AfroHumanitude na Promoção do Letramento Racial

Reconhecendo a África como o berço da humanidade e o conceito de Ubuntu (Humanitude), que liga todos os seres humanos, a AfroHumanitude enfatiza que as diferenças entre nós são superficiais e não devem ser usadas para justificar discriminação ou hierarquias sociais. A AfroHumanitude tem o potencial de enriquecer e transformar o debate racial no Brasil e no mundo.  A  AfroHumanitude propõe um entendimento mais inclusivo e holístico das diferenças humanas. A ideia de que a África é o berço da humanidade e que o conceito de Ubuntu conecta todos os seres humanos é poderosa e inspiradora.

Assista ao vídeo completo aqui:

No vídeo, exploramos a inovadora proposta da AfroHumanitude, que vai além das tradicionais dicotomias raciais. Vamos entender como esse conceito unificado e inclusivo reconhece que todos pertencemos à mesma espécie, Homo sapiens, e celebra a diversidade humana em suas múltiplas expressões:   NegritudeIndigenitude,  BranquitudeParditude.

O Que é Letramento Racial?

O letramento racial é um processo de conscientização e educação que visa capacitar as pessoas a entenderem e combaterem o racismo. É uma forma de responder às tensões raciais de forma individual e de reeducar as pessoas em uma perspectiva antirracista.

Do Afrokut

 

Branquitude não é o oposto de Negritude na perspectiva da AfroHumanitude

Superar o paradigma binário preto/branco pode ampliar a compreensão das dinâmicas raciais e permitir um debate mais inclusivo e enriquecedor. A “raça” é apenas um dos muitos fatores que compõem a identidade de uma pessoa. Considerar outras interseccionalidades, como classe, gênero, orientação sexual e etnia, pode proporcionar uma análise mais complexa e precisa das desigualdades raciais e sociais. Além disso, é fundamental reconhecer as experiências únicas de pessoas que não se encaixam perfeitamente nesse binarismo. Expandir o debate pode levar a soluções mais abrangentes e eficazes, capazes de endereçar as múltiplas dimensões da opressão e do privilégio.

Nessa direção, o debate acadêmico vem, desde então, buscando uma reflexão sobre as relações raciais na contemporaneidade. Destaca-se, neste debate acadêmico, a oposição a uma “branquitude positiva” e a substituição da palavra branquitude pelo termo “branquidade“( utilizando para falar da situação de privilégio que o branco detém nas sociedades estruturadas pelas hierarquias raciais).  Branquitude e Branquidade por Edith Piza, oferece uma base teórica importante ao redefinir a branquitude como uma identidade que se manifesta através do compromisso antirracista, ao invés de ser o oposto da negritudePiza usa “branquidade” como tradução de “whiteness“, referindo-se à identidade racial branca ligada ao racismo, enquanto “branquitude” é proposta como um movimento de reflexão e antirracismo. Ela sugere que a branquitude é um destino, um movimento consciente de negação da supremacia branca. Piza argumenta que branquitude e negritude não são meramente opostos, mas sim conceitos complexos com suas próprias identidades e dinâmicas sociais. Piza propõe que a verdadeira branquitude envolve um deslocamento dos espaços de privilégio e um engajamento consciente na luta contra as desigualdades raciais. Ela sugere que essa transformação pessoal é fundamental para a criação de uma sociedade mais justa e equitativa. Para alguns acadêmicos, destacar a branquidade é uma maneira de manter o foco nas injustiças e nos privilégios sistemáticos. Já a proposta de uma branquitude positiva tenta encorajar uma transformação interna e externa, levando os brancos a reconhecerem seus privilégios e a atuarem de maneira antirracista. 

No entanto, críticas como as de Lourenço Cardoso ressaltam que essa distinção pode, às vezes, obscurecer os privilégios sistêmicos que permanecem, independentemente das atitudes individuais. Cardoso, aponta que a distinção proposta por Edith Piza entre “branquidade” e “branquitude” pode ser vista como uma tentativa de beneficiar a si mesma ao diferenciar-se como uma pessoa branca que critica seus próprios privilégios. Ele argumenta que, ao criar essa distinção, Piza pode estar se colocando em uma posição de superioridade moral, onde o “branco com branquitude” se vê como mais crítico e consciente em comparação ao “branco com branquidade”. Segundo Cardoso, essa distinção pode ser problemática porque, independentemente das atitudes críticas de um indivíduo branco, os privilégios raciais permanecem os mesmos dentro das estruturas sociais. Em suma, Cardoso sugere que a criação do conceito de “branquitude” por Piza poderia servir para deslocar ou silenciar a realidade contínua dos privilégios brancos, destacando que esses privilégios operam independentemente das atitudes individuais. É uma crítica sobre como essas distinções teóricas podem não refletir as realidades práticas das desigualdades raciais.

