado na África, tanto quanto é na Ásia. No entanto, no Ocidente, a independência, em vez de interdependência é a norma. Como já vimos a essência do Ubuntu é que um indivíduo deve sua existência à existência dos outros. Esse caráter interpessoal do Ubuntu é a fonte de muitas das suas virtudes distintas, como a paciência, a lealdade de hospitalidade, respeito, convivência, sociabilidade, vitalidade, resistência, simpatia, a obediência, a partilha, entre outros.

Comunalismo é um dos valores fundamentais do Ubuntu. É um valor, segundo a qual o interesse do indivíduo é subordinado ao do grupo. Em outras palavras, o grupo constitui o foco das atividades dos membros individuais da sociedade em geral. Comunalismo insiste que o bem de todos determina o bem de cada um ou, em outras palavras, o bem-estar de cada um depende o bem-estar de todos.

Neste artigo procurei traçar uma pequena introdução do que é Humanitude, e resgatar esse conceito na perspectiva da Afro-humanitude. Portanto, há uma necessidade de compreender, revitalizar e promover as virtudes do Ubuntu na Humanitude. Acredito que a Humanitude tem muito para contribuir com a questão racial no Brasil e no mundo. Entendo que Afro-humanitude contempla a negritude, branquitude, indigenitude, e continuará aberta e disponíveis para outras humanitudes que possa vir. Neste sentido estarei trazendo para Afrokut uma serie de artigos com a temática da Humanitude, Ubuntu, e Afro-humanitude.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut

Bibliografia e referências:

humanitude, teste, Genebra, Labor et Fides Ed, 1980

Gineste, Yves et Rosette Marescotti. Soins, corps communication. Les liens

d’humanitude ou l’art d’être ensemble jusqu’au bout de la vie.

http://perso.wanadoo.fr/cec-formation.net/philohumanitude.html. Consultado em 5 de Março, 2007.

Gineste, Yves et Rosette Marescotti. La philosophie de l’humanitude.

http://perso.orange.fr/cec-formation.net/humanitude1.htm Consultado em 3 de Março, 2007.

ALTUNA, Raul Ruiz de Asúa. Cultura Tradicional Banto. Luanda, Secr.Arquidioc.de Pastoral. 1985. ANSELMO, Antônio Joaquim.

https://pt.unesco.org/courier/julho-setembro-2017/humanitude-ou-como-saciar-sede-humanidade


O que é Ubuntu?


O que é AfroHumanitude?

O que é Ubuntu?

Ubuntu é uma filosofia africana que vem sendo usada desde a origem da humanidade na África. É uma palavra originária do tronco linguístico banto, não tem tradução literal para o português, trata-se de um conceito amplo sobre a essência do ser humano, como palavra mais próxima tenho usado Humanitude.

Assim Ubuntu/Humanitude é:

humanidade, bondade, compaixão, partilha, humildade, respeito mútuo e responsabilidade, interconexão, harmonia – um vínculo universal que liga toda a humanidade.

Ô Ubuntu também é Quântico. A mecânica quântica ecoa o antigo conhecimento do Ubuntu e do Kemet (Egito Negro) e outras culturas antigas em todo o mundo como:

 “a crença em um vínculo universal de partilha que liga toda a humanidade”.

Ubuntu está bem descrito em ensinamentos antigos que são analisados na ciência moderna, incluindo a noção de totalidade e similaridade, postulada no campo de física quântica por David Bohm.

A Filosofia Africana do Ubuntu afirma que estamos todos conectados e a Física Quântica está constantemente apontando para a conexão como o caminho do Universo da mesma forma que as tradições espirituais defendidas pelos antigos Africanos.

Por Hernani Francisco da Silva

Um Natal Ubuntu

A palavra Africana Ubuntu está enraizada na espiritualidade. Sua tradução em português é Humanitude. Talvez Nós, no natal, vivemos um pequeno momento onde compartilhamos uma comunhão recheada de comidas, bebidas, presentes, e vivemos uma comunidade interligada e Interdependente, mas apenas para aqueles momentos natalinos. Acabando as festividades do natal nos separamos e vamos para nossas casas e o natal acaba. Mas, o Natal Ubuntu é muito maior do que estes gestos,  é a chamada a tornar-se família em torno da grande mesa de Deus. 

