Zumbi

Tudo começou com um Brás Rocha que atacou Palmares em 1655 e carregou, entre presas adultas, um recém-nascido. Brás o entregou, honestamente, como era do contrato, ao chefe de uma coluna, e este decidiu fazer um presente ao cura de Porto Calvo. Padre Melo achou que devia chamá-lo de Francisco.

Não podia, naquele momento, está visto, adivinhar que se afeiçoaria ao pretinho.

Se pode imaginar que não foi das piores a infância de Francisco. O padre talvez lhe batesse, como mandava a época, mas não lhe faltou alimento e médico. “Quem dá os beijos, dá os peidos”, dizia o povo. Padre Melo achava Francisco inteligentíssimo: resolveu desasná-lo em português, latim e religião. Talvez olhasse com orgulho o moleque passar com o turíbulo, repetir os salmos.

Francisco apreciava, certamente, histórias da Bíblia. Havia esta, por exemplo: Um sacerdote por nome Eli, velho e piedoso, aceitou na sua casa um menino chamado Samuel. Samuel era obediente e esperto. Certa noite, recolhidos os dois, Samuel ouviu que lhe chamavam: “Samuel! Samuel!” Isso foi antes que a lâmpada de Deus se apagasse no templo do Senhor: ali dormia a Arca de Jeová. Samuel foi até o quarto de Eli: “O senhor me chamou? Estou aqui…” “Não te chamei, filho – respondeu o velho. – Torna a te deitar.” Aconteceu uma segunda vez: alguém, de dentro da noite, chamava o garoto. “Não chamei, meu filho. Torna a te deitar.” Na terceira vez, Eli compreendeu de quem era a voz: “Vai te deitar, e quando te chamarem de novo responde: Fala, porque o teu servo ouve.” Assim fez, e a Voz queria que ele a seguisse; e deixou um recado para o sacerdote: que julgaria a sua casa para sempre, pela iniquidade que ele bem conhecia, porque fazendo-se os seus filhos execráveis, não os repreendeu.

Francisco se chamava agora Zumbi.

Onde encontrou esse nome? No Congo e em Camarões, o deus principal se chamava Nzambi; em Angola, diziam ser zombi o defunto, e zumbis, no Caribe, são mortos-e-vivos, criaturas sem descanso, mesmo no Além. Mais uma vez, dependeremos dos papéis históricos para algum dia decifrar o mistério do rebatismo de Francisco: do passado distante, ele zomba de nós.

É mais fácil responder a esta pergunta: por que escravos fugidos mudavam de nome?

Para os povos ágrafos, como eram a maioria dos africanos trazidos para cá, e os indígenas, naturais daqui, o nome é uma coisa absolutamente vital. Na Senegâmbia, uma criança só era gente depois que seu pai lhe gritava ao ouvido, no meio do mato, o nome que lhe queria dar. […]

Era, pois, uma violência extra o que faziam os traficantes europeus ao comprarem um negro: lhe davam um nome cristão. Não o faziam por maldade: precisavam esvaziar o africano de sua cultura. […]

O tráfico separava, para sempre, as famílias. […] funcionando como liga entre pessoas desenraizadas tão violentamente. As autoridades proibiam ajuntamentos de pretos da mesma terra; fazendeiros não compravam mais de dois pretos da mesma “raça”: pavor de que voltassem a ser gente.

Numa noite de 1670, ao completar quinze anos, Francisco fugiu.

Francisco, retornando a Palmares, com quinze anos, passou a se chamar Zumbi. E constituiu, livremente, sua família – um pai, irmãos, tias e tios. O principal destes se chamava Ganga Zumba.

Ganga Zumba, que chegou a Palmares no tempo da invasão holandesa, era, ao contrário de Zumbi, um africano alto e musculoso. Tinha, provavelmente, temperamento suave e habilidades artísticas – como, em geral, os nativos de Allada, nação fundada pelo povo ewe na Costa dos Escravos.