Na sua dissertação “Conscientização Branca em Espaços de Capoeira: Percepções de Privilégio Entre Brancos que Convivem com Negros“, Ansel Joseph Courant apresenta uma visão que se opõe à de Edith Piza sobre os conceitos de branquitude e branquidade. Courant argumenta que a distinção feita por Piza entre esses termos pode ser confusa e pouco eficaz na prática. Courant, no entanto, critica essa abordagem, argumentando que qualquer distinção entre branquidade e branquitude pode ser ilusória, pois os privilégios raciais dos brancos permanecem, independentemente de suas atitudes antirracistas. Ele sugere que tal distinção pode até servir para que indivíduos brancos se coloquem numa posição de superioridade moral, sem realmente desafiar as estruturas de poder que perpetuam o racismo. Courant enfatiza que o racismo é uma estrutura institucional e sistêmica, e não apenas uma questão de atitudes individuais. Ele argumenta que a crítica de Piza foca demais em aspectos individuais e atitudinais, negligenciando a persistência das desigualdades estruturais.

Enfim, enquanto Piza vê na branquitude uma possibilidade de transformação pessoal e política através da conscientização e do deslocamento de espaços de privilégio, Courant destaca que tais transformações individuais não alteram necessariamente as estruturas institucionais que sustentam o racismo. Portanto, para Courant, a abordagem de Piza pode inadvertidamente silenciar a continuidade dos privilégios brancos em termos institucionais. Portanto, longe de ser um conceito que beneficia a si mesma, a ideia de branquitude de Piza visa incentivar os brancos a tomar responsabilidade e a agir contra o racismo de forma concreta e significativa.

Ao desconstruir a ideia de que branquitude é apenas o oposto de negritude, percebemos que ambas são construções sociais complexas. O processo de conscientização da branquitude pode ser uma ferramenta de autoconhecimento e transformação interna, ajudando os indivíduos a reconhecer seus privilégios e agir de maneira mais justa. Embora essa transformação pessoal seja valiosa, a verdadeira mudança ocorre quando essas reflexões pessoais se traduzem em ações coletivas para desmantelar estruturas de opressão e promover a igualdade. Tanto a branquitude quanto a negritude têm papéis importantes na transformação social, e entender suas diferenças e interseções é crucial para a construção de uma sociedade mais equitativa e justa. Nesse contexto, a AfroHumanitude se posiciona como uma proposta que busca unir e valorizar todas as identidades humanas—Negritude, Indigenitude, Branquitude, Parditude—e outras ainda por se reconhecer.

A proposta da AfroHumanitude é uma visão inovadora que busca transcender o paradigma binário preto e branco que tem historicamente moldado as discussões sobre raça e identidade. Inspirada na ideia de que a humanidade é uma só, mas com múltiplas expressões, a AfroHumanitude propõe um entendimento mais inclusivo e holístico das diferenças humanas. A ideia de que a África é o berço da humanidade e que o conceito de Ubuntu conecta todos os seres humanos é poderosa e inspiradora.

Reconhecendo a África como o berço da humanidade e o conceito de Ubuntu (Humanitude), que liga todos os seres humanos, a AfroHumanitude enfatiza que as diferenças entre nós são superficiais e não devem ser usadas para justificar discriminação ou hierarquias sociais. A AfroHumanitude tem o potencial de enriquecer e transformar o debate racial no Brasil e no mundo. Para que essa visão ganhe força e reconhecimento, é fundamental acreditar nela e promovê-la ativamente. Isso envolve integrar a AfroHumanitude nas pautas dos movimentos antirracistas, na academia e nos movimentos sociais. Incorporar esses conceitos nos livros didáticos e currículos escolares pode plantar sementes em jovens mentes, promovendo uma visão mais inclusiva e holística da humanidade desde cedo.

A transformação pessoal é essencial para essa mudança. Pequenas ações individuais podem gerar grandes impactos coletivos ao longo do tempo. Ao educar e engajar as pessoas em discussões sobre AfroHumanitude, podemos modificar o campo mórfico—ou as memórias do inconsciente coletivo—e criar novos paradigmas que valorizem a diversidade humana.