Todo dia é Natal no Ubuntu, neste espírito poderemos viver o verdadeiro significado do Natal diariamente e durante o ano inteiro. O Natal é uma época para lembrar o incrível dom de Jesus e de reconhecer a humildade e Humanitude do Messias, o Emanuel: Deus conosco. O Ubuntu é o espírito natalino de amor, misericórdia e compaixão é um estilo de vida para aqueles que vivem  a conexão e Interdependência com todos e todas. Ao tentar encontrar palavras para explicar o que exatamente este “espírito de Natal”  percebe-se que é resumido em Ubuntu, a Filosofia Africana que diz: “Eu sou porque nós somos”, reconhecendo a incrível conexão e Interdependência da Humanitude  e a própria vida com outra pessoa. 

Nosso sentimento de conexão e reconhecimento de Humanitude compartilhada são especialmente prevalentes durante o período natalino, é quando a nossa compaixão e empatia chega no pico. A época de Natal é provavelmente o mais próximo que muitos de nós chegamos da grandeza do Ubuntu. 

A capacidade de fechar os olhos para os pobres, doentes e oprimidos que é infelizmente comum em nossa sociedade não é possível neste Natal Ubuntu. A chamada para alimentar os famintos, vestir os nus, os sem-teto e viver em plena Humanitude nos 365 dias do ano é o espírito natalino do Ubuntu. Mantemos os nossos olhos bem abertos para ver a injustiça e a desigualdade do mundo ao nosso redor, e responder com a mesma compaixão que temos durante o Natal.  

Eu me pergunto o que aconteceria “se o Natal Ubuntu e não o natal do consumismo ou materialismo ou tradicionalismo fosse o nosso Natal?“. De fato teríamos mais paz, compaixão e amor durante todo o ano para com todos e todas. Como Gálatas 5.22 e 23 nos lembram: “Mas o fruto do Espírito é amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio”. 

Natal Ubuntu nos convida para esse fruto do Espírito, onde nossos atos altruístas e o amor que muitas vezes nos acompanham na época de natal não seja apenas reservado para o mês de dezembro. O Natal do Menino Deus chegou!  Que possamos abraçar Ubuntu e deixá-lo guiar nossas vidas para além desta época do Natal e dizer nesses 365 dias de Natal “Eu sou porque nós somos“. 

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut


https://afrokut.com.br/blog/o-que-e-ubuntu/

O que é AfroHumanitude?

O conceito de AfroHumanitude proposto aqui é a África como berço da humanidade e centro da história universal do mundo. Afro-Humanitude é África e a Humanitude conectada: África onde a humanidade surgiu e Humanitude o vínculo universal que liga toda a humanidade.

A Humanitude é um conceito de natureza antropológica, que nos leva a ver as raízes da nossa condição humana. O conceito de Humanitude foi definido por Albert Jacquard, em 1987, inspirado no conceito de Negritude, de Aimé Cesaire. Mais tarde, em 1989, um geriatra francês, Lucien Mias, introduziu pela primeira vez o termo da humanitude nos cuidados da medicina com idosos. Em 1995, Rosette Marescotti e Yves Gineste decide escrever uma nova filosofia de cuidados que eles chamaram de “filosofia da humanitude“, na aplicação aos cuidados de enfermagem.

Na nossa perspectiva Humanitude é Ubuntu, uma filosofia tradicional Africana que nos oferece uma compreensão de nós mesmos em relação com o mundo. De acordo com Ubuntu, existe um vínculo comum entre todos nós e é deste elo, através de nossa interação com nossos companheiros seres humanos, que descobrimos nossas próprias qualidades humanas. No ensino do Ubuntu uma pessoa é uma pessoa através de outras pessoas.