Em 1670, quando Zumbi voltou, Palmares eram dezenas de povoados, cobrindo mais de seis mil quilômetros quadrados. Trezentos anos depois, nomes sonoros saltam dos papéis históricos: Macaco, na Serra da Barriga (oito mil moradores); Amaro, perto de Serinhaém (cinco mil moradores); Subupira, nas fraldas da Serra da Juçara; Osenga, próximo do Macaco; aquele que mais tarde se chamou Zumbi, nas cercanias de Porto Calvo; Aqualtene, idem; Acotirene, ao norte de Zumbi (parece ter havido dois Acotirenes); Tabocas; Dambrabanga; Andalaquituche, na Serra do Cafuxi; Alto Magano e Curiva, cerca da atual cidade pernambucana de Garanhuns. Gongoro, Cucaú, Pedro Capacaça, Guiloange, Una, Catingas, Engana-Colomim… Quase trinta mil viventes, no total.

Trechos da biografia de Zumbi dos Palmares – por Joel Rufino dos Santos, escritor, historiador e professor de pós-graduação da Faculdade de Letras da UFRJ e diretor de Comunicação do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em seus livros para crianças e adolescentes, mais do que contar histórias, coloca questões pertinentes, para uma releitura crítica da nossa cultura popular, especialmente a negra e ameríndia. Em Zumbi, o autor narra de forma comovente e analítica a biografia do líder negro, a criação, a resistência e a destruição do quilombo de Palmares.

O amanhã não está à venda

As reflexões de um de nossos maiores pensadores indígenas sobre a pandemia que parou o mundo.

Há vários séculos que os povos indígenas do Brasil enfrentam bravamente ameaças que podem levá-los à aniquilação total e, diante de condições extremamente adversas, reinventam seu cotidiano e suas comunidades. Quando a pandemia da Covid-19 obriga o mundo a reconsiderar seu estilo de vida, o pensamento de Ailton Krenak emerge com lucidez e pertinência ainda mais impactantes. 

Em páginas de impressionante força e beleza, Krenak questiona a ideia de “volta à normalidade“, uma “normalidade” em que a humanidade quer se divorciar da natureza, devastar o planeta e cavar um fosso gigantesco de desigualdade entre povos e sociedades. Depois da terrível experiência pela qual o mundo está passando, será preciso trabalhar para que haja mudanças profundas e significativas no modo como vivemos. 

“Tem muita gente que suspendeu projetos e atividades. As pessoas acham que basta mudar o calendário. Quem está apenas adiando compromisso, como se tudo fosse voltar ao normal, está vivendo no passado […]. Temos de parar de ser convencidos. Não sabemos se estaremos vivos amanhã. Temos de parar de vender o amanhã.” 

A vida não é útil

Em reflexões provocadas pela pandemia de covid-19, o pensador e líder indígena Ailton Krenak volta a apontar as tendências destrutivas da chamada “civilização”:

consumismo desenfreado, devastação ambiental e uma visão estreita e excludente do que é a humanidade.

Um dos mais influentes pensadores da atualidade, Ailton Krenak vem trazendo contribuições fundamentais para lidarmos com os principais desafios que se apresentam hoje no mundo:

a terrível evolução de uma pandemia, a ascensão de governos de extrema-direita e os danos causados pelo aquecimento global.

Crítico mordaz à ideia de que a economia não pode parar, Krenak provoca:

“Nós poderíamos colocar todos os dirigentes do Banco Central em um cofre gigante e deixá-los vivendo lá, com a economia deles. Ninguém come dinheiro”. Para o líder indígena, “civilizar-se” não é um destino. Sua crítica se dirige aos “consumidores do planeta”, além de questionar a própria ideia de sustentabilidade, vista por alguns como panaceia.
Se, em meio à terrível pandemia de covid-19, sentimos que perdemos o chão sob nossos pés, as palavras de Krenak despontam como os “paraquedas coloridos” descritos em seu livro Ideias para adiar o fim do mundo, que já vendeu mais de 50 mil cópias no Brasil e está sendo traduzido para o inglês, francês, espanhol, italiano e alemão.

A vida não é útil reúne cinco textos adaptados de palestras, entrevistas e lives realizadas entre novembro de 2017 e junho de 2020.

