Nota de solidariedade à pastora Odja e sua família e de repúdio às ameaças de morte sofridas

Nota de solidariedade à pastora Odja Barros e sua família e de repúdio às ameaças de morte sofridas.

A Rede Afrokut enfatiza seu repúdio contra ameaças de morte sofridas pela pastora Odja Barros, da Igreja Batista do Pinheiro, Maceió em Alagoas. As ameaças contra a vida da pastora e teóloga Odja Barros e sua família ocorreram após a religiosa ter celebrado no dia 11 de dezembro de 2021 um casamento homoafetivo entre duas mulheres. O casamento ocorreu em um salão de festas de Maceió e foi uma das primeiras cerimônias realizadas no país entre pessoas do mesmo sexo por pastores batistas — a primeira que se tem notícias celebrada por uma mulher, que em muitas igrejas batistas sequer podem exercer a função de pastora.

Conforme o site g1, o pastor Wellington Santos, da Igreja Batista do Pinheiro e esposo de Odja Barros, a família toda está assustada com as ameaças.

Desde 2016 nós somos criticados pelo nosso trabalho junto às minorias, até campanha pessoal contra nós foi realizada. Mas quando isso toma essa proporção, de alguém ameaçar dar cinco tiros na cabeça da minha esposa, e cita que está monitorando minha família, nos dá a certeza que estamos vivendo uma barbárie. O debate deve acontecer no campo das ideias, quando as discordâncias viram ameaças de morte, é sinal disso”, relatou o pastor.

A Igreja Batista do Pinheiro é uma igreja acolhedora para todas as pessoas, pratica o cristianismo com respeito e apoio a todos os setores excluídos e oprimidos na sociedade, somando com os movimentos sociais na defesa dos direitos humanos. A Igreja Batista do Pinheiro tem sido um foco de resistência contra várias formas de injustiças, um exemplo notável foi a criação da Pastoral da Negritude, fundada por um grupo de pessoas comprometidas em despertar a comunidade evangélica para uma consciência negra, com a proposta de fazer uma releitura da bíblia na ótica étnico racial, resgatando a presença e a cultura africana na história bíblica. Também contribuir na inclusão social dos(as) afrodescendentes, na luta contra a discriminação racial, preconceitos, e xenofobia.

Portanto, manifestamos nossa incondicional solidariedade à pastora Odja Barros e a toda comunidade do Pinheiro e cobramos as autoridades do estado de Alagoas a identificação e punição dos covardes agressores, que se escondem com o vergonhoso véu do anonimato, respondam pelos seus atos.

Rede Afrokut

Imagem: arquivo pessoal

Mulheres Negras que ganharam o Prêmio Nobel

O Prêmio Nobel foi atribuído a mais de 900 pessoas, só 57 mulheres foram agraciadas, das quais apenas quatro mulheres negras ganharam o prêmio

Desde o início da premiação, apenas 18 pessoas negras agraciadas com o Prêmio Nobel.

Os negros foram premiados em três das seis categorias de premiação: treze na Paz, quatro em Literatura e uma em Economia. O primeiro negro a receber o prêmio, Ralph Bunche, recebeu o Nobel da Paz em 1950. O mais recente, Abdulrazak Gurnah, recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 2021.

Conheça  4 Mulheres Negras que ganharam o Prêmio Nobel:

Toni Morrison

“Primeira mulher negra a ganhar um Prêmio Nobel”.

Prêmio Nobel de Literatura – Ano: 1993

Toni Morrison, nascida em Lorain, 18 de Fevereiro de 1931, foi uma escritora estadunidense. Recebeu o Nobel de Literatura de 1993, por seus romances fortes e pungentes, que relatam as experiências de mulheres negras nos Estados Unidos durante os séculos XIX e XX. Seu livro de estréia, O olho mais azul (1970), é um estudo sobre raça, gênero e beleza — temas recorrentes em seus últimos romances.

Despertou a atenção da crítica internacional com Song of Solomon (1977). Amada (1987), o primeiro romance de uma trilogia que inclui Jazz (1992) e Paraíso (1997), ganhou o Prêmio Pulitzer de melhor ficção e foi escolhido pelo jornal americano The New York Times como “a melhor obra da ficção americana dos últimos 25 anos”. Morrison escreveu peças, ensaios, literatura infantil e um libreto de ópera. 

Wangari Muta Maathai

“Foi a primeira mulher africana a receber, em 2004, o Prêmio Nobel da Paz”.

Prêmio Nobel da Paz  – Ano: 2004

Wangari Muta Maathai, nasceu em Ihithe, Distrito de Nyeri, no Quênia, 1º de abril de 1940, e morreu Nairóbi, 25 de Setembro de 2011, foi uma professora e ativista política do meio-ambiente queniana.

Ellen Johnson Sirleaf

“Foi uma das três mulheres galardoadas com o Prêmio Nobel da Paz de 2011 graças ao seu trabalho como a Primeira Ministra da Libéria, atraindo investidores para a renovação do seu país”.

Prêmio Nobel da Paz – Ano: 2011

Ellen Johnson-Sirleaf, nascida em Monróvia, 29 de outubro de 1938, foi presidente da Libéria de 2006 até 2018. Foi a vencedora das eleições presidenciais de 8 de novembro de 2005, em que derrotou o ex-futebolista George Weah. Foi reeleita em 2011 para um novo mandato.

Leymah Gbowee

“Gbowee foi em 2011 uma das três personalidades galardoadas com o prémio Nobel da paz junto com a sua compatriota Sirleaf e a iemenita Tawakel Karman”.

Prêmio Nobel da Paz  – Ano: 2011

Leymah Roberta Gbowee, nascida em Monróvia, 1 de fevereiro de 1972, é uma ativista africana encarregada de organizar o movimento de paz que colocou fim à Segunda Guerra Civil da Libéria em 2003. Tal conduziu à eleição de Ellen Johnson-Sirleaf como a primeira mulher presidente de um país africano.

Do Afrokut


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14 personalidades negras que receberam o Prêmio Direitos Humanos do Governo Brasileiro

Conheça catorze personalidades negras que receberam o Prêmio Direitos Humanos da Presidência da República do Brasil.

O Prêmio Direitos Humanos é a mais alta condecoração do Governo Brasileiro a pessoas e entidades que se destacam na defesa, na promoção e no enfrentamento às violações dos Direitos Humanos. Esses agraciados, negros e negras, são pessoas com destacada atuação na luta antirracista, direitos do povo negro, e na promoção dos Direitos Humanos no Brasil.

O prêmio é uma honraria concedida pelo Governo Federal, desde 1995, a cerimônia de entrega do Prêmio acontece tradicionalmente em dezembro, em homenagem às comemorações da promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Conheça os negros e negras agraciados do Prêmio Direitos Humanos:

1 – Eunice Aparecida de Jesus Prudente

Vencedora do Prêmio Direitos Humanos em 2018, na categoria Igualdade Racial.

