Durante toda a minha adolescência na igreja e todo o período de graduação em teologia, nunca tinha ouvido ou lido qualquer coisa a respeito deste assunto. Este tema se tornou familiar somente anos depois. Como é possível alguém que estudou quatro anos em um curso teológico não tenha tido nenhum contato com este assunto?
Na faculdade de teologia, tínhamos o “cânon” dos textos e autores considerados ortodoxos, conservadores e aqueles que não faziam parte
daquele cânon não eram dignos de qualquer menção. Qualquer teologia destoante daquela tida como a “boa teologia”, a “teologia sadia” e “ortodoxa” era intensamente rechaçada e lançada no lixão herético. A Teologia Negra era uma dessas senhoras irreverentes, indigna de participar do conselho da “ortodoxia conservadora”.
Vamos entender o contexto desse movimento. Afinal, nenhuma construção de ideias se faz no vácuo, todo pensamento é tecido na concretude de um chão contextual. Com esse movimento não foi diferente.
Breve panorama histórico
A Teologia Negra surgiu como uma resposta ao racismo e à segregação racial nos Estados Unidos, na década de 60. De maneira mais específica, a Teologia Negra foi uma resposta, ou melhor, um grito dos cristãos negros americanos contra a dominação física, econômica, política, psicológica, religiosa, cultural, social da classe branca.
Essa dominação era tamanha que nem mesmo as igrejas, que deveriam ser quarteis de preparação do povo de Deus para o combate a essa malignidade, se levantavam para se opor a essa engenharia maligna. Mas, pior que isso, não apenas mantinham o silêncio do consentimento, mas muitas igrejas apoiavam o racismo e a segregação, e como se já não fosse grave o bastante, legitimavam isso usando a Bíblia.
Esse mal estava tão entranhado no intestino da sociedade americana que, para muitos negros, aquele status quo se tornou natural e assimilado como algo cultural. Luiz André Ramos comenta que era “um cenário de indiferença, tanto das igrejas negras quanto brancas, e do silêncio dos teólogos brancos”. Os afro-americanos eram vistos como coisas, propriedades, “uma raça inferior inapta a manter relações e políticas com a raça branca”.
Três elementos foram cruciais para o surgimento da Teologia Negra. O primeiro foi o movimento dos Direitos Civis (nas décadas de 50 e 60). Esse foi um movimento popular conduzido pelos afro-americanos, com o objetivo de conseguirem os plenos direitos como cidadãos, desafi ando muitas das leis que permitiam a discriminação de maneira explícita. Esse movimento foi liderado pelo famoso pastor Martin Luther King Jr.
O segundo elemento está relacionado a diversas publicações, especialmente a publicação do livro “Religião Negra”, de Joseph Washington (1964). Nesse livro, o autor argumenta a favor de uma religião negra distinta do Protestantismo branco e todas outras expressões do Cristianismo. Ele disse ainda no livro que as igrejas negras daquele período não eram igrejas genuínas. A Teologia Negra foi também uma resposta às críticas de Joseph Washington.
O terceiro elemento foi, o movimento “Poder Negro”. Esse grupo resultou da insatisfação e decepção de muitos negros apoiadores do movimento dos Direitos Civis liderado pelo Rev. Martin Luther King Jr. Eles abandonaram seu compromisso com a não violência e tomaram o controle político e econômico das suas comunidades.
Por ISAAC LESSA
Este texto é parte do artigo “FUNDAMENTOS BÍBLICO-TEOLÓGICOS DA TEOLOGIA NEGRA“, de Isaac Lessa, presente na REVISTA DE EDUCAÇÃO CRISTÃ PARA ADULTOS com o tema “POR UMA FÉ CONTRA O RACISMO“. A revista com a temática especial “racismo”, foi organizada pelo Rev. Robson de Oliveira, que conta com a contribuição de várias autoras e autores, um material didático para pastoral de combate ao racismo.
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