Pesquisa e organização de Rita Carelli.

 

 

Ideias para adiar o fim do mundo

Uma parábola sobre os tempos atuais, por um de nossos maiores pensadores indígenas.

Ailton Krenak nasceu na região do vale do rio Doce, um lugar cuja ecologia se encontra profundamente afetada pela atividade de extração mineira. Neste livro, o líder indígena critica a ideia de humanidade como algo separado da natureza, uma “humanidade que não reconhece que aquele rio que está em coma é também o nosso avô”.

Essa premissa estaria na origem do desastre socioambiental de nossa era, o chamado Antropoceno. Daí que a resistência indígena se dê pela não aceitação da ideia de que somos todos iguais. Somente o reconhecimento da diversidade e a recusa da ideia do humano como superior aos demais seres podem ressignificar nossas existências e refrear nossa marcha insensata em direção ao abismo.

“Nosso tempo é especialista em produzir ausências: do sentido de viver em sociedade, do próprio sentido da experiência da vida. Isso gera uma intolerância muito grande com relação a quem ainda é capaz de experimentar o prazer de estar vivo, de dançar e de cantar. E está cheio de pequenas constelações de gente espalhada pelo mundo que dança, canta e faz chover. […] Minha provocação sobre adiar o fim do mundo é exatamente sempre poder contar mais uma história.”

Desde seu inesquecível discurso na Assembleia Constituinte, em 1987, quando pintou o rosto com a tinta preta do jenipapo para protestar contra o retrocesso na luta pelos direitos indígenas, Krenak se destaca como um dos mais originais e importantes pensadores brasileiros. Ouvi-lo é mais urgente do que nunca.

Esta nova edição de Ideias para adiar o fim do mundo, resultado de duas conferências e uma entrevista realizadas em Portugal entre 2017 e 2019, conta com posfácio inédito de Eduardo Viveiros de Castro.

Negritude no Brasil

Luís Gama (1830-1882), líder abolicionista, advogado e poeta negro é considerado o precursor da ideologia da negritude no Brasil. Sua postura ideológica e produção poética, materializada na coletânea Primeiras Trovas Burlescas (cuja primeira edição é de 1859) inauguraria o discurso de afirmação racial no país. No entanto, as idéias do movimento francês da negritude somente chegaram ao Brasil na década de 1940, por meio, sobretudo do Teatro Experimental do Negro (TEN), entidade fundada em 1944 no Rio de Janeiro, e voltada inicialmente para desenvolver uma dramaturgia negra no país. Na medida em que foi adquirindo projeção, o TEN adquiriu um caráter mais amplo e passou a atuar em diversas áreas, sempre tendo em vista a afirmação dos valores negros.

Quando o grupo surgiu, a negritude passou a ser a ideologia mais geral, que imprimiu um sentido para o pensamento e as ações dos ativistas. Para o TEN, mais do que um sistema de idéias, negritude era uma filosofia de vida, uma bandeira de luta de forte conteúdo emocional e mítico, capaz de mobilizar o negro brasileiro no combate ao racismo, redimi-lo do seu complexo de inferioridade e, por conseguinte, fornecer as bases teóricas e políticas da plena emancipação. Como assevera Abdias do Nascimento, um dos fundadores do TEN:

A Negritude, em sua fase moderna mais conhecida, é liderada por Aimé Cesaire e Leopoldo Sedar Senghor, mas tem seus antecedentes seculares como Chico-Rei, Toussaint L`Ouverture, Luís Gama, José do Patrocínio, Cruz e Souza, Lima Barreto, Yomo Deniata, Lumumba, Sekou Touré, Nkrumah e muitos outros. Trata-se da assunção do negro ao seu protagonismo histórico, uma ótica e uma sensibilidade conforme uma situação existencial, e cujas raízes mergulham no chão histórico-cultural. Raízes emergentes da própria condição de raça espoliada. Os valores da Negritude serão assim eternos, perenes, ou permanentes, na medida em que for eterna, perene ou permanente a raça humana e seus subprodutos histórico-culturais.