Neste sentido Ubuntu/humanitude  também é uma filosofia quântica. A mecânica quântica ecoa o antigo conhecimento do Ubuntu e do Kemet (Egito Negro) e outras culturas antigas em todo o mundo como: “a crença em um vínculo universal de partilha que liga toda a humanidade”.  Ubuntu está bem descrito em ensinamentos antigos que são analisados na ciência moderna, incluindo a noção de totalidade e similaridade, postulada no campo de Física Quântica por David Bohm.

“Uma pessoa é uma pessoa através de outras pessoas”.  (Umuntu ngumuntu ngabantu). Provérbio Zulu e xhosa.

O Sul Africano Nobel da Paz Arcebispo Desmond Tutu descreve Ubuntu como:

É a essência do ser humano. Ela fala do fato de que minha humanidade está presa e está indissoluvelmente ligado na sua. Eu sou humano, porque eu pertenço. Ela fala sobre a totalidade, ela fala sobre a compaixão. Uma pessoa com Ubuntu é acolhedora, hospitaleira e generosa, disposta a compartilhar. Essas pessoas são abertas e disponíveis para os outros, disposto a ser vulnerável, apoiam os outros, não se sentem ameaçados que os outros são bons e capazes, porque eles têm uma boa auto-confiança que vem de saber que eles pertencem a um todo maior. Eles sabem que estão diminuído quando outros são humilhados, diminuído quando outros são oprimidos, diminuído quando outros são tratados como se fossem menos de quem eles são. A qualidade do Ubuntu dá às pessoas resistência, permitindo-lhes sobreviver e emergir ainda ser humano, apesar de todos os esforços para desumanizar-los.

Acredito que a Afrohumanitude tem muito para contribuir com a questão racial no Brasil e no mundo. Entendo que a África é o berço da humanidade e a Humanitude é Ubuntu que liga toda a humanidade. Essa conexão forma  a AfroHumanitude, que contempla: a indigenitude, negritude, branquitude, e continua aberta e disponível para outras humanitudes.

Neste artigo procurei traçar uma pequena introdução do que é AfroHumanitude, e resgatar esse conceito na perspectiva da nossa caminhada. Portanto, há uma necessidade de compreender, revitalizar e promover as virtudes da Afrohumanitude.

Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut


Bibliografia e referências:

humanitude, teste, Genebra, Labor et Fides Ed, 1980

Gineste, Yves et Rosette Marescotti. Soins, corps communication. Les liens

d’humanitude ou l’art d’être ensemble jusqu’au bout de la vie.

http://perso.wanadoo.fr/cec-formation.net/philohumanitude.html. Consultado em 5 de Março, 2007.

Gineste, Yves et Rosette Marescotti. La philosophie de l’humanitude.

http://perso.orange.fr/cec-formation.net/humanitude1.htm Consultado em 3 de Março, 2007.

ALTUNA, Raul Ruiz de Asúa. Cultura Tradicional Banto. Luanda, Secr.Arquidioc.de Pastoral. 1985. ANSELMO, Antônio Joaquim.


Afro-Humanitude


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A filosofia Ubuntu no filme Rei Leão

No filme Rei Leão, nos deparamos com a filosofia Ubuntu. Como é de se imaginar, todo o filme se passa no continente africano. Mesmo lugar do nascimento da filosofia Ubuntu. Além da filosofia, o filme Rei Leão é repleto de elementos da cultura de toda a África.

No inicio do filme a filosofia Ubuntu  é mostrada no discurso de Mufasa. O pai, quando decide mostrar o reino para o filho, escolhe cuidadosamente as palavras para exemplificar o ciclo da vida e, acima de tudo, como um rei deve respeitar esse equilíbrio.

Mufasa: Tudo o que você vê existe num delicado equilíbrio. Como rei, você precisa compreender esse equilíbrio e respeitar todas as criaturas, desde a formiga rastejante ao antílope que salta.

Simba: Mas pai, não comemos os antílopes?

Mufasa: Sim, Simba, mas me deixe explicar. Quando morremos, os nossos corpos se tornam grama e os antílopes comem a grama. E assim estamos todos conectados no Grande Ciclo da Vida.”