Em conclusão, a AfroHumanitude tem o potencial de enriquecer e transformar o debate racial no Brasil e no mundo. Ao promover uma compreensão mais profunda e inclusiva das dinâmicas sociais, podemos avançar de maneira significativa na luta pela justiça e igualdade racial. Inspirados pelo conceito de Humanitude (Ubuntu, Sumak Kawsay, Teko Porã) podemos trabalhar juntos para construir um futuro onde todas as identidades sejam reconhecidas e valorizadas.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut

REFERÊNCIAS

A branquitude acrítica revistada e as críticas. In: MÜLLER, Tânia M.P.; CARDOSO, Lourenço (Org.). Branquitude: Estudos sobre a identidade branca no Brasil. Curitiba: Editora Appris, 2017.

Courant, Ansel Joseph. Conscientização branca em espaços de Capoeira: percepções de privilégio entre brancos que convivem com negros. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, 2018. Dissertação de Mestrado em Estudos Étnicos e Africanos.

PIZA, E. Porta de vidro: entrada para branquitude. In: CARONE, I.; BENTO, M. A. S. (org.). Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2002.

5 Santos Negros e Negras da Igreja Católica

Os Santos Negros e Santas Negras são figuras importantes na história do catolicismo. A Igreja Católica tem alguns santos e santas negros reconhecidos ao longo de sua história, mas que são uma ínfima minoria se comparados às figuras retratadas como brancas.

Para conquistar os povos colonizados, os europeus canonizaram figuras negras que pudessem ser uma forma de representação para eles. Porém a expansão foi limitada: com a escravidão no século 19, o culto às entidades negras ficou restrito e a reforma da Igreja Católica na mesma época enfatizou as celebrações de santos brancos.

Alguns exemplos de santos negros incluem:

1 – Santa Josefina Bakhita

É uma das poucas santas negras católicas. O nome “Bakhita”, que significa “afortunada”, “sortuda” ou “bem-aventurada”, não lhe foi dado ao nascer mas lhe foi atribuído pelos raptores. Foi capturada e vendida por mercadores de escravos negros no mercado de El Obeid e de Cartum  ao cônsul da Itália no Sudão, D. Calixto Legnani, que logo lhe deu uma carta de liberdade. No período de escravidão, Bakhita sofreu as humilhações, sofrimento físico, psicológico e moral dos escravizados.

Na casa do cônsul Legnani, Bakhita trabalhava como mulher livre e isto lhe deu momentos de serenidade. Quando Legnani teve de regressar ao país, Bakhita decidiu acompanhá-lo, e chegando a Gênova  é transferida para a localidade de Zianigo, ao serviço da família Michieli como “ama-seca”, e posteriormente, passou à Congregação das Filhas da Caridade de Santa Madalena de Canossa (Canossianas) de Veneza, onde recebeu os primeiros sacramentos do catecumenato, em 9 de janeiro  de 1890, foi batizada com o nome de Josefina e em 8 de dezembro de 1896 tomou o habito e ingressou na ordem das Irmãs Canossianas, com o nome religioso de Irmã Josefina.

Josefina Bakhita se destacou pela piedade e amor a Cristo e à Eucaristia, também pelo serviço social pelos demais pobres e desamparados, o que fez com que ficasse conhecida como o apelido em vêneto de “Madre Morèta” (Mãe Moreninha).

Faleceu no convento canosiano de Schio, em 1947, com a idade de 78 anos; foi enterrada no começo na capela de uma família de Schio, os Gasparella, provavelmente na espera de um sepultamento definitvo no Templo da Sagrada família. E assim foi em 1969, quando o corpo encontrado incorrupto de Bakhita foi sepultados sob o altar da Igreja do mesmo convento.

Foi beatificada em 1992 e canonizada em Roma, pelo Papa João Paulo II, em outubro de 2000.

2 – Santo Antônio de Categeró

É uma figura importante para a comunidade negra. Nasceu na cidade de Barca, Cirenaica, na África e, no início de sua vida religiosa, professava a fé em Maomé.

Por ocasião de um aprisionamento foi  escravizado,  e  levado à Sicília, para trabalhar em galeras. Vendido como trabalhador escravo a João Landavula (camponês dos arredores de Noto), transformou-se em pastor. Detentor de alma sincera, grande retidão de caráter e agudeza de espírito, aproximou-se da fé em Cristo. Muito disciplinado, sabia controlar seu corpo a ponto de vencer as fraquezas. O que se pode perceber da descrição do caráter do bem-aventurado Santo Antônio de Categeró é que o seu ascetismo foi responsável pela superação das condições sociais adversas. Quando conquistou liberdade, dedicou-se totalmente ao trabalho em hospitais (cuidar dos doentes) e à vida religiosa (homem de orações) o que o levou a ingressar para a Ordem Terceira de São Francisco e, por fim, optou por uma vida contemplativa como grande eremita no deserto. Sua morte deu-se no dia 14  de março de 1549.