Eunice Prudente é advogada, com graduação, mestrado e doutorado pela USP. É autora do livro “Preconceito Racial e Igualdade Jurídica”, publicado em 1988 – obra pioneira no Brasil, com a tese pela criminalização da discriminação racial. Foi Secretária da Justiça e Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo (2007).

2 – Sonia Aparecida Dos Santos

Vencedora do Prêmio Direitos Humanos em 2016, na categoria Igualdade Racial.

Ativista na luta contra o racismo, a militante integra o Movimento Negro UnificadoMNU, atuando na garantia dos direitos dos afro-brasileiros. Entre as ações desenvolvidas por ela, constam o enfrentamento ao genocídio da juventude negra, condições dignas à população da periferia e defesa das mulheres negras.

3 – Silvana do Amaral Verissimo

Vencedora do Prêmio Direitos Humanos em 2015, na categoria Igualdade Racial.

Silvana atua em prol da mulher negra e do combate ao racismo, hoje ocupa várias atividades e posições nesse contexto, é membro do Comitê de Articulação e Monitoramento do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres – PNPM; do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, representando a mulher negra; e do Fórum Nacional de Mulheres Negras.

4 – Mário Lucio Duarte Costa

Goleiro Aranha; Vencedor do Prêmio Direitos Humanos em 2014, na categoria Igualdade Racial.

O Aranha, atuava como goleiro no Santos, foi um dos homenagedos em 2014. Ele foi premiado na categoria Igualdade Racial, por ter protagonizado uma forte cena de racismo. Em um jogo no Rio Grande do Sul, ele foi xingado por uma torcedora do Grêmio de macaco.

5 – Creuza Maria Oliveira

Vencedora do Prêmio Direitos Humanos na categoria Igualdade Racial em 2011.

Em 1983, Creuza  ingressou na luta pelos direitos das trabalhadoras domésticas. Participou da fundação da Associação Profissional das Domésticas, em 1986, e foi umas das criadoras do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos da Bahia, em 1990. Atualmente, exerce a função de presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, além de ser membro do Conselho Nacional da Promoção da Igualdade.

6 – Beatriz Moreira CostaMãe Beata

Vencedora do Prêmio Direitos Humanos na categoria Igualdade Racial em 2010.

Mãe Beata foi escolhida para receber o Prêmio de Direitos Humanos 2010 do Programa Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República na Categoria Igualdade Racial.  A cerimônia de entrega do Prêmio aconteceu no dia 13 de Dezembro de 2010 em Brasília e contou com a presença do então presidente Lula. 

Mãe Beata de Iemanjá,  foi uma mãe-de-santo, escritora e artesã brasileira, que desenvolveu trabalhos relacionados à defesa e preservação do meio ambiente, aos direitos humanos, à educação, saúde, combate ao sexismo e ao racismo.

7 – Abdias Nascimento

Vencedor do Prêmio Direitos Humanos em 2009, na categoria Igualdade Racial.

Abdias do Nascimento foi ator, poeta, escritor, dramaturgo, artista plástico, professor universitário, político e ativista dos direitos civis e humanos das populações negras brasileiras.

Considerado um dos maiores expoentes da cultura negra e dos direitos humanos no Brasil e no mundo. Fundou entidades pioneiras como o Teatro Experimental do Negro (TEN), o Museu da Arte Negra (MAN) e o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (IPEAFRO). Foi um idealizador do Memorial Zumbi e do Movimento Negro Unificado (MNU) e atuou em movimentos nacionais e internacionais como a Frente Negra Brasileira, a Negritude e o Pan-Africanismo.

8 – Aurelielza Nascimento Santos

Vencedora do Prêmio Direitos Humanos na categoria Igualdade Racial em 2008.

Licenciada em Geografia pela Universidade do Estado da Bahia no Departamento de Ciências HumanasCampus-V.  Foi Coordenadora da Executiva Baiana dos Estudantes de Geografia (CEBEGEO), Coordenadora do Centro Acadêmico de Geografia (CAGEO) da UNEB-Campus V e Diretora de Promoção da Igualdade Racial no município de Amélia Rodrigues – BA. Especialista em Educação à Distância pela UNEB e mestranda em Educação e Contemporaneidade pela UNEB – Campus I.

9 – Milton Santos (post mortem)

Vencedor do Prêmio Direitos Humanos em 2007, na categoria Igualdade Racial.

O geógrafo, doutor e autor de 40 livros, recebeu homenagem póstuma. Milton Santos, foi um dos grandes nomes da renovação da geografia no Brasil ocorrida na década de 1970. Também se destacou por seus trabalhos sobre a globalização nos anos 1990. A obra de Milton Santos caracterizou-se por apresentar um posicionamento crítico ao sistema capitalista, e seus pressupostos teóricos dominantes na geografia de seu tempo.  Ele também ganhou o Prêmio Vautrin Lud, em 1994, o de maior prestígio na área da geografia. O prêmio é considerado “o Nobel da Geografia”.

 

10 – Mãe Hilda Jitolu

Vencedora do Prêmio Direitos Humanos na categoria Personalidades em 2005.

Liderança de um dos terreiros mais tradicionais da cidade de Salvador, Mãe Hilda Jitolu foi um símbolo de resistência das religiões de matriz africana, que têm sofrido agressões vitais nos últimos anos no Brasil. 

Hilda Dias dos Santos, mais conhecida como Mãe Hilda Jitolú ou simplesmente Mãe Hilda, foi uma Ialorixá do candomblé Jeje, que tinha por ori a Obaluaiê, e ainda educadora e defensora da identidade afro-descendente, uma das mentoras do Ilê Aiyê.

11 – Maria José de Jesus Alves Cordeiro

Vencedora do Prêmio Direitos Humanos na categoria Ações Afirmativas em 2004.

A Professora Maria José de Jesus Alves Cordeiro, líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação, Gênero, Raça e Etnia (GEPEGRE/CNPq/UEMS); coordenadora do Centro de Estudos, Pesquisa e Extensão em Educação, Gênero, Raça e Etnia (CEPEGRE/UEMS); e membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Políticas de Educação Superior/Mariluce Bittar  (GEPPES/MB). Coordenadora de subprojeto PIBID/Pedagogia. Membro do Coletivo de Mulheres Negras ‘Raimunda Luzia de Brito’ (CMNEGRAS/MS). Pesquisadora filiada a Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN).Integrante do GT 21- Educação e Relações Étnico-Racias da ANPED e pesquisadora da Rede Universitas/Br.

12 – Ivete Alves do Sacramento

Vencedora do Prêmio Direitos Humanos na categoria Ações Afirmativas em 2003.