Uma coisa muito curiosa no filme Rei Leão é a relação da espiritualidade com o personagem Rafiki. O mesmo é quem nos apresenta esse lado mágico e espiritual do universo do filme. Assim, descobrimos que a natureza se comunica de alguma forma com ele sempre que algo relevante precisa ou está prestes a acontecer.

Além disso, Rafiki nos ensina que os animais acreditam e conseguem se comunicar com os seus reis do passado. Um conceito espiritual e religioso muito interessante e semelhante ao que podemos ver em Pantera Negra, da Marvel.

Mas o que isso tem a ver com Ubuntu? Bem, como estamos vendo, Ubuntu se relaciona com o equilíbrio, com garantir que tudo corra bem para todos e entender que ninguém pode nada sozinho. É basicamente isso que Rafiki procura fazer, garantindo que o ciclo da vida continue de forma harmônica. Sempre que algo está prestes a atrapalhar isso, ele aparece.

Seja para lembrar a importância de se governar corretamente, como para nos mostrar que devemos aprender com os erros do passado e garantir um presente e futuro melhor para todos. Isso é Ubuntu! Parte do artigo  “A filosofia Ubuntu no filme Rei Leão” – Mochila & Prosa

Afrokut

Imagem: Aprendendo o Ubuntu desde criancinha.
Fonte: Brand South Africa.


https://afrokut.com.br/blog/o-que-e-ubuntu/

Ubuntu: uma filosofia quântica da África

Ubuntu é uma filosofia africana que vem sendo usada desde a origem da humanidade na Africa. É uma palavra originária do tronco linguístico banto, não tem tradução literal para o português, trata-se de um conceito amplo sobre a essência do ser humano, como palavra mais próxima tenho usado Humanitude.

Adama Samassékou, do Mali, presidente da Conferência Mundial de Humanidades, tem utilizado o conceito de Humanitude para traduzir essa filosofia de vida Africana. Em um artigo: “Humanitude, ou como saciar a sede por humanidade“ (Unesco) Samassékou diz:

“Foi com essas considerações em mente que, vários anos atrás, eu sugeri que explorássemos um novo conceito – humanitude – em referência à negritude, um conceito que herdei de meu mentor, o poeta Aimé Césaire, da Martinica.”

“Utilizo este conceito de humanitude para traduzir o que, na África, nós chamamos de maaya (em bamanankan, a língua bambara), neddaaku (em fulfulde, a língua fula), boroterey (em songai, a língua songai), nite (em wolof) e ubuntu (nas línguas bantu), entre outros. Existem muitos termos que significam, literalmente, “a qualidade de ser humano”.” Diz: Adama Samassékou.

Assim Ubuntu/Humanitude é: humanidade, bondade, compaixão, partilha, humildade, respeito mútuo e responsabilidade, interconexão, harmonia – um vínculo universal que liga toda a humanidade.

Por que o Ubuntu é uma filosofia quântica? A mecânica quântica ecoa o antigo conhecimento do ubuntu e do Kemet (Egito Negro) e outras culturas antigas em todo o mundo como: “a crença em um vínculo universal de partilha que liga toda a humanidade”Ubuntu está bem descrito em ensinamentos antigos que são analisados na ciência moderna, incluindo a noção de totalidade e similaridade, postulada no campo de física quântica por David Bohm.

filosofia africana do Ubuntu afirma que estamos todos conectados e a física quântica está constantemente apontando para a conexão como o caminho do Universo da mesma forma que as tradições espirituais defendidas pelos antigos Africanos.

Lei do Mentalismo, a primeira das sete Leis Universais Quântica do antigo Egito Negro (Kemet), nos diz que existe uma Consciência Universal da qual todas as coisas se manifestam. Todas as energias e assuntos em todos os níveis são criados e subordinados à Mente Universal Onipresente.