O estudo do padre italiano Salvatore Guastella sobre a vida do santo – Santo Antônio de Categeró: sinal profético do empenho pelos pobres – repisa as qualidades aqui expostas, além de traçar uma possível rota do estabelecimento da fé no bem-aventurado Santo no Novo Mundo e pontuar os principais locais de sua veneração no Brasil.

3 – Nossa Senhora Aparecida

Nossa Senhora da Conceição Aparecida, popularmente chamada de Nossa Senhora Aparecida, é uma das invocações de Maria, mãe de Jesus. É a padroeira do Brasil.

O título, sempre evocado na Ladainha Lauretana, faz relação com o dogma da Imaculada Conceição. Com efeito, no dia 08 de dezembro a Igreja Católica celebra a solenidade de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, esta data lembra o dia 08/12/1854 na qual o Papa Pio IX proclama o dogma da Imaculada Conceição, porém a festa já tinha longa tradição. Esta devoção tem profunda relação com Portugal e consequentemente com o Brasil, pois desde 08 de dezembro de 1147, Portugal consagrou seu país à Imaculada Conceição.

Venerada na Igreja Católica, Nossa Senhora Aparecida é representada de pele negra por uma pequena imagem de terracota de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, atualmente alojada na Catedral Basílica de Nossa Senhora Aparecida, localizada na cidade de Aparecida, em São Paulo.

Sua festa litúrgica é celebrada em 12 de outubro, um feriado nacional no Brasil desde 1980, quando o Papa João Paulo II consagrou a basílica, que é o quarto santuário mariano mais visitado do mundo, capaz de abrigar até 30 mil fiéis.

4 – Santo Elesbão

Elesbão de Axum, também conhecido como Santo ElesbãoEla Asbá (Ella Asbeha/Atsbeha) ou Elasboas (em grego: Ελεσβόας; m. 555)  foi um rei do Império de Axum que reinou entre  os anos 493 a 531dc. É um santo da Igreja Católica, venerado no dia 27 de outubro. Representado como um rei negro da Etiópia, a veneração de Elesbão teve muita difusão no Brasil colonial entre os escravizados africanos e seus descendentes.  Seu título real era bisi lazen.

5 – São Benedito

São Benedito, o Negro, conhecido também como São Benedito, o Mouro (cor escura da pele); Benedito, o AfricanoBenedito de Palermo, é um santo católico, que possui duas versões históricas: na primeira delas, teria sido um italiano descendente de africanos escravizados na Etiópia; em outra, teria sido um mouro islâmico escravizado ao norte da África, acontecimento comum no sul da Itália na época.

Aos 18 anos de idade, decidiu consagrar-se ao serviço religioso, e aos 21, um monge dos irmãos eremitas de São Francisco de Assis chamou-o para viver entre eles. Benedito aceitou, fazendo votos de pobreza, obediência e castidade. Assim caminhava descalço pelas ruas e dormia no chão sem cobertas. Sendo muito procurado pelo povo, que desejava ouvir conselhos e pedir-lhe orações.

Cumprindo seu voto de obediência, depois de 17 anos entre os eremitas, foi designado para ser cozinheiro no Convento dos Capuchinhos.

Sua piedade, sabedoria e santidade levaram seus irmãos de comunidade a elegê-lo Superior do Mosteiro, apesar de analfabeto e leigo (sem ordenação de sacerdote). Seus irmãos o consideravam iluminado pelo Espírito Santo, pois fazia muitas profecias. Ao terminar o tempo determinado como Superior, reassumiu as atividades na cozinha do convento.

São Benedito morreu aos 65 anos, no dia 4 de abril de 1589, em Palermo (Itália). Na porta de sua cela, no Convento de Santa Maria de Jesus de Palermo, encontra-se uma placa com a inscrição em italiano indicando que era a Cela de São Benedito e, embaixo, as datas 1524-1589, indicando o nascimento e falecimento. Alguns autores indicam 1526 como o ano de seu nascimento, mas os Frades do Convento de Santa Maria de Jesus consideram que a data certa é 1524.

Em Portugal, é venerado desde o sé­culo XVI como parte das Devoções Negras.