Tal como na versão francesa, a negritude foi um ideário que floresceu no Brasil como expressão de protesto da pequena-burguesia intelectual negra (artistas, poetas, escritores, acadêmicos, profissionais liberais) à supremacia branca. Tratou-se de uma resposta dos negros brasileiros em ascensão social ao processo de assimilação da ideologia do branqueamento. Para Guerreiro Ramos, a negritude permitiu libertá-los “do medo e da vergonha de proclamar sua condição racial”.  Os postulados da negritude representaram um divisor de águas no movimento negro brasileiro na medida em que consolidaram a luta pela afirmação (ou orgulho) racial.

Entretanto, os intelectuais negros que conclamavam a negritude no Brasil jamais teriam dado uma formulação explícita e sistemática ao conceito, isto é, em nenhum instante transformaram a idéia vaga e difusa de negritude em propostas concretas ou, em última instância, traduziram a negritude em um projeto mais geral para resolver o problema do negro brasileiro. Nas palavras de Clóvis Moura,

[…] o que esse grupo [TEN] apresentava à grande comunidade negra marginalizada nas favelas, nas fazendas de cacau e de algodão, nas usinas de açúcar, nos alagados e nos pardieiros das grandes cidades? Nada. Isto levou a que a negritude dessa fase, apesar dos protestos de grupos negros isolados, como o de Solano Trindade que lutou até a morte para dar uma conotação popular e revolucionária à negritude, o certo é que a sua aristocratização e intelectualização se desenvolveram de modo inequívoco. O grupo do Teatro Experimental do Negro […] procurou imprimir às suas atividades um cunho de elite intelectual negra.

Por isso, Costa Pinto entende que ideário de negritude forjado pelo TEN não passava de um mito: “o processo é o mesmo da formação de todo mito; retira-se dos fatos uma abstração, considera-se essa abstração como um fato, e passa-se a enxergar, a pensar, a sentir, a agir em função dessa concepção invertida e mistificada das coisas”.

De acordo com aquele ideário, o negro possuiria atributos específicos, dentre os quais uma sensibilidade aguçada, que o deixava predestinado ao drama, à música, à poesia, à literatura, à dança, ao canto, enfim, às artes. Cumpre assinalar, todavia, que a contribuição sentimental e a predisposição para as artes não são traços específicos da “raça” negra no Brasil, mas resultado histórico de seu processo de adaptação sócio-cultural ao país. Nessa perspectiva, a emotividade inata do negro e sua propensão para o lúdico não passam de um perigoso mito, pois alimenta o preconceito corrente de considerar todos os indivíduos desse grupo racial como incapazes de desenvolver seu potencial para as atividades que exigem racionalidade, seriedade e habilidade intelectual. Como adverte Costa Pinto:

[…] a mesma falsa interpretação do problema que leva os negros entusiasmados com a idéia da negritude a exalçar um extraordinário pendor musical que enxergam na raça – esse mesmo pendor, igual e falsamente interpretado nos mesmos termos da tese da negritude como traço intrínseco à raça e “paideumático” – é apontada pelos estereótipos da sociedade branca como prova de que o ´negro não dá mesmo para outra coisa`, ´negro só está contente com chicote no lombo, cachaça no buxo e viola na mão`.

De toda sorte, o conceito de negritude popularizou-se no país com o tempo, ampliando seu raio de inserção social e adquirindo novos significados. A partir do final da década de 1970, negritude tornou-se sinônimo do processo mais amplo de tomada de consciência racial do negro brasileiro. No terreno cultural, a negritude se expressava pela valorização dos símbolos culturais de origem negra, destacando-se o samba, a capoeira, os grupos de afoxé. No plano religioso, negritude significava assumir as religiões de matriz africana, sobretudo o candomblé. Na esfera política, negritude se definia pelo engajamento na luta anti-racista, organizada pelas centenas de entidades do movimento negro.