Ubuntu baseia-se na ideia de que todas as pessoas estão relacionadas e faz parte de uma grande família. Assim como na física quântica, o Ubuntu sustenta que a separação não existe: estamos todos entrelaçados (os átomos), num emaranhado de conexões, infinitas. Quando estamos em sintonia com essa conexão, significa que estamos trazendo abertura e magnanimidade para os outros.

Por Hernani Francisco da Silva – Ativista Quântico Negro – do Afrokut

https://afrokut.com.br/blog/o-que-e-ubuntu

O ubuntu como cuidado e partilha

Para o ethos do ubuntu, uma pessoa não só é uma pessoa por meio de outras pessoas, mas também por meio de todos os seres do universo. Cuidar “do outro”, portanto, também implica o cuidado para com a natureza (o meio ambiente) e os seres não humanos, afirma o filósofo e psicólogo sul-africano Dirk Louw.

Não apenas ser porque tu és, mas também ser por meio de ti: essa é, em resumo, a ética ubuntu, segundo Dirk Louw, psicólogo e filósofo da África do Sul. Por isso, afirma, “ser humano significa ser por meio de outros”, sejam estes vivos ou mortos, humanos ou não.

Em um sentido mais geral, ubuntu também “significa simplesmente compaixão, calor humano, compreensão, respeito, cuidado, partilha, humanitarismo ou, em uma só palavra, amor”, explica Louw, nesta entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.

Por isso, para Louw, os recentes episódios políticos da sociedade sul-africana, como a superação do apartheid, foi primordialmente “o resultado do surgimento de um ethos de solidariedade, um compromisso com a coexistência pacífica entre sul-africanos comuns a despeito de suas diferenças”. 

Louw indica ainda que “o ubuntu é resilientemente religioso”, já que “não só os vivos devem compartilhar e cuidar uns dos outros, mas os vivos e os mortos dependem uns dos outros”. Nesse sentido, afirma, “o conceito africano de comunidade inclui toda a humanidade. Todos nós (isto é, os vivos e os mortos-vivos ou ancestrais) somos família”. E não só: por ter nascido em um pensamento holístico como o africano, o ethos do ubuntu afirma que uma pessoa não só é uma pessoa por meio de outras pessoas, mas também é uma pessoa por meio de todos os seres do universo, incluindo a natureza e os seres não humanos, explica Louw.
Dirk J. Louw é psicólogo clínico da província de Limpopo e ex-professor de filosofia da University of the North, na África do Sul. Estudou na Universidade de Utrecht, na Holanda, na Universidade da África do Sul e na Stellenbosch University, também na África do Sul. É pesquisador da pesquisador da Universidade de Joanesburgo e do Centro de Ética Aplicada da Stellenbosch University e membro do Institute of Transpersonal Psychology. É membro fundador da South African Philosopher Consultants Association, ex-membro do comitê executivo da Sociedade Filosófica da África do Sul e ex-editor do South African Journal of Philosophy. Entre suas publicações, destacamos seu livro Ubuntu and the Challenges of Multiculturalism in Post-apartheid South Africa (Center for Southern Africa, Utrecht University, 2001) e seu artigo Ubuntu: An African Assessment of the Religious Other. 

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que significa ubuntu? Quais são as noções centrais para essa filosofia e estilo de vida?

Dirk Louw – O sentido de ubuntu está resumido no tradicional aforismo africano “umuntu ngumuntu ngabantu” (na versão zulu desse aforismo), que significa: “Uma pessoa é uma pessoa por meio de outras pessoas”, ou “eu sou porque nós somos”. Ser humano significa ser por meio de outros. Qualquer outra forma de ser seria “des-umana” no duplo sentido da palavra, isto é, “não humano” e “desrespeitoso ou até cruel para com os outros”. Essa é, grosso modo, a forma como a ética ubuntu africana descreve e também prescreve o ser humano.
Em um sentido estritamente tradicional ou, se se preferir, religioso, ubuntu significa que só nos tornamos uma pessoa ao ser introduzidos ou iniciados em uma tribo ou em um clã específicos. Nesse sentido, “tornar-se uma pessoa por meio de outras pessoas” implica em passar por vários estágios, cerimônias e rituais de iniciação prescritos pela comunidade.
Entretanto, em um sentido comum ou, se se preferir, secular, ubuntu significa simplesmente compaixão, calor humano, compreensão, respeito, cuidado, partilha, humanitarismo ou, em uma só palavra, amor.