Ivete Sacramento foi reitora da UNEB, no período de 1998 a 2006. Em 2002 ela surpreendeu o país a implantar as cotas para estudantes negros na universidade, dando início a uma polêmica e disputas juridicas em todo o país, que perdurou até este ano, com a constitucionalidade das cotas reconhecida por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A atuação da ex-reitora em defesa da democratrização do ensino superior foi reconhecido no Brasil e no exterior. São mais de 30 prêmios e condecorações, como o Prêmio Cláudia 2007, na categoria políticas públicas; a Medalha 2 de Julho, concedida pelo Governo da Bahia, a Medalha Tomé de Souza, da Câmara de Salvador e o Prêmio Direitos Humanos 2003, da Presidência da República.

13 – Maria da Fé da Silva Viana

Vencedora do Prêmio Direitos Humanos na categoria Livre em 2001.

Maria da Fé da Silva Viana (Fezinha), teóloga de formação, educadora, ativista do movimento negro, coordenadora da Pastoral de Combate ao Racismo da Igreja Metodista e do Fórum Permanente de Mulheres Negras Cristãs. Vice-presidente do COMIRA (Conselho Municipal pela Igualdade Racial). Empenhada na busca de uma sociedade mais justa e fraterna.  Membro da Igreja Metodista de Fonte Carioca.

14 – Hernani Francisco da Silva

Vencedor do Prêmio Direitos Humanos em 2000, na categoria Livre.

Hernani recebeu o prêmio na categoria livre, pelo movimento, criado em 1988, para engajar jovens na luta contra o racismo; em 1991, fundou a Sociedade Cultural Missões Quilombo para modificar a visão equivocada e preconceituosa que as igrejas evangélicas têm da cultura negra

Hernani é fundador e editor da Rede Afrokut, uma plataforma voltada para a produção de conteúdo, com uma nova abordagem na superação do racismo, focada em uma mudança interior (autoconhecimento), com uma visão holística.

Do Afrokut


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A dimensão racial no pentecostalismo brasileiro, uma questão difícil

Na última pesquisa do Datafolha (jan/2020) que atualizou o perfil sociodemográfico dos evangélicos no Brasil, um dado já esperado e constatado anteriormente se repetiu: pretos e pardos respondem por nada menos do que 60% dessa população. Se o Brasil é um país cada vez mais evangélico, o universo evangélico também é profundamente brasileiro em seus traços raciais. Para que se dimensione esse dado basta dizer que, no cruzamento entre raça e religião, segundo o censo do IBGE de 2010, pretos e pardos correspondiam a 70% dos que se autodeclararam pertencentes ao candomblé. No entanto, esses são percentuais relativos, e não números absolutos, da presença daqueles se autodeclaram negros nas duas religiões. Enquanto no caso do candomblé estamos falando de um contingente de menos de 168 mil pessoas, no caso das igrejas evangélicas esse volume está próximo de 45 milhões de pessoas.

No entanto, se os números são contundentes, qualitativamente a conversa é outra. A visibilidade pública dos evangélicos do país não é apresentada a partir de seus contornos raciais. Pouco se fala sobre essa presença negra. As formas de apresentação pública desses grupos não passam por aí e mesmo as pesquisas das ciências sociais que já produziram milhares de teses e dissertações sobre o campo evangélico são tímidas quanto à análise mais detida da dimensão racial. Em que pese importantes exceções, como aquelas feitas pelo Movimento Negro Evangélico e pelas formulações que estão sendo feitas a partir da Teologia Negra, no interior dos movimentos negros a presença dos evangélicos é de difícil acomodação. Soma-se a isso o fato de que os líderes de algumas das maiores igrejas evangélicas do país e aqueles com maior penetração midiática e política são brancos, contribuindo para uma face pública branca de um rebanho de fiéis negros.

Sobretudo pelos pesquisadores do tema, a invisibilidade da raça diante de um dos principais universos religiosos brasileiros é uma questão de urgente reflexão. Regina Novaes, Lívia Reis, Ronilso Pacheco, Jacqueline Teixeira, José Carlos dos Anjos e João Chaves são apenas alguns dos pesquisadores que direta ou indiretamente têm se dedicado ao assunto. Em algumas de suas formulações chama a atenção o esforço de produzir análises sobre o crescimento evangélico no Brasil justamente a partir de uma matriz de pensamento que dá centralidade à questão da raça. E é dessa matriz que algumas das reflexões mais instigantes têm emergido, enquadrando o próprio processo massivo de conversão pentecostal pelo qual o Brasil vem passando também como uma resposta racial.

Nesse caso, não se trata simplesmente de reproduzir certo senso comum que apela à “recusa da raça” por parte dessa parcela de fiéis, mas sim de reconhecer que, ao aderir ao pentecostalismo, ela inicia também uma operação de branqueamento. Não há nenhuma denúncia aqui, trata-se de uma modalidade de resposta ao racismo estrutural da sociedade brasileira, uma resposta que também se apresenta como um plano de fuga. Há pouca novidade nesse processo. Ele apenas reproduz o mecanismo colonial de esvaziamento da centralidade da raça nas relações de poder e, ao mesmo tempo, oferece como contrapartida dispositivos de subjetivação de um horizonte não negro. É isso o que também Frantz Fanon descreve em Pele negra, máscaras brancas: “Da parte mais negra de minha alma, através da zona sombreada, irrompe em mim este súbito desejo de ser branco. Não quero ser reconhecido como negro, mas como branco”. Mais uma vez, o que está em operação nesse processo é a própria estrutura racializada das sociedades coloniais e não, como alguns querem crer, que esse desejo é a prova de que a força estrutural do racismo é menor do que afirmam os movimentos identitários.

Há inúmeras questões teológicas, políticas e também relativas a contextos mais específicos, além de reações importantes de movimentos sociais nesse debate. Além disso é necessário reconhecer algumas ambivalências do pentecostalismo, que ao mesmo tempo que embranquece também produz lugares de circulação iconográficas de corpos negros. Aspecto que se relaciona com o crescimento de lideranças negras evangélicas em igrejas e partidos políticos, algo certamente associado à (re)emergência pública do debate racial no país.

Seja como for, o que importa aqui é jogar algumas luzes sobre mais essa questão difícil envolvendo esse fenômeno fundamental que atravessa o Brasil desde o fim do século XX, o crescimento evangélico, colocando-o em perspectiva com a força descomunal e invariavelmente pouco tratada do racismo brasileiro.

por Rodrigo Toniol – Professor de antropologia da UFRJ e Pesquisador do LAR/Unicamp.

Fonte:  Estado da Arte.

Imagem: Afrokut


Produção científica sobre o Movimento Negro Evangélico

Grupo de Estudos de Intelectuais Negras e Negros do Neabi/UFS

 
Na próxima quarta-feira (24/11), o Grupo de Estudos de Intelectuais Negras/Negros do Neabi/UFS iniciará um novo módulo de estudos, dessa vez se debruçando sobre a Teologia Negra de James Cone (1938-2018). A intenção é ler e discutir, sempre de forma coletiva, os livros “Teologia Negra” (1970) e “O Deus dos Oprimidos (1975).
 