Contemporaneamente, a ideologia da negritude é tão elástica que ainda podemos identificar sua expressão em diversas outras manifestações lúdicas e estéticas de afirmação racial: nos bailes da comunidade negra, nos grupos de dança e música afro, na proposta de alguns escritores e poetas que produzem literatura negra. Ela foi inclusive, apropriada pela indústria cultural e transformada em produto de consumo. Casos típicos dessa tendência é o verdadeiro comércio que se instaurou das roupas que têm o padrão estético africano e os cosméticos dirigidos para o segmento negro. Por isso, Diva Damato salienta que, em função da ambigüidade e imprecisão, a palavra “negritude” passou a ser manipulada conforme a conveniência de cada contexto.

Texto extraído do artigo “Movimento da negritude – uma breve reconstrução histórica” de Petrônio Domingues.


Negritude

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O significado do termo negritude

A palavra négritude em francês deriva de nègre, termo que no início do século XX tinha um caráter pejorativo, utilizado normalmente para ofender ou desqualificar o negro, em contraposição a noir, outra palavra para designar negro, mas que tinha um sentido respeitoso. A intenção do movimento foi justamente inverter o sentido da palavra négritude ao pólo oposto, impingindo-lhe uma conotação positiva de afirmação e orgulho racial.

Nessa perspectiva, a tática foi de desmobilizar o inimigo em um de seus principais instrumentos de dominação racial: a linguagem. O próprio Aimé Césaire assinalava que o movimento da negritude representou uma revolução na linguagem e na literatura.

O termo negritude apareceu com esse nome, pela primeira vez, em 1939, no poema Cahier d´un Retour au Pays Natal (“Caderno de um regresso ao país natal”), escrito pelo antilhano Césaire e editado por Volontés:

Minha negritude não é nem torre nem catedral Ela mergulha na carne rubra do solo Ela mergulha na ardente carne do céu Ela rompe a prostração opaca de sua justa paciência.

Na sua fase inicial, o movimento da negritude tinha um caráter cultural. A proposta era negar a política de assimilação à cultura (conjunto dos padrões de comportamento, das crenças, das instituições e dos valores transmitidos coletivamente) européia. O dilema para os africanos e negros da diáspora, assevera Franz Fanon, deixou de ser “embranquecer ou desaparecer”. Até essa época considerava-se positivo apenas, os modelos culturais brancos que vinham da Europa. Para rejeitar esse processo de alienação, os protagonistas da ideologia da negritude passaram a resgatar e a enaltecer os valores e símbolos culturais de matriz africana. Como salienta Jean Paul Sartre, “trata-se de morrer para a cultura branca a fim de renascer para a alma negra”.

Hodierno, negritude é um termo polissêmico. Segundo a classificação de Zilá Bernd, ele pode significar o fato de se pertencer à raça negra; à própria raça como coletividade; à consciência e à reivindicação do homem negro civilizado; à característica de um estilo artístico ou literário; ao conjunto de valores da civilização africana. Já o Novo Aurélio define negritude como:

1) estado ou condição das pessoas da raça negra;

2) ideologia característica da fase de conscientização pelos povos negros africanos da opressão colonialista, a qual busca reencontrar a subjetividade negra observada objetivamente na fase pré-colonial e perdida pela dominação da cultura ocidental.

E, finalmente, o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, o qual define negritude como sinônimo de:

1) qualidade ou condição de negro;

2) sentimento de orgulho racial e conscientização do valor e riqueza cultural dos negros.

Texto extraído do artigo “Movimento da negritude – uma breve reconstrução histórica” de Petrônio Domingues.


Negritude


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Sumak Kawsay – “Viver em Plenitude”

Sumak Kawsay, é uma forma de viver em harmonia com as comunidades, com nós mesmos e, com a natureza. O modo de vida Sumak Kawsay permeou as culturas indígenas por milhares de anos.

O termo Sumak Kawsay é originário da língua quíchua, idioma tradicional dos Andes. “Sumak” significa plenitude e “Kawsay“, viver.  Sumak, é a plenitude, o sublime, excelente, magnífico, belo e superior. Kawsay, é vida, é ser. Portanto, Sumak Kawsay é Vida em Plenitude. Vida no material e espiritual com abundância. 