IHU On-Line – Como o ubuntu se relaciona com a história e a cultura africanas? Quais são as suas fontes?

Dirk Louw – As questões referentes às fontes do ubuntu e à sua relação com a história e a cultura africanas são controversas. Alguns pesquisadores sustentam que o ubuntu tem sido comunicado por meio de histórias de geração a geração desde tempos imemoriais, e que as articulações africanas dos valores do cuidado e da partilha são muito mais antigas do que suas articulações ocidentais – ou até que as articulações ocidentais têm suas raízes nas articulações africanas. Outros pesquisadores parecem sugerir que o ubuntu não passa de uma cortina de fumaça autofabricada para as atrocidades cometidas por africanos no passado e no presente.
 Então, o ubuntu existe? Os africanos de fato seguem o ubuntu? Essa pergunta merece mais atenção do que é possível aqui. Entretanto, ao menos quatro observações parecem apropriadas. Em primeiro lugar, afirmar que o ubuntu existe não significa necessariamente sustentar que a compaixão que ele expressa prevalece ou prevaleceu sempre e em toda parte nas sociedades africanas. É claro que não prevaleceu nem prevalece. Contudo, depois que se conseguir olhar para além das manchetes populares, podem-se detectar os mais anônimos atos de compaixão entre os africanos. Para citar apenas um exemplo: a transição relativamente não violenta da sociedade sul-africana, que passou de um Estado totalitário para uma democracia multipartidária, não foi meramente o resultado das negociações transigentes de políticos. Ela foi também – e talvez primordialmente – o resultado do surgimento de um ethos de solidariedade, um compromisso com a coexistência pacífica entre sul-africanos comuns a despeito de suas diferenças. 
Em segundo lugar, embora talvez se duvide da existência do ubuntu como uma realidade plenamente vivida, dificilmente se pode negar a sua existência como um conceito, narrativa ou mito proeminente na África e certamente no sul da África. Chamar a ética ubuntu de “mito” não significa negar sua “verdade factual” – embora o termo seja muitas vezes usado neste sentido. A palavra “mito”, da forma como é usada aqui, descreve a ética ubuntu como uma história duradoura que – independentemente de sua “verdade factual” – inspira moralmente e revela o sentido (isto é, a relevância ou importância) da vida para as pessoas que participam dela, ou seja, que contribuem para contá-la e recontá-la. 

Em terceiro lugar (ou formulando as duas primeiras observações de forma diferente), antes de começar a negar ou afirmar a existência de algo, seria de bom alvitre se envolver em análises conceituais relevantes. O que exatamente está sendo negado ou reafirmado? Neste caso: o que exatamente se quer dizer com “ubuntu” ou “existe”? Finalmente, mesmo afirmando a existência do ubuntu, deve-se cuidar para não exagerar a influência normativa da ética africana tradicional nas comunidades africanas.

IHU On-Line – Qual a relação entre o ubuntu e a religião? Como a ética ubuntu pode ajudar a melhor desenvolver um verdadeiro diálogo inter-religioso?

Dirk Louw – O ubuntu é resilientemente religioso. Para um ocidental, a máxima “Uma pessoa é uma pessoa por meio de outras pessoas” não tem conotações religiosas óbvias. Ele provavelmente a interpretará apenas como um apelo geral para tratar as outras pessoas com respeito e decência.

Na tradição africana, entretanto, essa máxima tem um sentido profundamente religioso. A pessoa que devemos nos tornar “por meio de outras pessoas” é, em última análise, um ancestral. E, da mesma forma, essas “outras pessoas” incluem os ancestrais. Os ancestrais são a família extensa. Morrer é um último voltar para casa. Por conseguinte, não só os vivos devem compartilhar e cuidar uns dos outros, mas os vivos e os mortos dependem uns dos outros. 