A Igreja Católica  tem outros santos e santas considerados negros e negras, abordamos apenas esses cincos.  A celebração deles, muitas vezes é restrita a grupos específicos de devotos. Também tiveram  grande influência para trazer os povos conquistados ao catolicismo.

Do Afrokut

O que é Parditude?

Parditude é um termo que se refere à identidade e à cultura dos pardos ou mestiços no Brasil. Uma forma de valorizar a diversidade e a riqueza cultural que os pardos e mestiços representam, reconhecendo suas origens indígenas, africanas, europeias e asiáticas. Parditude é uma afirmação da identidade e cidadania dos pardos e mestiços, reivindicando seus direitos e sua participação na sociedade brasileira.

Segundo a definição de Beatriz Bueno, uma pesquisadora e ativista do movimento racial brasileiro, Parditude é “a consciência de que somos um povo mestiço, que temos uma história própria, que não somos nem brancos nem negros, mas sim uma mistura de ambos, e que temos orgulho disso”. Parditude também é o nome de um canal no YouTube, onde Beatriz Bueno compartilha seus conhecimentos e experiências sobre o tema.

Parditude é uma forma de resistir ao racismo e ao apagamento histórico que os pardos e mestiços sofrem no Brasil, onde muitas vezes são invisibilizados ou forçados a se enquadrar em categorias raciais binárias. Os pardos no Brasil são as pessoas que se identificam como tendo uma mistura de origens étnicas, principalmente de brancos, negros e indígenas.

De acordo com o IBGE, pardo é um termo que se refere às pessoas que se identificam como tendo uma mistura de origens étnicas, principalmente de brancos, negros e indígenas. Preto é um termo que se refere às pessoas que se identificam como tendo uma ascendência oriunda de nativos da África, independentemente de seu território ou construção social, pelo fenótipo manifestado por sua pele de cor escura. Negro é um termo que se refere ao conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pelo IBGE, ou que adotam autodefinição análoga.

Os pardos são o maior grupo racial do Brasil, representando 46,8% da população, de acordo com a PNAD de 2019. Os pardos estão presentes em todas as regiões do país, mas são predominantes nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Os pardos têm uma história e uma cultura própria, que refletem a riqueza da diversidade brasileira.

A origem da palavra pardo vem do latim pardus, que significa leopardo, Panthera pardus, também chamado de pantera, faz parte da família dos felinos. Essa palavra teria passado para o grego como párdos, e depois para o português como pardo, designando uma cor entre o escuro e o menos escuro, por comparação com a cor do felino. No Brasil, a palavra pardo foi usada desde o século XVI para se referir às pessoas mestiças, especialmente de origem indígena e africana, que não se encaixavam nas categorias raciais impostas pelos colonizadores. A palavra pardo, portanto, tem uma origem complexa e uma história marcada pela diversidade e pela resistência.

O termo Parditude surge na inspiração do conceito de Negritude, de Senghor e de Césaire. Assim, a Parditude não é separada da Negritude, Indigenitude e da Branquitude, pois compõe a essência da Afro-humanitude que mostra que a humanidade é uma só, mas com múltiplas expressões. A Afro-humanitude é um conceito que propõe a África como o berço da humanidade e o centro da história universal do mundo. A Afro-humanitude é a conexão entre a África e a Humanitude (Sumak Kawsay, Teko Porã, e Ubuntu), que é o vínculo universal que liga toda a humanidade. A Afro-humanitude contempla a Negritude, a Indigenitude, a Branquitude, a Parditude, e continua aberta e disponível para outras humanitudes, reconhecendo a diversidade e a riqueza cultural que elas representam.

Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut

Negritude

Perto do fim de sua vida, Aimé Césaire declarou que a pergunta que ele e seu amigo Léopold Sédar Senghor começaram a levantar depois de se conhecerem foi: “Quem sou eu? Quem somos nós? O que somos nós neste mundo branco? ” E ele comentou: “Isso é um grande problema” (Césaire 2005, 23). “Quem sou eu?” é uma questão que Descartes colocou, e um leitor do filósofo francês naturalmente entende tal questão como universal, e o sujeito que diz “eu” aqui para representar qualquer ser humano. Mas quando “quem sou eu?” deve ser traduzido como “quem somos nós ?” tudo muda principalmente quando o “nós” tem que se definir contra um mundo que não deixa espaço para quem e o que são, porque são negros em um mundo onde “universal” parece significar naturalmente “branco”.