Para abrir a programação, Leno de Andrade dará sua  contribuição abordando a constituição histórica e hermenêutica da Teologia Negra nos Estados Unidos, com intuito de evidenciar o contexto histórico, social, político e teológico, do qual a Teologia Negra emerge, os seus primeiros desdobramentos e o papel que o jovem James Cone assume nesse processo.
 
Se a linguagem teológica se baseia nas tradições do Antigo Testamento, então deve considerar o testemunho unânime dessas tradições sobre o compromisso de Iahweh com a justiça a favor dos pobres e dos fracos. Concordemente, não pode evitar de tomar partido em política, e o partido que a teologia deve tomar é revelado pelo partido que Iahweh já tomou. Qualquer outro partido, seja com os opressores ou com a neutralidade (que não é nada senão uma identificação camuflada com os que dominam), não é bíblico. Se a teologia não ficar ao lado dos pobres, então ela não pode falar por Iahweh, que é o Deus dos pobres”. James ConeO Deus dos Oprimidos (1975).
O encontro será via Google meet, a partir das 17h.  Mais informações:
 
 
 

O racismo religioso se apropriou até mesmo da bíblia para atacar tudo que vem da África

Interpretações racistas da Bíblia foram base para a escravidão e sustentam o racismo e a intolerância religiosa ainda hoje

Uma parte da história dos irmãos Caim e Abel é muito conhecida: o primeiro matou o segundo por inveja. Mas ela tem outras camadas. Uma delas foi alvo de uma interpretação teológica racista que serviu de base para a escravidão e ainda hoje sustenta o racismo e a intolerância religiosa. Quando Caim assassinou seu irmão, ele recebeu de Deus um sinal. A Bíblia não descreve esse sinal, mas não vacila quanto ao seu objetivo: proteger Caim.

“O Senhor, porém, disse-lhe: Portanto qualquer que matar a Caim, sete vezes será castigado. E pôs o Senhor um sinal em Caim, para que não o ferisse qualquer que o achasse.” (Gênesis 4.15). É o que diz o trecho. Ainda assim, entre os séculos XV e XVI, teólogos racistas elaboraram um discurso que apontava a marca como negra e sendo um sinal do pecado; que Deus havia tornado Caim um homem negro como punição.

 É nossa tarefa usar a mesma Bíblia para denunciar esses crimes, esse pecado

Segundo Ras André Guimarães, educador popular e pastor da Igreja Metodista Filadélfia, essa não é a única passagem bíblica que foi distorcida nesse sentido. Em um episódio de embriaguez de Noé, Cam, seu filho, o vê deitado nu em uma rede. Ao se deparar com a cena, ele a relata a seus irmãos, o que foi considerado um desrespeito. Quando Noé toma conhecimento do ato de seu filho, ele amaldiçoa seu neto Canaã, filho de Cam.

Noé diz que Canaã seria escravo de seus irmãos. E aí se construiu um discurso de que Canaã seria a África, logo todos os africanos seriam escravos desses irmãos. Então, tanto a maldição de Caim quanto a de Canaã são utilizadas para justificar a escravidão. E aí a gente vai ver todo um processo de ocupação de territórios da América com esse tipo de discurso de que o negro é fruto do pecado.”, explica Ras André.

Segundo o pastor metodista, a insinuação é de que existe uma ordem divina que justifica a exploração desse povo.

E aí qual o grande problema: a mentalidade religiosa, tanto do protestantismo, quanto do catolicismo, vai absorver esse imaginário, essa perspectiva racista, para justificar seu distanciamento com os pretos, descendentes de africanos. A leitura bíblica construída daí pra frente é toda de negação da figura negra”, complementa.

Nessa perspectiva, ele também acrescenta que a igreja cristã não rompeu com essa matriz escravagista.

Quando ela se depara com um país de maioria negra e essa maioria tá numa situação de sofrimento, não há resposta pra essa dor e sofrimento por parte dessas igrejas. Quem vai chorar pelos meninos mortos com 111 tiros? Pelos rapazes presos e torturados no supermercado? Há o imaginário de que aquilo é o destino, permissão de Deus”.

Para ele, todos os textos da Bíblia podem ser usados para combater o racismo:

O texto bíblico precisa ser lido com o viés das práticas de justiça, da mudança que Jesus trouxe. Salvação é as pessoas se livrarem desse inferno, do racismo, da intolerância religiosa. Quem são os samaritanos do tempo presente? São os povos subalternizados de hoje. Estão nas comunidades empobrecidas, na população indígena, nos terreiros de Candomblé.”.

Se uma igreja se coloca como cristã – que tem como sua base a vida, o testemunho, a luta e o serviço de Jesus Cristo – não há como separar o seu papel da luta antirracista. Se não há abraço, acolhimento, se uma criança sofre bullying por ser do Candomblé, a tarefa da igreja é denunciar. Conversar com os/as fiéis, apresentar textos que provocam o senso por justiça. Ouvir os relatos de quem sofre com a intolerância religiosa. Acho que essa é a nossa maior tarefa.”.

E todo esse racismo se estende ao campo religioso.

Em pleno século 21, espaços são depredados, pessoas são impedidas de trabalhar com suas indumentárias, deixam de conseguir um emprego. Tudo por conta de uma mentalidade que foi construída lá atrás, por alguém que usou a Bíblia para dizer que tudo que vinha da África era maldito. É nossa tarefa usar a mesma Bíblia para denunciar esses crimes, esse pecado.”, afirma o pastor.

A intolerância contra as religiões de matriz africana

Iyá Márcia destaca a importância do diálogo inter-religioso na luta contra a intolerância. Ela cresceu vendo sua mãe pedir e dar a benção a pastores/as, reverendas/os, padres.

Eu a questionava, falava que aquelas pessoas não eram do Candomblé e ela respondia que a gente pode tomar a benção de qualquer pessoa. ‘É muito bom ouvir um ‘Jeová lhe abençoe’, ‘Deus te abençoe’, dizia. O diálogo inter-religioso é promotor da paz.”.

O racismo religioso, dentre tantas formas de ataque, traz consigo a demonização das divindades da África. Diz que são “do mal”, mas é algo tão enraizado que as pessoas nem mesmo sabem dizer o porquê de pensarem assim. Foi naturalizado no imaginário social. E é preciso se refletir: religiões como o budismo ou o espiritismo não sofrem ataques como as religiões de matriz africanas. Por vezes, são até romantizadas.

Iyá Márcia de Ogum, ialorixá criada no Candomblé, ironiza a demonização feita por cristãos/as contra as religiões de matriz africana. Ela afirma que os povos de terreiro são acusados de cultuarem o diabo, mas o diabo sequer existe na sua cultura.

Diabo é uma nomenclatura das religiões cristãs. No Candomblé, existe o culto à ancestralidade e aos Orixás – Ogum, Oxum, Oyá, Iroko, logun edé.”.