A ética ubuntu ajuda a melhor desenvolver um diálogo inter-religioso verdadeiro condensando precondições vitais para esse diálogo. Essas precondições incluem um respeito pela religiosidade, individualidade, particularidade e historicidade ou natureza processual dos outros, assim como a valorização do consenso ou do acordo.

IHU On-Line – O que o ethos do ubuntu tem a ensinar às outras tradições, culturas e religiões não africanas? Que aspectos o ubuntu pode ajudar a aprimorar na ética ocidental?

Dirk Louw – Permita-me reformular ligeiramente essas perguntas: o ethos do ubuntu é unicamente africano? O ubuntu só faz parte da herança cultural africana? Seria etnocêntrico e absurdo sugerir que a ética ubuntu de cuidado e partilha é unicamente africana. Afinal de contas, os valores que o ubuntu procura promover também podem ser identificados em várias filosofias da Eurásia. Isso não significa negar a intensidade com que esses valores são expressos pelos africanos. Mas o mero fato de serem expressos intensamente por africanos não torna, por si só, esses valores exclusivamente africanos.

Entretanto, embora a compaixão, o calor humano, a compreensão, o cuidado, a partilha, o humanitarismo etc. sejam sublinhados por todas as principais cosmovisões, ideologias e religiões do mundo, eu gostaria, no entanto, de sugerir que o ubuntu atua como uma justificação distintivamente africana dessas formas de se relacionar com os outros. O conceito de ubuntu dá um sentido distintivamente africano e uma razão ou motivação distintivamente africanas para uma atitude amorosa para com o outro.

O que, então, o ethos do ubuntu tem a “ensinar” às tradições, culturas e religiões não africanas (incluindo as ocidentais)? Ele pode servir como um importante incentivo para reavaliar o “ser por meio de outros” em tradições, culturas e religiões não africanas, para reenfatizar os imperativos do cuidado e da partilha com os outros.

IHU On-Line – Qual a importância da comunidade e da família para a ética ubuntu?

Dirk Louw – É lógico que a comunidade/família é muito importante para a ética ubuntu. Afinal, o ubuntu significa “ser por meio de outros”. Mas o que exatamente “a comunidade/família” significa nesse contexto? Espera-se que uma ética da compaixão seja inclusiva, e não exclusiva, isto é, que ela inclua, e não exclua; que abra espaço, e não aliene. Mas quão inclusiva é a comunidade que o ubuntu descreve e prescreve? Às vezes, é difícil evitar a impressão de que o ubuntu não pretende ser exatamente uma “lei universal do amor”. Por exemplo: o sentido dos ritos de iniciação em sociedades africanas tradicionais parece implicar que o ubuntu funcionava (e ainda funciona) como uma ética vinculativa exclusivamente dentro dos limites de um clã específico. Essa compreensão exclusiva da comunidade que é o ubuntu combina com o óbvio potencial do ubuntu de desencadear conflitos étnicos. Ela (ou uma versão dela) também parece constituir a base da forma pela qual alguns negros sul-africanos tendem a ver o ubuntu como “a” diferença definitiva entre eles próprios como africanos e os não africanos (incluindo as chamadas “pessoas de cor”, asiáticos e brancos).

Ser membro da comunidade que é o ubuntu não parece, portanto, ser fácil para os não africanos ou, ao menos, para os africanos não negros. Os defensores do ubuntu parecem estar divididos no tocante a isso. Em termos gerais, todos eles enfatizam sua inclusividade. Entretanto, alguns proponentes do ubuntu dão a impressão de que, embora a comunidade que é o ubuntu transcenda os limites de um clã específico, ela só inclui aqueles cujas origens estão na África. Outros salientam que a comunidade que é o ubuntu também inclui “estranhos”, isto é, pessoas que não estão relacionadas por sangue, parentesco ou casamento. Por fim, para alguns autores, o conceito africano de comunidade, em seu mais pleno sentido, inclui toda a humanidade. Todos nós (isto é, os vivos e os mortos-vivos ou ancestrais) somos família – ninguém está excluído.