Vivendo o Sumak Kawsay, as comunidades são capazes de preservar sua cultura e identidade únicas e cuidar do Meio Ambiente  para  proporcionar um mundo melhor para as futuras gerações, propiciar o diálogo com a natureza e se comprometer com ela na sua dimensão espiritual. Sumak kawsay está embutido nos valores éticos das culturas indígenas.

O Sumak Kawsay foi incorporado aos governos equatoriano e boliviano como forma de garantir direitos à natureza. O conceito de Sumak Kawsay foi incorporado à Constituição de 2008 do Equador, que foi o primeiro país a reconhecer legalmente os direitos da natureza.

Contudo, a interpretação ética, cultural, política e prática do  Sumak Kawsay na academia e sociedade são diversos. Portanto, o debate com respeito ao  conceito Sumak Kawsay está aberto por ser um conceito dinâmico inacabado.

Indigenitude incorpora os valores do Viver em PlenitudeSumak Kawsay,  visando a construção de uma cidadania ativa e solidária. Nesta perspectiva a Indigenitude se entrelaça com a AfroHumanitude – a essência do ser humano. Afro-Humanitude é África e Humanitude conectada.


Indigenitude

Branquitude, Música Rap e Educação: Compreenda de uma vez o racismo no Brasil a partir da visão de rappers brancos

A presença de rappers brancos em um gênero musical genuinamente negro sempre foi motivo de conflitos e melindres, quase sempre mantidos nas entrelinhas e bastidores da cena Rap. Em jogo, acusações de apropriação cultural, inautenticidade, privilégio e racismo. O autor, ativista e pesquisador negro, Jorge Hilton, se aventura no mergulho aprofundado desse território expondo e analisando esta tensão racial. E se historicamente os pesquisadores brancos tornavam os negros seus interlocutores nos próprios estudos, o autor inverte essa perspectiva.

O livro “Branquitude, Música Rap e Educação” é a segunda obra de Jorge que também é autor de “Bahia com H de Hip-Hop” e “Hip-Hop Transdisciplinar“. Com prefácio de Lourenço Cardoso e Lia Vainer Schucman o presente estudo aborda de modo inovador a visão direta de 17 rappers brancos/as brasileiros/as sobre as relações raciais no Brasil e, em específico, sobre a branquitude. O autor discute como as categorias de classe, gênero, estética e religião se imbricam na identidade artística e racial e de que maneira a interseccionalidade opera.

O livro apresenta uma abordagem conceitual contemporânea, relacionada aos estudos sobre raça-etnia. E para se entender tais marcadores no contexto das relações que envolvem os/as 25 artistas analisados em sua totalidade, novos conceitos são construídos como o de “padrão Racionais“, “empatia abnegada“, “branco denegrido“. Outros são desdobrados buscando caracterizar e referendar as posturas dos/as rappers numa perspectiva autocrítica e educativa.

Os artistas que fazem parte do estudo são: Fabio Brazza, Gaspar (Záfrica Brasil), De Leve, Lívia Cruz, Rubia (RPW), Janaina Noblat, Lurdez da Luz, DeDeus, Elvis Kazpa, Don Bruno, DOPE69, Fex Bandollero, Jasf (Os Agentes), Kaab, MC Osmar, Preto Du (Simples Rap’ortagem), Shark, Gabriel O Pensador, C4bal (anteriormente conhecido como Cabal), Flora Matos, DJ Alpiste, Suave, Filosofia de Rua, Inquérito e Alternativa C. A obra não é sobre lugar de fala dos rappers brancos, mas sim o lugar de reflexão de um pesquisador negro sobre o que essas falas revelam:

O que eles e elas pensam sobre relações raciais e racismo?

A autodeclaração racial que fazem, condiz com seus olhares de como a sociedade os percebe racialmente?

Quais suas visões sobre privilégio branco?

Em que medida tais temáticas aparecem em suas obras musicais?

Neste processo entra em debate o ser “playboy“, a resistência negra, a busca por legitimidade para se cantar Rap.

O autor conclui discutindo o papel da educação racial na mudança de pensamentos e atitudes, educação pela abolição do racismo, como processo fomentador da alteridade, sociabilidade e respeito às diferenças.


https://afrokut.com.br/branquitude/


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Eu a Supremacia Branca: Como reconhecer seu privilégio, combater o racismo e mudar o mundo

Como reconhecer seu privilégio, combater o racismo e mudar o mundo.  Um livro para todos que estão prontos a examinar de perto as próprias crenças e preconceitos, e a fazer o trabalho necessário para mudar o mundo.

Baseado num desafio no Instagram que conquistou a atenção de pessoas ao redor do mundo, Eu e a supremacia branca conduz os leitores por uma jornada de 28 dias, com sugestões de exercícios e dicas para realizar o necessário e indispensável trabalho capaz de levar a uma melhoria das relações sociais.

Revisto e atualizado após o desafio on-line, aqui o trabalho antirracista proposto será aprofundado com contextos históricos e culturais, emocionantes histórias pessoais, definições expandidas, e exemplos e referências, oferecendo aos leitores o que cada um precisa para entender o racismo e desmontar seus preconceitos.

Foi originalmente publicado em 2020 e entrou na lista de best-sellers do The New York Times.

LAYLA F. SAAD


Branquitude


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Branquitude no Brasil

Apesar de os Estados Unidos se apresentarem como importante propulsor dos estudos críticos da branquidade a partir dos anos 90, tornando-se o principal centro de estudos sobre o tema, o pesquisador Lourenço Cardoso (2010) atenta para o fato de que o pioneirismo na problematização da identidade racial branca caberia, primeiro, a W. B. Du Bois já em 1935 e, em seguida, a Frantz Fanon, em 1952, com a publicação de Pele Negra, Máscaras Brancas.

Nesta obra Fanon propõe uma análise da relação entre o negro e o branco, mostrando como um vê o outro, a necessidade instaurada no negro de ser branco, enquanto, por outro lado, o branco assume a condição de único ser humano. Mostrando como as identidades raciais acabam por criar limitações para que o indivíduo alcance a condição humana.

Além de Du Bois e Fanon, podemos incluir o ativista Steve Biko entre os percursores na análise da identidade racial branca entre as décadas de 60 e 70. No Brasil, Cardoso afirma que o termo branquitude foi utilizado em primeira instância, em 1962, por Gilberto Freyre, que critica tanto a utilização do termo branquitude como negritude, já que defendia a existência da democracia racial brasileira através da mestiçagem. Apesar de ser Freyre o primeiro a utilizar o termo branquitude, foi Alberto Guerreiro Ramos o primeiro a propor uma discussão sobre o assunto. “Esse autor utilizava o termo ‘brancura’, que significaria para nossa literatura científica atual o conceito branquitude”. (CARDOSO, 2008, p. 57).

Em 1957, Guerreiro Ramos já discutia o que chamou de “patologia branca no Brasil”. Segundo o autor, a utilização do negro como tema por pesquisadores brancos era uma forma de assegurar a sua brancura. Exaltando seus traços europeus, estes pesquisadores mantinham o status de superioridade e a situação de privilégio da qual desfrutavam. Entre os pesquisadores que adotavam essa prática, denominada por ele como “patologia-protesto”, estão Nina Rodrigues e o próprio Gilberto Freyre citado anteriormente.

Embora a produção de Guerreiro Ramos tenha sido de vital importância para iniciar a problematização do branco no cenário nacional, a autora Liv Sovik (2004) afirma que ela está ultrapassada em alguns pontos. De acordo com Sovik, ao colocar a discussão no plano da necessidade de afirmação de traços europeus para manter o privilégio e a condição de ser humano ideal do branco, o autor não leva em consideração o real motivo para que os europeus não considerem qualquer outra nacionalidade, que seria o fato de que só os europeus terem direito ao seu eurocentrismo. O que não corresponderia as práticas de manutenção de privilégio coexistentes baseadas na discriminação direta de traços fenotípicos (SOVIK, 2004, p. 368).