Como exemplo escancarado de racismo, ela cita o caso da mãe que perdeu a guarda da filha após a jovem passar por rituais de iniciação no Candomblé, em São Paulo.

Só aconteceu porque se tratava do Candomblé. Com qualquer outra religião não haveria essa postura. A gente cresce ouvindo que a Justiça deve ser imparcial, mas a nossa termina sendo tendenciosa quando deixa de ouvir uma mãe para ouvir terceiros/as.”.

Ela também denuncia as estruturas negligentes do Estado para tratar do assunto.

Infelizmente nós não temos delegacias especializadas para receber as denúncias de racismo religioso e tomar as providências cabíveis contra os criminosos no nosso país. Muitas vezes, o/a criminoso/o não é chamado/a para ser ouvido/a no caso. Só se for um flagrante, como aconteceu uma vez com o busto de Mãe Gilda.”.

O busto de mãe Gilda, localizado no parque metropolitano do Abaeté, em Salvador, já foi alvo do racismo religioso na forma da depredação por duas vezes – em 2016, sendo reformado no mesmo ano, e em 2020, à luz do dia e em plena pandemia. No caso mais recente, o agressor disse que atacou a imagem da Mãe de Santo “a mando de Deus”. À época, a ialorixá Jaciara dos Santos, filha de Mãe Gilda, questionou: “que Deus é esse?”.

A CESE na luta e prática antirracista

A CESE entende o racismo como gerador de injustiças contra pessoas negras e sempre apoiou movimentos, organizações e grupos deste segmento. Nos últimos 15 anos, foram cerca de 660 projetos apoiados no campo da luta antirracista, beneficiando 314 mil pessoas com um investimento de 5 milhões de reais. Neste Dia da Consciência Negraa CESE reafirma a sua Política Institucional de Equidade Racial, na qual estão definidas estratégias para a superação do racismo no âmbito da gestão e ação institucionais.

Helivete Ribeiro,  pastora da Aliança de Batista do Brasil e presidenta da CESE, destaca que, como mulher negra evangélica, sabe que o racismo presente na sociedade tem reflexo nas comunidades de fé.

Poucas mulheres negras são pastoras, diaconizas ou seminaristas. Falta representatividade nas igrejas, na história e na tradição cristã, que na maioria das vezes, ainda é apresentada de forma eurocentrada, branca e heteronormativa.”, afirma.

Ela reforça a necessidade de se possibilitar a construção de uma teologia mais inclusiva, incorporando elementos da cultura negra sem demonizá-los, valorizando a identidade negra. 

Como evangélica, entendo que devemos estudar a liturgia universal que aceita todas as pessoas sem discriminação. Não podemos negar que há uma rejeição da herança cultural e religiosa africana que tem levado muitos/as de nós a negar nossa identidade racial para sermos ‘bons e boas cristãs’.’”.

“Como diz Lélia Gonzalez, escritora negra: ‘tonar-se negra é uma conquista’.

Ser mulher negra, pastora evangélica, ativista, divorciada, sim, é uma conquista. Não se trata só de mim. Como presidenta da CESE, me orgulho em fazer parte de uma organização que reconhece a existência dos racismos – institucional, estrutural, ambiental, religioso – na construção histórica do Estado e da sociedade brasileira e atua na defesa e garantia de direitos e tem o compromisso com a luta e a prática antirracista, finaliza a pastora Helivete.

As pastoras Sônia Mota e Bianca Daébs, respectivamente Diretora Executiva e Assessora para Ecumenismo e Diálogo Inter-religioso da CESE reafirmam a importância do diálogo entre as religiões para a promoção da paz.

Posturas exclusivistas, verdades absolutas, demonização da religião do outro não contribuem para uma cultura de paz, que é o que, a princípio, as religiões defendem.”, afirmam,

 Fonte:  CESE – Coordenadoria Ecumênica de Serviço

O ativismo negro evangélico no Brasil

Muitos de nós já ouvimos algo sobre Martin Luther King Jr. e a participação das black churches na luta pelos direitos civis dos negros nos EUA. Entretanto, quando pensamos na participação política dos evangélicos ou no movimento negro no Brasil, ambos os fenômenos parecem tão distintos como água e óleo.

Haveria fenômeno semelhante no Brasil? Seria possível articular politicamente tais identidades racial e religiosa em nosso contexto, sem prejuízo de alguma delas? As respostas estão indicadas: a expansão demográfica evangélica, a onda de afirmação racial e a crescente mobilização política de minorias e segmentos historicamente discriminados têm seu desaguadouro em um ativismo negro evangélico que, embora tenha berço nos anos 1970, reemergiu publicamente com mais força e visibilidade nos últimos anos. Seus atores, coletivamente organizados, promovem o antirracismo e incidem nas igrejas e na sociedade em geral a partir de suas crenças e valores religiosos.

Para compreensão desses processos, os textos sugeridos a seguir contribuem ao desnaturalizar as identidades racial e religiosa, nos lembrando de que não são entidades fixas, mas sim posições relacionais e situacionais que devem ser consideradas historicamente. Com diferentes abordagens teórico-metodológicas, todos privilegiam os agenciamentos em suas análises e nos previnem de determinismos. Diante disso, o desafio que se abre é compreender tanto o modo como negros e evangélicos se realizam em suas experiências cotidianas, quanto suas operações no expediente das arenas públicas de que participam.

Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil

Ricardo Mariano (Loyola, 1999)

Publicado em 1999, o best-seller da sociologia da religião apresenta os resultados de uma pesquisa de mestrado concluída em 1996. O volume contém uma tipologia do pentecostalismo brasileiro, cuja evolução teria se dado por três “ondas”: a primeira, que data do início do século 20 e inclui denominações como Assembleia de Deus e Congregação Cristã no Brasil; a segunda onda, também chamada “deutero-pentecostal”, marcada pela ênfase na cura divina e pelo uso mais intensivo dos meios de comunicação, sobretudo o rádio; e a terceira onda, a “neopentecostal”, objeto central da pesquisa.

As igrejas neopentecostais, aponta o autor, apresentavam valores e práticas religiosas que, em alguma medida, eram distintivas das demais, como a valorização da teologia da prosperidade; o apelo a noções de “guerra espiritual” e a liberalização de usos e costumes. Na soma, tratava-se do diagnóstico de um processo social específico: o ascetismo contracultural que definiu os evangélicos pentecostais por décadas estava sendo reduzido; o neopentecostalismo era a ponta de lança de uma acomodação sociocultural dos evangélicos, agora cada vez mais “mundanos”.

Para além da radiografia desse segmento religioso e de suas mutações, o texto ilumina a sua expansão demográfica e crescente visibilização ao mostrar que, enquanto cresciam e se tornavam mais visíveis e mais integrados às esferas seculares de ação, os evangélicos também ampliavam sua disponibilidade política e adquiriam maior plasticidade cultural. É um livro incontornável para entender o lastro das subjetividades emergentes desse grupo religioso e como chegamos ao quadro atual em que a identidade evangélica e o ativismo político evangélico tornaram-se tão relevantes.