Negritude”, ou a autoafirmação dos povos negros, ou a afirmação dos valores da civilização de algo definido como “o mundo negro” como resposta à pergunta “o que somos nós neste mundo branco?” é de fato “um grande problema“: ele levanta muitas questões que serão examinadas aqui através dos seguintes títulos:


Fonte:

Diagne, Souleymane Bachir, “Négritude“, The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Summer 2018 Edition), Edward N. Zalta (ed.), URL = <https://plato.stanford.edu/archives/sum2018/entries/negritude/ >.


 A gênese do conceito de Negritude

Negritude no Brasil

Luís Gama (1830-1882), líder abolicionista, advogado e poeta negro é considerado o precursor da ideologia da negritude no Brasil. Sua postura ideológica e produção poética, materializada na coletânea Primeiras Trovas Burlescas (cuja primeira edição é de 1859) inauguraria o discurso de afirmação racial no país. No entanto, as idéias do movimento francês da negritude somente chegaram ao Brasil na década de 1940, por meio, sobretudo do Teatro Experimental do Negro (TEN), entidade fundada em 1944 no Rio de Janeiro, e voltada inicialmente para desenvolver uma dramaturgia negra no país. Na medida em que foi adquirindo projeção, o TEN adquiriu um caráter mais amplo e passou a atuar em diversas áreas, sempre tendo em vista a afirmação dos valores negros.

Quando o grupo surgiu, a negritude passou a ser a ideologia mais geral, que imprimiu um sentido para o pensamento e as ações dos ativistas. Para o TEN, mais do que um sistema de idéias, negritude era uma filosofia de vida, uma bandeira de luta de forte conteúdo emocional e mítico, capaz de mobilizar o negro brasileiro no combate ao racismo, redimi-lo do seu complexo de inferioridade e, por conseguinte, fornecer as bases teóricas e políticas da plena emancipação. Como assevera Abdias do Nascimento, um dos fundadores do TEN:

A Negritude, em sua fase moderna mais conhecida, é liderada por Aimé Cesaire e Leopoldo Sedar Senghor, mas tem seus antecedentes seculares como Chico-Rei, Toussaint L`Ouverture, Luís Gama, José do Patrocínio, Cruz e Souza, Lima Barreto, Yomo Deniata, Lumumba, Sekou Touré, Nkrumah e muitos outros. Trata-se da assunção do negro ao seu protagonismo histórico, uma ótica e uma sensibilidade conforme uma situação existencial, e cujas raízes mergulham no chão histórico-cultural. Raízes emergentes da própria condição de raça espoliada. Os valores da Negritude serão assim eternos, perenes, ou permanentes, na medida em que for eterna, perene ou permanente a raça humana e seus subprodutos histórico-culturais.

Tal como na versão francesa, a negritude foi um ideário que floresceu no Brasil como expressão de protesto da pequena-burguesia intelectual negra (artistas, poetas, escritores, acadêmicos, profissionais liberais) à supremacia branca. Tratou-se de uma resposta dos negros brasileiros em ascensão social ao processo de assimilação da ideologia do branqueamento. Para Guerreiro Ramos, a negritude permitiu libertá-los “do medo e da vergonha de proclamar sua condição racial”.  Os postulados da negritude representaram um divisor de águas no movimento negro brasileiro na medida em que consolidaram a luta pela afirmação (ou orgulho) racial.

Entretanto, os intelectuais negros que conclamavam a negritude no Brasil jamais teriam dado uma formulação explícita e sistemática ao conceito, isto é, em nenhum instante transformaram a idéia vaga e difusa de negritude em propostas concretas ou, em última instância, traduziram a negritude em um projeto mais geral para resolver o problema do negro brasileiro. Nas palavras de Clóvis Moura,

[…] o que esse grupo [TEN] apresentava à grande comunidade negra marginalizada nas favelas, nas fazendas de cacau e de algodão, nas usinas de açúcar, nos alagados e nos pardieiros das grandes cidades? Nada. Isto levou a que a negritude dessa fase, apesar dos protestos de grupos negros isolados, como o de Solano Trindade que lutou até a morte para dar uma conotação popular e revolucionária à negritude, o certo é que a sua aristocratização e intelectualização se desenvolveram de modo inequívoco. O grupo do Teatro Experimental do Negro […] procurou imprimir às suas atividades um cunho de elite intelectual negra.

Por isso, Costa Pinto entende que ideário de negritude forjado pelo TEN não passava de um mito: “o processo é o mesmo da formação de todo mito; retira-se dos fatos uma abstração, considera-se essa abstração como um fato, e passa-se a enxergar, a pensar, a sentir, a agir em função dessa concepção invertida e mistificada das coisas”.