Além disso, a autora afirma que no contexto atual de discriminação no Brasil já é comum as pessoas admitirem que tem um “pé na cozinha”, na tentativa de forjar uma falsa ideia de democracia racial, o que não diminui, pelo contrário, o poder e o prestígio concedido pela branquitude. Para Sovik os resquícios coloniais já não são o principal problema nessa discussão. “É um texto anacrônico, mas nem tanto. Guerreiro Ramos abriu frentes que ainda estão presentes na discussão” (SOVIK, 2004, 369).

A autora reconhece também que, embora não seja o principal problema, a ascendência europeia ainda é utilizada como um triunfo para muitos ciosos pela manutenção da diferenciação que assegura o poder. Como também aponta a pesquisa desenvolvida pelo pesquisador John Nervell (2001).

Ao entrevistar moradores de classe média da zona sul do Rio de Janeiro, Nervell percebeu uma contradição freqüente nos discursos de pessoas que ao mesmo tempo em que identificam a mistura de raças como fonte da nação brasileira, utilizam esse ideal de mistura para identificar em suas origens traços que lhe deixam praticamente de fora desta “nação”.

O autor utiliza exemplo de pessoas que evitam o termo “branco” para identificar sua cor, mas resgatam em sua árvore genealógica europeus que justificam a ausência de suas características mais brasileiras que lhes aproximem da cultura negra, como o gosto pelo samba ou carnaval.

O que confirma as explanações feitas por Guerreiro Ramos ainda na década de 50. Somente no ano de 2000, de acordo com o pesquisador Lourenço Cardoso, que as discussões sobre a branquitude voltam a ganhar destaque no Brasil com o trabalho da pesquisadora Edith Piza. Com a publicação dos artigos, “Branco no Brasil? Ninguém sabe, ninguém viu” e “Porta de Vidro: entrada para branquitude”, a branquitude volta ao cenário nacional.

Lourenço Cardoso (2010), em seu trabalho, apresenta uma lista das principais publicações em que o branco surgiu como tema de pesquisa, tendo a branquitude como principal discussão. De acordo com a sua relação, após a publicação do livro de Guerreiro Ramos, os principais trabalhos que destaca o papel do branco foram realizados pela autora Edith Piza, a partir do ano de 2000.

Em suas obras, Piza desenvolve a ideia que compartilhava com a pesquisadora norteamericana Ruth Frankemberg. Para elas, até então, a branquitude era não-marcada e invisível, ou seja, aqueles que a praticavam podiam estar cometendo as ações sem consciência sobre seus atos já que não se enxergavam racializados. Esta definição, como veremos mais adiante, será reelaborada.

O segundo artigo de Edith Piza é publicado em um importante livro organizado pelas autoras Iray Carone e Maria Aparecida Silva Bento. Intitulado Psicologia Social do Racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil, o livro reúne trabalhos relevantes sobre a temática. De acordo com Bento, a branquitude pode ser definida como “traços da identidade racial do branco brasileiro a partir das ideias sobre branqueamento” (BENTO, 2002, p. 29).

Na obra é possível encontrar uma reunião de trabalhos que discutem o silenciamento do branco diante da história como forma de manter o status quo. A estratégia é aumentar a visibilidade sobre o negro enquanto o branco permanece omisso na história. Discussões sobre conceitos como “medo do outro” e “pacto narcísicos” chamam atenção no livro. O primeiro diz respeito ao medo constante que o branco nutre de perder o privilégio e a condição de superioridade, o que lhe conduz ao segundo conceito que a autora define como o isolamento de brancos em locais de brancos para fortalecer os laços de branquitude, a cumplicidade entre os iguais (brancos) favorecendo uns aos outros, deixando o não-branco à margem, afastado.

Até então o termo branquitude é utilizado para dar nome às práticas realizadas por portadores da brancura com o objetivo de manter o privilégio que o branco possui nas sociedades estruturadas pela hierarquia racial. O branco assume a postura de ser humano ideal e cria condições para que o status seja mantido.

Texto do artigo de Camila Moreira de Jesus
BRANCO

BRANQUITUDE X BRANQUIDADE: UMA ANÁLISE CONCEITUAL DO SER BRANCO


Branquitude


 

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