IHU On-Line – O senhor afirma que “a ênfase do ubuntu sobre o respeito pela particularidade é vital para a sobrevivência da África do Sul pós-apartheid”. Nesse sentido, que aspectos o ubuntu ajudou a forjar na sociedade e política sul-africanas? O que poderia ser ainda aprimorado?

Dirk Louw – O desafio da sociedade e da política da África do Sul é o desafio de afirmar a unidade ao mesmo tempo em que valoriza a diversidade, isto é, de forjar a unidade na diversidade e, igualmente, a diversidade na unidade. O ubuntu ajudou a forjar a unidade na diversidade por meio de sua ênfase na comunidade, expressada por palavras como simunye (“nós somos um”, isto é, “unidade é força”) e slogans como “um dano causado a um é um dano causado a todos”.
Ele também forjou a diversidade na unidade através de reavaliações criativas desse conceito, que acentuam a importância da alteridade no ethos do ubuntu. Essas reavaliações operam com conceitos de consenso ou de solidariedade que condizem com um regime democrático em comunidades políticas africanas. Talvez seja necessário trabalhar mais nesse sentido. Uma compreensão emancipatória da democracia ubuntu (democracia comunitária) poderá, por exemplo, exigir que os indivíduos recebam tanta oportunidade quanto possível para fazer mudanças e decidir por si mesmos como são governados.

IHU On-Line – O ubuntu também está relacionado ao respeito pela particularidade do outro e ao respeito pela individualidade. Assim, como o ubuntu vê a noção de “outro”? Em um mundo globalizado, o que o ubuntu pode oferecer para que se ultrapassem as diferenças culturais, políticas, econômicas e religiosas entre os povos?

Dirk Louw – É importante que ninguém seja um estranho em termos do suposto alcance da comunidade que é o ubuntu, dado o potencial do ubuntu para degenerar em um comunitarismo totalitário – isto é, dada a sua tendência de excluir, e não de incluir, como se esperaria de uma ética do cuidado e da partilha. Como uma ética excludente, um ubuntu desvirtuado representa a fortificação e a preservação de uma identidade dada por meio da limitação e da segregação. Nos termos dessa ética, o slogan simunye (“nós somos um”) sinaliza, ironicamente, a pureza de classe, cultura ou etnia; racismo e xenofobia – um fenômeno com o qual os (sul) africanos estão por demais familiarizados.
 O verdadeiro ubuntu se opõe a tendências totalitárias levando a pluralidade a sério. Ao mesmo tempo em que constitui o “ser pessoa” por meio de outras pessoas, ele valoriza o fato de que “outras pessoas” sejam assim chamadas, justamente porque, em última análise, nunca podemos “ficar inteiramente na pele delas” ou “enxergar completamente o mundo através de seus olhos”. Portanto, quando o “ubuntuísta” lê “solidariedade” e “consenso”, ele também lê “alteridade”, “autonomia” e “cooperação” (observe: não “cooptação”).

IHU On-Line – Como o ethos do ubuntu compreende a nossa relação com a natureza e a proteção das vidas não humanas?

Dirk Louw – O pensamento africano é holístico. Como tal, ele reconhece a íntima interconectividade e, mais precisamente, a interdependência de tudo. De acordo com o ethos do ubuntu, uma pessoa não só é uma pessoa por meio de outras pessoas (isto é, da comunidade em sentido abrangente: os demais seres humanos assim como os ancestrais), mas uma pessoa é uma pessoa por meio de todos os seres do universo, incluindo a natureza e os seres não humanos. Cuidar “do outro” (e, com isso, de si mesmo), portanto, também implica o cuidado para com a natureza (o meio ambiente) e os seres não humanos.

Por Moisés Sbardelotto | Tradução Luís Marcos Sander

Via Instituto Humanitas Unisinos – IHU

Imagem: Afrokut


https://afrokut.com.br/blog/o-que-e-ubuntu/