De acordo com aquele ideário, o negro possuiria atributos específicos, dentre os quais uma sensibilidade aguçada, que o deixava predestinado ao drama, à música, à poesia, à literatura, à dança, ao canto, enfim, às artes. Cumpre assinalar, todavia, que a contribuição sentimental e a predisposição para as artes não são traços específicos da “raça” negra no Brasil, mas resultado histórico de seu processo de adaptação sócio-cultural ao país. Nessa perspectiva, a emotividade inata do negro e sua propensão para o lúdico não passam de um perigoso mito, pois alimenta o preconceito corrente de considerar todos os indivíduos desse grupo racial como incapazes de desenvolver seu potencial para as atividades que exigem racionalidade, seriedade e habilidade intelectual. Como adverte Costa Pinto:

[…] a mesma falsa interpretação do problema que leva os negros entusiasmados com a idéia da negritude a exalçar um extraordinário pendor musical que enxergam na raça – esse mesmo pendor, igual e falsamente interpretado nos mesmos termos da tese da negritude como traço intrínseco à raça e “paideumático” – é apontada pelos estereótipos da sociedade branca como prova de que o ´negro não dá mesmo para outra coisa`, ´negro só está contente com chicote no lombo, cachaça no buxo e viola na mão`.

De toda sorte, o conceito de negritude popularizou-se no país com o tempo, ampliando seu raio de inserção social e adquirindo novos significados. A partir do final da década de 1970, negritude tornou-se sinônimo do processo mais amplo de tomada de consciência racial do negro brasileiro. No terreno cultural, a negritude se expressava pela valorização dos símbolos culturais de origem negra, destacando-se o samba, a capoeira, os grupos de afoxé. No plano religioso, negritude significava assumir as religiões de matriz africana, sobretudo o candomblé. Na esfera política, negritude se definia pelo engajamento na luta anti-racista, organizada pelas centenas de entidades do movimento negro.

Contemporaneamente, a ideologia da negritude é tão elástica que ainda podemos identificar sua expressão em diversas outras manifestações lúdicas e estéticas de afirmação racial: nos bailes da comunidade negra, nos grupos de dança e música afro, na proposta de alguns escritores e poetas que produzem literatura negra. Ela foi inclusive, apropriada pela indústria cultural e transformada em produto de consumo. Casos típicos dessa tendência é o verdadeiro comércio que se instaurou das roupas que têm o padrão estético africano e os cosméticos dirigidos para o segmento negro. Por isso, Diva Damato salienta que, em função da ambigüidade e imprecisão, a palavra “negritude” passou a ser manipulada conforme a conveniência de cada contexto.

Texto extraído do artigo “Movimento da negritude – uma breve reconstrução histórica” de Petrônio Domingues.


Negritude

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O significado do termo negritude

A palavra négritude em francês deriva de nègre, termo que no início do século XX tinha um caráter pejorativo, utilizado normalmente para ofender ou desqualificar o negro, em contraposição a noir, outra palavra para designar negro, mas que tinha um sentido respeitoso. A intenção do movimento foi justamente inverter o sentido da palavra négritude ao pólo oposto, impingindo-lhe uma conotação positiva de afirmação e orgulho racial.

Nessa perspectiva, a tática foi de desmobilizar o inimigo em um de seus principais instrumentos de dominação racial: a linguagem. O próprio Aimé Césaire assinalava que o movimento da negritude representou uma revolução na linguagem e na literatura.

O termo negritude apareceu com esse nome, pela primeira vez, em 1939, no poema Cahier d´un Retour au Pays Natal (“Caderno de um regresso ao país natal”), escrito pelo antilhano Césaire e editado por Volontés:

Minha negritude não é nem torre nem catedral Ela mergulha na carne rubra do solo Ela mergulha na ardente carne do céu Ela rompe a prostração opaca de sua justa paciência.

Na sua fase inicial, o movimento da negritude tinha um caráter cultural. A proposta era negar a política de assimilação à cultura (conjunto dos padrões de comportamento, das crenças, das instituições e dos valores transmitidos coletivamente) européia. O dilema para os africanos e negros da diáspora, assevera Franz Fanon, deixou de ser “embranquecer ou desaparecer”. Até essa época considerava-se positivo apenas, os modelos culturais brancos que vinham da Europa. Para rejeitar esse processo de alienação, os protagonistas da ideologia da negritude passaram a resgatar e a enaltecer os valores e símbolos culturais de matriz africana. Como salienta Jean Paul Sartre, “trata-se de morrer para a cultura branca a fim de renascer para a alma negra”.