A queda do profeta negro: o significado ambivalente de raça no pentecostalismo

John Burdick (Comunicações do ISER, 1989)

O antropólogo estadunidense e estudioso brasilianista, John Burdick, certamente foi quem mais contribuiu para os estudos sobre a questão racial no meio evangélico. Suas pesquisas se estenderam dos anos 1980 até a década de 2010 e incluem dados e reflexões sobre a produção musical negra evangélica; as relações raciais em igrejas e o ativismo negro evangélico propriamente dito.

No artigo “A queda do profeta negro”, Burdick apresenta dados etnográficos de pesquisa realizada em uma igreja pentecostal e uma paróquia católica, ambas na Baixada Fluminense (RJ). O autor mostra como, na comunidade evangélica, as tensões raciais eram transfiguradas e expressas simbolicamente em linguagem ritual durante os cultos e reuniões dos fiéis; como carisma e identidade racial se combinavam e como a política eclesiástica, ainda que feita em termos estritamente religiosos, era atravessada pelo fator raça. Seu texto mostra a raça produzindo a religião e não o contrário, como poderíamos supor de imediato.

Why is the Black Evangelical Movement Growing in Brazil?

John Burdick (Journal of Latin American Studies, 2005)

Nesse artigo, Burdick atualiza sua agenda de pesquisa e tenta responder à pergunta: “por que o movimento negro evangélico está crescendo no Brasil?” Sua resposta é a de que o crescimento desse ativismo se deu por fatores internos como a disponibilidade de lideranças e o uso da internet para comunicação e organização coletiva a nível nacional, mas também às favoráveis estruturas de oportunidade política como a crescente problematização pública do racismo – inclusive oficialmente reconhecido pelo Estado brasileiro desde 1995. Além disso, os ativistas negros evangélicos adotavam enquadramentos em que, habilmente, incluíam o racismo sob o guarda-chuva dos “direitos humanos”, contra os quais as resistências seriam menores dentro das igrejas.

Burdick também reitera sua observação já anotada em textos anteriores de que haviam preconceitos por parte de ativistas do movimento negro tradicional contra evangélicos, o que dificultava o diálogo e a colaboração cada vez mais necessária entre os grupos, afinal os evangélicos já somavam quantias consideráveis da população negra brasileira em 2005. O texto também chamou a atenção, com notável intuição, para a presença de lideranças públicas negras evangélicas (Reginaldo Germano, Benedita da Silva, entre outros) e a possibilidade de o movimento negro capitalizar politicamente com o eleitorado evangélico.

What is the Color of the Holy Spirit? Pentecostalism and Black Identity in Brazil

John Burdick (Latin American Research Review, 1999)

Nesse artigo, John Burdick discute as experiências de negros evangélicos e o modo como articulavam marcadores raciais e religiosos no cotidiano. O autor discorda da opinião corrente entre setores do movimento negro de que a religiosidade evangélica seria demasiadamente “assimilacionista” e que, portanto, levaria seus fiéis negros a abandonar sua identidade racial em favor da fé. Com extensa pesquisa de campo e trabalho etnográfico no Rio de Janeiro, Burdick argumenta que a socialização dos negros nas igrejas pentecostais das periferias urbanas os estimulava em sua autoestima e autoaceitação. Os padrões de beleza feminina tal como estabelecidos na sociedade eram relativizados ou subvertidos em função de noções espirituais de beleza, por exemplo, assim como as dinâmicas de contração de namoro e casamento eram menos restritas para as mulheres negras em comparação com os ambientes extra-eclesiais, onde estatisticamente sua preterição era mais frequente.

Junto disso, a produção cultural dos negros nas igrejas por meio da música ou dos carismas religiosos exercidos em suas práticas individuais e comunitárias contrastava com os estigmas de que costumavam ser objetos fora da igreja, seja no trabalho, no espaço doméstico, entre outros. Em resumo, o que o antropólogo demonstra é que, ao contrário do que supunha um senso comum, a experiência racial dos negros evangélicos adquiria novos significados para esses indivíduos a partir de sua fé, de modo que as identidades se interpenetravam em composições complexas. A realização identitária do negro evangélico não estava comprometida.

Controvérsias religiosas e esfera pública: repensando as religiões como discurso

Paula Montero (Religião & Sociedade, 2012)

O artigo marcou uma nova agenda para os estudos do fenômeno religioso no Brasil. Em lugar das pesquisas de viés mais antropológico, preocupadas com os componentes cosmológicos das religiões, e das abordagens sociológicas clássicas às voltas com noções estanques de secularização e modernidade, Montero propõe a abordagem das religiões como discurso. A própria esfera pública não seria mais que um fluxo de interações discursivas, um espaço de visibilidade no qual os atores articulam significados diversos e travam disputas o que, de pronto, exclui abordagens normativas e teleológicas das manifestações públicas da religião e abre espaço para estudos mais fenomenológicos. Para isso uma boa perspectiva seria a das controvérsias públicas – elas seriam momentos/situações de visibilidade pelas quais o investigador pode verificar a produção de legitimidade e de categorias pelos agentes religiosos durante as próprias interações, diga-se, sempre conflituosas. Descrever como a religião é produzida em público tornou-se o programa de pesquisa fundamental para a compreensão dos ativismos político-religiosos no Brasil contemporâneo.


Vítor Queiroz de Medeiros é cientista social e mestrando em sociologia (USP). Pesquisa o ativismo negro evangélico brasileiro e integra o projeto temático “Religião, Direito e Secularismo: a reconfiguração do repertório cívico no Brasil contemporâneo” (Cebrap/Fapesp). Recebeu, em 2021, o  Prêmio Lélia Gonzalez de Manuscritos Científicos sobre Raça e Política na categoria “mestrando”.

Este texto faz parte da série de materiais que serão publicados ao longo de 2021, no Nexo Políticas Públicas, pelos vencedores da primeira edição do Prêmio Lélia Gonzalez de Manuscritos Científicos sobre Raça e Política.

Fonte: Nexo Políticas Públicas

O que é Humanitude?

A Humanitude é um conceito de natureza antropológica, que nos leva a ver as raízes da nossa condição humana. O conceito de Humanitude foi definido por Albert Jacquard, em 1987, inspirado no conceito de Negritude, de Léopold Senghor. Mais tarde, em 1989, um geriatra francês, Lucien Mias, introduziu pela primeira vez o termo da humanitude nos cuidados da medicina com idosos. Em 1995, Rosette Marescotti e Yves Gineste decide escrever uma nova filosofia de cuidados que eles chamaram de “filosofia da humanitude“, na aplicação aos cuidados de enfermagem.

O conceito de humanitude proposto aqui é uma conexão com a Afro-humanitude através da filosofia Ubuntu para reenfatizar os imperativos do cuidado e da partilha através da humanitude. O Ubuntu é uma filosofia tradicional Africana que nos oferece uma compreensão de nós mesmos em relação com o mundo. De acordo com Ubuntu, existe um elo comum entre todos nós e é através deste vínculo, através de nossa interação com nossos companheiros seres humanos, que descobrimos nossas próprias qualidades humanas. No ensino do Ubuntu uma pessoa é uma pessoa através de outras pessoas.

Adama Samassékou, do Mali, no artigo “Humanitude, ou como saciar a sede por humanidade” aborda esse novo conceito da Humanitude:

Foi com essas considerações em mente que, vários anos atrás, eu sugeri que explorássemos um novo conceito – humanitude – em referência à negritude, um conceito que herdei de meu mentor, o poeta Aimé Césaire, da Martinica.

Utilizo este conceito de humanitude para traduzir o que, na África, nós chamamos de maaya (em bamanankan, a língua bambara), neddaaku (em fulfulde, a língua fula), boroterey (em songai, a língua songai), nite (em wolof) e ubuntu (nas línguas bantu), entre outros. Existem muitos termos que significam, literalmente, “a qualidade de ser humano”.

humanitude é a nossa abertura permanente ao Outro, nossas relações de ser humano para ser humano. Ela determina uma relação permanente de solidariedade, livre de manipulação – um impulso espontâneo de acolher o Outro. Essa humanitude torna possível “conectar humano com humano” – para usar a bela expressão de Césaire – e é a base para uma cultura do “ser”, o oposto de uma cultura totalitária do “ter”, que leva a relações permanentemente conflituosas de aquisição, ou mesmo dominação. Adama Samassékou

Os valores de Ubuntu é numerosos demais para discuti-los todos aqui. No entanto, presumo que a interdependência e comunalismo, fornecer um vislumbre beneficio que podemos trabalhar na Humanitude.

O Sul Africano Nobel da Paz Arcebispo Desmond Tutu descreve Ubuntu como:

É a essência do ser humano. Ela fala do fato de que minha humanidade está presa e está indissoluvelmente ligado na sua. Eu sou humano, porque eu pertenço. Ela fala sobre a totalidade, ela fala sobre a compaixão. Uma pessoa com Ubuntu é acolhedora, hospitaleira e generosa, disposta a compartilhar. Essas pessoas são abertas e disponíveis para os outros, disposto a ser vulnerável, apóiam os outros, não se sentem ameaçados que os outros são bons e capazes, porque eles têm uma boa auto-confiança que vem de saber que eles pertencem a um todo maior. Eles sabem que estão diminuído quando outros são humilhados, diminuído quando outros são oprimidos, diminuído quando outros são tratados como se fossem menos de quem eles são. A qualidade do Ubuntu dá às pessoas resistência, permitindo-lhes sobreviver e emergir ainda ser humano, apesar de todos os esforços para desumanizar-los. 

Interdependência é altamente valorizado na África, tanto quanto é na Ásia. No entanto, no Ocidente, a independência, em vez de interdependência é a norma. Como já vimos a essência do Ubuntu é que um indivíduo deve sua existência à existência dos outros. Esse caráter interpessoal do Ubuntu é a fonte de muitas das suas virtudes distintas, como a paciência, a lealdade de hospitalidade, respeito, convivência, sociabilidade, vitalidade, resistência, simpatia, a obediência, a partilha, entre outros.

Comunalismo é um dos valores fundamentais do Ubuntu. É um valor, segundo a qual o interesse do indivíduo é subordinado ao do grupo. Em outras palavras, o grupo constitui o foco das atividades dos membros individuais da sociedade em geral. Comunalismo insiste que o bem de todos determina o bem de cada um ou, em outras palavras, o bem-estar de cada um depende o bem-estar de todos.

Neste artigo procurei traçar uma pequena introdução do que é Humanitude, e resgatar esse conceito na perspectiva da Afro-humanitude. Portanto, há uma necessidade de compreender, revitalizar e promover as virtudes do Ubuntu na Humanitude. Acredito que a Humanitude tem muito para contribuir com a questão racial no Brasil e no mundo. Entendo que Afro-humanitude contempla a negritude, branquitude, indigenitude, e continuará aberta e disponíveis para outras humanitudes que possa vir. Neste sentido estarei trazendo para Afrokut uma serie de artigos com a temática da Humanitude, Ubuntu, e Afro-humanitude.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut

Bibliografia e referências:

humanitude, teste, Genebra, Labor et Fides Ed, 1980

Gineste, Yves et Rosette Marescotti. Soins, corps communication. Les liens

d’humanitude ou l’art d’être ensemble jusqu’au bout de la vie.

http://perso.wanadoo.fr/cec-formation.net/philohumanitude.html. Consultado em 5 de Março, 2007.

Gineste, Yves et Rosette Marescotti. La philosophie de l’humanitude.

http://perso.orange.fr/cec-formation.net/humanitude1.htm Consultado em 3 de Março, 2007.

ALTUNA, Raul Ruiz de Asúa. Cultura Tradicional Banto. Luanda, Secr.Arquidioc.de Pastoral. 1985. ANSELMO, Antônio Joaquim.

https://pt.unesco.org/courier/julho-setembro-2017/humanitude-ou-como-saciar-sede-humanidade


O que é Ubuntu?


O que é AfroHumanitude?

O que é Indigenitude?

Indigenitude  é uma visão de libertação, resistência e propostas de mudança fundamentada no Sumak Kawsay (traduzido como Bem Viver, na língua quíchua, idioma tradicional dos Andes). Para a bióloga equatoriana Esperanza Martínez, “o bem viver é mais do que viver melhor, ou viver bem: o bem viver é Viver em Plenitude“. O termo utilizado não é “alli kawsay” (alli = bem; Kawsani = viver), mas sim “sumak Kawsay” (sumak = plenitude; kawsani = viver). 

Sumak Kawsay (Viver em Plenitude) é uma filosofia de vida, que se baseia na cosmovisão dos povos indígenas andinos e nos saberes ancestrais em geral, fundamenta-se em, entre outros, nos pilares:

  • Relacionalidade, que se refere à interpretação de haver uma interconexão de todos elementos que juntos compõem um só, o “Todo”;
  • Reciprocidade, entendida como uma relação recíproca e coparticipativa entre os mundos superiores, inferiores e o mundo atual, e entre humanos e natureza;
  • Correspondência, que vê os elementos da realidade se corresponderem de uma maneira harmoniosa, a maneira de proporcionalidade;
  • Complementaridade, que se baseia na ideia de que os opostos podem ser complementares, já que nada é incontornável.