Hodierno, negritude é um termo polissêmico. Segundo a classificação de Zilá Bernd, ele pode significar o fato de se pertencer à raça negra; à própria raça como coletividade; à consciência e à reivindicação do homem negro civilizado; à característica de um estilo artístico ou literário; ao conjunto de valores da civilização africana. Já o Novo Aurélio define negritude como:

1) estado ou condição das pessoas da raça negra;

2) ideologia característica da fase de conscientização pelos povos negros africanos da opressão colonialista, a qual busca reencontrar a subjetividade negra observada objetivamente na fase pré-colonial e perdida pela dominação da cultura ocidental.

E, finalmente, o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, o qual define negritude como sinônimo de:

1) qualidade ou condição de negro;

2) sentimento de orgulho racial e conscientização do valor e riqueza cultural dos negros.

Texto extraído do artigo “Movimento da negritude – uma breve reconstrução histórica” de Petrônio Domingues.


Negritude


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Protestantismo e negritude

Uma grande contribuição bibliográfica que trata da questão negritude-protestantismo é a tese de doutorado de Elizete da Silva. Um dos temas trabalhados é a questão da discriminação racial entre os protestantes, mais especificamente, entre os anglicanos e batistas independentes. Seu recorte cronológico abrange o contexto baiano no período que vai de 1880 a 1930.

Para a autora, um dos pontos que devemos considerar, ao analisar a ética e prática protestante, é a distância que existe entre o discurso e a prática desse grupo. Isto é, “as diferenças entre o concebido teologicamente e a vivência cotidiana dos fiéis, inclusive do próprio clero”, oposição claramente observada nas documentações trabalhadas.

Elizete Silva observou que embora o discurso teológico ensinasse sobre a unidade de todos os seres humanos, sem distinção, era possível perceber posicionamentos que deixavam escapar o preconceito contra os negros e, portanto, a distinção entre as pessoas. Um bom exemplo apontado pela autora é o texto de uma revista do clero anglicano escrita em 1908, em que o articulista dizia que o negro devia ocupar seu lugar, que não era certo desejar lugares que ele não poderia ocupar e encerra dizendo:

“o problema com o negro é que ele está o tempo todo tentando obter reconhecimento, quando o que devia estar fazendo é obter algo para reconhecer”.

Outros documentos analisados pela pesquisadora, como cartas escritas por reverendos anglicanos, deixam escapar concepções racistas, por exemplo, quando descreviam a estrutura física dos negros comparando-os com animais selvagens, ou mostrando-os como intelectualmente inferiores, ou, até mesmo, como grosseiros e incapazes de boas maneiras civilizadas, etc.

Elizete Silva aclara que algumas atitudes em favor do escravo, por parte dos batistas, podiam ser percebidas. Como o caso citado pela autora, de um escravo que freqüentava a igreja batista de Salvador, mas foi proibido por seu ‘dono’ de assistir aos cultos. Diante dessa situação, os membros da igreja decidiram comprar a liberdade do escravo. Atitude que não pode ser interpretada como uma posição política dos batistas contra a escravidão, pois não houve nenhum tipo de ação coletiva nesse sentido. De acordo com a autora,

“a alforria do irmão escravo fazia parte de uma estratégia evangelística e não uma ação política mais abrangente que questionasse o escravismo enquanto sistema econômico, baseado na propriedade de seres humanos, como mão-de-obra servil.”

Após 1888, com a abolição oficial da escravatura brasileira, contraditoriamente, os batistas passam a condenar a escravidão por ser incompatível com a fé cristã. Os batistas compartilhavam da versão difundida pela historiografia oficial, interpretando a abolição como uma sucessão de medidas naturais tomadas pelos governantes, desconsiderando as lutas e resistências dos negros.

Por se centrarem na salvação das almas perdidas, poucos refletiram sobre as reais condições sociais e políticas vivida pelos negros e demais brasileiros.

Esse texto é parte do artigo: “Religião e negritude: discursos e práticas no Protestantismo e nos Movimentos Pentecostais”. Autora Cristina Kelly da Silva Pereira.

Imagem: Pregação de David LivingstoneSociedade Missionária de Londres – Crédito: Wikimedia Commons, o repositório de mídia livre – Esta imagem é de domínio público porque seus direitos autorais expiraram e seu autor é anônimo.

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