Em Guarani, um conceito semelhante é designado como Teko Porã. A Indigenitude incorpora os valores do Viver em PlenitudeSumak KawsayTeko Porã, e Ubuntu, com valores éticos profundos do COMUM, visando a construção de uma cidadania ativa e solidária.

Assim, Sumak KawsayTeko Porã, e Ubuntu são Humanitude.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut


Indigenitude


O discurso do pastor Cosme Felippsen  é um apelo sincero por inclusividade e compaixão, refletindo o espírito do Carnaval como uma celebração da vida e da comunidade. Cosme Felippsen, integrante do…

A Escalada Fascista, Fundamentalista e Conservadora no Protestantismo Histórico Brasileiro e nos Evangélicos em Geral e a luta do Movimento Negro Evangélico. O cenário religioso brasileiro, marcado pela diversidade e…

Estudos recentes sobre o DNA antigo de 348 indivíduos que viveram na Europa entre 3.000 e 8.000 anos atrás revelaram uma descoberta fascinante: a pele clara, hoje associada aos europeus…

Nas últimas décadas, o Brasil tem observado uma mudança significativa em seu cenário racial. A população que se identifica como negra, composta por pessoas de cor parda e preta, agora…

Personagens negros apresentados nas Escrituras oferecem lições inspiradoras à Igreja Por Marcelo Santos Palavra inspirada e útil para o ensino, como escreveu o apóstolo Paulo a Timóteo (2 Tm 3.16),…

Finalmente, John Burdick afirma que, além da música, há outros locais no protestantismo evangélico que promovem a identidade étnico-racial negra e o antirracismo. Uma sugestão final: como indicado ao longo…

John Burdick discute as limitações e potencialidades da etnografia ativista, sugerindo que a etnografia pode revelar dimensões ocultas e fragmentadas da consciência que podem atrair novos públicos. Contudo, ele questiona…

O estudo de Burdick revela que, apesar das barreiras teológicas, o Movimento Negro Evangélico no Brasil conseguiu articular uma identidade negra orgulhosa e antirracista, utilizando a música como uma ferramenta…

Ao investigar mais profundamente, Burdick descobriu a rica diversidade da música negra evangélica em São Paulo. A cidade abrigava uma vasta gama de artistas cristãos que tocavam soul, funk, gospel,…

A música se mostrou uma peça central na estratégia de atração e mobilização do MNE. Hernani mencionou a dificuldade em atrair grupos musicais pentecostais e neopentecostais para eventos do Movimento…

10 sites com conteúdos antirracistas

O desmantelamento do racismo deve ser um processo regular e intencional que ocorre ao longo de nossas vidas. Desaprender o racismo e se tornar anti-racista é um processo contínuo e vitalício. Para apoiá-lo neste trabalho, separamos 10 sites com conteúdos antirracistas:

 CEERT

Criado em 1990, o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e DesigualdadesCEERT é uma organização não-governamental que produz conhecimento, desenvolve e executa projetos voltados para a promoção da igualdade de raça e de gênero.

Desenvolve projetos nas áreas de acesso da população negra à Justiça, ao direito de igualdade racial, à liberdade de crença, de implementação de políticas públicas, de educação, saúde e relações de trabalho. Saiba mais

Alma Preta

A Alma Preta é uma agência de jornalismo especializada na temática racial. Com objetivo de construir um novo formato de gestão de processos, pessoas e recursos através do jornalismo qualificado e independente.

No site você encontra reportagens, análises, coberturas de eventos, artigos opinativos e demais conteúdos jornalísticos em formato textual e audiovisual.
Saiba mais

Resistência Afroliterária

O Resistência Afroliterária nasceu com o intuito de ser um espaço de divulgação e exposição de arte negra. No site você encontra análises, resenhas, divulgações, indicações, reflexões e notícias sobre literatura e cultura feita por e para pessoas negras. Saiba mais.

Portal Geledés

O Portal Geledés é a plataforma virtual do Instituto da Mulher Negra – Geledés. Uma organização da sociedade civil, fundada em 30 de abril de 1988, que se posiciona em defesa de mulheres e negros por entender que esses dois segmentos sociais padecem de desvantagens e discriminações no acesso às oportunidades sociais em função do racismo e do sexismo vigente na sociedade brasileira.

É uma das maiores ONGs de feminismo negro do Brasil com várias campanhas e ações significativas contra o racismo. Seu nome deriva do conceito de gelede, sociedades secretas femininas na cultura Iorubá. Saiba mais

Notícia Preta

O Notícia Preta é um jornal antirracista que acredita na comunicação como uma ferramenta de não reprodução de preconceitos e estereótipos, estigmatizantes ou pejorativos em relação à população negra e periférica na imprensa.

Um jornal antirracista e uma plataforma educativa pois, através da informação, trabalha na mudança de termos e formas comunicacionais historicamente preconceituosas e, que muitas vezes, já estão enraizadas em nossa sociedade. Saiba mais

Coletivo Pico Preto

A Pico Preto, antes chamada de Coletivo Ponto Art, nasceu em 2016 com o propósito de desenvolver ações artísticas afirmativas e evidenciar o protagonismo negro nas produções artístico-cultural da cidade. 

O Coletivo Pico Preto organiza uma série de outros projetos importantes, como a Revista Pico Preto, espetáculos de teatro e encontros de cultura. Saiba mais.

Site Negrê

O Site Negrê tem como princípio um jornalismo ancestral, antirracista e descolonizador. Como primeiro portal de notícias e mídia negra nordestina no Brasil, o Negrê tem como lema unir modos de ver, ser, sentir e escrever sobre questões raciais.

O portal de notícias e mídia preta nordestina amplifica vozes negras e seus múltiplos olhares. Saiba mais.

Revista Afirmativa

A Revista Afirmativa é um veículo multimídia de mídia negra, que rompe com o discurso de pretensa imparcialidade pregado pela grande mídia, tradicionalmente racista, machista e heteronormativa.

A Afirmativa é feita pela Juventude Negra Voz Ativa, construindo mais um horizonte afirmativo para o jornalismo da diversidade e do direito à informação.  Saiba mais

Mundo Negro

O Mundo Negro é um portal de notícias voltado para comunidade negra brasileira e demais etnias que se interessem pelos assuntos relacionados à cultura e ao cotidiano dos negros no Brasil e no mundo.

O Mundo Negro traz notícias recentes, dicas de entretenimento voltadas para o universo negro e matérias sobre arte, cultura e estilo. O site ainda possui uma agenda cultural, dicas sobre carreira e negócios, entre outras editorias. Saiba mais

Portal Correio Nagô

Portal Correio Nagô, um veículo de comunicação do Instituto Mídia Étnica criado em 2008. Uma plataforma digital que tem como objetivo divulgar as ações comunidade negra do Brasil e da diáspora. 

O Correio Nagô é uma das maiores plataformas de conteúdo sobre a comunidade negra brasileira do Brasil, possuindo correspondentes em diversos estados do Brasil e do mundo. Saiba mais

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut